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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Darwin no Brasil: Livro ilustrado explica impacto brasileiro na vida e obra do naturalista - André Aubert (Estadão)

 ESTADAO, 13fev24

 

Darwin no Brasil: Livro ilustrado explica impacto brasileiro na vida e obra do naturalista

Escala em Galápagos ficou mais famosa, mas Darwin passou pelo Brasil, viveu por alguns meses no Rio, se encantou por insetos de Botafogo e se horrorizou com escravidão. Nova editora compila histórias; conheça

Por André Aubert


É mais do que conhecida a hecatombe provocada por Charles Darwin (1809-1882) com seu A Origem das Espécies, de 1859, o livro que revolucionou a maneira como entendemos a evolução da vida em nosso planeta.

Tampouco se desconhece que, ainda que as conclusões tenham vindo depois, a viagem de cinco anos ao redor ao globo que o jovem Darwin fez a bordo do Beagle, um navio da Marinha Real, entre 1831 e 1836, foi essencial para que o cientista tivesse acesso direto a um gigantesco volume de informações e experiências que seriam essenciais para a construção de sua teoria.

Algumas etapas da viagem, como a escala em Galápagos, ficaram famosas. Por outro lado, são muito menos conhecidas as passagens do Beagle pelo Brasil e como contribuíram para as pesquisas de Darwin.

Os registros que o biólogo escreveu durante a expedição serviram de base para a publicação, em 1839, de um livro com o título de Diário e Comentários, mais tarde rebatizado como A Viagem do Beagle. Como foi editado algum tempo depois da expedição, não se tratava exatamente de um diário, mas de um relato instigante das reflexões de Darwin a partir das realidades com as quais se deparou. A Viagem mostra uma mente aberta, que não apenas observava, mas que pensava e criticava, jamais aceitando passivamente as verdades pré-estabelecidas.

Como a expedição do Beagle tinha caráter científico, as escalas com frequência eram longas, dando tempo para que fosse possível fazer pesquisas e se aprofundar nas características de cada lugar. No Rio de Janeiro, por exemplo, Darwin viveria por alguns meses, inclusive alugando uma casa com dois outros membros da tripulação.

O Brasil proporcionou escalas fundamentais para o Beagle – e para o pensamento de Darwin, aparecendo com destaque na Viagem. O que o cientista registrou a respeito de nossos antepassados e da terra em que viviam é nada menos que precioso.

É curioso passear, apenas para citar um exemplo, pelo que era chamado de povoado de Botafogo, então a cinco quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, com sua profusão de árvores, samambaias, macacos e insetos. Chega a ser difícil acreditar que se trata do mesmo bairro de Botafogo de hoje.

Em outro trecho, estupefato com a quantidade de insetos com que se deparava, Darwin escreveu: “Se o que me foi dito em Londres é verdade, ou seja, que não há insetos minúsculos nas coleções dos trópicos, diga aos entomologistas que se preparem...”.

Ou ainda, confrontando a noção europeia então vigente de que planárias, semelhantes a lesmas, eram animais exclusivamente aquáticos, ele registrou: “Aquelas que descrevi foram encontradas nas partes mais secas da floresta, embaixo de troncos podres, dos quais acredito que se alimentam (...). Encontrei nada menos que 12 espécies distintas de planárias terrestres (...).”

‘Darwin no Brasil’

O problema é que, para o leitor brasileiro de hoje, embarcar na Viagem do Beagle não é uma tarefa fácil. Além de ser extensa, a obra tem inúmeras passagens com digressões sobre geologia, biologia e botânica que serão indigestas para um não especialista.

A lacuna com relação ao País é o que a bela edição Darwin no Brasil – A viagem de Charles Darwin ao Brasil e suas contribuições para a teoria da evolução (Editora Duas Aspas, 2023), realizada com financiamento coletivo, contribui para suprir. É a primeira publicação da Duas Aspas, que pretende entrar neste mercado de livros sobre ciência.

Traduzido e editado por Pedro Alencastro, o livro selecionou os trechos do relato que mencionam o nosso País, que aparecem intercalados com excelentes comentários do editor. A obra começa com uma breve biografia de Darwin antes do Beagle, na qual ficamos sabendo um pouco mais sobre a família, a infância e os anos de formação do autor.

'Darwin no Brasil – A viagem de Charles Darwin ao Brasil e suas contribuições para a teoria da evolução' (Editora Duas Aspas, 2023) Foto: Editora Duas Aspas/Divulgação

Em seguida, vêm os capítulos sobre a viagem. O primeiro fala da travessia atlântica e do contato inicial com o território brasileiro, no rochedo desabitado de São Pedro e São Paulo. Os seguintes mencionam Fernando de Noronha, Bahia, Rio de Janeiro, Botafogo e o Pampa gaúcho. O capítulo sete expande para a América do Sul e o oito trata do regresso, desde Galápagos, passando novamente pelo Brasil, rumo à Inglaterra.

No epílogo, destaca-se novamente a voz do editor, comentando a vida pessoal e profissional de Darwin após a viagem, já então uma pessoa amadurecida. Aí se fala do casamento, dos filhos, dos debates científicos e, finalmente, da publicação de A Origem das Espécies e da enorme polêmica provocada pelo livro (a qual, por incrível que pareça, ainda persiste, embora não na Ciência, por conta dos criacionistas).

Nem tudo são flores

A primeira escala do Beagle em solo continental brasileiro foi em Salvador, na Bahia, quando Darwin levou um verdadeiro susto com a exuberância e a variedade da natureza tropical:

O dia transcorreu deliciosamente. Mas esse talvez seja um termo pobre para expressar as emoções de um naturalista que, pela primeira vez, aventurou-se sozinho em uma floresta brasileira (...). Para quem ama história natural, um dia como este proporciona um prazer tão profundo que não se pode esperar sentir algo assim novamente.

Ainda que maravilhado com a natureza brasileira, nem tudo foram flores na relação de Darwin com o nosso País. No último capítulo, por exemplo, ele escreve: “No dia 19 de agosto, finalmente, deixamos o litoral do Brasil. Agradeço a Deus e espero nunca mais visitar um país escravocrata. Até hoje, quando escuto um grito distante, lembro com dolorosa clareza o que senti ao passar por uma casa perto de Recife. Eu ouvi os mais terríveis gemidos”.

“Perto do Rio de Janeiro, morei em frente a uma senhora que guardava torniquetes para esmagar os dedos de suas escravas. Vi ainda um menino de seis ou sete anos levar três chibatadas na cabeça com um chicote de açoitar cavalos (antes que eu pudesse interferir), simplesmente por ter me oferecido um copo de água que não estava limpo o bastante”, completa.

Darwin no Brasil é uma obra caprichada, com mapas e belas ilustrações, que se lê com prazer, trazendo uma importante contribuição para quem quer saber mais sobre Darwin e, principalmente, sobre como o Brasil impactou e influenciou o autor de A Origem das Espécies.

Conforme avançava pelas páginas desse livro, foi inevitável imaginar o que Darwin pensaria se, quase 200 anos depois, voltasse a nos visitar e encontrasse um País que devastou sem piedade a Mata Atlântica que tanto o fascinou e ensinou, e que evoluiu muito menos do que deveria na questão da injustiça social que o incomodava.

 

O que Darwin guardava em sua biblioteca? Acervo é revelado pela primeira vez

Catálogo detalha os milhares de livros, periódicos e documentos que moldaram o pensamento do pai da evolução 

Por Redação

Em um feito inédito, o público agora tem acesso ao catálogo completo da biblioteca pessoal de Charles Darwin. Este catálogo inclui desde estudos sobre porquinhos-da-índia epilépticos até os romances preferidos do cientista, como os de Elizabeth Gaskell. Quase duas décadas de investigação meticulosa permitiram localizar milhares de livros, periódicos, panfletos e artigos que constituíam a coleção do célebre naturalista. As informações são do The Guardian.

John van Wyhe, líder do projeto e acadêmico, destacou a amplitude e diversidade das leituras de Darwin, que abarcavam uma variedade surpreendente de temas. Van Wyhe salientou a natureza eclética de Darwin, evidenciada pela sua coleção que inclui desde recortes de notícias sobre espécies invasoras até importantes obras científicas.

