O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Brazil Journal. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brazil Journal. Mostrar todas as postagens

sábado, 2 de março de 2024

Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal - Filme premiado - Jerônimo Teixeira Brazil Journal

 Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal

Jerônimo Teixeira

Brazil Journal, 24/02/2024

https://braziljournal.com/em-zona-de-interesse-o-holocausto-visto-do-quintal/

 

Rudolf e Hedwig Höss recebem amigos em casa. Em plano amplo, a cena mostra o anfitrião, de costas, em um casual terno branco, observando as crianças que brincam na piscina. Sua mulher está adiante, perto da estufa de plantas, com o filho bebê no colo. Logo acima do telhado da estufa, uma linha de fumaça branca começa a se formar, da direita para a esquerda. É mais um trem que chega, carregando prisioneiros para o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas – uma usina de extermínio que produziu mais de um milhão de mortos, a maior parte deles judeus. Rudolf Höss, oficial da SS, foi seu principal comandante. Produção inglesa com elenco alemão que ganhou o Grand Prix em Cannes no ano passado e concorre a cinco Oscars, inclusive o de melhor filme, Zona de Interesse (The Zone of Interest), em cartaz nos cinemas, apresenta o genocídio dos judeus sob um ângulo raro e desconcertante. O espectador jamais verá os passageiros do trem descerem à plataforma, onde passarão pela triagem que separa os aptos a trabalhar dos velhos, crianças e doentes que vão direto para a câmara de gás. Os internos do campo quase não aparecem em cena – uma exceção é o soturno jardineiro que traz cinza dos crematórios para adubar as flores da senhora Höss. O filme oferece apenas vislumbres do que acontece do outro lado do muro com arame farpado que se vê do quintal da família Höss, constituída pelo casal e seus cinco filhos. O horror do Holocausto, no entanto, se torna mais presente e opressivo porque o filme o apresenta da perspectiva dos algozes. E não há deleite sádico nem fervor fanático no comportamento deles, apenas indiferença e o mais completo embotamento moral. Vivida pela ótima Sandra Hüller – que concorre ao Oscar por outro filme, Anatomia de uma Queda – Hedwig Höss gosta das mordomias a que tem acesso por ser mulher do comandante do campo de concentração. Vemos, por exemplo, ela experimentar o casaco de pele espoliado de uma prisioneira – e ainda usar o batom que encontra no bolso. É uma cena sem diálogo, que extrai significados tenebrosos de um gesto trivial que tantas mulheres fazem em frente ao espelho. Hedwig tem especial orgulho da confortável casa da família, com horta, jardim, piscina, piano e empregadas polonesas. Do quintal, ouvem-se ordens berradas em alemão, gritos de dor, tiros, mas nada disso incomoda os moradores. Para eles, é ruído branco, como o barulho do tráfego para quem mora em uma rua movimentada. Christian Friedel também compõe seu personagem de forma excepcional. É um pai devotado que leva a prole para passeios pela floresta e lê a história de João e Maria para a filha que sofre de sonambulismo. Ao mesmo tempo, é um diligente funcionário da indústria da morte, que discute detalhes técnicos dos fornos crematórios com os fabricantes (o forno em que a bruxa de João e Maria é queimada viva ganha uma ressonância sinistra aqui). Promovido a um cargo de supervisão na Alemanha – para revolta de sua mulher, que bate o pé para continuar ocupando sua bucólica casa em Auschwitz – ele monta um plano para transferir os judeus da Hungria para os campos. Dirigido e roteirizado pelo inglês Jonathan Glazer, o filme é livremente baseado em A Zona de Influência, excelente romance do também inglês Martin Amis, que morreu no ano passado (o título não é explicado no filme: “zona de interesse” era a área restrita ao redor do campo de concentração). No livro, porém, o comandante de Auschwitz era um personagem fictício chamado Paul Doll, e sua mulher, Hannah, tinha um caso com outro oficial da SS. Glazer dispensou o adultério. Também cortou personagens importantes como Szmul, o triste judeu polonês que faz parte dos Sonderkommando, grupos de prisioneiros forçados a colaborar com seus carrascos em tarefas degradantes, como arrancar os dentes de ouro dos mortos (no filme, porém, o filho mais velho dos Höss tem uma latinha onde guarda dentes de ouro). Reduzido a seus elementos básicos e com personagens mais próximos às figuras históricas, Zona de Interesse é uma exposição contundente da natureza do nazismo. É um filme de andamento lento, em que na aparência pouca coisa acontece, mas que abala a ilusão confortadora de que os nazistas afinal eram aberrações, pontos fora da curva na história da humanidade. Fatalmente, o filme evoca a “banalidade do mal” de que Hannah Arendt falou em Eichmann em Jerusalém. A certa altura dessa obra, a filósofa alemã fala do estado de auto-engano em que os alemães viveram durante o nazismo. Em um dos grandes momentos de Zona de Interesse, o véu do auto-engano rompe-se para uma visitante na casa dos Höss, quando ela vê as chamas do crematório erguerem-se na noite escura. É uma das poucas personagens do filme que compartilha a perturbação com que saímos do cinema.

