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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Boletim Mundorama, n. 91, 2015 - dois artigos PRA, uma resenha de livro


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Artigos

  • On failed strategy and adjustment: Setbacks in the EU’s use of economic sanctions for deterring the Russian aggression on Eastern Ukraine, by Darlí Magioni Junior
  • Alma mater diplomática: a formação acadêmica dos diplomatas brasileiros (1985-2010), por Rogério de Souza Farias & Géssica Carmo
  • Desafios da economia brasileira na interdependência global, por Paulo Roberto de Almeida
  • A “Doutrina Caiado” e a Política Externa Brasileira: dois pólos inconciliáveis, por Daniel de Oliveira Vasconcelos
  • MERCOSUL: entre o sucesso e o fracasso total, por Charles Pennaforte e Ricardo Luigi
  • Os desafios da Cooperação Internacional em Saúde para o governo de Dilma Rousseff, por Maíra S. Fedatto
  • Hipocrisia e Política Internacional, por Bruno Jubran, Ricardo Leães e Robson Valdez
  • A globalização e os recursos naturais: a maldição, a bênção e a isenção, por Elia Elisa Cia Alves e Andrea Quirino Steiner
  • A crise na Venezuela e a atuação dos EUA, por Ricardo Luigi
  • Um Caleidoscópio Europeu, por Luiz Fernando Horta
  • BRICS, Segurança Internacional e a Governança Global: Breve Análise das Declarações de Cúpula, Por Mikelli Marzzini L. A. Ribeiro
  • De Lima a Paris – entraves e desafios da reforma de um regime complexo, por Mariana Balau Silveira e Matilde de Souza
  • A globalização e desigualdade de renda, por Elia Elisa Cia Alves
  • Os diálogos de paz na Colômbia e o direito das vítimas, por Diogo Monteiro Dario
  • Os articulistas do Boletim Mundorama
  • Petróleo, shale e energias de baixo carbono: inter-relações e incertezas, por Larissa Basso
  • Um congresso de Viena para o século 21?, por Paulo Roberto de Almeida
  • O MERCOSUL e a construção da cidadania sul-americana, por Ayrton Ribeiro de Souza
  • Filhos da democracia: a descarioquização da diplomacia brasileira, por Rogério de Souza Farias e Géssica Carmo
  • O Brasil e a Internacionalização de Empresas: visão geral, por Carlos Nogueira da Costa Júnior
  • Os benefícios do porto de Rocha para a integração regional na América do Sul, por Ricardo Luigi e Gustavo Borges Ansani
  • O bicentenário da elevação do Brasil ao Reino Unido a Portugal e Algarves, por Daniel Rei Coronato
  • Exteriores Próximos Sobrepostos: A atual disputa russo-europeia sob a velha ótica geopolítica, por Bruna Bosi Moreira e Graciela De Conti Pagliari
  • A policy for the continent—reinterpreting the Monroe Doctrine – an interview wih Carlos Gustavo Poggio Teixeira

Resenhas

Eventos

  • Evento – FUNAG lança revista “Cadernos de Política Exterior”
  • Evento – Lançamento do No. 27-28 da Revista Conjuntura Austral – UFRGS
  • Evento – UFRGS lança nova edição da Revista Austral
  • Evento – XXII Fórum Brasil Europa – Fundação Konrad Adenauer

Chamada de artigos

  • Chamada de Artigos – Revista Tempo do Mundo – IPEA
  • Chamada de trabalhos – Simpósio Temático “História e Teoria das Relações Internacionais: novos desafios” – ANPUH
Acesse aqui todos os artigos.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Um congresso de Viena para o seculo 21? - Paulo Roberto de Almeida

Dom Total, que se intitula a revista mais completa do Brasil (deve ser verdade, senão eles não diriam isso), publicou meu artigo sobre um novo congresso de Viena, com o subtítulo e uma bela ilustração do próprio, ou seja, o congresso de 1815.
Paulo Roberto de Almeida 

12/03/2015  |  domtotal.com

Um congresso de Viena para o século 21?

