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segunda-feira, 4 de julho de 2022

João Almino homenageia Sergio Paulo Rouanet + Jorio Dauster e outros colegas

Mensagem de João Almino a colegas da ADB

 Como já foi noticiado, morreu ontem no Rio de Janeiro o grande diplomata e filósofo Sergio Paulo Rouanet. Realizou um importante trabalho para o Itamaraty, entre outras funções, como negociador no GATT e na UNCTAD, chefe da Divisão de Política Comercial, Chefe do Departamento da Ásia e Oceania, além da chefia de missões diplomáticas. Foi meu primeiro chefe na DPC. Sabia transitar com naturalidade da conversa  sobre os grandes temas da política externa ou das leituras de filosofia para as decisões cotidianas da sua área específica de atuação. Dialogava de maneira sempre cordata, segura e inteligente com seus subordinados e com o embaixador George Alvares Maciel, então em Genebra, sobre as questões relativas às instruções a serem preparadas. Nos tornamos amigos e dois anos depois compadres, quando me convidou para ser padrinho da Adriana Rouanet, nascida de seu segundo casamento, com a socióloga, sua grande companheira e interlocutora Bárbara Freitag Rouanet.

Acompanhei, sempre com grande admiração, a evolução de sua importante obra filosófica (tenho alguns de seus textos em cópias datilografadas e um que não veio a publicar). Foi um dos mais destacados filósofos brasileiros, com vasta obra publicada no Brasil e no exterior. Escreveu sobre Machado de Assis (Riso e Melancolia), sobre Freud (Édipo e o Anjo e Os dez amigos de Freud) e livros que estão no cerne de sua reflexão sobre o Iluminismo como uma nova utopia, que não se confunde com a Ilustração (entre outros, As Razōes do Iluminismo e Mal-estar na modernidade). É importante destacar que, como Secretário Nacional da Cultura, empreendeu um diálogo com os setores artísticos e culturais do país e conseguiu a aprovação da lei de incentivo à cultura. Era membro da Academia Brasileira de Letras.

Além de Adriana, que já citei, e da viúva, Barbara, deixa dois filhos, Marcelo e Luiz Paulo, de um primeiro casamento.

Seu legado inclui a criação recente do Instituto Rouanet, em Tiradentes.

João Almino

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Agregou o embaixador Jorio Dauster:

Meu caro João Almino,
Você prestou a homenagem devida ao grande homem que foi Sergio Paulo Rouanet. Graças a seu tirocínio, ele devotou a maior parte da vida a percorrer os caminhos rarefeitos da filosofia, mas quero recordar aqui uma passagem dos tempos em que "Ruana" ainda era um entusiasmado jovem diplomata dedicado às questões econômicas internacionais. 
Nos longínquos idos de l964, antes que fôssemos alijados como subversivos da Delegação brasileira à I UNCTAD após o 31 de março, ele e eu redigimos a proposta de criação do Conselho de Segurança Econômica das Nações Unidas. Tratava-se de um dos itens que o Brasil advogou quando a participação da delegação na conferência era de fato conduzida pelo pai de nossa brava presidente da ADB, o embaixador Jayme Azevedo Rodrigues, que posteriormente teve seus direitos políticos cassados pelo AI 5. É que ainda acreditávamos em muita coisa que o mundo nos negou... 
Abraço,
Jorio  

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Outros colegas e amigos agregaram: 

Gelson Fonseca Júnior: 
Parabéns pela iniciativa. O Rouanet merece muitas homenagens, como diplomata, como intelectual engajado, como criador da lei que garantiu bases produção cultural nos últimos, como colega e amigo. Foi um privilégio conviver com ele e, sempre, aprender com ele. Um grande brasileiro.