Leia mais em https://braziljournal.com/em-zona-de-interesse-o-holocausto-visto-do-quintal/ .

 


sábado, 17 de fevereiro de 2024

Paulo Niemeyer: “As cirurgias estão com os dias contados” - Brazil Journal

Grato a meu amigo Mauricio David, pela transcrição. 


Paulo Niemeyer: “As cirurgias estão com os dias contados” 

 Brazil Journal 

Considerado um dos mais renomados neurocirurgiões do país, o médico carioca Paulo Niemeyer é enfático ao prever que as cirurgias devem acabar no futuro, com os avanços da genética e da imunoterapia. “A tendência é que desapareçam. “É difícil falar em tempo, mas, do jeito que a genética e a imunoterapia estão progredindo, acho que muita coisa vai mudar. Progressivamente, as cirurgias vão perder a razão de existir.” Com cinco décadas de experiência e uma extensa lista de celebridades que já operou, ele tem mais do que propriedade para falar sobre o assunto. Por suas mãos já passaram nomes como o músico Herbert Vianna, a atriz Malu Mader, o ator Paulo José e a jornalista Glória Maria. Para o neurocirurgiãoo grande problema atualmente não é mais “tirar o tumor, mas evitar que ele volte”. E ele aponta as áreas que precisam avançar: genética e imunoterapia. “Uma vez que isso se desenvolva, você não vai precisar mais operar. Com o diagnóstico feito o paciente vai tomar um remédio, fazer um tratamento e o tumor vai regredir,”, diz o médico a Nilton Bonder neste episódio do The Business of Life. Filho de um dos pioneiros da neurocirurgia no Brasil, Niemeyer carrega o mesmo nome do pai e o DNA da medicina no sangue. Formou-se em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem pós-graduação na Inglaterra e doutorado na Escola Paulista de Medicina. De acordo com ele, seguir a mesma profissão foi um “caminho natural.” Na entrevista, Niemeyer destaca que a medicina está entrando em um novo estágio, passando por uma transformação. E destaca que o momento é “espetacular” para as áreas cognitiva e de tratamentos de doenças. “Estamos vivendo hoje o que os médicos viveram na Renascença. Naquela época, eles abriam o cadáver, olhavam para o fígado, o rim e não sabiam para o que serviam, qual nome dariam. Agora, estamos vivendo isso com a genética,” pontuou. À frente do Instituto Estadual do Cérebro, no Rio de Janeiro, o neurocirurgião contou ainda sobre o centro, que se tornou referência internacional em neurocirurgia e procedimentos de alta complexidade e atende exclusivamente pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Criado há cerca de dez anos, o instituto virou “referência de hospital público que deu certo e que os pacientes querem ir para lá”. “É um lugar de referência e qualidade,” comentou. De duas a três vezes por semana, o médico disse que opera no hospital. “Hoje estamos fazendo 2 mil cirurgias por ano. Tudo pelo SUS e com uma qualidade igual a qualquer hospital privado no país. É um projeto de sucesso, que fico muito feliz de estar à frente.” Aos 71 anos, o médico e autor de livros como “O que é ser médico” e “No labirinto do cérebro” é membro, desde 2021, da Academia Brasileira de Letras. Para se manter atualizado, ele diz que o segredo é não fechar os olhos. “É preciso estar aberto a todas as novidades.”