Kissinger e o “sentido da História”
El mundo fue y será una porquería
ya lo se.
En el quinientos seis
y en el dos mil también.
(...)
Pero que el siglo veinte
es un despliegue
de maldad insolente,
ya no hay quien lo niegue.
Tango Cambalache, letra de Enrique Santos Discépolo (1934)
Um dos mais famosos tangos da história musical da Argentina foi escrito em plena “década infame”, quando tem início a decadência daquele país, agravada depois pelo peronismo, que aliás liberou a música, antes proibida, por sua letra ser justamente percebida como uma crítica feroz à situação anterior (para a letra completa, de ácido teor, ver o link: http://www.musica.com/letras.asp?letra=974519). Em todo caso, o que Discépolo pensava do século 20, então recém ingressado em sua quarta década, parece aplicar-se igualmente, e talvez até com mais razão, ao século 21, recém entrado em sua segunda década: até aqui, foi um desabrochar de maldades insolentes, ninguém pode negar; em certos países “resulta que es lo mismo, ser derecho que traidor”. Onde foi parar aquela nova ordem mundial, defendida ou prometida por Bush pai, em 1991?
Estaríamos, por acaso, necessitados, tanto quanto a Europa do final das guerras napoleônicas, de uma réplica do congresso de Viena, apto a reorganizar, num grande concerto de nações, as bases de uma nova ordem mundial? Seria isso possível? Essa pergunta me veio à mente ao ler o mais recente livro de Henry Kissinger, World Order (New York: Penguin Press, 2014), que não coloca exatamente a questão, mas a engloba numa grande reflexão histórica, que começa, na verdade, pelo reordenamento da paz de Westfália. Esta, como ele indica acertadamente, não foi uma única conferência, mas um complexo processo negociador, com acordos separados em duas diferentes cidades.
Todos os estudiosos das relações internacionais e da história diplomática contemporânea sabem que Mister Kissinger estaria em excelente companhia, e ficaria extremamente satisfeito, se pudesse ser tele-transportado numa máquina do tempo para a Viena de 1815, para poder assessorar, ao mesmo tempo, Metternich e Castlereagh. Até mesmo Talleyrand, ministro de Luís XVIII, vindo do Ancien régime aristocrático, convertido em aliado da revolução, ministro do Império, sobrevivente na Restauração e finalmente servidor da monarchie de Juillet, poderia receber seus conselhos de longevo servidor de vários governos, tanto quanto o francês. Talvez seja maldade deste articulista, mas tendo lido a admiração sincera com que Kissinger completou sua tese de doutorado em torno dos dois primeiros estadistas, depois publicada como A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace, 1812-22 (1954), dá para imaginar o entusiasmo com o qual ele se movimentaria apressadamente atrás de cada uma das três delegações, para assoprar, aos ouvidos dos seus chefes respectivos, suas sugestões sobre como organizar a melhor balança de poder possível, suscetível de contemplar os interesses das grandes potências daquela época, e apenas os delas.
O mesmo sentido profundo da História transparece nesse seu último livro (no sentido cronológico, apenas), intitulado simplesmente World Order, sem qualquer subtítulo. Poucos autores na categoria das ciências humanas ousariam desafiar as normas editoriais americanas e publicar um volume de 400 páginas, com apenas duas palavras no seu título, o que aliás já tinha sido o caso de On China (2011), seu livro sobre o grande contendor do novo jogo geopolítico mundial. Os dois últimos livros, e o primeiro, nos trazem o melhor Kissinger, o pensador, o historiador, mais do que o estrategista do equilíbrio do terror nuclear, o memorialista dos anos de Casa Branca, ou o consultor caríssimo de governos estrangeiros, o homem que ganhou um prêmio Nobel por razões imerecidas, e que provavelmente merece mais distinções acadêmicas por seu trabalho intelectual do que propriamente pelas suas realizações a serviço de governos.