O catálogo de 300 páginas, disponibilizado por Darwin Online, enumera 7.400 títulos e 13.000 itens, abrangendo jornais, panfletos e críticas. Alguns desses materiais remontam aos dias de escola de Darwin, revelando a profundidade de suas leituras desde a juventude. Registros de leilões desempenharam papel crucial na reconstrução da história de certos itens, como um artigo de 1826 de John James Audubon e um romance de Elizabeth Gaskell de 1880, este último um dos favoritos de Darwin.

Antes desse levantamento, apenas 15% do conteúdo real da biblioteca de Darwin era conhecido. A lista atual revela a gama de interesses do cientista, que vai de biologia a religião, passando por arte, história e geografia. Mais da metade das obras está em inglês, com o restante em línguas como alemão, francês e italiano, incluindo o primeiro registro fotográfico conhecido de bactérias e estudos sobre características animais atípicas.

Além de compilar os títulos, o projeto proporcionou uma reconstrução virtual da biblioteca de Darwin, com links para cópias gratuitas de 9.300 obras, reafirmando o impacto duradouro de Darwin no entendimento do mundo natural. A publicação do catálogo coincide com o aniversário de 215 anos de Darwin, realçando a vastidão de seu legado intelectual.

John van Wyhe refletiu sobre a importância do projeto, questionando a demora em realizar um levantamento tão abrangente, dada a ampla atenção dedicada a Darwin ao longo dos anos. Este esforço revela Darwin não apenas como um pioneiro da teoria da evolução, mas também como um erudito que construiu suas ideias com base em um vasto espectro de conhecimento.

 

A questão palestina - Rubens Barbosa (Estadão)

 A QUESTÃO PALESTINA

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 13/02/2024

       

        Continua a crescer a pressão da opinião pública mundial por uma solução a médio e longo prazo para a dramática situação no Oriente Médio, a fim de evitar a escalada do conflito entre Israel e Hamas e de buscar um entendimento que permita a estabilização política, econômica e militar na região.

       Os altos custos do apoio militar para a Ucrânia e a aproximação da eleição presidencial nos EUA, com forte impacto negativo à candidatura de Biden, são agravados, no curto prazo, pela multiplicação dos incidentes militares, com o risco da situação sair do controle, e pela necessidade de garantir a segurança de Israel e a viabilização do Estado Palestino.

        Com esse pano de fundo, o governo de Washington lançou um balão de ensaio com o vazamento de um esboço de proposta por meio de comentários no New York Times e no The Economist, com grande repercussão.

        Segundo se noticia, estaria havendo conversas sigilosas no sentido de viabilizar um amplo plano de paz - hoje de difícil aceitação por todas as partes envolvidas -, mas que poderá, com concessões de todos, tornar possível vislumbrar uma luz no fim do túnel, caso a posição do governo norte-americano se mantenha firme e os entendimentos se intensifiquem.

        Assim, a política dos EUA em relação a região parece estar evoluindo. O presidente Biden anunciou inéditas sanções contra colonos israelenses que promovem violência contra palestinos na Cisjordânia. Thomas Friedman, no New York Times, prevê uma nova “Doutrina Biden” para o Oriente Médio. As linhas principais dessa nova política americana passariam por uma atitude firme em relação ao Irã, por uma forte pressão sobre Israel, para que aceite a criação de um Estado Palestino, e pelo fortalecimento da aliança com a Arábia Saudita, que reconheceria diplomaticamente Israel. The Economist acrescenta que, em meio a intensa ação diplomática, lideradas pelos EUA e Arábia Saudita, o plano estaria tomando forma, a partir das negociações para a liberação dos reféns em poder do Hamas, (Netanyahu recusou a  última proposta do Hamas), para modificar a política interna israelense e permitir a possibilidade de criação do Estado Palestino.

        O primeiro passo seria uma posição dura em relação ao Irã, incluindo uma retaliação militar robusta contra aliados e agentes do Irã na região (Houthis, ISIS e outros grupos) em resposta às mortes dos três soldados americanos em uma base na Jordânia, por um drone aparentemente lançado por uma milícia pró-Irã ativa no Iraque. O segundo eixo consistiria em uma iniciativa diplomática sem precedentes, para promover um Estado palestino, que envolveria alguma forma de reconhecimento pelos EUA de um Estado palestino desmilitarizado na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, que passaria a existir somente depois que os palestinos tivessem desenvolvido um arcabouço de instituições definidas e críveis, assim como capacidades de garantir que esse Estado seja viável e incapaz de ameaçar Israel. O governo norte-americano estaria mantendo consultas dentro e fora do governo americano a respeito das diferentes formas que esse reconhecimento do estatuto de Estado dos palestinos poderia assumir. O terceiro eixo seria uma aliança de segurança ampliada dos EUA com a Arábia Saudita que também envolveria a normalização das relações dos sauditas com Israel, com reconhecimento mútuo e com garantias de segurança respaldadas pelo governo norte-americano. Seria a retomada dos entendimentos entre a Arabia Saudita e Israel (acordo de Abraão) para o reconhecimento do Estado de Israel, se o governo israelense estiver preparado para aceitar um processo diplomático que leve a criação de um Estado palestino desmilitarizado, liderado por uma Autoridade Palestina fortalecida.

       A primeira fase está em curso com os ataques dos EUA aos grupos terroristas no Iraque, na Síria e no Yemen. Como nem os EUA, nem o Irã, nem os países do Golfo querem uma escalada da guerra na região, a fase inicial teria de ser concluída com o controle dos grupos terroristas financiados por Teerã. As conversas reservadas entre EUA, Arabia Saudita, Irã e Israel mostrarão se as duas etapas seguintes da estratégia serão viáveis a médio prazo.

         O ataque terrorista de 7 de outubro contra Israel e seus desdobramentos estão forçando uma reformulação fundamental na maneira como a questão do Oriente Médio deve ser tratada. Se vencer as resistências, a Doutrina Biden produzirá um equilíbrio geopolítico e políticas domésticas mais seguras. Essa estratégia poderia dissuadir o Irã, tanto militarmente, quanto politicamente, ao tirar a carta palestina de Teerã. Poderia promover o estatuto do Estado palestino em termos consistentes com a segurança israelense e, simultaneamente, criar condições para a normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita, em termos que os palestinos possam aceitar. Mas para que a questão seja bem-sucedida é indispensável que esses três eixos estejam assegurados e interconectados. O plano promete uma nova arquitetura econômica e de segurança no Oriente Médio. Essa estratégia poderia se tornar o maior realinhamento estratégico na região desde o tratado de 1979 em Camp David.

 

Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras

       

sábado, 13 de janeiro de 2024

Israel diz que Lula ignora definição de genocídio ao apoiar acusação em tribunal da ONU - Estadão

 Israel diz que Lula ignora definição de genocídio ao apoiar acusação em tribunal da ONU 

Processo foi movido por iniciativa da África do Sul e começou a ser julgado em Haia, na Holanda 


 BRASÍLIA - A Embaixada de Israel em Brasília rebateu a decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva de apoiar a acusação de “genocídio” apresentada contra o país na Corte Internacional de Justiça (CIJ), um tribunal das Nações Unidas. O processo foi movido por iniciativa da África do Sul e começou a ser julgado nesta quinta-feira, dia 11, em Haia, na Holanda. A embaixada israelense disse, em nota enviada ao Estadão, que o presidente Lula deveria levar em consideração as definições de genocídio e a “intenção” ou não de matar deliberadamente civis que não estavam envolvidos na guerra contra o grupo terrorista Hamas. 

 O governo do premiê israelense Benjamin Netanyahu declarou guerra e anunciou o objetivo de aniquilar o Hamas em reação aos ataques terroristas sem precedentes cometidos pela brigada de radicais palestinos ligados ao grupo, em 7 de outubro do ano passado. Cerca de 1,2 mil pessoas foram mortas no território israelense pelo Hamas. Os terroristas fizeram cerca de 250 reféns, dos quais 110 foram libertados, depois de terem sido levados para cativeiros em Gaza, escondidos em bunkers e uma rede de túneis entre instalações civis, próximos a escolas, hospitais, comércio e residências. Em 95 dias de guerra, 23.357 pessoas morreram em Gaza, 70% delas mulheres e crianças. Há 59.410 feridos e 1,9 milhão de pessoas precisaram se deslocar forçadamende, fugindo do confronto. 