João Gualberto Marques Porto: 
Colegas, amigos muitos, 
Falar sobre o "Ruana", como vários o chamavam, é fácil. Dificil é, para os que não privaram com ele, avaliar o tamanho dessa perda, pela dimensão imensurável de seu caráter e personalidade.
Minha experiência com ele durou bem além das mais de quatro décadas que passei na carreira ativa, no Brasil e fora. Conheci-o de nome, antes de entrar para o IRBr, nos albores da "Gloriosa", seu nome vinculado a formulações sócio-políticas que apontavam para uma provável - felizmente jamais ocorrida - repressão.
Com efeito, a esquerda do Rouanet era iluminada por uma estrutura de pensar autenticamente humanitária e democrática, parâmetros filosóficos que guiaram suas atitudes ante a vida até sua morte. Era um mestre do pensamento, como cabe aos filósofos de porte. Sua obra é imensa e abrangente, sobre multidisciplinar, à semelhança de sua erudição e cultura.
Sua fama me veio da primeira informação a seu respeito, de que passara para o segundo ano de Direito, na PUC do RJ, sem dependência, como invariavelmente ocorria, em Filosofia do Direito, ministrada por jurista de origem polonesa, Sbrozec, implacável em sua avaliação dos alunos. O resultado, segundo consta, foi não só de aprovar, mas aplaudir, de pé, Sérgio Paulo Rouanet.
Foi meu Professor de Política Internacional, no segundo ano do IRBr, ainda nas dependências da Candelária, no RJ. Sua fala monocórdia podia dar sono, mas o entrecho não deixava jamais dormir. Nas aferições de conhecimento, que exigiam nota valorada, conforme os ditames de um sistema de ensino que julgava incoerente e ultrapassado, além de urdido com severas falhas, nunca deu menos do que 8, pois acreditava que as provas, ginasianas que eram em seu método de aferição, pouco indicavam do valor real do examinando.
Com isso, meu deu 10 em duas provas, cujas questões (Morgentau e a Teoria do Poder, Nash e a Teoria dos Jogos) ainda são de minha completa memória, como quase tudo que dele me veio. O mesmo ocorreu em seminário dinâmico que propôs à turma, para encenar confronto multilateral, no qual me coube o papel de representante da Comissão da então Comunidade Econômica Europeia, ato que situo na raiz de meu interesse por aquela integração econômica, e, em provir dinâmico, política, que terminou sendo um de meus avatares temáticos na Carreira e tema de minha tese de CAE.
Sempre em contato, após esse prelúdio acadêmico, viemos a reencontrar-nos na Delegação Permanente em Genebra, em minha primeira lotação lá (2 e 1S), período em que tive o privilégio efetivo de compartilhar com ele a mesma sala de trabalho, por inteiros quatro anos. Fui seu segundo em matéria de UNCTAD (Comissões de Manufaturados, de Produtos de Base e de Assuntos Financeiros e Junta de Comércio e Desenvolvimento), no que foi o melhor aprendizado de minha vida, ao habilitar-me a atuar em seu lugar e a pensar estrategicamente, no contexto da buscada reforma do sistema econômico internacional, em que, ademais, militavam algumas das melhores cabeças da Casa: Souto Maior, Amaury Bier, Ronaldo Costa, Lindenberg Sette, Paulo Cabral de Melo, Paulo Nogueira Batista, George Alvares Maciel, Antônio Sérgio Frazão, Antônio Francisco Azeredo da Silveira, nos planos mais elevados, complementados por uma incrível turma de assessores da mais alta competência, e com outros bem menores, como eu, na rabeira da lista.
Esses foram anos realmente dourados, no dia a dia com Sérgio Paulo, na mesma diminuta sala de trabalho, com os papéis desencontrados de sua mesa derramando-se sobre a minha, em contraste com seu pensamento dialético, perfeitamente ordenado, que se vertia sobre mim. E isso numa convivência intra e extracurricular de grande variedade, entre almoços nos desvãos horários do Palais des Nations e um que outro jantar na Vieille Ville, em seu apartamento da Grand'Rue, ou em minha casa de Conches.
Nessa época, finalmente, após troca infinita de profissionais do campo, encontrou um analista que podia ouvi-lo sem perder-se ante o cérebro maciçamente informado e culto de seu paciente. Foram seis anos de "sessões", durante algumas das quais, nos quatro anos citados, pedia-me que o substituísse, quando se chocavam com nossa agenda unctadiana. Lembra-me bem o dito "rompimento final", em que, dada a profundidade dos laços assim formados, Rouanet encontrou certa dificuldade de liberar-se, o que, de repente, ocorreu quando, como me disse, se deu conta de que se tratara, verdadeiramente, de um diálogo com seu próprio inconsciente. 