Kissinger parece o contrário de um Winston Churchill, que ganhou um prêmio Nobel por seu trabalho como historiador (tarefa que ele desempenhou em seu próprio benefício, obviamente), quando merecia o prêmio por ter salvo a civilização ocidental do assalto horrífico dos bárbaros nazifascistas, e ousado resistir, ao custo de “sangue, suor e lágrimas”, quando muitos recomendavam um pacto com o diabo em pessoa (isto é, Hitler). Kissinger talvez merecesse um prêmio literário por sua obra acadêmica, em especial os três livros citados, e mais Diplomacy (1994), uma vez que ele passou o seu tempo de estrategista tentando justamente fazer pactos com os diabos (Brejnev, Mao), como fazem, por sinal, os estadistas das grandes potências quando a ocasião lhes é dada. Talvez nem o júri do Nobel literário concordasse com esse tipo de galardão, uma vez que mesmo seus livros de caráter histórico estão igualmente contaminados por certa visão do mundo – do tipo “eu sei, eu fiz, eu estava lá” – que tende a impregnar as suas sugestões de uma “boa ordem mundial” como a única possível nas circunstâncias dadas (este é um viés a que nem mesmo Churchill escapou, seja em sua história da Segunda Guerra, ou na sua precedente história dos povos de língua inglesa).
O problema com Mister Kissinger é que ele teria gostado de um mundo mais “vienense” do que o que temos atualmente, já que se trata de uma “ordem mundial” que não é propriamente uma ordem, nem é universal, como ele mesmo reconhece no livro homônimo. O mundo parece se estilhaçar, não em novas conflagrações globais, mas em rivalidades hegemônicas, em proxy wars, com vilões proliferadores protegidos por uma ou outra das grandes potências, com desafios vindos de atores não estatais, alguns até se pretendendo califados expansionistas, ou mesmo com bravatas anti-imperialistas de líderes de pacotilha, num estilo parecido ao de certos fascistas do entre-guerras.
Tudo isso é real, e já está acontecendo, um pouco em vários cantos do planeta, inclusive numa Europa que já reproduziu, em pleno século 20, uma segunda “guerra de trinta anos”, uma repetição, em larga escala, dos terríveis conflitos que deram a partida, no século 17, à ordem westfaliana que ainda constitui o horizonte insuperável de nossa época, e pela qual tem início, justamente, World Order. Na impossibilidade de se chegar a novos acordos westfalianos – que, de resto, já estão incorporados na Carta da ONU – talvez Kissinger sonhe com novo Congresso de Viena, capaz de estabelecer as bases da nova “ordem mundial” que ele deve intimamente desejar. Talvez ele até se dispusesse a assessorar um ou outro soberano dos novos tempos, com conselhos sempre sensatos sobre como melhor organizar uma balança de poder entre as grandes potências, como fizeram os estadistas de dois séculos atrás.
Seria isto possível? Levaria um congresso do mesmo estilo a resultados efetivos e duráveis? Provavelmente não, pois faltaria a tal arranjo fundacional aquilo que existiu em cada reorganização anterior da ordem mundial: uma contestação radical da ordem anterior, com uma alteração fundamental das relações de força entre as grandes potências, e um reordenamento baseado no novo equilíbrio de poder. Westfália veio depois da “guerra de trinta anos”; Viena veio após as guerras napoleônicas; Versalhes e a Liga das Nações sucederam à Grande Guerra; Ialta e Potsdam, em 1945, prepararam São Francisco, que foi quase uma formalidade, depois que certas questões já estavam acertadas em Teerã (1943), em Dumbarton Oaks (1944) e naqueles dois encontros decisivos. Mas não é apenas pela falta de uma grande conflagração global