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domingo, 6 de abril de 2014

Jacques Le Goff: um grande historiador da Idade Media (e nao apenas...) - Gilles Lapouge

O tapeceiro do passado
Na História de Jacques Le Goff, os contornos dos tempos perdidos ganham sutileza, cor, verdade
06 de abril de 2014 |
Gilles Lapouge - O Estado de S. Paulo

Jacques Le Goff morreu em Paris aos 90 anos. Era o maior historiador francês e um dos últimos representantes da escola dos Annales, que desde os anos 1930 vem subvertendo na França e no mundo a leitura do passado dos homens. A primeira geração dos Annales foi a de Marc Bloch e Lucien Febvre; foi seguida por aquela do grande Fernand Braudel, que em1936 lecionou na recém-fundada Universidade de São Paulo; depois da guerra, sucedeu-lhe a terceira geração, com Georges Duby, Leroy-Ladurie e, principalmente, Jacques Le Goff.
Esses grandes intelectuais dotaram a pesquisa histórica de um novo suporte lógico. Em vez de se debruçarem apenas sobre as batalhas, as coroações ou as tragédias, dedicaram igual interesse à vida cotidiana, ao que chamavam de non-événementiel (não factual): a metamorfose das mentalidades, a transformação dos hábitos, as lentas evoluções da maneira de amar, de alimentar-se, de morrer; as descobertas das paisagens, os jogos da paixão, as relações dos homens com o próprio corpo, as festas, as flexões das palavras e da linguagem.
Eles urdiram uma nova tapeçaria do passado. As imagens dos tempos perdidos ganharam em sutileza, verdade e cor. Além dos períodos convulsionados da história tradicional, estudaram os períodos pesados, lentos, quase viscosos que moldam o caráter das sociedades de maneira bem mais profunda que as guerras e o cerimonial da política.
Nessa ressurreição do passado, Jacques Le Goff ocupa uma posição eminente. Não apenas presta atenção a cores jamais percebidas como faz surgir do abismo da morte, do fundo do tempo, todo um continente, uma Idade Média desconhecida que a nossos olhos maravilhados se revela como os emergentes destroços de um navio magnífico, carcomido por moluscos e ferrugem e ainda resplandecente dos matizes das profundezas.
Ele busca e apreende essa Idade Média na consciência dos homens. Estuda seus sonhos e terrores, palavras e quimeras, corpos e alimentação. Ouve o gargalhar das bruxas, o sussurrar das monjas em oração no branco manto das igrejas e mosteiros que na Idade Média cobriam a cristandade.
A história de Le Goff nos seduz de outras maneiras. Seus escritos revelam o prazer, a fruição que ele experimenta ao devorar velhos manuscritos, antigos vestígios semiapagados, sacudindo a poeira que cobria, até sufocá-las, antigas representações que tínhamos daqueles tempos. "O pó se levanta ao poderoso vento do mar aberto", diz ele.
Em suas retortas de alquimista, Le Goff descobre paisagens jamais suspeitadas. A Idade Média não é mais a "noite negra" que separava, na história tradicional, o fim do Império Romano da Renascença. Uma nova Idade Média se descortina, feita de sombras, evidentemente, mas também de uma luz sublime. Essa Idade Média inédita é a verdadeira matriz de nossa modernidade.
"É na Idade Média’, afirma Le Goff, "que se constitui o elemento fundamental de nosso cristianismo. É nela que vemos a formação do Estado e da ideia de soberania. E também o surgimento da língua francesa, o desenvolvimento urbano e a fundação da cidade moderna. É sempre na Idade Média que vemos crescer as universidades, fenômeno novo e europeu. Porque a Europa também nasce na Idade Média."
Quais de seus livros podemos citar? O mais célebre é A Invenção do Purgatório, que se situa no século 12. Le Goff não só acompanha as etapas do surgimento como explica o motivo pelo qual, nessa época, os homens repudiam a terrível divisão entre bem-aventurados e amaldiçoados, inferno e paraíso, e acham mais compassivo acrescentar a um maniqueísmo atroz os estágios intermediários do purgatório para se ter em conta a infinita variedade do Mal e do Bem.
Jacques Le Goff tinha outra virtude. Homem da palavra, apresentava sua bela Idade Média no rádio. Seus programas fascinaram a França. Ele "representava" a história no rádio como a representava em seus cursos. Quando trabalhava numa grande biografia do rei São Luís, fascinou seus alunos descrevendo como o corpo (sagrado) do rei, que morreu de peste durante a oitava Cruzada, foi fervido pelos companheiros para que seus ossos pudessem ser levados de volta à França.
Era um apreciador dos bons vinhos e da boa cozinha, um brilhante interlocutor. Compartilhar um jantar com esse grande amante da vida era uma festa. Lembro-me de um deles. Ao ser servido um queijo de cabra na sobremesa, Le Goff começou a comparar a crosta do queijo, de cor cinzenta, bronze, azulada e ferrugem, recoberta de pequenas borbulhas, ao grão da pintura dos quadros de Giotto e Fra Angelico. Dali, divagou como num sonho e nos transportamos, como por um passe de mágica, da crosta do queijo de cabra para a cidadezinha de San Gimignano, depois para Florença e a dinastia dos Médicis, terminando com não sei que papa dos albores da Renascença. Tudo isso, todo esse teatro, estava como que escondido no humilde queijo de cabra. Le Goff terminou a representação dando uma dentada decisiva no queijo que, de repente, tornara-se algo sublime aos nossos olhos.
É emocionante e eloquente ver, neste momento em que o grande explorador e viajante do tempo já não está entre nós, o jornal Le Monde pedir ao grande escritor italiano Umberto Eco, autor de O Nome da Rosa, seu testemunho sobre esse que foi seu amigo. Como se o historiador rigoroso que foi Le Goff só pudesse ser celebrado por um dos maiores romancistas europeus. 
/ TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA


domingo, 10 de junho de 2012

Ode ao jumento - Gilles Lapouge

Um verdadeiro hino de amor ao jumento, tanto o francês, quando o jegue brasileiro. No Brasil, já saíram em defesa do jumento brasileiro ao se aventar a hipótese de serem exportados os simpáticos animais para a China, para fins, digamos, alimentares. Para quê? Bastou isso para deslanchar um movimento de solidariedade e de oposição a esse ignóbil ato de comércio exterior.
Aqui, o conhecido jornalista francês, correspondente do Estadão na França, sai em defesa do mais útil animal de toda a história humana.
Será verdade?


Ao jegue, com carinho

Submisso e glorioso, resignado e irredutível, é como se ele nos olhasse, compadecido, e dissesse: 'Não se preocupe. Vai passar'

Gilles Lapouge
Estado de S.Paulo, 10 de junho de 2012
Está na hora de lembrar dos jumentos. Os jornais falam muito do Festival de Cannes, do aquecimento global, do naufrágio da Grécia, mas aos jumentos quase ninguém se refere. O cavalo é mais favorecido. É sempre o foco da atenção pois tem elegância, brilho. Domingo vai às corridas, onde caminha gingando como uma estrela de cinema. Os homens usam belas calças e as mulheres lindos chapéus para montar nele.
O jumento não tem a mesma presença. É chamado de "burro" e de "asno". Palavras ofensivas. Tem cor de estopa. É desnutrido. Por que esse rosário de afrontas? Se eu fosse jumento, faria um motim. Brigitte Bardot falou recentemente dos jumentos, os do Brasil. Ela ficou furiosa ao saber que o Rio Grande do Norte, visando a criar uma nova fonte de renda, teria aceitado exportar 300 mil jumentos por ano para a China para nutrir as indústrias alimentícias e cosméticas desse país. Eu compartilho da cólera de Brigitte.
A rarefação dos jumentos nos campos - no Nordeste brasileiro, no sul da França, mesmo na Palestina - sempre me pareceu uma desgraça. Fizemos tanta coisa juntos, eles e nós - as pirâmides, as minas, as rodas d'água, as catedrais, a agricultura...
O jumento também transformou uma desvantagem em mérito. Ele sofre de um problema de vértebras: tem uma a menos. Mas, como é dono de um espírito dócil, aceitou esse infortúnio, que lhe dá pavor de correr e lhe tira o fôlego quando o dono o faz trotar. Na verdade, ele transforma essa fraqueza em força. Como suas vértebras dorsais são bastante desenvolvidas, seu dorso é saliente e seus rins são fortes. Essa constituição singular se ajusta à sela, de madeira ou de couro.
Todas essa inferioridade e a maneira com que ele teve de assumi-la compuseram o destino do jumento. Ele não é bom para correr e não sabe galopar. Em compensação é ótimo para puxar charrete, mover as rodas que trazem a água para a superfície no deserto, carregar feixes de trigo e sacos de terra e pedra. É bom também para descer ao fundo das minas de carvão, onde, muitas vezes, de tanto viver no escuro, acaba ficando cego.
O jumento participou de todas as aventuras do homem. Suou por nós. Perdeu seu fôlego por nós. Morreu sob nossos golpes. E, quando os engenheiros inventaram o motor de explosão, a moto, o trator e o caminhão, adeus jumento! Adeus, velho servidor! Vamos vendê-lo para a China para que as pessoas o comam. Nós o jogamos como se joga uma roupa esgarçada, uma gilete sem corte. Adeus, velho amigo, mas você não serve para mais nada!