Leia mais em https://braziljournal.com/paulo-niemeyer-as-cirurgias-estao-com-os-dias-contados/?utm_source=Brazil+Journal&utm_campaign=fa1d993963-news16022024-2-_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_850f0f7afd-fa1d993963-427950289 .

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Dois para frente, um para trás: os retrocessos e distorções que sabotam o Brasil - Marcos Lisboa, Marcos Mendes (Brazil Journal)

 Dois para frente, um para trás: os retrocessos e distorções que sabotam o Brasil

Marcos Lisboa, Marcos Mendes

Brazil Journal, 21/01/2024

 

Nas últimas cinco décadas, a economia brasileira tem tido um comportamento ciclotímico: são sequências de anos bons seguidos por crises severas. De acordo com o Banco Mundial, entre 1980 e 2019, nos períodos em que tivemos variação positiva do PIB per capita, o nosso crescimento médio (2,8%) até superou o da economia líder do mundo, os EUA (2,2%). 

O problema é que levamos muito mais tombos: tivemos 14 anos de variação negativa do PIB per capita, contra apenas 7 dos EUA. E nossas quedas foram mais intensas: em média, de 2,6%, contra apenas 1,9% nos EUA. 

Essa volatilidade – que prejudica o investimento, a expansão da infraestrutura e o aumento recorrente da produtividade – tem origem numa política econômica igualmente ciclotímica. 

Em alguns momentos, surpreendentemente conseguimos aprovar reformas importantes, como a da Previdência e a Tributária, que há muito vinham sendo evitadas. Mas assim que o cenário econômico melhora, o Brasil aceita diversos retrocessos, concedendo benefícios a grupos organizados que fragilizam as contas públicas e pioram nossa eficiência produtiva. 

Neste artigo mostramos o risco de que esses retrocessos mantenham o nosso histórico de política econômica ciclotímica, causadora de volatilidade: alguns anos de crescimento razoável seguidos de crises – o clássico “voo de galinha” – resultando num desempenho medíocre no médio e longo prazos. 

Tratamos da ciclotimia da política fiscal em diversos artigos. Com o crescimento da arrecadação, a despesa permanente com salários, aposentadorias e benefícios aumenta, como ocorreu em muitos municípios desde a pandemia. Mas quando os tempos ficam mais difíceis, essa despesa não pode ser reduzida, e a conta cai no colo da União. 

Neste texto vamos nos concentrar nos retrocessos regulatórios recentes bem como nas distorções no ambiente de negócio que prejudicam a produtividade e o crescimento sustentável. Fizemos muitas reformas.

O país passou por reformas significativas, em especial a partir de 2015. Muitos analistas apontam indícios de que a reforma da legislação trabalhista tem parte do mérito pela queda do desemprego sem a correspondente pressão inflacionária. A reforma da previdência ajudou a tornar menos agudo o problema fiscal. 

A autonomia do Banco Central colaborou com o bem-sucedido processo recente de desinflação. Muitas outras ajudarão no crescimento dos próximos anos, desde a Agenda BC# até os marcos regulatórios de infraestrutura. 

O atual governo contribuiu de modo relevante. A aprovação da reforma tributária, discutida há mais de vinte anos, promete grande simplificação, redução de custos e incentivo à racionalização da produção. Um feito de primeira grandeza. 

Além disso, deu-se continuidade a esforços do governo anterior, como na regulamentação de apostas esportivas, no marco regulatório do setor de ferrovias e de garantias de operações de crédito. 

