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domingo, 26 de abril de 2020

Plano Marshall? - Marcos Mendes (FSP)


Plano Marshall?

Fórmula parece não diferir da política instituída em 2010, que levou país à queda de 7%

Marcos Mendes
Folha de S. Paulo, 25 abril 2020
O governo anunciou um “Plano Marshall” para recuperar a economia após a pandemia.
O Plano Marshall é visto como uma bem-sucedida injeção de dinheiro público na reconstrução da infraestrutura da Europa após a 2ª Guerra Mundial, que teria aberto as portas para mais de duas décadas de crescimento acelerado.
O primeiro esboço do plano brasileiro aponta para aumento do investimento público, isentando projetos prioritários do teto de gastos. Há sugestão de pular etapas do processo de planejamento para os investimentos saírem mais rápido. Serão colhidas opiniões de empresários sobre os incentivos a setores considerados prioritários.
Essa fórmula parece não diferir da política instituída a partir de 2010, que levou o país à queda de 7% no PIB entre 2014 e 2016. O que se viu foi investimento público malfeito, com base em projetos apressados, queda de produtividade e disparada da dívida pública.

O general Braga Netto (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia) durante evento no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 31.mar.2020/Folhapress
Naquela ocasião, estávamos em melhor forma fiscal, colhíamos os benefícios do boom de commodities, e a economia mundial estava em crescimento. Será que daria certo agora, em condições mais adversas?
Não só o diagnóstico que embasa a proposta parece equivocado. Também inadequada é a sua comparação com o Plano Marshall.
Esse plano representou uma injeção de dinheiro dos EUA nos países da Europa. Que país seria o patrono do Brasil?
Nós, mesmos, é que vamos financiar os projetos? Mas vamos sair da pandemia com a dívida e o déficit do governo em 90% e 8% do PIB, respectivamente!
Não contabilizar os investimentos no limite de gastos não significa que eles não vão aumentar a dívida. Haverá, isso sim, descrédito dos indicadores fiscais. Outro problema da fracassada tentativa recente.
Pressionar ainda mais o Tesouro provocará fuga de capital e aumento do custo de financiamento da dívida, travando a retomada do crescimento.
J. Bradford de Long e Barry Eichengreenmostram que a real importância do Plano Marshall foi ter funcionado como um atrativo oferecido pelos EUA para induzir a Europa Ocidental a retornar para a economia de mercado.
Durante a guerra, os governos se acostumaram a políticas intervencionistas. Havia o temor de que deixar o mercado voltar a funcionar poderia gerar outra depressão, como a dos anos 1930.
O comunismo prosperava na vizinhança e induzia os políticos a manter as práticas de guerra, tais como controles de preços, racionamentos de divisas e o planejamento central.
Na Europa pós-guerra, todos os segmentos sociais queriam recuperar renda e patrimônio destruídos e pressionavam seus governos por ajudas e subvenções, levando a endividamento público e inflação.
O dinheiro dos EUA aumentou o tamanho do bolo, permitindo uma distribuição de perdas menos draconiana entre os diversos setores da sociedade. Viabilizou a estabilização macroeconômica, a construção de um novo pacto social e reformas pró-mercado.
Muito pouco foi gasto em infraestrutura. A maior parte da ajuda financiou déficit preexistente.
Ao lado da “cenoura”, a ajuda havia um “porrete”. O uso do dinheiro tinha que ser aprovado pelos americanos, que eram os gestores do plano, e o faziam com mão de ferro. A França teve seus fundos retidos enquanto não adotou uma política de equilíbrio fiscal. Da Alemanha exigiu-se o saneamento da estatal de transporte ferroviário.
Os gestores do plano também induziram a abertura econômica e a integração dos países europeus, bem como a construção de um bom ambiente de negócios. O investimento privado e a produtividade dispararam. O setor privado foi o responsável pelo sucesso econômico.
O Plano Marshall foi indutor das reformas de que o Brasil precisa. Teremos que fazê-las por iniciativa própria, sem a tutela de um interventor externo. Não será fácil desenhar um acordo social de repartição dos custos com a renda em contração. Fundamental não reincidir em erro que cometemos tão recentemente.
Marcos Mendes
Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Diplomacia populista - Guilherme Casarões (FSP)