Gosto muito dos jumentos do Nordeste brasileiro. Venho testemunhando sua derrota há 40 anos. E vi esta aberração: motos ruidosas, nauseabundas, perigosas, substituindo jumentos para cercar os rebanhos, em meio a um atroz odor de combustível. Em 1974 fiz uma longa viagem pelo Nordeste do Brasil. Sozinho. Fui de cidade em cidade, ao acaso, segundo meu desejo, em ônibus que rodavam 10, 12 horas por dia. Os jumentos já começavam a desaparecer, mas ainda eram numerosos. Faziam parte da paisagem nordestina. Quando chegava aos vilarejos assolados pela seca, eu ia cumprimentá-los. Eles me lembravam aqueles jumentos que conheci e amei na minha infância, não no Brasil, mas na França, nas montanhas austeras e pedregosas da Provença. Eu falava com os jumentos de João Pessoa ou de Epitácio Pessoa. Temos boas lembranças em comum, os jumentos do Nordeste e eu. Hoje, quando atravesso esses lugares ermos, em meio à barulheira dos caminhões e das motos, procuro por todo o lado as orelhas, as belas orelhas sensíveis, e elas sumiram.
Eu respirava seu odor. Olhava seus grandes olhos melancólicos e era como se um tapete mágico me conduzisse de volta aos tempos felizes da infância. Foi nessas longas noites no Nordeste que compreendi por que tanto amava os jumentos. Do outro lado do mundo, encontrei os mesmos animais, tão bonitos, tão fortes, tão resignados. Como seus congêneres da Provença, os pequenos jumentos do Nordeste se aproximavam de mim e cheiravam minhas mãos. Eles gostavam do meu cheiro, e eu do deles. Certas noites, nesse longo périplo solitário entre Salvador e Natal, Recife e Terezinha, sentia uma certa angústia pelo fato de estar só. Então ia ver os jumentos. Tínhamos este ponto em comum: detesto a solidão, os jumentos, também. Se um jumento está sem companhia, fica infeliz. Entedia-se a ponto de parecer que pode morrer de tédio.
O jumento não é só corajoso e útil: também tem caráter. Apesar de sua cortesia e indulgência com relação às loucuras e vilanias dos homens, jamais transige em questão de princípios. Na Bíblia, uma jumenta impediu que seu senhor, o adivinho Balaam, bloqueasse a passagem do povo de Israel quando este se aproximava da Terra Prometida. Naquele dia, os homens estiveram muito perto do desastre. Se a jumenta não tivesse dado uns bons coices em Balaam, os judeus jamais teriam continuado sua epopeia e isso teria provocado uma grande confusão na Bíblia, na história religiosa e em toda a História. Teríamos que começar tudo do zero. E Deus, como iria se sair dessa?
Em recompensa, o jumento teve o privilégio de aquecer com seu sopro o Menino Jesus na manjedoura. O jumento também teve a honra de servir de montaria para Cristo quando Ele entrou em Jerusalém, antes da Paixão. Jesus ficou muito emocionado e marcou o dorso do jumento com um sinal da cruz. Na Provença nós chamamos de "cruz de Santo André". Fiquei comovido ao encontrar nos jegues do Nordeste o mesmo sinal da cruz.