Mas o fato de termos feito muitas reformas não quer dizer que temos uma agenda claramente modernizadora. Pelo contrário. É espantosa a facilidade com que adotamos políticas que deterioram o ambiente de negócios, diminuem a concorrência, criam cartórios e fragilizam as contas públicas. Sinais preocupantes para o futuro O cenário internacional foi melhor em 2023 do que se esperava há um ano, com queda da inflação impondo, até agora, baixo custo sobre a produção e o emprego. Internamente, porém, nos encontramos na perigosa fase do ciclo em que as reformas recentes nos ajudam a tirar o nariz do ambiente de crise, e se abrem oportunidades para retrocessos. Os sinais emitidos desde o fim da pandemia têm sido preocupantes. 

Vamos listar diversas questões regulatórias. O Poder Executivo acredita que o crescimento pode ser impulsionado por meio da distribuição de proteção e subsídios a setores organizados. O Congresso, por sua vez, é bastante sensível ao lobby desses setores. Isso deixa a porta aberta para a rápida aprovação de múltiplas políticas de proteção comercial e subsídios, além de decisões que desrespeitam a segurança jurídica. 

Fernando Veloso sistematiza a evidência empírica das consequências negativas desse tipo de política sobre a produtividade e o crescimento. Retrocessos regulatórios A pesquisa acadêmica com micro dados identifica a importância da integração econômica para o crescimento. 

No entanto, o governo oferece sinais ambíguos nessa área, como ao colocar freio no acordo com a União Europeia sob a justificativa de reservar o mercado de compras governamentais para empresas nacionais. Em especial, o governo está preocupado em manter as licitações do SUS restritas a fornecedores instalados no País, alimentando a ideia de criação de um Complexo Industrial da Saúde. Ou seja, a prioridade deixa de ser atender a população com o menor custo e a maior qualidade possível, e passa a ser a substituição de importações no fornecimento ao SUS. 

A evidência empírica indica que a estratégia de fazer exigências de conteúdo local para desenvolvimento da indústria nacional teve algum sucesso em casos muito específicos, mas se mostrou ineficaz na maioria das experiências internacionais: quanto mais sensível é o Poder Público à ação de grupos de pressão, mais essa política tende a se degradar na proteção de empresas ineficientes, sem ganhos de produtividade no médio prazo, restringindo a competição e a inovação. Há anos temos esse tipo de exigência em diversas políticas: nos financiamentos concedidos por bancos públicos, nos benefícios da Zona Franca de Manaus, na lei de licitações. Não há avaliações de impacto que mostram saldo positivo entre benefícios e custos. 

No entanto, a orientação do governo é para aprofundar a política. Recente reunião do Conselho Nacional de Política Energética desfez parte da reforma de 2017, elevando os requisitos mínimos de compra de insumos nacionais por empresas de exploração de petróleo e gás. Em uma agenda de pesquisa aplicada sobre a regulação no setor de óleo gás, o núcleo de energia da UFRJ constatou que as políticas de conteúdo nacional prejudicam a produção e desestimulam a concorrência, tendo por vezes resultados opostos aos pretendidos. Diana Pietro mostrou que essa política derrubava significativamente as expectativas de retorno e eram determinantes para que uma operadora desistisse de dar lances num leilão ou abandonasse campos já adquiridos. Edmar Almeida e coautores mostraram que em um cenário sem exigência de conteúdo local os investimentos da indústria de petróleo gerariam 60 mil empregos a mais no ano de pico de produção. 

O Governo tenta reverter na Justiça a privatização da Eletrobras, questionando as regras aprovadas em lei. Também tentou interferir em decisões da empresa, agora privada, como no episódio da absorção de Furnas, uma subsidiária da Eletrobras, pela holding. 

A Vale, outra empresa privada, também está na mira do governo. Isso revela a fragilidade do marco legal do País, sujeito ao mando arbitrário de plantão em Brasília, o que prejudica os investimentos. O Congresso Nacional tem dado respaldo a lobbies de diversos participantes do mercado de energia. 