que um novo congresso de Viena – que obviamente não seria em Viena – se revela impossível em nossos dias. O que falta, na verdade, seria uma espécie de entendimento prévio sobre o que discutir e o que se buscar. “Na construção de uma ordem mundial”, diz Kissinger no capítulo final de seu livro, “uma questão chave refere-se inevitavelmente à substância de seus princípios unificadores”, mas, acrescenta ele imediatamente após, “nos quais reside uma distinção fundamental entre as abordagens ocidentais e não ocidentais a essa ordem” (p. 363). A distinção não é obviamente geográfica tão simplesmente, mas fundamentalmente política e de valores.
A dificuldade, portanto, não resulta de um simples problema de agenda, ou seja, da falta de uma ordem do dia consensual, uma lista de questões sobre a base das quais discutir um novo arranjo global num formato similar ou equivalente àquele de 1815. Mister Kissinger acredita que a carência de uma ordem mundial para o século 21 pode ser explicada por aspectos, ou dimensões, que diferem da ordem precedente. Primeiro, a natureza do estado, em si – a unidade básica da vida internacional – que tem sido submetida à uma variedade de pressões desagregadoras (seja por falta de uma soberania efetiva, como no caso da UE, seja pela sua contestação por novos “senhores da guerra”), quando não se cai na falta de governança tout court, em estados falidos, ou territórios inteiros sem governo. Depois, uma descoordenação entre as organizações econômicas e políticas internacionais, as primeiras acompanhando o processo de globalização, mas as segundas ainda baseadas no estado-nação. Finalmente, a falta de um mecanismo de consulta e cooperação entre as grandes potências “on the most consequential issues” (p. 370). Aqui já estamos em face de cenas explícitas de kissingerianismo geopolítico: todas as instâncias existentes – CSNU, Otan, Apec, G-7 ou G-8, G-20 – lhe parecem carentes de maior foco, pois os chefes de governo ali presentes estão mais preocupados com o seu público interno, e com o comunicado final, do que com problemas concretos.
Pode ser isso, ou também pode ser que o mundo de Viena já não tem mais condições de existir: ele era a expressão de um arranjo westfaliano entre potências europeias, ou seja cristãs, numa época em que a Europa dominava o mundo, o que ela fez durante praticamente cinco séculos, o último junto com os Estados Unidos, mas já contestados pelas novas potências emergentes. A própria Alemanha tinha desafiado as bases da ordem europeia e internacional no arranjo precedente, por ter chegado tarde, bem depois da Prússia, na mesa de negociações e nas conquistas imperiais subsequentes (ainda que ela se tenha talhado alguns pedaços na Ásia e na África). Foi justamente o seu desejo de redistribuir as cartas do jogo que provocou uma nova guerra de trinta anos e a derrocada definitiva da hegemonia europeia sobre os assuntos do mundo.
A China provavelmente não tem nenhuma pretensão de ser uma nova Alemanha nas condições do século 21, nem a Rússia tem capacidade para aspirar a tal papel, muito embora ela ainda talvez gostasse de poder determinar o que podem e, sobretudo, o que não podem fazer as antigas satrapias do império soviético. O problema, na verdade, não é só de ordem geopolítica, mas também de valores e de concepções do mundo. Não se pode ser um Metternich – como talvez gostasse Kissinger – se não se tem do outro lado, como interlocutores afinados nesse tipo de jogo, estadistas como Castlereagh ou mesmo Talleyrand. Aparentemente, nem Xi Jin-ping nem Putin se dispõem a amoldar-se em papeis equivalentes aos de Hardenberg ou de Nesselrode, os representantes respectivos da Prússia e da Rússia imperiais em Viena. O que se buscava, na capital do Império dos Habsburgos, era um arranjo europeu, no máximo alcançando a periferia mais próxima, a do Império Otomano e suas dependências balcânicas. Os arranjos que se fizeram com os impérios ibéricos e suas possessões coloniais o foram por causa da herança napoleônica, não porque as grandes potências estivessem tentando traçar um esquema equivalente a Tordesilhas, ou seja, uma primeira divisão do mundo que só seria tentada novamente em Ialta, quase cinco séculos mais tarde.