Os dados são repostados pelas Nações Unidas e citados pelo governo brasileiro ao justificar a decisão de Lula. No entanto, carecem de verificação independente, no terreno, e foram reportados pelo Ministério da Saúde e pelo Escritório de Mídia de Gaza, ambos controlados pelo Hamas. Crimes do Hamas Tel-Aviv argumenta que respeita o direito internacional e que o Palácio do Planalto deveria considerar também que o Hamas ameaça realizar novos ataques em massa, como o de 7 de outubro, além de pregar o extermínio de judeus. “Segundo a definição da ONU para o termo genocídio, definições que o Brasil aprecia e trabalha à luz, o principal é a intenção. 

Israel não tem intenção de matar palestinos não envolvidos e evita isso tanto quanto possível, apesar das dificuldades apresentadas pelo Hamas na sua forma de operar, usando cidadãos não envolvidos como escudos humanos”, afirmou a embaixada israelense. “O Hamas, no entanto, declarou abertamente as suas intenções genocidas. A sua carta de fundação apela ao assassinato de judeus e os seus líderes declaram abertamente que o seu objetivo é perpetrar as atrocidades de 7 de Outubro ‘repetidamente’. Ao tomar uma decisão sobre o pedido feito ao presidente Lula, é de excepcional importância que o Brasil leve esses fatos em consideração.” Relação abalada Desde o ano passado, Lula vinha classificando verbalmente, reiteradas vezes, como “genocídio” a operação militar das Forças de Defesa de Israel, seja a incursão terrestre em Gaza ou os bombardeios aéreos. 

As declarações geraram desgaste diplomático com Israel e com outros parceiros do Brasil no Ocidente, como os Estados Unidos. O presidente passou a ser criticado também em algumas das principais democracias da Europa. O governo Lula irritou-se com uma reunião do embaixador israelense em Brasília, Daniel Zonshine, com a oposição e seu principal líder político, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Também reclamou nos bastidores da demora de Israel em autorizar a saída de grupos de brasileiros e seus familiares de Gaza. 

 Ao receber o primeiro grupo de 32 brasileiros repatriados de Gaza, Lula foi além e afirmou que o governo israelense também respondia ao Hamas com atos de “terrorismo”. Passo além Agora, Lula deu um passo além da tradicional busca por uma posição de equilíbrio do Brasil no conflito entre judeus e palestinos e atendeu ao pleito da diplomacia dos territórios palestinos por apoio à iniciativa sul-africana. Em nota, o governo brasileiro anunciou nesta quarta-feira, dia 10, que respaldava a denúncia contra Israel na Corte Internacional. 

 A denúncia recebeu apoio de países como a Bolívia, Malásia, Turquia, Jordânia, Maldivas, Namíbia, Paquistão, Colômbia, a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica, bloco de 57 países que conta com Arábia Saudita e Irã. “Israel rejeita categoricamente a difamação da África do Sul, que acusou Israel de cometer ‘genocídio’ em Gaza no seu processo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia. Israel está empenhado e opera de acordo com o direito internacional e dirige as suas operações militares em Gaza exclusivamente contra o Hamas e outras organizações terroristas. 

Tanto em palavras como em atos, Israel deixou claro que os civis de Gaza não são seus inimigos”, afirmou a embaixada israelense. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) condenou o apoio brasileiro ao que chamou de ação “cínica e perversa, que visa impedir Israel de se defender dos seus inimigos genocidas”. A nota afirma que a decisão “diverge da posição de equilíbrio e moderação da política externa brasileira”. O texto segue dizendo que a África do Sul “inverte a realidade” e lembra que o conflitou foi desencadeado pelo ataque do Hamas. 

 Passo além Agora, Lula deu um passo além da tradicional busca por uma posição de equilíbrio do Brasil no conflito entre judeus e palestinos e atendeu ao pleito da diplomacia dos territórios palestinos por apoio à iniciativa sul-africana. Em nota, o governo brasileiro anunciou nesta quarta-feira, dia 10, que respaldava a denúncia contra Israel na Corte Internacional. A denúncia recebeu apoio de países como a Bolívia, Malásia, Turquia, Jordânia, Maldivas, Namíbia, Paquistão, Colômbia, a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica, bloco de 57 países que conta com Arábia Saudita e Irã. “Israel rejeita categoricamente a difamação da África do Sul, que acusou Israel de cometer ‘genocídio’ em Gaza no seu processo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia. Israel está empenhado e opera de acordo com o direito internacional e dirige as suas operações militares em Gaza exclusivamente contra o Hamas e outras organizações terroristas. 

Tanto em palavras como em atos, Israel deixou claro que os civis de Gaza não são seus inimigos”, afirmou a embaixada israelense. A Confederação Israelita do Brasil (Conib) condenou o apoio brasileiro ao que chamou de ação “cínica e perversa, que visa impedir Israel de se defender dos seus inimigos genocidas”. A nota afirma que a decisão “diverge da posição de equilíbrio e moderação da política externa brasileira”. O texto segue dizendo que a África do Sul “inverte a realidade” e lembra que o conflitou foi desencadeado pelo ataque do Hamas. 

Apoio de Lula à investigação de Israel em Haia diverge de tradição brasileira - Estadão

  Apoio de Lula à investigação de Israel em Haia diverge de tradição brasileira, dizem analistas Respaldo do presidente reforça visão do petista sobre o conflito e pressão por cessar-fogo na Faixa de Gaza  


Israel enfrentou nesta quinta-feira, 11, o início do que deve ser um longo processo: a ação por genocídio na Corte Internacional de Justiça, que foi movida pela África do Sul e que recebeu apoio do Brasil. A decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva, duramente criticada pela comunidade judaica, se afasta da posição tradicional da diplomacia brasileira no conflito árabe-israelense, disseram analistas ouvidos pelo Estadão. 

 O respaldo à acusação sul-africana também reforça a visão de Lula sobre a guerra, que já provocou críticas da comunidade judaica. Analistas ponderam ainda que o apoio serve também para ampliar a pressão por um cessar-fogo, defendido pelo Brasil desde o início do conflito. Israel rejeita um cessar-fogo no momento e diz que uma trégua ajudaria o Hamas, que, segundo Tel-Aviv, pretende realizar novos ataques contra o país. Israel diz também que o objetivo da ofensiva é a destruição completa do Hamas. “Me parece que o governo está procurando marcar uma posição que não é muito tradicional da diplomacia brasileira com essa decisão”, afirma o professor de Relações Internacionais da ESPM Leonardo Trevisan. “Afasta o Brasil da condição de um interlocutor válido para as duas partes”, acrescenta. 

 A divergência entre o apoio ao processo movido pela África do Sul e a tradição de “equilíbrio e moderação da política externa brasileira” foi citada também pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), que emitiu uma dura nota de condenação ao apoio logo após o anúncio do Itamaraty. O texto chamava a ação sul-africana de “cínica e perversa”, alegando que o objetivo seria “impedir Israel de se defender dos seus inimigos genocidas”. A acusação toca em um ponto extremante sensível para Israel. Isso porque o termo genocídio foi cunhado pela primeira para descrever o Holocausto - um trauma que está na raiz do apoio internacional à criação do próprio Estado israelense. Tel-Aviv tem dito que acusação sul-africana deturpa o sentido de genocídio já que esse é um crime que prevê a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo.

 O argumento é de que o Hamas seria o genocida por pregar em seu estatuto de fundação a destruição de Israel, enquanto as suas tropas estariam se esforçando para conter o impacto sobre os civis em Gaza. Segundo a definição da ONU para o termo genocídio, que o Brasil aprecia e trabalha à luz, o principal é a intenção. Israel não tem intenção de matar palestinos não envolvidos e evita isso tanto quanto possível”, disse a embaixada de Israel no Brasil acrescentando que o Hamas usa civis como “escudos humanos”. O texto termina dizendo que o Brasil deveria “levar esses fatos em consideração” ao decidir apoiar o processo movido pela África do Sul. 