A lei que aprovou a privatização da Eletrobras continha “jabutis” criando mercados cativos ou reserva de recursos para remunerar fontes ou mecanismos de transmissão de energia que não são os mais eficientes, ou obrigando a construção de uma logística desnecessária, que beneficia alguns produtores, mas implicará custo adicional a ser pago na conta de energia das famílias. 

Atualmente discute-se um projeto de regulamentação de geração de energia eólica offshore (PL 11.247/2018), que se tornou um cabide para pendurar diversos outros interesses. O resultado é o aumento da conta de energia. Parlamentares usualmente buscam impedir aumentos de tarifas de energia determinados pela ANEEL, muitas vezes causados por subsídios que eles próprios patrocinaram. Mais uma vez, insegurança jurídica e desestímulo ao investimento. Ao final do ano foi aprovado o “Programa Mover” de estímulo à indústria automobilística. Trata-se de reencarnação de dois programas anteriores, o “Inovar-Auto” e o “Rota 2030”. Todos foram criados com o mote de estimular a inovação e a descarbonização, mas o objetivo principal sempre foi a proteção contra a concorrência internacional. Avaliação independente mostra as fragilidades e o alto custo das iniciativas. 

Simultaneamente, aumentou-se o imposto de importação sobre carros elétricos. A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), ao longo de 2023, também aumentou a tributação na importação de produtos siderúrgicos, químicos, painéis solares e pneus, revertendo o tímido movimento de abertura dos governos anteriores. Foi enviado ao Congresso projeto de lei prevendo a depreciação acelerada de máquinas e equipamentos, para efeitos fiscais. Tenta-se gerar competitividade mediante subsídios, quando o que a economia precisa é de acesso a máquinas e equipamentos modernos, disponíveis no mercado internacional, como apontado por Lisboa e coautores. 

O governo anunciou um programa para vender passagens aéreas baratas a estudantes e aposentados. Será preciso dar contrapartidas às empresas. Abrir o balcão do BNDES com subsídio, garantir combustíveis mais baratos para este setor ou conceder benefícios tributários serão opções que, cedo ou tarde, serão colocadas sobre a mesa. Além disso, aposentados e muitos estudantes fazem parte de grupos de renda média, que receberão recursos extraídos da sociedade em vez dos grupos sociais mais vulneráveis. 

A Petrobras aprovou um plano de negócios com espaço para voltar a fazer política pública intervencionista. Simbolicamente, o Presidente da República deu início à retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima, um símbolo bilionário do mau planejamento e uso político da estatal. A empresa também cancelou a privatização da refinaria Lubnor e sinalizou interesse em reestatizar Mataripe por meio de questionamento judicial da venda. Isso contraria acordo de reversão de conduta anticoncorrencial firmado como o CADE e fragiliza a segurança jurídica. A política de preços da estatal tornou-se opaca. 

Em 2023, com a ajuda da queda do petróleo no mercado internacional, foi possível puxar os preços internos para baixo sem prejudicar a lucratividade. Vejamos o que acontecerá quando os preços começarem a subir no exterior. A experiência passada mostra que essas políticas levaram à perda de valor da empresa, abuso de práticas monopolistas e perda de eficiência econômica. 

A marcha à ré nas privatizações não foi apenas no âmbito da Petrobras e Eletrobras. Houve também a simbólica desistência da extinção da empresa de produção de chips (CEITEC). Além disso, houve a volta das indicações de políticos com pouco conhecimento técnico para a gestão e os conselhos dessas empresas, com base em liminar concedida pelo STF que enfraqueceu a lei das estatais. 