Daí em frente, não mais trabalhamos juntos, a não ser ocasionalmente, em conferências internacionais, onde a liga que formáramos se repetia com facilidade.
Nossos papos nunca foram papos-cabeça por si mesmos, ainda que mormente inspirados pelo nível que inevitavelmente tomavam quaisquer tertúlias, sobre qualquer tema, de cinema a automóveis (com exceção de esportes, que não o atraiam, apesar de sua notável força muscular). Por exemplo, foi nessa época que, com José Guilherme Alves Merquior, outro exímio pensador e, curiosamente, sua nêmese ideológica, realizou a celebrada entrevista, seminal, de ambos com Michel Foucault. 
Singularmente, vem-me à lembrança que, naquele período genebrino, o governo brasileiro (apesar de ainda estar no poder a "gloriosa") decidiu condecorar com a Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul o pensador e educador suíço Jean Piaget. O Embaixador Ramiro Saraiva Guerreiro, nosso então chefe em DELBRASGEN, fez a entrega da honraria em sua residência, para o quê incumbiu Sérgio Paulo de preparar-lhe breve discurso. Para admiração geral dos convivas, Piaget começou seu agradecimento pela menção de que jamais, em sua vida, ouvira tão concisa, precisa e substantivamente profunda análise de seu pensamento.
Tendo recebido do Brasil um dinheiro - muito bem-vindo naquela conjuntura de severa estagflação dos anos 70/80 e seus dois sucessivos Choques do Petróleo -, decorrente da venda de sitio que herdara de meu pai, resolvi investi-lo na compra de uma pequena Ferrari, marca que, à época, como várias outras de nome, davam desconto para diplomatas, pelo sentido de propaganda que seu uso por eles ensejava, o qual permitia revender o carro, mais tarde, sem perda de valor, a preço equivalente ao da compra, senão maior. Diferentemente de outros colegas que viam naquilo abuso ou irresponsabilidade, Sérgio Paulo achou engraçadíssima minha decisão e tratou de fazer juma análise psicanalítica do objeto da compra, que assim descreveu, precisamente, sem dela ter conhecimento, da publicidade da marca: "De corpo suave e sensual, é arrepiante em seu desempenho, como o som de seu motor". Ou seja, Rouanet era gente.
Daí para a frente, foram sempre águas tranquilas, confirmadas pela boa liga que formei com sua nova companheira, logo depois esposa, Bárbara Freitag, sólida intelectual por seus próprios méritos de socióloga do Grupo de Frankfurt, algo mais radical no uso de Marx do que seu marido, porém com encaixe que a comum das mortais nunca conseguiria com ele. Juntos, no final dos anos 70, no sítio que Sérgio Paulo comprara nos arredores de Brasília, em meio a jabuticabeiras, goiabeiras e mangueiras, glosávamos os ataques de Carlos Frederico Werneck de Lacerda, notável golpista de sempre, repudiado até pela "gloriosa", que tanto apoiou, à postura crítica, daquela que chamava, maldosamente, de "A Dama de Berlim". à educação no Brasil, severamente afetada pela visão, vinda dos militares no poder, das reformas de que esse setor tanto carecia, como ainda hoje, por sinal.
A Lei Rouanet, hoje posta em cheque pela mesma visão dantesca da "gloriosa", imperante até 1985, creio que resume bem Sérgio Paulo Rouanet. Enquanto as esquerdas desilustradas e pró-ditatoriais repelem, ou buscam corromper, o empresariado industrial, Rouanet insistia em que este deveria ser cooptado para compor, positivamente, com seus vultosos recursos, o quadro de redenção social de que o Brasil estruturalmente necessita com urgência. O uso de parte de suas receitas, em benefício da cultura, em última análise colima esse fim e tem efeito exemplar para estender medidas desse gênero a outros campos de nosso processo de desenvolvimento.
Sua entrada para a Academia Brasileira de Letras é prova marcante de quanto precede. Longe de ser aquele sarcófago para velhotes literatos, visto por muitos "revolucionários" como antro de conservadorismo, é, a rigor, o nec plus ultra da consagração do intelecto, hoje estendido para muito além de premiação da produção estritamente literária, para cobrir campos diversos com efeito sobre a cultura nacional.
Hoje, às 14 horas, despedi-me de meu amigo, de e para sempre, Sérgio Paulo Rouanet.
João Gualberto Marques Porto Junior.