 O diplomata e ex-embaixador Rubens Barbosa, no entanto, avalia que o apoio do governo brasileiro foi “coerente” com as suas posições públicas. Embora tenha condenado o ataque terrorista do Hamas, Lula já chamou a resposta israelense de “insana” e falou em genocídio e terrorismo ao se referir à guerra me Gaza. “Na nota do Itamaraty fala-se da desproporcionalidade do ataque e da crise humanitária com o corte da energia, de alimentos e medicamentos”, afirma Barbosa. “É importante lembrar que o pedido da África do Sul apoiado pelo Brasil não discute o mérito da questão, mas pede apenas medidas preventivas para limitar a crise humanitária (como cessar fogo)”. A resposta israelense ao ataque terrorista do Hamas deixou mais de 23 mil mortos em Gaza, segundo o ministério da Saúde local que é controlado pelo Hamas. 

O número não pode ser verificado por fontes independentes, mas elevou a pressão internacional para que Israel reduzisse a intensidade dos bombardeios no enclave palestino. Essa pressão veio inclusive dos Estados Unidos. O principal aliado de Israel afirma que a acusação por genocídio é “infundada”, mas já expressou publicamente a preocupação com o drama humanitário na Faixa de Gaza. Mais de 80% dos habitantes do enclave foram descolados pelo conflito, segundo levantamento da ONU. Muitos, vivem em abrigos improvisados, onde as doenças e a fome também são ameaça em meio à guerra, alertam organizações humanitárias. Nesse sentido, tanto a ação da África do Sul como o apoio do Brasil podem ser entendidos como uma forma de pressão sobre Israel por uma redução dos bombardeios. 

As audiências públicas que ocorrem esta semana discutem no primeiro momento o pedido de Pretória por uma medida provisória que ordene a interrupção dos bombardeios em Gaza. Só depois, a Corte Internacional de Justiça deve entrar no mérito da acusação por genocídio, discussão que deve se arrastar por anos. “Eu vejo a atitude brasileira mais como gesto político”, resume o diplomata e ex-embaixador Rubens Ricupero. “Se compreende que o Brasil tenha decidido pesar mais porque a verdade é que, até agora, as tentativas dos americanos para persuadir Israel a moderar em relação à morte de civis não deram resultado. Então se compreende que haja um aumento da pressão internacional. Faço uma interpretação mais política que jurídica”, explica. Uma ordem preliminar da Corte seria de cumprimento obrigatório, pelo menos, em tese. 

No passado, tanto Israel como a própria África do Sul já ignoraram decisões do tribunal, que não dispõe de mecanismos de coerção ou punição para os Estados. Ainda assim, analistas afirmam que uma decisão teria o peso para pressionar Israel a rever ações em Gaza. “Se o tribunal toma uma decisão, como se espera, para que Israel interrompa operações, o peso político é muito alto”, afirma Ricupero. “A intenção é aumentar a pressão sobre Israel para que algum cessar-fogo seja alcançado ou que pelo menos haja uma redução de bombardeios”, corrobora Trevisan. “É preciso observar que Israel está resistindo à pressão norte-americana nesse sentido”, reforça. Apoio internacional a ação sul-africana Além do Brasil, outros governos sul-americanos de esquerda também subscreveram a ação. É o caso, por exemplo, de Colômbia, Bolívia e Venezuela. 

Bogotá ameaçou romper os laços com Israel diante da guerra e La Paz efetivamente rompeu, assim como já havia feito Caracas anos antes. O apoio também veio de países como Turquia e Jordânia, próximos à causa palestina. Na Europa, a vice-primeira-ministra da Bélgica, Petra De Sutter, defendeu que o país se tornasse o primeiro da União Europeia a dar apoio ao caso. “A Bélgica não pode ficar parada a assistir ao imenso sofrimento humano em Gaza. Devemos diante da ameaça de genocídio”, disse em publicação no X (antigo Twitter). “Quero que a Bélgica tome medidas na Corte Internacional de Justiça, seguindo a liderança da África do Sul. Vou propor isso ao governo”, disse ela. Pelo menos até agora, no entanto, essa não é a posição oficial de Bruxelas. 

 Audiência na Corte internacional de Justiça Nesta quinta-feira, o primeiro dia de audiências, a África do Sul destacou o número de vítimas na guerra em Gaza e as falas de autoridades israelenses que, segundo a acusação de Petrória, provariam a intensão necessária para caracterizar o crime de genocídio. O advogado sul-africano Tembeka Ngcukaitobi argumentou que o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, usou referências bíblicas violentas para desumanizar os palestinos. Ngcukaitobi cita também frases do ministro da Defesa, Yoav Gallant, que se referiu aos palestinos como ‘animais humanos’. 

De acordo com o advogado, a retórica israelense normaliza o suposto genocídio. Israel nega categoricamente às acusações e acusou a África do Sul de atuar como “braço jurídico” do Hamas referindo-se aos advogados sul-africanos como “representantes” do grupo terrorista no Tribunal. Amanhã, Tel-Aviv terá a sua argumentação ouvida pela Corte Internacional de Justiça.  


quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Lula decide apoiar denúncia contra Israel por genocídio em Gaza na Corte de Haia (Estadão)

 Lula decide apoiar denúncia contra Israel por genocídio em Gaza na Corte de Haia Comunidade judaica brasileira condena decisão; ação movida pela África do Sul é ‘cínica e perversa’, diz Conib 


 BRASÍLIA - O governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu nesta quarta-feira, dia 10, subscrever a denúncia por genocídio contra o Estado de Israel, na Corte Internacional de Justiça, em Haia. Mais cedo, o presidente recebeu no Palácio do Planalto a visita do embaixador palestino em Brasília, Ibrahim Alzeben, que pediu o apoio brasileiro na corte internacional. A decisão é mais um gesto diplomático duro de repúdio do governo Lula a Israel e foi criticada pela comunidade judaica brasileira. O caso começará a ser julgado nesta quinta-feira, 11. 

 A Confederação Israelita do Brasil (Conib) condenou o apoio brasileiro ao que chamou de ação “cínica e perversa, que visa impedir Israel de se defender dos seus inimigos genocidas”. A nota afirma que a decisão “diverge da posição de equilíbrio e moderação da política externa brasileira”. O texto segue dizendo que a África do Sul “inverte a realidade” e lembra que o conflitou foi desencadeado pelo ataque do Hamas. Já a nota divulgada pelo Itamaraty afirma que “à luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário, o presidente manifestou seu apoio à iniciativa da África do Sul de acionar a Corte Internacional de Justiça para que determine que Israel cesse imediatamente todos os atos e medidas que possam constituir genocídio ou crimes relacionados nos termos da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio”. 

 Lula já tinha dado diversas declarações controversas a respeito da resposta militar de Israel, o que provocou desgaste diplomático. O presidente já vinha usando a palavra “genocídio” para descrever a guerra em Gaza e chegou a comparar os ataques do Hamas às incursões e bombardeios promovidos pelas Forças de Defesa de Israel. Ao receber o primeiro grupo de brasileiros repatriados de Gaza, Lula acusou Israel de também praticar “terrorismo”. As declarações de Lula estremeceram a relação do governo com a comunidade judaica. Entidades como a Conib, o Instituto Brasil Israel e a ONG StandWithUs Brasil criticaram no ano passado as posições do petista sobre o conflito. Após o encontro, o embaixador relatou o pedido a Lula, mas disse que o presidente não manifestara uma decisão durante a audiência. A denúncia sul-africana, protocolada em dezembro, já recebeu apoio de países como a Bolívia. 

Também participaram o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o assessor especial Celso Amorim. Segundo o embaixador, que se disse “muito satisfeito”, os palestinos pediram também ajuda humanitária imediata a Gaza e Cisjordânia, e ainda solicitaram a defesa de um cessar-fogo. ”Solicitamos sim o apoio do Brasil a esta iniciativa da África do Sul que tem como objetivo por fim ao genocídio contra o povo Palestino e libertar tanto Israel deste episódio quanto a população palestina. Eles estão estudando. O Brasil está representando com o juiz Nemer Caldeira (Leonardo Nemer Caldeira Brant), que está lá (na Corte). A posição do Brasil está clara: condenar qualquer tipo de genocídio contra qualquer ser humano. A pior gestão é a que não se faz. Nós fazemos e apoiamos essa iniciativa. 