O BNDES foi o motor da política de indução de crescimento no passado recente. Avaliação feita pelo próprio governo federal aponta que os subsídios creditícios oferecidos pelo Banco não tiveram impacto nos investimentos das grandes empresas beneficiárias, resultado similar ao obtido por Bonomo e coautores, a partir de extensa base de microdados sobre os créditos concedidos e o desempenho dessas empresas. Não obstante essas evidências, o Banco está construindo instrumentos para voltar a atuar como no passado, expandindo a concessão de crédito subsidiado para empresas selecionadas, à custa de dívida pública e dos recursos captados por meio de tributos: conseguiu, junto ao TCU, postergar devolução ao Tesouro de empréstimos irregulares e vai lançar título próprio, ganhando autonomia em relação ao Orçamento e, ao mesmo tempo, tornando-se concorrente do Tesouro na captação de recursos. Foi colocado sob gestão do Banco o recém-criado “Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico”. Um fundo privado, voltado a financiar política industrial, fora do Orçamento, mas que receberá recursos públicos. Com isso, aumenta a intervenção pública no mercado de crédito, o que trabalha contra a eficiência alocativa, diminui a potência da política monetária e prejudica as novas empresas em favor das grandes e já estabelecidas. O Banco também está desenhando uma política de proteção cambial a investidores estrangeiros que, ao fim e ao cabo, significa transferir para o contribuinte o custo e risco de oscilações cambiais, que deveriam ser suportados pelos investidores. Assim, se a volatilidade cambial ocorrer, o contribuinte passa a pagar a conta que caberia ao acionista. Foi estancada a venda de ações da carteira do BNDESpar, que seria a forma mais lógica e eficiente de prover funding ao banco, uma vez que não há sentido em manter participação em empresas já consolidadas no mercado. Aproveita-se essa participação acionária do BNDES para instalar políticos nos conselhos de empresas privadas. Abriu-se uma brecha para a realização de financiamentos com taxas subsidiadas, abaixo da TLP. A brecha pode ser ampliada, no futuro, por simples decisão do Conselho Monetário Nacional (Lei 14.592/23 e PL 6.235/23). Conclusões Ao final de 2023 vimos resultados macroeconômicos positivos em termos de crescimento, inflação e emprego. 

Em boa medida, estamos colhendo os frutos de esforços de reforma de governos anteriores, com a ajuda de um cenário externo favorável, e da não concretização de intenções anunciadas pelo novo governo, como a revisão da autonomia do Banco Central ou a revogação de outras reformas. No entanto, o que está sendo plantado hoje não traz bons augúrios para o futuro: temos uma sucessão de medidas contrárias ao crescimento da produtividade e à segurança jurídica. Não são iniciativas isoladas, de baixo impacto. Trata-se da retomada da agenda adotada pelo governo Geisel e resgatada no segundo mandato de Lula. Volta agora como um plano de “reindustrialização” baseado em “missões do governo.” Conteúdo antigo em embalagem nova. 

O fracasso do passado traz preocupação com a reincidência nas mesmas políticas. As perspectivas fiscais, não tratadas neste artigo, também pouco ajudam. Para 2024, há sinais de atividade econômica andando de lado. 

Como o governo reagirá se no primeiro semestre deste ano se confirmar o baixo crescimento? Ele terá a paciência de preservar ajustes e contenção para auxiliar na retomada sustentável da economia a médio prazo? Ou, como feito tantas vezes no passado, vai declarar que temos que estimular a economia no curto prazo e dobrar a aposta nas intervenções discricionárias e fragilizar ainda mais o fiscal, além de tornar o monetário leniente com a inflação? Vamos reincidir nas políticas do passado, como as adotadas a partir de 2008, que resultaram na grave crise iniciada em 2014, com tantos projetos fracassados, incluindo refinarias e estaleiros? Vamos continuar presos à ciclotimia das reformas e retrocessos ou conseguiremos romper com o passado de volatilidade do crescimento?

 

Marcos Lisboa é ex-presidente do Insper. Marcos Mendes é doutor em Economia.

Leia mais em https://braziljournal.com/dois-para-frente-um-para-tras-os-retrocessos-e-distorcoes-que-sabotam-o-brasil/ .

 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Dilma, o COFECON, e o ultraje às ‘mulheres sapiens’ - Elena Landau (Brazil Journal)

Dilma, o COFECON, e o ultraje às ‘mulheres sapiens’ 

Elena Landau

Brazil Journal (13/12/2023)

Existe uma lei no Brasil que regulamenta a profissão de economista. A data de sua promulgação já era um prenúncio dos perrengues futuros: em 1951 o presidente era Getúlio Vargas e a data, 13 de agosto. Não poderia sair boa coisa. 

No artigo 6º vem o erro fatal. Ele cria o Conselho Federal de Economia (COFECON) e os Conselhos Regionais de Economia (CORECON).

Na prática, esses conselhos funcionam como verdadeiros caça-níqueis, só para fazer política com nosso dinheiro. Exigem uma contribuição anual tanto para a pessoa física quanto para atuação como pessoa jurídica. Pagamos duas vezes por um único diploma. 

A atuação dos conselhos é puramente panfletária. Por anos, vêm atuando como braço político dos governos PT e fazendo oposição a todo governo e a qualquer reforma que leve a uma maior racionalização da economia. 

Foi assim com a reforma da Previdência e a trabalhista. Seus jornaizinhos também são meio de divulgação da “Auditoria da Dívida Pública”, cujos autores não sabem sequer distinguir o principal do pagamento de juros.  

Entre as suas atribuições estão: “contribuir para a formação de sadia mentalidade econômica e promover estudos e campanhas em prol da racionalização econômica do País.”

Mas quem vai decidir o que é sadio e racional? Não vem dando muito certo isso. 

Esse ano, o COFECON abusou. Escolheu como economista do ano ninguém menos que Dilma Rousseff. Um ato ofensivo às inúmeras ‘mulheres sapiens’ (termo cunhado pela própria), às economistas de excelente formação deste País, e um tapa na cara dos brasileiros que sofreram as consequências de sua administração desastrosa. 

Sua intervenção no setor elétrico gerou um tarifaço de 50% em dois anos; a política fiscal irresponsável legou inflação, juros elevados, dívida e recessão; em seu governo, a contratação de funcionários públicos bateu recorde; a desigualdade se agravou e o desmatamento cresceu. São muitos os seus feitos. 

Uma década perdida em apenas dois anos não foi consequência da Lava Jato. O combate à corrupção em estatais é fundamental. Ajuda a atrair investimentos e não o contrário.

Fui contra seu impeachment. Para mim era importante que Dilma encerrasse seu ciclo desastroso na esperança de que ideias tão ruins fossem para sempre abandonadas – mas principalmente, para que não aparecesse depois quem a eximisse de responsabilidade e atribuísse a herança maldita a fatores externos.

Tivemos a sorte de Michel Temer ter escolhido uma equipe excelente para ajustar a economia. Tinha uma mulher no comando da Secretaria do Tesouro, Ana Paula Vescovi. A ela falta um prêmio de reconhecimento pelo que fez pela economia brasileira. 

A lista de mulheres economistas que pesquisam, publicam e contribuem com boas políticas públicas é longa, seja liberal ou desenvolvimentista. Dilma certamente não é uma delas.

A indicação da ex-presidente segue somente a tradição do COFECON de escolher mulheres economistas ligadas ao PT. Não há sequer uma votação online. Nossa contribuição não serve nem para isso.

Faço parte de um grupo que já pensou em algumas alternativas para acabar com esses conselhos: o pagamento em juízo da contribuição; apoiar um Projeto de Lei que revogue o artigo 6º ou até mesmo montar uma chapa de oposição para assumir o conselho, mas isto seria reconhecer a legitimidade de algo inútil. 

Não faz sentido um conselho quando a atividade não coloca em risco a vida humana. O pior que pode acontecer é um péssimo profissional gerar uma recessão histórica. Uma queda de 7,7% do PIB per capita em dois anos ou 3 milhões de desempregados a mais em uma gestão, são alguns exemplos.

Ano passado encerrei minhas décadas de contribuição a esses conselhos que, se fossem só inúteis, já seriam um avanço. Aposentei-me, mas continuo olhando com muito carinho e orgulho aquele diploma na parede.

Elena Landau é advogada, mas se disser que também é economista, o CORECON-RJ vem atrás cobrar a anuidade.