Kissinger talvez gostasse que Estados Unidos e China chegassem a um acordo básico sobre as relações recíprocas, e foi em grande medida em vista desse objetivo que ele escreveu On China, uma obra particularmente compreensiva e leniente para com as lideranças chinesas. Da Guerra Fria política dos tempos de Stalin à nova Guerra Fria econômica dos nossos dias, o mundo mudou perceptivelmente em termos de atores e de interesses nacionais projetados internacionalmente. Viena-1815 nunca foi um encontro filosófico entre potências cristãs interessadas primariamente no bem estar de seus respectivos povos: o que estava em jogo ali era apenas o equilíbrio de poderes para evitar uma nova conflagração global. Westfália se revelou mais durável porque tratou basicamente de procedimentos, não de substância, como ele diz em outra parte do livro.
Esse objetivo, hoje em dia, está na prática assegurado pela detenção dos arsenais atômicos, o que restringe a subida aos extremos por parte de qualquer uma das grandes potências nucleares. Mas uma Viena do século 21 não poderia mais eludir os avanços registrados em matéria de direito internacional, de democracia e de direitos humanos. Tais dimensões, aparentemente, só seriam hoje defendidos pelos Estados Unidos, e se dependesse de Mister Kissinger talvez nem isso. Tais critérios certamente não fariam parte da agenda das outras grandes potências. Ah, sim, ainda tem a Europa, se ela é verdadeiramente um membro dessa pequena tribo, na vertente democrática; Kissinger, nos seus velhos tempos de guardião da paz no mundo, se perguntava: “se eu quiser falar com a Europa, eu telefono para quem?” Parece que o problema continua o mesmo.
O que dizer, então, das chamadas “potências emergentes”? A julgar pelas tomadas de posição de algumas delas, em suas próprias esferas regionais, talvez não se possa contar tampouco com elas para algum arranjo nouvelle manière, seja no formato Viena 2.0, seja uma reforma do sistema onusiano, esse dinossauro que também ostenta um cérebro totalmente desproporcional em relação ao seu imenso corpo. Em resumo, vamos esquecer essa história de um novo arranjo diplomático para a tal “ordem mundial do século 21”, e nos concentrarmos em tarefas mais prosaicas de administração da governança econômica e da defesa dos direitos humanos e da democracia onde isso for possível. O mundo ainda é bem mais hobbesiano do que grociano, e certos dirigentes atuais estão bem mais para Átila ou Gengis-Khan do que para Locke ou Montesquieu.
O progresso pode até ser uma fatalidade, como queria Mário de Andrade, alguns anos antes do milonguero argentino desconfiar de qualquer avanço, mas talvez seja porque a história parece andar a um ritmo similar ao dos carros de bois de antigamente. Quando alguns mais apressadinhos tentaram forçar a passagem em marcha acelerada, não deixaram de ocorrer acidentes de percurso, como descobriu, para sua infelicidade, o último xá da Pérsia. O próprio Kissinger confessa, ao final do seu livro (p. 374), que perdeu sua esperança de juventude de descobrir o “sentido da História”. Provavelmente, ele não existe, pelo menos não no sentido hegeliano-marxista. Quanto ao seu ritmo, talvez caiba se contentar com o de certas partituras: vivace, ma non troppo! Em todo caso, poderíamos repetir com Discépolo: “Todo es igual, nada es mejor…”.