Nós somos quem paga o maior preço. O genocídio tem que parar de qualquer maneira, com apoio internacional. Chega. Já são 95 dias de genocídio, de bombardeio. A Faixa de Gaza ficou praticamente invivível”, disse Alzeben. Segundo o Palácio do Planalto, o presidente disse ao embaixador que o Brasil condenou os ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro do ano passado. “Reiterou, contudo, que tais atos não justificam o uso indiscriminado, recorrente e desproporcional de força por Israel contra civis”, afirmou o governo. Em nota, citando os números divulgados pelo Ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo grupo terrorista Hamas e não podem ser verificados de maneira independente, o governo brasileiro diz que a guerra deixou mais de 23 mil mortos - 70% deles mulheres e crianças - e que há 7 mil pessoas desaparecidas. “Mais de 80% da população foi objeto de transferência forçada e os sistemas de saúde, de fornecimento de água, energia e alimentos estão colapsados, o que caracteriza punição coletiva”, disse o Ministério das Relações Exteriores. 

 O Itamaraty voltou a dizer que o Brasil apoia a solução de dois Estados “com um Estado Palestino economicamente viável convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas, que incluem a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como sua capital”. Entenda a Corte Internacional de Justiça A Corte foi criada junto com a ONU, em 1945, e é tida como corpo judicial das Nações Unidas. Trata-se de uma instituição independente, que interpreta o direito internacional e arbitra os contenciosos entre países. Por ser sediada em Haia, na Holanda, é confundida com frequência com o Tribunal Penal Internacional (TPI), conhecido também como Tribunal de Haia. Esse último, no entanto, tem atribuição de processar pessoas e não Estados. 

 As audiências marcadas para quinta e sexta-feira vão discutir, no primeiro momento, o pedido por uma ordem emergencial para que Tel-Aviv interrompa os ataques que, segundo as alegações de Pretória, violam a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948. Não há prazo para o veredito, mas a expectativa é que uma decisão temporária seja anunciada em breve. Só depois, os 15 juízes que compõem o tribunal vão analisar o mérito da acusação de genocídio, julgamento que costumar durar, em média, de cinco a dez anos. Na ação de 84 páginas, a África do Sul - que tem uma posição de defesa dos palestinos - destaca o elevado número vítimas civis, em especial crianças, e o deslocamento forçado de palestinos na Faixa de Gaza. 

Segundo a alegação, a “intenção genocida” seria reforçada por declarações de integrantes do alto escalão do governo, inclusive o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. Israel nega categoricamente. “Não há nada mais atroz e absurdo do que esta afirmação”, contestou o presidente Isaac Herzog. “Na verdade, os nossos inimigos, o Hamas, na sua carta, apelam à destruição e aniquilação do Estado de Israel, o único Estado-nação do povo judeu”, completou.  

Lula não tem admiração de antes no exterior pois não defende mesmas causas do Ocidente, diz Ricupero - Monica Gugliano (Estadão)

Lula não tem admiração de antes no exterior pois não defende mesmas causas do Ocidente, diz Ricupero

O diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero avaliou a política externa do governo Lula
Ex-ministro e ex-embaixador diz que país rompeu isolamento internacional graças à política de meio ambiente e que Lula deveria ser menos condescendente com Maduro
Monica Gugliano

Estadão, 10/01/2024


"O Brasil rompeu o isolamento internacional, graças à política de meio ambiente", diz o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero. Embaixador aposentado e ex-ministro da Fazenda, ele avalia, porém, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não voltou a ter a mesma admiração que tinha do mundo em seus dois primeiros mandatos. Segundo ele, em razão de o petista não defender hoje necessariamente as mesmas causas que os ocidentais, como se dava anteriormente." A começar pela Ucrânia que ele teve desde o início uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia", diz ele.

Em entrevista ao Estadão, ao tratar da crise entre a Venezuela e a Guiana, o ex-ministro avalia que dificilmente a tensão acabará em um confronto armado. Mas, afirma que situação já se tornou um problema para o Brasil e que o presidente Lula deveria ser menos condescendente com seu colega venezuelano, Nicolás Maduro.

Veja a íntegra da entrevista:

Em que medida a Venezuela pode se transformar em um problemão para o Brasil?

De certa forma já virou. Lula depositou uma confiança em Nicolás Maduro quando, alguns meses atrás, ele fez uma reunião de presidentes em Brasília para refundar a Unasul. Mas não conseguiu. Lula estendeu o tapete vermelho para Maduro, embora, naquele momento, o Brasil não tivesse relações diplomáticas com a Venezuela - o ex-presidente Jair Bolsonaro havia rompido. Ele quis mostrar, com isso, que tinha confiança de que Maduro poderia aceitar aos poucos a ideia de uma eleição presidencial, por causa das pressões, das sanções americanas.

E parece que não deu certo, não é?

Lula seguramente queria mostrar que ele podia ter uma relação especial com a Venezuela e Maduro. Mas Maduro, ao criar esse problema grave com a Guiana, mostrou que Lula fez uma aposta errada, confiou numa pessoa que não merecia. Tanto assim, que agora está criando um problema para o Brasil e é complicado. Embora eu não acredite muito que o Maduro tenha intenção realmente de desencadear uma agressão militar contra a Guiana porque seria uma aventura.

O senhor acha que é uma bravata?

Toda guerra, como mostra a própria guerra da Ucrânia, costuma ser imprevisível. Todo o mundo achava que a Rússia ia resolver aquilo em pouco tempo, mas, na verdade, houve uma reviravolta e já dura quase dois anos. Eu acredito que Maduro deve ter tomado essa decisão sobretudo por razões internas. O apoio dele vem, em último caso, dos militares, ele e, no fundo, o regime venezuelano é amparado nas Forças Armadas. Ele tem uma popularidade muito baixa, a eleição vai ser complicada. Por isso, está tentando, com os meios de que dispõe, preparar a eleição para não correr perigo de perder. Tanto é assim que o Tribunal venezuelano, que ele controla, já declarou inelegível Maria Corina Machado, que é a principal adversária dele e aparece melhor nas pesquisas. Mas ele provavelmente quis, com essa decisão, aumentar o apoio que ele possa ter da parte dos militares, da própria opinião pública.Mas agora ele saiu do território venezuelano...Agora, ele tomou esta iniciativa e criou um problema grave, pois ele, depois de destruir a Venezuela - é um caso único nos tempos modernos, num país que não tem uma população tão grande (cerca de 28 milhões de habitantes), que cinco, seis milhões de pessoas tenham saído de lá e só isso mostra o desastre que é - está criando uma situação complicada para o continente. Para nós, em primeiro lugar, pois, além desse precedente de o Lula ter apostado nele, uma aposta que não deu certo, ele criou um problema numa área em que o Brasil tem limites com dois países. O Brasil é o único país da América do Sul que tem limites com a Venezuela e a Guiana e que, se acontecesse alguma coisa muito grave lá, dificilmente o Brasil poderia ficar passivo. Não creio que os militares aqui iriam aceitar alguma coisa mais grave, como uma incorporação de um território. Você vê pelas declarações do próprio ministro da Defesa, José Múcio Teixeira. Ele não quis ser agressivo, mas deixou claro que, pelo território brasileiro, os venezuelanos não poderiam passar nunca, se quisessem atacar a Guiana. É mais ou menos óbvio, mas ele não precisava falar. O fato de ele ter falado foi uma espécie de recado e, além do mais, há outros sinais, o Exército mandou pra lá mísseis, blindados. Isso não quer dizer que o Brasil queira entrar numa contenda, mas mostra que está preparado para isso. E, com tudo isso, Maduro está criando um problema enorme.Há um receio de que um hipotético conflito trouxesse os Estados Unidos ao continente...Ainda acho que Maduro dificilmente iria desencadear uma operação militar. As consequências seriam imprevisíveis, em último caso poderia levar até a queda dele. Acho que ele vai ter muito mais prudência do que muita gente poderia pensar, se seguir a retórica dele. Não há dúvida de que, se essa situação escapasse ao controle e chegasse de fato a uma operação militar, os americanos seriam a garantia da Guiana. Primeiro, porque eles não poderiam aceitar que um governo como o da Venezuela, que eles detestam, agredisse a Guiana. Segundo, porque a principal empresa que explora o petróleo lá é a Exxon, americana. Eles não vão ficar indiferentes. Isso que os militares brasileiros receiam é uma alternativa plausível. De fato, embora não haja esse descontrole, não acho impossível. Mas acho pouco provável.