Fernando Vidal: 
Fui designado para acompanhar o Embaixador Rouanet em Havana, quando ele esteve lá, em 1992, para reunião de Ministros da Cultura da América Latina. Fiquei com ele o tempo todo, alguns dias, e devo dizer que foi um prazer enorme, tão grande que lamentei quando ele partiu de volta a Brasília. Conversamos muito, sempre muito descontraidamente, porque ele me deixou muito à vontade, e pude perceber como ele tinha uma inteligência superior. Aprendi com ele algo que nunca esqueci: o altíssimo risco de um diplomata fazer previsões em política externa, que podem depois não se confirmar e deixar-nos mal. Meus pêsames à família. Fernando Vidal.

Ozorio Rosa: 
João Almino, você conseguiu sintetizar  com precisão e conhecimento de causa tudo o que de fundamental e significativo poderia ser destacada sobre o grande diplomata e ex-Ministro da Culturs que nos deixa agora. Como vizinhos de posto - ele em Praga e eu em Budapest - trocávamos com frequência informações sobre temas administrativos mas egoísta e unilateralmente eu aproveitava essas oportunidades para haurir um pouco de seus fenomenais conhecimentos sobre Kant  que ele sem soberba e com paciência me compartilhava. Um homem admirável.

Fernando Guimarães Reis: 
Para o perfil do saudoso colega - tão bem traçado por João Almino -  gostaria de mencionar algo, que me parece importante. Como toda pessoa, altamente inteligente, Rouanet (Rouana, afetuosamente}  era compreensivo e tolerante, o que nem sempre é o caso para os que se julgam de posse da luz da razão, sempre "cativa", ás às vezes cega. .Dentro de seu racionalismo, ele era afirmativo, sem dúvida, mas sempre esteve alerta para as "trapaças" do intelecto ( o depoimento de Fernando Vidal , nesse sentido, é  muito oportuno). .Ouso dizer que a própria obra do filósofo acusa uma evolução: das certezas iluministas ao humor desconfiado´(e melancólico) de  Lawrence Sterne, tão querido por Machado de Assis. .Sinal de que a  inteligência pura busca um contraponto.real. Não por acaso,  o Acadêmico dedicou seus últimos anos a recolher  a correspondência esparsa  do Mestre do Cosme Velho - trabalho modesto e inestimável., ..Em suma, o que me apraz sublinhar 11 é o exemplo: junto com sua  poderosa  lucidez e clarividência,, Rouanet  não abdicava da honestidade intelectual  e, em consequência, da modéstia. .Deu provas disso,  por exemplo, em  polêmica com o também saudoso José Guilherme Merquior. Respeito pelo outro era também  o que o extraordinário diplomata  inspirava  no enriquecedor contato pessoal, marcado ademais pela afabilidade, de que há tantos  testemunhos. Fará muita falta, neste país cada vez mais indigente..  

Jom Tob Azulay: 
Caro João Almino,
Você fez uma bela e justíssima síntese da personalidade, da carreira e da obra do Rouanet. Naquele período de fins da década de 90 em que as grandes questões contemporâneas se agravaram, seus artigos no JB iluminavam com clareza e precisão temas como universalismo e cultura nacional. Tenho acredito guardados até hoje muitos de seus artigos nos quais me amparava quando me faltavam palavras. Sua tradução do A Origem do Drama Barroco Alemão de Walter Benjamim permanecerá como das mais primorosas em língua portuguesa. Poucos seguiram como ele a máxima de que a clareza é a gentileza do filósofo. Deixou uma sutil mas perene contribuição para a cultura brasileira.
Obrigado pelo seu comentário.
Um abraço,
Jom Tob

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João Almino agradeceu: 

Agradeço todas as respostas a meu post, os comentários e informações que enriqueceram o depoimento sobre o Embaixador Sergio Paulo Rouanet. Creio que neste grupo é relevante lembrar um lado menos conhecido de sua biografia: sua contribuição para a política externa e internacional do Brasil e para as causas dos países em desenvolvimento desde os tempos da I UNCTAD, como destacou Jorio.

Sobre o pensamento, publiquei ontem um artigo na Folha. Terei a oportunidade de falar da memória afetiva amanhã, na “sessão da saudade” da ABL, ao ter sido escolhida pela família para ser o orador oficial. 

Destacarei as muitas qualidades pessoais e profissionais de Sergio Rouanet que foram mencionadas aqui.