Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
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terça-feira, 14 de junho de 2011
Los hermanos reincidentes (fariam tudo outra vez; alias, fazem...)
Fazem mais ou menos 80 anos (repito, oitenta anos) que eles erram, tropeçam, cometem equívocos, se enganam, fazem bobagens, abusam da lógica (e da paciência dos vizinhos) e, no entanto, ainda pretendem continuar errando, tropeçando, se equivocando, fazendo bobagens continuadas e a abusar da lógica formal, da informal e da paciência dos vizinhos.
Eu ainda quero ver um livro cujo título seria: Inacreditáveis Argentinos!
(ponto de exclamação ao final, comme il faut)
Não sei quem o escreveria, mas do meu ponto de vista um historiador econômico, mas não tenho certeza. Talvez um psiquiatra, dos bons, neurologistas, receitadores de remédios e, se precisar, de camisa de força.
Não um psicanalista, pois a Argentina já os tem aos montes, mais do que o resto da América Latina inteira, e não adiantou nada até agora. Acho até que lhes fez muito mal, como convencê-los, talvez, que eles eram superiores a todos os demais hermanos da região, quase como ingleses deslocados no Atlântico Sul (como reza uma velha piada), arrogantes como soiam ser os imperialistas britânicos nos bons tempos.
E os argentinos já foram arrogantes, e como. Hoje deveriam ser mais modestos, e aprender com seus erros (e alguns acertos, não vamos recusar; por exemplo, no futebol, se tirarmos essa figura bizarra, histriônica e ridícula que foi o Maradona, que fez tudo errado, como a maioria dos argentinos, aliás).
Pois saibam vocês que cem anos atrás, os argentinos possuíam a maior renda per capita da AL, eram mais ricos do que certos europeus, bem mais do que os brasileiros (evidentemente) e tinham cerca de 70% da renda per capita dos americanos, já então um dos povos mais ricos do mundo.
Cem anos depois o que temos?
Os argentinos só dispõem de 30% da renda per capita dos americanos, num dos recuos mais formidáveis que conhece a história econômica. Nós, brasileiros, continuamos distantes da renda per capita dos americanos, mas já nos aproximamos bastante da renda per capita dos argentinos, que são só um pouco mais ricos do que nós.
Mas, pasmem leitores, surpreendam-se, e eu quase não acreditei nos resultados quando vi: nos exames do PISA de 2006 e de 2009 -- Program for International Student Assessment, da OCDE, vejam no site www.oecd.org -- os estudantes de 15 anos da Argentina ficaram entre os piores do mundo, nos últimos lugares, depois do Brasil em leitura e matemática (não tenho certeza se em ciências também).
Isso é inacreditável: a terra de Sarmiento, de Mitre, de tantos intelectuais, e até de um ou outro Prêmio Nobel (nós até agora não ganhamos nenhum), ficou atrás do Brasil em desempenho escolar.
Essa é extraordinária, revela um tremendo atraso mental, que talvez explique o sentido da entrevista abaixo transcrita do empresário industrialista, que pede não só para continuar praticando as mesmas bobagens que fizeram durante tantos anos, como parece pedir para que concordemos em que eles estão certos...
Inacreditáveis argentinos!
Essa merece um livro...
Paulo Roberto de Almeida
PS: Só concordo com uma coisa que ele disse: que o Brasil também é protecionista.
Indústria argentina quer manter a proteção
Daniel Rittner | De Buenos Aires
Valor Econômico, 14/06/2011
Há pelo menos dez anos, o empresário têxtil José Ignacio de Mendiguren é o porta-voz mais conhecido da indústria argentina. Por isso mesmo, ele tem farta experiência nos conflitos comerciais com o Brasil. Ainda neste mês, Mendiguren embarcará para São Paulo com um grupo de lideranças da União Industrial Argentina (UIA), que preside desde abril, pela segunda vez.