O senhor acha que Lula deveria ter sido mais duro com o presidente da Venezuela?

A primeira coisa que eu acho bom dizer é que esse caso mostra claramente que, além de um problema de princípios, é um erro. Quando não se critica uma política de indiferença às violações dos direitos humanos, como essa política que o PT e Lula costumam conduzir que, por afinidades ideológicas, não querem criticar a Venezuela, a Nicarágua, Cuba, além do problema de princípios, se comete um erro. Por que há outro aspecto: o ditador, o homem que viola a democracia e os direitos humanos é sempre causa de perigo. Você vê quem é que atacou a Ucrânia? Foi o Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), ditador. Quem está criando esse problema com a Guiana? É o Maduro. Então, a gente vê claramente que é preciso condenar com firmeza as ditaduras e as violações, porque quem faz isso prejudica não só os próprios cidadãos, mas, na primeira oportunidade que aparecer, se torna uma ameaça aos demais, como estamos vendo na Venezuela.

O senhor diria que o Brasil está perdendo a liderança no continente?

Para o Brasil, que sempre disse que a prioridade era a América Latina, a América do Sul, especialmente, a situação está ficando cada vez mais difícil. A América do Sul está se tornando um terreno muito complicado. Com a eleição na Argentina, Lula perdeu seu principal interlocutor, seu principal aliado, que era o governo peronista. E não é um aliado qualquer, é o mais importante na América do Sul. Aí, ele perde também dentro do Mercosul, em que nem o Uruguai nem o Paraguai têm posições ideológicas parecidas às do PT. E, além disso, no resto do continente, o Brasil está numa situação duvidosa. O Chile pela segunda vez rejeitou a proposta de mudança na constituição, e o governo está com uma popularidade muito baixa. O Peru é um país com muita instabilidade política, até agora está aquela presidente interina, depois que o impeachment derrubou o presidente, vive uma situação tão agitada que praticamente não conta na política do continente. Colômbia, que poderia ser mais simpática às posições daqui, Gustavo Petro (presidente colombiano) adotou uma postura que é oposta à do Brasil. Petro sugeriu não explorar o petróleo da Amazônia, coisa que o Lula não quis aceitar. Neste continente, agora, Lula tem um espaço muito pequeno. Tanto que a ideia que ele tinha de refazer a Unasul não deu certo.

Mas no caso da Guiana, o Brasil tem feito uma certa mediação...

No caso da Guiana é verdade que ele contribuiu para essa reunião que houve entre Maduro e o presidente da Guiana, Irfaan Ali, tanto que o segundo encontro vai ser aqui. Mas é um problema que não precisava existir se não fosse Maduro ter criado essa dificuldade. Um panorama que ficou muito mais desfavorável para o Lula. Não digo que seja culpa dele, mas que ele apostou num homem e deu errado.

O senhor acha que Lula atingiu os objetivos que se propôs na política externa para este primeiro ano de governo?

Alguns dos primeiros objetivos que ele anunciou, ele conseguiu atingir. O Brasil estaria de volta, sairia da situação de pária. Delineou um programa que ele cumpriu. Voltou a se tornar um parceiro ativo e, graças à política de meio ambiente, ele conseguiu romper aquele isolamento, a condição de pária que o Bolsonaro havia criado. Grande parte do isolamento se devia à política de meio ambiente, povos indígenas. Isso mudou e é uma parte positiva do governo. E não mudou só no discurso. Mudou de verdade. Teve a nomeação de Marina Silva, a campanha contra o garimpo ilegal em Roraima, com a destruição dos equipamentos, a campanha para diminuir o desmatamento da Amazônia, que diminuiu muito. Então, esse lado, eu acho altamente positivo. Há uma situação bem melhor.Mas o mundo é muito diferente daquele dos dois primeiros mandatos dele...Ele não conseguiu voltar a ter a admiração que tinha nos dois primeiros mandatos porque, naquela ocasião, ele aparecia como um homem que defendia causas que os ocidentais também defendiam. Mas, neste momento, algumas causas que o Lula tem procurado são diferentes dos países ocidentais. A começar pela Ucrânia, que ele teve, desde o início, uma posição muito de zigue zague, muito incerta. Ele já deu cinco ou seis declarações, e o que se sustenta é que, no fundo, ele tem uma atitude benevolente em relação ao Putin, à Rússia. Esse tipo de coisa o coloca num rumo de colisão com os Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Ninguém simpatiza com essa posição do Brasil em relação à Ucrânia. Também no caso de Israel, ele tem exagerado um pouco nas palavras, embora haja no mundo uma grande preocupação com o que está acontecendo lá. Ele é admirado hoje pelos direitos humanos e sobretudo pelo meio ambiente em que ele realizou muita coisa.


quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Lula e a má-fé da esquerda - Editorial Estadão

Lula e a má-fé da esquerda

 Estadão/Editoriais, 15/11/2023


O presidente Lula da Silva considera que a ofensiva de Israel contra o Hamas é "terrorista", ao, segundo ele, "não levar em conta que mulheres e crianças não estão em guerra". Numa só frase, o petista distorceu completamente o cenário da guerra, igualou situações inigualáveis e confirmou sua incapacidade de perceber a complexidade do mundo, prisioneiro que é do ranço ideológico de uma esquerda primitiva.


Não se sabe se o falatório de Lula atende a demandas dos militantes petistas, decerto insatisfeitos com as reinações do Centrão no governo que deveria ser esquerdista, mas isso pouco importa: manda a decência que, na condição de presidente da República, Lula se informe melhor antes de tirar conclusões tão abomináveis, que envergonham o Brasil perante a comunidade internacional.


Lula deveria saber que nenhuma criança palestina estaria morrendo em bombardeios israelenses em Gaza se Israel não tivesse sido covardemente atacado por terroristas do Hamas no dia 7 de outubro passado; Lula deveria saber que o Hamas usa crianças como escudos humanos e hospitais como esconderijos e que esse grupo terrorista nunca se importou que as crianças e os doentes morressem sob bombas israelenses, pois o objetivo é desmoralizar Israel perante a opinião pública mundial; Lula deveria saber, por fim, que a intenção declarada do Hamas é dizimar Israel e os judeus, o que deveria ter ficado suficientemente claro com o ataque de 7 de outubro.


Mas Lula não sabe nada disso ou faz força para não saber - pouco importa, pois o resultado é o mesmo. Há um imperativo imoral no discurso do demiurgo petista: a barbárie é plenamente justificada se for realizada em nome das causas que seu partido e a esquerda defendem.


No caso em questão, o Hamas tem sido tratado por esquerdistas como um grupo heroico de resistência palestina contra o colonialismo israelense. Pouco importa que o Hamas trucide civis inocentes se estes forem israelenses; não é relevante que o projeto do Hamas para a futura Palestina é um Estado islâmico que faria o Irã parecer uma democracia laica; também não interessa se os chefões do Hamas desviaram o dinheiro da bilionária ajuda internacional para Gaza para construir seu arsenal de guerra e para encher os próprios bolsos; e finalmente ninguém dessa esquerda primitiva quer saber se o Hamas pratica terrorismo não só contra Israel, mas também contra os próprios palestinos que o grupo deveria governar, reprimindo mulheres, homossexuais e qualquer forma de dissidência. Tudo o que importa, para Lula e sua seita, é que o Hamas fustiga Israel, considerado como braço do imperialismo americano no Oriente Médio.


Trata-se de um padrão. Esse mesmo Lula, não podemos esquecer, foi o presidente que, em meio à estupefação mundial com a agressão russa contra a Ucrânia, foi capaz de culpar os ucranianos pela guerra. A razão é óbvia: na interpretação lulopetista, os ucranianos estavam se aproximando do Ocidente, razão mais que suficiente para justificar o corretivo russo. Afinal, ninguém que se aproxime do Ocidente merece consideração da esquerda. Perde até o direito de se defender.


