Manifesto à Nação
Impõe-se a mobilização da sociedade por
uma Constituinte originária e independente
Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e
José Carlos Dias
O Estado de S.Paulo, 9 de Abril de 2017
Os constantes escândalos comprovam a inviabilidade do
vigente sistema político-constitucional. Ele representa um modelo obsoleto,
oligarca, intervencionista, cartorial, corporativista e anti-isonômico, que
concede supersalários, foros privilegiados e muitos outros benefícios a um
pequeno grupo de agentes públicos e políticos, enquanto o resto da população
não tem meios para superar a ineficiência do Estado e exercer seus direitos
mais básicos.
A Constituição de 1988 transformou a burocracia num
obstáculo perverso ao exercício da cidadania. Ela é fruto de um momento
histórico bastante peculiar, o fim de um regime de exceção, que não corresponde
mais à realidade do Brasil; representa um conjunto de interesses e modelos que
já em 1988 estavam em franca deterioração no mundo civilizado.
Por ser um compromisso de interesses entre
as forças que disputavam o poder após a ditadura, a Carta de 88 foi recheada de
casuísmos e de corporativismos. Estabeleceu um absurdo regime político que se
nutre de um sistema pseudopartidário, excessivamente fragmentado e capturado
por interesses de corporações e de facções político-criminosas. Isso torna
excessivamente custosa a governabilidade, criando uma relação tóxica entre os
Poderes, o que favorece a corrupção, o tráfico de influência e os rombos
devastadores nas contas públicas.
Os vícios insanáveis de Carta de 88
fizeram com que ela tenha sido desfigurada por 95 emendas desde sua
promulgação, tramitando atualmente mais de mil novos projetos de emendas constitucionais.
No entanto, tais emendas são paliativos lentos e pontuais, que apenas retardam
as verdadeiras estruturais necessárias.
Os temas constitucionais para uma reforma
estrutural, política e administrativa, indispensável à restauração das instituições,
são, dentre outros:
- Eliminação do foro privilegiado;
- Eliminação da desproporção de
deputados por Estados da Federação;
- Voto distrital puro, sendo os
parlamentares eleitos pelo distrito eleitoral respectivo;
- Referendo no caso de o Congresso
legislar em causa própria, sob qualquer circunstância;
- Estabelecimento do regime de
consulta, com referendo ou plebiscito, para qualquer matéria constitucional
relevante;
- Nenhum parlamentar poderá exercer
cargos na administração pública durante o seu mandato;
- Eliminação dos cargos de confiança
na administração pública, devendo todos os cargos ser ocupados por servidores
concursados;
- Eliminação do Fundo Partidário e
do financiamento público das eleições: serão os partidos financiados unicamente
por seus próprios filiados;
- Eliminação das emendas
parlamentares, que tornam os congressistas sócios do Orçamento, e não seus
fiscais;
- Criação ou aumento de impostos,
somente com referendo;
- Fim das coligações para quaisquer
eleições;
- Eliminação de efeitos de marketing
das campanhas eleitorais, devendo os candidatos se apresentar no horário
gratuito pessoalmente, com seus programas e para rebater críticas;
- Distribuição igual de tempo por
partido no horário eleitoral gratuito para as eleições majoritárias (presidente
e governador);
- Inclusão do princípio da isonomia
na Constituição, de modo que a lei estabeleça tratamento igual para todos, em
complementação ao princípio vigente de que todos são iguais perante a lei;
- Isonomia de direitos, de
obrigações e de encargos trabalhistas e previdenciários para todos os
brasileiros, do setor público e do setor privado;
- Eliminação da estabilidade no
exercício de cargo público, com exceção do Poder Judiciário, do Ministério
Público e das Forças Armadas, devendo os servidores públicos se submeter às
mesmas regras do contrato trabalhista do setor privado;
- Eliminação dos privilégios por
cargo ou função (mordomias, supersalários, auxílios, benefícios, etc.), devendo
o valor efetivamente recebido pelo servidor estar dentro do teto previsto na
Constituição.
Todos sabemos que essas mudanças jamais
serão aprovadas pelos atuais parlamentares, que atuam só para manter o vigente
sistema político-constitucional, que preserva seus privilégios. Por isso
somente poderemos fazer as reformas estruturais políticas e administrativas
indispensáveis com uma Constituinte composta por membros da sociedade civil que
não ocupem cargos políticos e, encerrados os trabalhos constituintes, fiquem
inelegíveis por oito anos.
A viabilização dessa indispensável
providência de restauração das instituições, desfiguradas pela ilegitimidade
manifesta da maioria dos atuais congressistas, que nada mais representam senão
seus próprios interesses de sobrevivência política e criminal, passa pelo
plebiscito instituído na Lei n.º 9.709, de 1998.
O plebiscito deverá ser convocado por
iniciativa de um terço dos deputados ou dos senadores e aprovado por maioria
simples dos membros de uma das Casas do Congresso. Nele os eleitores deverão
decidir pela convocação de uma Assembleia Constituinte independente, formada
por pessoas que não tenham cargos políticos, ou, então, por uma Assembleia
Constituinte formada pelos próprios congressistas. Esta será a única pergunta a
ser formulada na cédula.
A redação da Constituição de um Estado é a
máxima expressão da soberania de um povo. Quando o povo não participa de sua
elaboração, temos uma Constituição discriminatória, de privilégios para casta
política e administrativa, como a de 1988, que criou não uma democracia
representativa, mas, sim, uma democracia corporativista.
Impõe-se, enfim, uma mobilização da
sociedade civil e organizada que exija do Congresso Nacional a realização de um
plebiscito, nos termos da Lei 9.709/98, para que o povo decida, soberanamente,
se quer uma Assembleia Constituinte originária e independente, que estabeleça
as novas estruturas para o desenvolvimento sustentável do nosso país, num
autêntico Estado Democrático de Direito.