Com o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, pretende abrir o caminho para acordos setoriais que possam reduzir o nível de tensão no comércio entre Brasil e Argentina. "Primeiro eu vou entregar a ele uma caixa de charutos. Com isso vou convencê-lo de qualquer coisa", afirma o empresário de 60 anos, dono da Texlona e conhecido como "El Vasco", pela ascendência basca.
Mas que ninguém, na Fiesp ou no governo brasileiro, espere facilidade nas conversas. Admirador do presidente Juscelino Kubitschek, ele garante que o Brasil também é protecionista, "mas com muita inteligência, sem reconhecer". E diz que a indústria argentina ainda não pode prescindir de mecanismos de proteção contra seus concorrentes.
"Não se pode sair da terapia intensiva, como em 2001, e correr a São Silvestre alguns anos depois", avalia Mendiguren. Naquele ano, ele presidia a UIA pela primeira vez, quando foi chamado pelo então presidente Eduardo Duhalde para assumir o recém-criado Ministério da Produção, em meio ao caos social e econômico vivido no país.
Na semana passada, quando recebeu o Valor na sede da instituição, na tradicional avenida de Mayo, as portas do edifício estavam trancadas. Momentos antes, manifestantes da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), que bloqueavam a avenida, atiraram pedras e quebraram vidros no hall de entrada da entidade.
Na entrevista, Mendiguren defende uma "agenda estratégica e visão de longo prazo" para o Mercosul. E sustenta que as medidas protecionistas adotadas pelo governo argentino devem ser entendidas como um mecanismo para compensar provisoriamente as diferenças dentro do bloco. Cita, por exemplo, a assimetria entre as condições de financiamento no Brasil e na Argentina. "No dia em que o industrial sair do Banco de la Nación com financiamento para abrir uma fábrica no Brasil, poderemos baixar a guarda".
Valor: No Brasil, os industriais argentinos têm a fama de reclamões, protecionistas e pouco competitivos. Como o sr. responde?
José Ignacio de Mendiguren: Com outra pergunta: o que faria um industrial brasileiro se tivesse enfrentado as mesmas circunstâncias que nós vivemos nas últimas três décadas? Nenhum outro país teve a volatilidade macroeconômica que vivemos, na Argentina, entre 1976 e 2001. Foi um período em que não só deixamos de crescer, como nos desindustrializamos. Tivemos oito modelos econômicos totalmente diferentes, e cada um deles terminava em grandes crises. Chegamos a ver cinco presidentes da República em dez dias, enquanto 18 moedas circulavam pelo país e decretava-se a maior moratória da história da humanidade. É nesse ambiente que tivemos que fazer negócios.
Valor: Ninguém ignora o histórico de dificuldades, mas setores do governo brasileiro dizem que já se passaram dez anos desde a crise de 2001 e que já houve tempo de sobra para se reindustrializar.
Mendiguren: Respeitemos os tempos. Não se pode sair da terapia intensiva, como em 2001, e correr a São Silvestre alguns anos depois. Uma questão não resolvida, na Argentina, é o financiamento. Só o que o BNDES empresta à indústria brasileira, em proporção do PIB, equivale a todo o crédito da economia argentina - algo perto de 12% ou 13%. Isso não é culpa do Brasil. É culpa nossa, mas não dá para comparar as duas economias. Enquanto o Brasil está estimulando a internacionalização de suas companhias, o que é um processo indispensável ao desenvolvimento de qualquer país, nós não temos crédito sequer para financiar a expansão interna.
Valor: Então o sr. defende as medidas protecionistas como um mecanismo compensatório das diferenças no Mercosul?
Mendiguren: Elas são, mas temporárias. Todos os países ricos do mundo chegaram ao desenvolvimento pela escada do protecionismo. E, depois de terem chegado lá, chutaram a escada. Mas entendo que são medidas provisórias. O Brasil está em outro estágio de desenvolvimento. Imagine o dia em que o industrial argentino sair do Banco de la Nación com financiamento para abrir uma fábrica no Brasil. Quando chegar esse dia, poderemos baixar a guarda.
Valor: A indústria argentina ainda não tem condições de sobreviver sem proteção?
Mendiguren: Existem dificuldades. Mas o mundo inteiro adotou formas de proteger suas indústrias, não só a Argentina, com a crise de 2008. Os estoques que não puderam ser colocados nos mercados tradicionais foram despejados em outras regiões, como a nossa. Isso pode destruir setores. Todos os países agiram a favor de seus mercados, seja por meio da guerra de moedas, seja por mecanismos de administração do comércio, que não são necessariamente tarifários, como restrições fitossanitárias, por exemplo. Todo o mundo foi pragmático nessa crise.
Valor: Mas parece ter havido um excesso de protecionismo na Argentina, que dura até agora.
Mendiguren: As formas é que talvez sejam distintas. O Brasil sempre aplicou essas medidas, mas com muita inteligência, sem reconhecê-las. Nós dizemos que vamos aplicar. Mas o efeito é o mesmo.
Valor: O Brasil também é meio protecionista?
Mendiguren: Meio?! Se você olhar com um olho só, o Brasil é meio protecionista. Quer que eu lembre todas as coisas que o governo brasileiro fazia quando a balança comercial com a Argentina lhe era desfavorável? Parava caminhões na fronteira com alimentos perecíveis. Diziam na alfândega que o peso exato da carga não era o mesmo do registro de exportação. Quando os produtos não coincidiam com o valor de referência que o Brasil determinava, o sistema informatizado caía de repente. Se quiséssemos, tínhamos que fazer o processo manualmente e a um custo adicional. Com os produtos lácteos, até hoje eles só podem entrar quando há problemas domésticos de oferta.
Valor: Então há um excesso de rigor quando os empresários brasileiros reclamam dos argentinos?
Mendiguren: Quando as condições macroeconômicas são favoráveis, os empresários argentinos têm uma história de sucesso para contar. A Argentina foi um dos primeiros países em desenvolvimento com multinacionais: Siam Di Tella, Bunge & Born e YPF. Há um caso emblemático, o da Alpargatas São Paulo, que foi montada pela Alpargatas Argentina. Cem anos depois, a filha comprou a mãe (hoje ambas são controladas pela Camargo Corrêa). Isso não ocorreu por culpa dos empresários, mas pelas diferenças macroeconômicas e industriais entre Brasil e Argentina.
Valor: Como se explica, apesar do câmbio favorável à Argentina, um desequilíbrio comercial tão grande com o Brasil?
Mendiguren: Não se deve olhar a taxa de câmbio nominal. O peso se desvalorizou, mas com um aumento da inflação que equivale mais ou menos à apreciação que teve o real. Mas não devemos nos ater aos problemas de conjuntura. A grande pergunta é se o Mercosul continua sendo uma vantagem aos setores empresariais dos dois países. Eu acredito que sim. Sou um defensor do Mercosul. Sou pró-Brasil, está claro?
Valor: Mas o Mercosul não está em seus melhores dias...
Mendiguren: O Mercosul se resolve com mais Mercosul, mas com mais institucionalização. Se Brasil e Argentina continuarmos nos olhando só como mercados, sem uma visão ampla de integração, vão persistir esses problemas. E cada problema se torna imenso, porque não existe uma agenda estratégica. O mundo está dando uma grande oportunidade à região. Há quase 1 bilhão de habitantes entrando na classe média, que demandam os nossos produtos. Temos que aproveitar essas condições favoráveis não só para crescer, mas para nos desenvolvermos, senão há um risco de primarização das nossas economias. Há uma diferença entre as duas coisas. O crescimento é espontâneo: crescemos pelos preços das nossas commodities. Mas o desenvolvimento precisa da criação de políticas e ferramentas para ir na direção que queremos. Essa é a oportunidade que Brasil e Argentina não podem perder. Não podemos apostar só nos recursos naturais.
Valor: Há quem diga no Brasil que as posições da indústria argentina têm dificultado avanços em direção a um acordo de livre comércio com a União Europeia. A Argentina está preparada para fazer concessões?
Mendiguren: Queremos um acordo, mas um acordo equilibrado. É certo que o Brasil tem uma posição diferente à da Argentina. Por quê? O Brasil tem cartas guardadas para negociar, como o setor de serviços ou as compras governamentais. A Argentina entregou tudo nos anos 90. Aqui, qualquer banco brasileiro pode vir e instalar-se amanhã. Nas licitações públicas, qualquer empresa pode vir. Ou seja, não é que o empresário argentino seja mais ou menos protecionista do que qualquer outro. Eu faço uma pergunta de outra forma. Quais as condições da nossa indústria, sem termos nada do que têm os empresários brasileiros: crédito, estabilidade, plano de desenvolvimento? Precisaríamos ter três cabeças.
Valor: Passando a questões domésticas, como o senhor avalia os governos de Néstor e de Cristina Kirchner?
Mendiguren: Acredito nos resultados para o nosso setor. Há muito tempo não vemos uma Argentina com a macroeconomia tão ordenada. A dívida está em 30% do PIB, não há déficit fiscal. E vemos que as condições internacionais positivas vão se manter. É preciso somente fazer os ajustes necessários para passar de um processo de crescimento a um processo de desenvolvimento econômico. Sou bastante otimista com a Argentina. E acho que o Brasil, pelos seus investimentos aqui, também é. A Argentina pode tranquilamente dobrar seu PIB nos próximos três mandatos presidenciais, um período de 12 anos, e ter uma redistribuição pela qual os salários voltem a significar 50% da renda nacional.
Valor: Mas há uma inflação cada vez mais preocupante, que beira 25% ao ano. Muitos economistas cobram um plano para atacá-la imediatamente.
Mendiguren: Não creio em choques, mas em um plano gradual, de metas de inflação que possam ir baixando gradualmente a alta de preços. A Argentina não tem um problema estrutural de inflação. Nos anos 80, tínhamos um dólar que disparava de repente e se refletia nos preços, uma economia indexada, um déficit fiscal tremendo que levava a uma emissão descontrolada. Ou seja, a inflação era estrutural. Hoje não ocorre isso.
Valor: O que a Argentina deve fazer para seguir crescendo?
Mendiguren: O que falta é mais investimento. A taxa de investimento não está caminhando com a mesma velocidade que as necessidades de uma economia em forte expansão. É preciso conhecer as regras do jogo, é verdade. Obviamente a segurança jurídica é importante para nós, mas isso somente não basta. Não sei qual é a segurança jurídica que tem a China, por exemplo. O que a Argentina precisa para sustentar o crescimento de 92% que teve a indústria, desde 2001, é definir que o rumo não será mudado. Que não voltamos aos tempos de Cavallo [Domingo Cavallo, ministro da Economia no governo Menem e pai do Plano de Conversibilidade, nos anos 90], de Martínez de Hoz [ministro da Economia na segunda metade dos anos 70, durante a última ditadura militar, de ideário fortemente liberal], sem mágicas, priorizando a geração de riqueza e de trabalho.
Valor: A Argentina deve adotar o Brasil como modelo para alguma coisa?
Mendiguren: Vocês estão há cinco décadas em um rumo que não se modifica. Sou um leitor dos diálogos entre os presidentes Juscelino Kubitschek e Arturo Frondizi. Em 1958, o Brasil e a Argentina tinham o mesmo PIB, mas tínhamos um terço dos habitantes. Olhemos a história: o Brasil nunca abandonou os seus planos, nem mesmo nos regimes militares, que aprofundaram o modelo de industrialização. Aqui, aplicaram um modelo neoliberal. O mausoléu de JK, em Brasília, é maior do que a Catedral de Buenos Aires. Enquanto isso, Frondizi não é nome sequer de uma travessa e está enterrado no túmulo de uma irmã sua, em um cemitério de Vicente López [município da Grande Buenos Aires].
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