Essa indecência só surpreende os estrangeiros que tinham Lula como grande líder mundial. Quem acompanha o petista desde os tempos de sindicalista sabe que ele construiu sua mitologia reduzindo tudo à luta entre trabalhador e patrão - ou entre oprimido e opressor, em escala global. E todos os que Lula considera oprimidos são, claro, moralmente superiores. Nessa chave, o regime cubano pode colocar quantos queira no paredão, pois tudo é feito em nome da necessidade de manter a revolução em curso e enfrentar a opressão americana; do mesmo modo, a Venezuela, uma rematada ditadura, é para Lula um exemplo de democracia, simplesmente porque é o grande bastião antiamericano no continente. Os exemplos podem seguir infinitamente, da Nicarágua do companheiro ditador Ortega, ao Irã do infame Ahmadinejad, que tratou Lula como "grande amigo".


O "oprimido" da vez é o Hamas, em cuja defesa Lula se empenha com denodo, desprezando cruelmente a dor dos judeus massacrados em Israel - país que, afinal, para muitos esquerdistas, nem deveria existir.


sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Thomas Friedman sobre a tragédia da guerra Hamas- Israel (NYT, Estadão)

 Transcrvo a partir de Carmen Lícia Palazzo:

Há mais de 20 anos acompanho as análises de THOMAS FRIEDMAN. 

Ele é, na minha modesta opinião, mas também na opinião de muitos que são bem mais competentes do que eu no tema, um grande especialista, respeitado tanto no dito Ocidente quanto em vários meios do Oriente Médio. Por isso compartilho seus artigos e recomendo sempre a leitura. 

Sim, o atentado terrorista do Hamas foi de uma barbárie assustadora, o que não impede que seja hora de refletir sobre todo o contexto e sobre o que virá no futuro, dependendo da ação de muitos atores. É assim que e faz análise e é por isso que os especialistas são MUITO, MUITÍSSIMO NECESSÁRIOS.

CLP

Da Guerra dos Seis Dias à Guerra das Seis Frentes em Israel

"Por Thomas Friedman

26/10/2023 | 20h00


Quem se importa com Israel deveria estar mais preocupado agora do que em qualquer outro momento desde 1967. Naquele ano, Israel derrotou os Exércitos de três Estados árabes — Egito, Síria e Jordânia — no conflito que ficou conhecido como Guerra dos Seis Dias. Hoje, quem olha com atenção percebe que Israel trava a Guerra das Seis Frentes.


Esta guerra é travada diretamente e por intermédio de atores não estatais, Estados-nação, redes sociais, movimentos ideológicos, comunidades da Cisjordânia e facções políticas israelenses — e é a guerra mais complexa que já cobri. Mas uma coisa está clara para mim: os israelenses não são capazes de vencer esta guerra em seis frentes sozinhos; eles só serão capazes de vencer se Israel — e os Estados Unidos — conseguirem reunir uma aliança global.


Desafortunadamente, Israel tem hoje um primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e uma coalizão de governo que não pretendem nem são capazes de construir o fundamento necessário para sustentar essa aliança global. Esse fundamento é declarar o fim da expansão dos assentamentos coloniais de Israel na Cisjordânia e reformular as relações de Israel com a Autoridade Palestina, para que a entidade se torne uma parceira palestina legítima e crível, capaz de governar a Faixa de Gaza pós-Hamas e forjar uma solução maior de dois Estados incluindo a Cisjordânia.

Tanques israelenses e veículos blindados montados perto da Faixa de Gaza, no sul de Israel, no sábado, 21 de outubro de 2023.

Tanques israelenses e veículos blindados montados perto da Faixa de Gaza, no sul de Israel, no sábado, 21 de outubro de 2023.  Foto: Sergey Ponomarev / NYT


É estrategicamente e moralmente incoerente Israel pedir aos seus melhores aliados ajuda para buscar justiça em Gaza e ao mesmo tempo pedir-lhes que façam vista grossa enquanto o Estado judaico constrói um reino colonial na Cisjordânia com objetivo expresso de anexação.


Isso não vai funcionar. Israel não será capaz de produzir o tempo, a assistência financeira, a legitimidade, o parceiro palestino e os aliados globais que precisa para vencer esta guerra em seis frentes.


E todas as seis frentes estão neste momento à vista de todos.


Na primeira, Israel trava uma guerra em escala total contra o Hamas dentro e no entorno de Gaza, na qual, conforme podemos ver agora, o Hamas ainda detém tanta capacidade residual que conseguiu lançar um ataque anfíbio contra os israelenses na terça-feira e na quarta disparou foguetes de longo alcance contra as cidades portuárias de Eilat, no sul de Israel, e Haifa, no norte.


    Neste mundo do ‘nunca antes’, mais de tudo está acontecendo, e mais rápido. A geopolítica fragmentada e um ecossistema global abalado representam riscos existenciais para a humanidade 


É assustador ver quantos recursos o Hamas desviou para construir armas em vez de capital humano em Gaza — e quão eficazmente o grupo escondeu isso de Israel e do mundo. De fato é difícil não notar o contraste entre a evidente pobreza humana em Gaza e a riqueza em armamentos que o Hamas construiu e tem acionado.


O Hamas sonha há muito tempo com a unificação dos fronts em torno de Israel, regionalmente e globalmente. A estratégia de Israel sempre foi agir de maneiras que evitem isso — até que a atual coalizão de Netanyahu, de judeus ultraortodoxos e supremacistas, chegou ao poder em dezembro e começou a se comportar de maneiras que de fato ajudaram a fomentar a unificação de todos os inimigos de Israel.

De que maneiras? Os supremacistas judeus no gabinete de Netanyahu começaram imediatamente a desafiar o status quo do Monte do Templo, em Jerusalém, reverenciado por muçulmanos, que se referem ao local como Nobre Santuário, onde fica a Mesquita de Al-Aqsa.


O governo Netanyahu começou a movimentar-se para impor condições muito mais duras aos palestinos da Cisjordânia e de Gaza presos nas penitenciárias israelenses. E estabeleceu planos para uma enorme expansão nos assentamentos de Israel na Cisjordânia para impedir que um Estado palestino contíguo possa existir algum dia por lá. É a primeira vez que um governo israelense torna a anexação da Cisjordânia um objetivo declarado em seu pacto de coalizão.


Além disso tudo, os EUA pareciam próximos de forjar um acordo para a normalização das relações diplomáticas e comerciais entre Arábia Saudita e Israel — realização que coroaria o esforço de Netanyahu no sentido de provar que Israel pode ter relações normais com Estados árabes e muçulmanos sem ter de ceder nenhum centímetro aos palestinos.


O que nos leva à segunda frente: Israel contra o Irã e seus apoiadores — ou seja, o Hezbollah no Líbano e na Síria, milícias islamistas na Síria e no Iraque e a milícia houthi no Iêmen.


Todos os grupos lançaram, nos dias recentes, drones e foguetes contra Israel e forças dos EUA no Iraque e na Síria. Eu creio que o Irã — assim como o Hamas — considerou o esforço americano-israelense de normalização de relações entre Israel e Estados árabes-muçulmanos uma ameaça estratégica que teria isolado Teerã e seus aliados na região. Ao mesmo tempo, acredito que o Hezbollah passou a perceber que, se Israel aniquilar o Hamas, conforme declarou que fará, o grupo xiita libanês será o próximo. Portanto, o Hezbollah decidiu que, no mínimo, precisa abrir um segundo front de baixa intensidade contra Israel.

Uma foto tirada da cidade de Sderot, no sul de Israel, em 26 de outubro de 2023, mostra foguetes disparados da Faixa de Gaza em direção a Israel, em meio às contínuas batalhas entre Israel e o movimento palestino Hamas.

Uma foto tirada da cidade de Sderot, no sul de Israel, em 26 de outubro de 2023, mostra foguetes disparados da Faixa de Gaza em direção a Israel, em meio às contínuas batalhas entre Israel e o movimento palestino Hamas. Foto: JACK GUEZ / AFP


Como resultado, Israel foi forçado a retirar cerca de 130 mil civis das proximidades da fronteira norte, assim como dezenas de milhares de pessoas da região próxima à fronteira sudoeste, com Gaza. Esses deslocamentos colocam uma pressão enorme por moradia sobre o tesouro israelense.