Política externa sob Bolsonaro e Ernesto Araújo inaugura a diplomacia populista
Gestão se baseia em propostas simples para problemas complexos, mobilização das massas e construção de inimigos externos

SÃO PAULO
Desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, a política externa sob influência direta do guru intelectual Olavo de Carvalho foi um dos traços mais marcantes do novo governo.
O desejo manifesto de ruptura fez com que muitos buscassem adjetivos para caracterizá-la. Conservadora? Nacionalista? Antiglobalista? Subserviente?
Cada um desses adjetivos descreve aspectos importantes da atuação do Brasil no mundo, mas acredito que a palavra que melhor descreve o estado atual da política externa do país é populista.
A total submissão das diretrizes diplomáticas ao projeto pessoal (ou familiar) de poder de Jair Bolsonaro, marcado pelo reacionarismo ideológico e pela truculência política, é algo inédito no Brasil, mesmo nos períodos autoritários, e desconhecido entre democracias consolidadas.

O chanceler Ernesto Araújo, à esq., e o presidente Jair Bolsonaro durante reunião do G20, por teleconferência, em Brasília
O chanceler Ernesto Araújo, à esq., e o presidente Jair Bolsonaro durante reunião do G20, por teleconferência, em Brasília - Marcos Correa - 26.mar.20/Presidência da República via AFP
Ao tentar indicar seu filho Eduardo, de parcas credenciais, para chefiar a embaixada brasileira em Washington, Bolsonaro deixou claro que se vê como um monarca absolutista, legitimado pelo povo e inspirado pela graça divina.
Esse comportamento subverte a própria lógica do interesse nacional sob a qual operam chancelarias ao redor do globo. À esquerda ou à direita, a ideologia serve como filtro das estratégias para projetar o país no mundo, mas não deve ser tratada como um fim nela mesma.
E nem todo líder populista faz da diplomacia a extensão de seu jogo político interno. A atuação internacional de Getúlio Vargas, até durante o Estado Novo, ficou conhecida por seu pragmatismo na relação com Berlim e Washington.
Mesmo Donald Trump, um dos símbolos do moderno populismo conservador, não radicalizou sua política externa, encontrando certo equilíbrio entre bravatas esporádicas e concessões amplas, como se viu nas relações com a Coreia do Norte.
Não é o caso da diplomacia bolsonarista, cujo traço de populismo revela uma construção ampla, que condena objetivos, princípios e estratégias de relações internacionais à dinâmica própria do personalismo do líder populista.
Ela se baseia em três pilares: propostas de soluções simples para problemas complexos, mobilização direta das massas e aposta na construção de inimigos externos.
Para tanto, dispensa os mediadores institucionais, como o Itamaraty e a diplomacia profissional, além de abusar da comunicação direta, sobretudo via redes sociais.
O simplismo da visão de mundo bolsonarista se revelou desde a campanha. Povos de bem, em defesa da liberdade, da família e da fé, travam uma batalha permanente contra o socialismo e o globalismo.
A solução é igualmente rudimentar: para o governo, o Brasil só reconquistará sua credibilidade se o governo hostilizar Venezuela, China e Irã e abraçar Israel, Hungria e, quem diria, o absolutismo teocrático da Arábia Saudita.
A ideia é rezar pela cartilha trumpista, sem filtros, ressalvas ou concessões, numa adaptação da folclórica frase do ex-chanceler Juracy Magalhães: o que é bom para Donald Trump é bom para Jair Bolsonaro (e, portanto, para o Brasil).
O recurso às massas se traduz na utópica ideia, repetida diversas vezes pela cúpula bolsonarista, de que a política externa deve refletir os valores profundos do povo brasileiro.
Rejeita, portanto, interlocuções com sociedade civil, lideranças políticas progressistas ou organismos multilaterais, acusando-os de serem parte de uma suposta elite globalista que apregoa o marxismo cultural.
Essa apropriação de um povo imaginário, que se confunde com a militância bolsonarista das ruas e das redes, é importante para manter a base mobilizada.
Para atingir o “povo”, a política externa populista precisa de inimigos, que sempre devem ser descobertos, denunciados e combatidos. Ela se nutre, portanto, de espantalhos externos e teorias conspiratórias.
No começo, os alvos eram os socialistas: Nicolás Maduro, Venezuela e o Foro de São Paulo. Aos poucos, o leque de inimigos foi se ampliando para os considerados globalistas: o presidente francês, Emmanuel Macron, a ONG ambiental Greenpeace e a ativista pela mudança climática Greta Thunberg.
A paranoia bolsonarista que inunda o WhatsApp não poupou nem o papa Francisco, acusado de ser agente do bolivarismo.
Como voz institucional do Itamaraty, Ernesto Araújo costuma ser discreto ao revelar seu apetite conspiracionista, deixando suas elucubrações quixotescas para palestras longas ou ensaios em seu blog pessoal.
O chanceler reserva as tiradas mais agressivas a seus colegas, como os ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Abraham Weintraub, da Educação, além do assessor Filipe Martins, bem como alguns deputados e influencers da tropa de choque bolsonarista.
Todos que bebem da fonte de Olavo de Carvalho são versados nas táticas de guerrilha informacional do ideólogo e estrategista da alt-right americana, Steve Bannon.
O principal método de ação da política externa populista é disparar fake news contra desafetos internacionais do governo, como no episódio do vazamento de óleo na costa nordestina, que seria parte de uma trama venezuelo-ambientalista.
A ideia, claro, é criar a sensação permanente de que há um complô global contra o presidente, acossado pelo sistema.
Por isso, os bolsonaristas sabotam qualquer movimento mais pragmático no campo político ou comercial, vindo do agronegócio, dos militares ou da equipe econômica. Normalizar com o “sistema” é sinal de fraqueza.
Essa lógica binária e belicosa, inspirada na obra do jurista nazista Carl Schmitt, é um dos pilares da chamada “metapolítica” da extrema direita, que atribui grande importância à guerra cultural, que antecede a disputa política, e opera tanto no campo das ações quanto das narrativas.
A pandemia de Covid-19 escancarou o lado populista da política externa brasileira.
Mimetizando Trump, a insistência na hidroxicloroquina como o remédio milagroso é a típica solução simples para um problema complexo, assim como o slogan, posteriormente negado pelo próprio governo, de que o Brasil não poderia parar.
O apelo direto às massas se manifesta tanto na retórica bolsonarista de “salvar empregos” quanto na deturpação sorrateira das diretrizes do G20 ou da Organização Mundial da Saúde para legitimar as posições aberrantes do presidente no combate à pandemia.

Por fim, a cantilena do nós contra eles agora busca demonizar a China como fabricante de um vírus para destruir o Ocidente. Nascida na ultradireita americana, a expressão “vírus chinês”, de contornos racistas, caiu nas graças do bolsonarismo e estimula delírios conspiratórios de funcionários do governo.
O próprio Ernesto, em texto publicado em seu blog, sugere que o coronavírus e o movimento “sanitariamente correto” que dele emana fazem parte de um plano totalitário para implementar o comunismo em escala global.
Não restam dúvidas de que esse empreendimento populista tem pés de barro. Ao equiparar presidente e Estado, submetendo os interesses estratégicos do país às veleidades e às idiossincrasias da família Bolsonaro e de seus assessores próximos, a política externa populista causa danos irreparáveis à imagem do país.
Não bastassem os males da negligência ambiental na Amazônia, a insistência do presidente em minimizar a pandemia já o tornou uma espécie de pária sanitário, que só se compara aos excêntricos governantes de Nicarágua, Belarus e Turcomenistão.
Ao hostilizar parceiros estratégicos, como chineses, franceses e argentinos, joga por terra os esforços de recuperação econômica pela via do comércio internacional e destrói qualquer possibilidade de liderança brasileira nos temas multilaterais.
Pior ainda: caso o resultado das eleições americanas não seja o que os conselheiros palacianos desejam, o Brasil será jogado no abismo da irrelevância mundial.
Se tivermos sorte, por pouco tempo.
Guilherme Casarões, 37, é cientista político e professor da FGV-EAESP. Foi pesquisador visitante da Universidade de Michigan