O jumento é bem considerado pelos deuses. Enquanto os homens o condenam ao insulto, ao desprezo, à pancada e ao trabalho perpétuo, as sociedades religiosas têm consideração com ele. A história santa está repleta de jumentos. A Bíblia o cita 133 vezes, um recorde entre os animais. Em Josué, ficamos sabendo que o jumento foi montado por judeus da mais alta sociedade, príncipes e damas. Cada patriarca tinha seu jumento. Abigail, que vai ao encontro de David, sela seu jumento (Samuel, 25) Zorobabel, depois da Babilônia retorna a Jerusalém montado no dele. Sansão, quando 3 mil filisteus o atacam, usa uma queixada de jumento para revidar e os mata.
O jumento vai do Velho Testamento para o Novo. Jesus escolheu um burrico, não um cavalo, para entrar em Jerusalém. Em Roma, os pagãos ridicularizavam a religião cristã por causa de sua amizade com os jumentos. Um pouco mais tarde, encontramos muitos místicos cristãos no Egito que se entregavam a penitências terríveis: viver sentados na ponta de uma coluna de pedra, numa árvore, quase imersos num pântano ou então se mantendo de tal modo imóveis que os pássaros faziam ninho em suas mãos. Os pagãos se divertem com esses fanáticos. E os chamam de "jumentos".
É verdade que mesmo em países cristãos os jumentos foram às vezes maltratados. Na Espanha, quando Isabel, a Católica, mandava queimar uma feiticeira, esta era amarrada nua num burro para que, à pena de morte, se adicionasse o suplício de partir da vida no dorso de um animal desprezado e obsceno. Na França os professores durante muito tempo colocavam um chapéu de asno na cabeça dos maus alunos. Por toda parte o jumento foi relegado ao desprezo e à injúria. Ao longo da história (salvo nos países do Oriente Médio), ele esteve no mais baixo nível da sociedade. Pior: foi sempre o bode expiatório dos mais humildes, o doméstico dos domésticos, o escravo dos escravos, o proletário dos proletários.
Alguns intelectuais foram em seu socorro. Victor Hugo escreveu, no fim da vida, um imenso poema glorificando o jumento. O grande historiador Michelet sublinhou o papel do burro na história dos homens, e o grande naturalista Buffon defendeu o jumento contra o cavalo. O filósofo da Renascença Giordano Bruno, último homem queimado pela Inquisição, em 1600, fez do jumento um modelo de espírito e erudição. Os sábios que acompanharam Napoleão Bonaparte no Egito, em 1798, montavam jumentos. Quando a tropa foi atacada pelos mamelucos, os oficiais franceses gritaram: "Protejam os jumentos no centro". No geral, pintores e poetas amam o jumento. Os cabalistas judeus descobriram que a palavra "jumento", em hebraico, tem as mesmas letras que a palavra "matéria". E concluíram que o jumento é "o mestre dos segredos do universo". Têm razão. O jumento entende tudo: se é idiota, é idiota como O Idiota de Dostoievski, o príncipe Muichkine - que é genial porque, se não compreende as coisas corriqueiras, compreende, por outro lado, as mais obscuras.
O jumento sabe tudo. Ele não trota nas mesmas paisagens que nós. Apenas aparenta compartilhar nossos caminhos, quando na realidade está em outro lugar, vem de outro lugar, vai para outro lugar. Ele atravessa educadamente nossa geografia sem fazer ruído para não nos perturbar, mas na verdade não caminha no mesmo passo que nós. Somente os poetas compreenderam a nobreza do jumento. Na França, no início do século 20, Francis Jammes escreveu uma oração para eles. É tão bela e luminosa que eu vou citá-la:
Prece para chegar ao Paraíso em Companhia dos Jumentos
Quando for a hora de ir a vosso encontro, meu Deus, fazei com que seja num dia em que o campo esteja brilhando em festa. Pegarei meu bastão e pela grande estrada irei, e direi aos jumentos, meus amigos: sou Francis Jammes e vou para o paraíso, porque não existe inferno na terra do Bom Deus. Eu lhes direi: venham pobres animais queridos, que com um brusco movimento de orelhas se livram das moscas, dos golpes e das abelhas. Que eu apareça diante de Vós entre esses animais que amo tanto porque baixam a cabeça docemente e juntam as pequenas patas de uma maneira tão gentil que dá pena. Meu Deus, fazei com que eu chegue até Vós com esses jumentos. Fazei com que os anjos nos conduzam em paz pelos riachos ensombreados em cujas margens tremulam cerejeiras, e fazei com que nessa morada das almas, sob vossos divinos olhos, eu me assemelhe aos jumentos, cuja humildade e doce pobreza se refletirão na limpidez do amor eterno.
Certamente, com o passar do tempo e dos milênios (ele está entre nós há 5 mil anos) o jumento começa a entender que as coisas não vão muito bem para ele, mas não se revolta. Sua tática é sutil. O cérebro humano não a alcança. O jumento é submisso e glorioso ao mesmo tempo, resignado e irredutível, escravo e soberano, vencido e vencedor. Ele dá cambalhotas nas primaveras onde não já não estamos. Encontrou obstáculos e os contornou. Ele se salvou do tempo. Sobre seus belos cascos, trota nas pradarias onde as horas não soam.
Se o espancamos, ele nos olha com um olhar incrédulo e belo. Não fica com raiva. Tem pena de nós. Não nos culpa, só nos observa. Ele gostaria de nos ajudar a ser menos vingativos. E nos consola de nossas maldades. "Não se preocupe", parece dizer, arreganhando os beiços, "não é sua culpa. Você é assim, mas isso vai passar. É um mau momento, uma má eternidade. Depois, você vai ver, tudo será melhor."
Durante a 1ª Guerra Mundial, em Verdun, inúmeros soldados foram mortos e enterrados. Inúmeros jumentos também foram mortos, mas não foram enterrados. Há alguns anos, um pintor de Auvergne (região montanhosa no centro da França onde há muitos jumentos), Raymond Boissy, manifestou sua indignação. E propôs que um monumento fosse erigido aos mortos, um monumento ao Jumento Desconhecido (como há em Paris o Túmulo do Soldado Desconhecido).
É uma ótima ideia. Aqueles jumentos, o Exército francês os fez vir de barcos do Magreb, do Marrocos, porque os jumentos dessa região são pequenos, dóceis e muito fortes. Eram capazes de transportar 150 quilos de obuses. Rastejavam nas trincheiras levando munição para os soldados que se encontravam em casamatas e fortins. Claro, os alemães descobriram e seus artilheiros bombardearam os ventres dos pequenos jumentos marroquinos. Foi uma carnificina. Aqueles que sobreviveram e retornaram às linhas francesas, contentes de reencontrar seus senhores, estavam feridos. Então foram abatidos. 150 mil jumentos foram mortos em Verdun.
O solo de Verdun está repleto de valas comuns de jumentos. Ali eram jogados os cadáveres desses animais tão gentis, suas pequenas coxas quebradas, as pequenas patas rígidas, seus olhos, tão belos, tão indulgentes, tão resignados. Como não chorar? / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Um escritor abominavel, que nao merece o titulo de intelectual...

Eu nunca convidaria um energúmeno desses para jantar, por mais famoso que fosse.
O que apenas prova que o Prêmio Nobel pode ser dado a pessoas perfeitamente execráveis...
Paulo Roberto de Almeida 

O erudito antissemita

Gilles Lapouge 
O Estado de S.Paulo, 06 de abril de 2012
O grande escritor alemão Günter Grass, Prêmio Nobel de Literatura em 1989, é um especialista em provocações. O autor de O Tambor não tem medida. Seus romances são um amálgama de grosserias, poesia, imprecações, ódio, ternura, personagens grotescos, obscenos ou provocadores. Ele reúne como troféus uma infinidade de escândalos. Hoje, aos 85 anos, Grass mostra que não perdeu nada da sua violência, sua mordacidade, seu orgulho.
Na quarta-feira, ele publicou no jornal Süddeutsche Zeitung um poema de 69 versos intitulado "O que deve ser dito", no qual dirige seus ataques contra um único alvo: Israel, ao qual acusa de ameaçar a paz mundial.
Grass argumenta que Israel dispõe há anos de um arsenal nuclear que cresce a cada dia, embora secreto e sem controle, pois nenhuma inspeção é autorizada. Ora, Israel pode lançar "ataques nucleares preventivos" contra instalações atômicas do Irã. A consequência desses ataques será "a erradicação do povo iraniano e isso com base na suspeita de que os dirigentes iranianos estão fabricando uma bomba atômica".
De passagem, Günter Grass insurge-se também contra o governo alemão, que comete o grande erro, segundo ele, de apoiar Israel. Pior ainda. Para ele, a "Alemanha arma Israel". Por exemplo, Berlim acaba de vender para os israelenses seu sexto submarino de transporte de ogivas nucleares.
Para não ser acusado de mais uma vez agredir Israel, Grass propõe a criação de uma instância internacional encarregada de controlar as armas nucleares iranianas e israelenses. A Alemanha, em geral, é muito crítica e, por vezes, manifesta aversão pelo escritor. Mais uma vez, ele expressa seu antissemitismo radical.
Segundo o jornal Die Welt, "Grass sempre teve um problema com os judeus, mas jamais o expressou tão claramente como nesse poema". O jornal tenta analisar o ódio que ele tem dos judeus. "Grass é o arquétipo do erudito antissemita alemão. Como é perseguido pela vergonha e o remorso, só conseguirá encontrar a paz de sua alma com o desaparecimento do Estado de Israel", diz o jornal.
É necessário, sem dúvida, remontar à história do escritor para entender o repentino "espasmo" de fiel antissemita. Há alguns anos, em 2006, Günter Grass, um homem de esquerda, declarou que, em outubro de 1944, ainda jovem, ingressou na 10.ª Panzerdivision SS Frundsberg da Waffen-SS.
Quando fez a confissão, há seis anos, os alemães ficaram indignados. Alguns chegaram a propor que o Nobel lhe fosse retirado.
Grass ingressou no PSD (Partido Social-Democrata), mas considerou os socialistas alemães muito mornos e, com frequência, denunciou suas tendências "pequeno-burguesas". Não aprecia os EUA, talvez porque ali vivam muitos judeus poderosos, especialmente em Nova York.
Em 11 de setembro de 2001, deixou claro até que ponto vai sua insensibilidade ao afirmar que "os americanos fazem muita história por causa de 3 mil brancos mortos pelos soldados da Al-Qaeda".
Em toda a Alemanha, a indignação contra o escritor é enorme. A chanceler Angela Merkel, que está de férias, não fez nenhum comentário sobre a nova retórica do escritor. Mas todos sabem que Merkel jamais demonstrou muito afeto por ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO  
É CORRESPONDENTE EM PARIS