A terceira frente é o universo das redes sociais e outras narrativas digitais sobre quem é bom ou mau. Quando o mundo torna-se interdependente, quando — graças a smartphones e redes sociais — nada permanece oculto e nós conseguimos ouvir uns aos outros sussurrar, a narrativa dominante adquire um valor estratégico verdadeiro.


Essa rede social ser manipulada com tanta facilidade pelo Hamas ao ponto do episódio de um míssil palestino que falhou e atingiu um hospital em Gaza ter tido a culpa atribuída a Israel é profundamente perturbador, porque essas narrativas moldam decisões de governos e políticos tanto quanto relações entre diretores-executivos e seus funcionários. Estejam avisados: se Israel invadir Gaza, corporações do mundo inteiro se verão diante de demandas em competição de seus empregados para denunciar Israel ou o Hamas.


    Por que Israel está agindo desta forma? Leia artigo de Thomas Friedman


    Essa guerra entre Israel e Hamas faz parte de uma escalada de loucura que vem ocorrendo nessa vizinhança, mas que se torna cada vez mais perigosa a cada ano 


A quarta frente é a luta intelectual-filosófica entre o movimento progressista internacional e Israel. Creio que alguns elementos desse movimento progressista, que, bem sei, é grande e diverso, perderam suas estribeiras morais sobre este tema. Por exemplo, eu vi numerosas manifestações em universidades americanas que essencialmente culpam Israel pela invasão horrenda do Hamas, argumentando que o grupo travou uma “luta anticolonial” legítima.


Esses manifestantes progressistas parecem acreditar que o Estado de Israel inteiro é uma empresa colonial — não apenas os assentamentos na Cisjordânia — e portanto o povo judeu não tem direito à autodeterminação nem à autodefesa em sua terra ancestral, seja dentro ou fora das fronteiras pré-1967.


E para uma comunidade intelectual aparentemente preocupada com nações que ocupam outras nações e lhes nega direito ao autogoverno, nós não vemos muitas manifestações progressistas contra a maior potência opressora no Oriente Médio hoje: o Irã.

O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, ao centro, ouve o comandante da Guarda Revolucionária, general Hossein Salami, ao centro, à esquerda, enquanto analisa um desfile militar anual que marca o aniversário do início da guerra contra o Irã pelo ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, em frente ao santuário do falecido fundador revolucionário Ayatollah Khomeini, nos arredores de Teerã, Irã, sexta-feira, 22 de setembro de 2023.

O presidente iraniano, Ebrahim Raisi, ao centro, ouve o comandante da Guarda Revolucionária, general Hossein Salami, ao centro, à esquerda, enquanto analisa um desfile militar anual que marca o aniversário do início da guerra contra o Irã pelo ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, em frente ao santuário do falecido fundador revolucionário Ayatollah Khomeini, nos arredores de Teerã, Irã, sexta-feira, 22 de setembro de 2023.  Foto: Vahid Salemi / AP


Além de reprimir suas próprias mulheres em busca de mais liberdade de pensamento e vestimenta, Teerã controla efetivamente quatro Estados árabes — Líbano, Síria, Iêmen e Iraque — por meio de seus aliados. O Líbano, um país que conheço bem, há um ano não consegue eleger um novo presidente que não se curve constantemente aos desejos e interesses de Teerã. Infelizmente, libaneses independentes são incapazes de remover a influência do Irã de seu Parlamento e Executivo, que é exercida em grande medida através dos canos das armas do Hezbollah. O site Middle East Eye noticiou que, em 2014, o representante da cidade de Teerã no Parlamento iraniano Ali Reza Zakani gabou-se sobre a maneira que o Irã passou a controlar quatro capitais árabes: Bagdá, Damasco, Beirute e Sanaa, Iêmen.


Reduzir essa luta incrivelmente complexa de dois povos por uma mesma terra a uma guerra colonial é uma desonestidade intelectual. Ou, conforme afirmou o escritor israelense Yossi Klein Halevi no jornal Times of Israel na quarta-feira: “Colocar a culpa da ocupação e suas consequências totalmente em Israel é desprezar o histórico das ofertas de paz israelenses e da rejeição palestina. Rotular Israel como mais uma criação colonialista é distorcer a história singular do retorno de um povo arrancado de sua terra, em sua maioria refugiados de comunidades judaicas destruídas no Oriente Médio”.


Mas vejam o que mais é desonesto intelectualmente: comprar a narrativa da direita israelense favorável aos assentamentos, neste momento disseminada amplamente dentro de Israel, de que a violência de Hamas é tão selvagem que claramente não tem nada a ver com nada que os colonos tenham feito — portanto, não há problemas em erguer mais assentamentos.


Minha visão: trata-se de uma disputa territorial entre dois povos que reivindicam a mesma terra, que precisa ser dividida da maneira mais equitativa possível. Essa concessão mútua é o fundamento de qualquer sucesso contra o Hamas. Portanto, se você é favorável a uma solução de dois Estados, você é meu amigo e se você é contra uma solução de dois Estados, você não é meu amigo.


A quinta frente é dentro de Israel e dos territórios ocupados. Na Cisjordânia, colonos judeus de direita estão atacando palestinos e perturbando os esforços do Exército de Israel de manter o controle em colaboração com as forças de segurança da Autoridade Palestina (AP), liderada por Mahmoud Abbas. Nós temos de lembrar que a AP reconheceu o direito de Israel existir como parte dos Acordos de Oslo. Seria terrível que essa frente exploda em um confronto entre a AP e Israel, porque desse modo haveria pouca esperança para se obter ajuda da autoridade para governar Gaza.

A fumaça preta surge do leste da Cidade de Gaza, quinta-feira, 26 de outubro de 2023, após os ataques aéreos israelenses.

A fumaça preta surge do leste da Cidade de Gaza, quinta-feira, 26 de outubro de 2023, após os ataques aéreos israelenses.  Foto: Abed Khaled / AP


Mas também não haverá nenhuma esperança para isso se os palestinos na Cisjordânia e espalhados pelo mundo não insistirem na construção de uma Autoridade Palestina mais eficaz e sem corrupção. Faz tempo que isso é necessário — e não é apenas culpa de Israel isso não ter acontecido; os palestinos também colaboraram.


A sexta frente é dentro de Israel, principalmente entre seus cidadãos judeus. Essa frente está oculta momentaneamente, mas à espreita logo abaixo da superfície. É o confronto ocasionado pela estratégia permanente de Netanyahu na política doméstica: dividir para conquistar. Netanyahu construiu toda sua carreira política colocando grupos da sociedade israelense uns contra os outros, erodindo o tipo de coesão social que é essencial para vencer a guerra.


Seu governo levou essa estratégia ao extremo logo que assumiu, em dezembro, movimentando-se imediatamente para furtar da Suprema Corte israelense seu poder de revisar decisões do Executivo e do Legislativo. Nesse processo, Netanyahu levou dezenas de milhares de israelenses às ruas todos os sábados para proteger sua democracia e fez com que pilotos da Força Aérea e outros combatentes de elite suspendessem seus plantões de reservistas afirmando que não serviriam a um país que ruma para a ditadura. Seu governo dividiu e distraiu Israel e suas Forças Armadas exatamente na hora errada — se é que já houve uma hora boa.


    Os erros de cálculo dos líderes de Israel e de Gaza estão sendo revelados 


Como você vence uma guerra em seis frentes? Repito: somente com uma aliança de pessoas e nações que acreditam em valores democráticos e no direito de todos os povos à autodeterminação. Enquanto não produzir um governo capaz de gerar essa aliança, e a não ser que o faça, Israel não terá o tempo, os recursos, o parceiro palestino e a legitimidade que precisa para derrubar o Hamas em Gaza, estará lutando principalmente ao lado dos EUA como seu único aliado verdadeiro e sustentável.


E muito da força dessa aliança reside hoje em Joe Biden e no fato de que ele traz para esta crise um conjunto de princípios centrais e fundamentais a respeito do papel dos EUA no mundo: o certo contra o errado, a democracia contra a autocracia. Poderá demorar para termos novamente um presidente com esses instintos.


Em outras palavras, Biden criou capital de giro diplomático — que vem com um prazo limite — tanto para os israelenses quanto para a Autoridade Palestina. Ambos devem usá-lo sabiamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO"