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sábado, 3 de dezembro de 2022

Três variáveis de risco no horizonte do governo eleito - Creomar de Souza (Headline)

Creomar de Souza, um excelente analista político baseado em Brasilia, enviou-me esta sua análise a partir de uma nova publicação da qual ele participa, com Sergio Abranches e Carlos Melo.

Análise - Três variáveis de risco no horizonte do governo eleito

Humildade intelectual, memória acurada e um quê de generosidade com os aliados são elementos essenciais para que o governo eleito escape das armadilhas do poder em 2023

Creomar de Souza
 Headline Ideias2 de dezembro de 2022

Lula foi eleito e, se nada fugir do script, será efetivamente empossado no próximo dia 1º de janeiro. Contudo, se a campanha eleitoral já foi marcada por um nível de embate que naturalizou de uma só vez a violência política como elemento marcador do debate público, o que se imaginar acerca do governo futuro? Para dar início a esta reflexão, cabe primeiro que consideremos o fato de que Lula, à semelhança de outros presidentes eleitos na América Latina em ciclos eleitorais recentes, encontra-se refém de uma macrotendência que se espalha por democracias de todo o mundo, independentemente de seus níveis de qualidade:  a polarização política.

A polarização política, de maneira inequívoca, tem como resultante fundamental a diminuição de espaços de manobra relacional, tirando da lógica democrática aquele que é um atributo fundamental de democracias por essência: a construção de consenso entre atores políticos com olhares distintos sobre a realidade. De fato, a erosão dos consensos é um desafio que afeta regimes democráticos e lógicas governativas ancoradas em seus princípios regional e globalmente. A título de exemplo, basta verificar a decadência eleitoral de atores políticos que buscam se posicionar de maneira mais racional em comparação àqueles que transformam seus mandatos em trincheiras de uma guerrilha comunicacional constante.

Da direita que desistiu de usar talheres à esquerda que insiste em quebrar pratos, o fato é que há um crescimento exponencial de uma lógica política à qual o presidente eleito Lula e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin são pouquíssimos afeitos. Lula e Alckmin, cada um a seu modo, são construtores de consensos. Suas ascensões e quedas e ressurgimento no horizonte político estão diretamente ligadas à ideia de que é sim possível construir algum tipo de consenso em um país marcado por dissenso, violência política e continuada descrença nas instituições e nos processos políticos.

Seja por incompreensão daquilo que a política deve ser, seja por desilusão com aquilo que a política é, o fato é que para um pedaço considerável da cidadania, políticos como um todo não são dignos de confiança. Não por coincidência, à medida que estes mesmos políticos são vacilantes com sua imagem e a coerência entre suas falas e atos, a situação se torna ainda mais complexa. Diante disso, quando buscamos refletir sobre o horizonte que se desenha, se torna inescapável pensar em quais são os principais riscos que se colocam para o governo que foi eleito em outubro.

O primeiro destes riscos é, sem sombra de dúvida, a soberba. A vitória de Lula foi uma vitória da rejeição à figura de Jair Bolsonaro. Se isso fosse colocado na mesa às claras, seria em seguida necessário um exercício de honestidade intelectual e de humildade política para compreender que a jornada da coalizão de Lula à frente do Poder Executivo será menos dolorosa quanto maior for sua predisposição de tornar a tomada de decisão heterogênea. E aqui, cabe importante reparo, a concepção de heterogeneidade envolve uma multiplicidade de camadas, como a composição de um governo diverso em termos de gênero e de raça, mas, sobretudo, envolve também heterogeneidade em termos de observação da realidade.

Assim sendo, Lula e Alckmin terão que decidir se o governo será frente ampla de fato, ou se a terminologia será utilizada apenas como um anteparo a críticas – como foi no passado o uso da terminologia “herança maldita”. Caso se opte pela segunda alternativa em detrimento da primeira, o cenário mais provável é o de que aliados angariados sob a égide de defesa da democracia e das instituições sejam engolfados pelos interesses paroquiais da infinitude de correntes que compõe o petismo historicamente.

Se há, portanto, indicativos de que a soberba é a primeira das variáveis de risco que ameaçam o governo eleito, a segunda delas é igualmente complexa, e pode ser traduzida por amnésia. O núcleo de aconselhamento em torno do presidente eleito parece ter esquecido o quão vulnerável a sua figura e a de seu partido se encontram em termos reputacionais. Os escândalos de corrupção da era lava-jatista seguem vivos para uma parte considerável do eleitorado, sobretudo para os quais o presidente é moralmente frágil. Isto posto, a necessidade de cuidado e diálogo aberto com a sociedade sobre escolhas que possam parecer naturalmente óbvias precisa ser didaticamente exposta para diminuir riscos.

Se há uma preocupação com a segurança física do presidente eleito e isso requer dar preferência ao uso de aviões privados em contraposição ao uso de voos de carreira, é preciso dizer. Se não há cooperação ou boa-vontade do grupo político derrotado em fornecer meios que diminuam tais riscos, isso também precisa ser comunicado. O fato é que se o legado administrativo de Bolsonaro não terá continuidade, contrariamente, a maneira disruptiva com a qual ele encetou comunicação com a sociedade é uma tendência que não deixará de existir com a sua saída do Planalto.

Lula, Alckmin e seus assessores precisam abandonar os padrões de comportamento político dos anos 1980 e se engajarem de fato na comunicação em tempo real do século XXI. Sem isso, uma terceira variável de risco surge no horizonte com enorme força, estando essa variável marcada pelo mix de arrogância e argumento de autoridade. Em específico, aqui se trata de um marcador de longo curso de como o petismo e sua militância lidam com críticas e diferenças. Diante de um cenário em que polarização virou regra de campanha, tendendo também a ser regra do cotidiano político, a lógica de encarcerar os oponentes em uma posição maniqueísta tem uma limitação prática: a falta de votos no Congresso para aprovar medidas importantes.

Se em 2003, ao assumir a presidência pela primeira vez, Lula pode contar com o beneplácito de um presidencialismo de coalisão no auge de seu vigor, o cenário político que se desenha para 2023 se assemelha muito mais à uma conjuntura em que o poder de agenda migrou em favor do Poder Legislativo. E inegavelmente, o Congresso não faz segredo de que interesses que são distintos daqueles da presidência da República. E se temos hoje uma lógica em que os desafios são novos, a percepção mais óbvia é a de que velhas receitas serão insuficientes para compreender a realidade como dada. Nesse sentido, humildade intelectual, memória acurada e um quê de generosidade para com os aliados são elementos essenciais para que o novo governo eleito tente escapar das armadilhas que o poder trará em 2023.