Recomendação de leitura:
Peter W. Dickson: Kissinger and the Meaning of History (Cambridge University Press, 1978). [Nota: o autor é um acadêmico formado em filosofia que trabalhou para a CIA, o que revela quão eclética é essa agência de inteligência.]

Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasil.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Um Congresso de Viena para o seculo 21? - Paulo Roberto de Almeida

Transcrevo aqui, apenas para registro, meu mais recente artigo publicado em Mundorama.


Um congresso de Viena para o século 21?
Kissinger e o ‘sentido da História’
Publicado, sem o subtítulo, em Mundorama 
Relação de Originais n. 2779; Publicados n. 1166.

 Um congresso de Viena para o século 21?
Kissinger e o “sentido da História”

Paulo Roberto de Almeida

El mundo fue y será una porquería
ya lo se.
En el quinientos seis
y en el dos mil también.
(...)
Pero que el siglo veinte
es un despliegue
de maldad insolente,
ya no hay quien lo niegue.
Tango Cambalache, letra de Enrique Santos Discépolo (1934)


Um dos mais famosos tangos da história musical da Argentina foi escrito em plena “década infame”, quando tem início a decadência daquele país, agravada depois pelo peronismo, que aliás liberou a música, antes proibida, por sua letra ser justamente percebida como uma crítica feroz à situação anterior (para a letra completa, de ácido teor, ver o link: http://www.musica.com/letras.asp?letra=974519). Em todo caso, o que Discépolo pensava do século 20, então recém ingressado em sua quarta década, parece aplicar-se igualmente, e talvez até com mais razão, ao século 21, recém entrado em sua segunda década: até aqui, foi um desabrochar de maldades insolentes, ninguém pode negar; em certos países “resulta que es lo mismo, ser derecho que traidor”. Onde foi parar aquela nova ordem mundial, defendida ou prometida por Bush pai, em 1991?
Estaríamos, por acaso, necessitados, tanto quanto a Europa do final das guerras napoleônicas, de uma réplica do congresso de Viena, apto a reorganizar, num grande concerto de nações, as bases de uma nova ordem mundial? Seria isso possível? Essa pergunta me veio à mente ao ler o mais recente livro de Henry Kissinger, World Order (New York: Penguin Press, 2014), que não coloca exatamente a questão, mas a engloba numa grande reflexão histórica, que começa, na verdade, pelo reordenamento da paz de Westfália. Esta, como ele indica acertadamente, não foi uma única conferência, mas um complexo processo negociador, com acordos separados em duas diferentes cidades.
Todos os estudiosos das relações internacionais e da história diplomática contemporânea sabem que Mister Kissinger estaria em excelente companhia, e ficaria extremamente satisfeito, se pudesse ser tele-transportado numa máquina do tempo para a Viena de 1815, para poder assessorar, ao mesmo tempo, Metternich e Castlereagh. Até mesmo Talleyrand, ministro de Luís XVIII, vindo do Ancien régime aristocrático, convertido em aliado da revolução, ministro do Império, sobrevivente na Restauração e finalmente servidor da monarchie de Juillet, poderia receber seus conselhos de longevo servidor de vários governos, tanto quanto o francês. Talvez seja maldade deste articulista, mas tendo lido a admiração sincera com que Kissinger completou sua tese de doutorado em torno dos dois primeiros estadistas, depois publicada como A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace, 1812-22 (1954), dá para imaginar o entusiasmo com o qual ele se movimentaria apressadamente atrás de cada uma das três delegações, para assoprar, aos ouvidos dos seus chefes respectivos, suas sugestões sobre como organizar a melhor balança de poder possível, suscetível de contemplar os interesses das grandes potências daquela época, e apenas os delas.
O mesmo sentido profundo da História transparece nesse seu último livro (no sentido cronológico, apenas), intitulado simplesmente World Order, sem qualquer subtítulo. Poucos autores na categoria das ciências humanas ousariam desafiar as normas editoriais americanas e publicar um volume de 400 páginas, com apenas duas palavras no seu título, o que aliás já tinha sido o caso de On China (2011), seu livro sobre o grande contendor do novo jogo geopolítico mundial. Os dois últimos livros, e o primeiro, nos trazem o melhor Kissinger, o pensador, o historiador, mais do que o estrategista do equilíbrio do terror nuclear, o memorialista dos anos de Casa Branca, ou o consultor caríssimo de governos estrangeiros, o homem que ganhou um prêmio Nobel por razões imerecidas, e que provavelmente merece mais distinções acadêmicas por seu trabalho intelectual do que propriamente pelas suas realizações a serviço de governos.
Kissinger parece o contrário de um Winston Churchill, que ganhou um prêmio Nobel por seu trabalho como historiador (tarefa que ele desempenhou em seu próprio benefício, obviamente), quando merecia o prêmio por ter salvo a civilização ocidental do assalto horrífico dos bárbaros nazifascistas, e ousado resistir, ao custo de “sangue, suor e lágrimas”, quando muitos recomendavam um pacto com o diabo em pessoa (isto é, Hitler). Kissinger talvez merecesse um prêmio literário por sua obra acadêmica, em especial os três livros citados, e mais Diplomacy (1994), uma vez que ele passou o seu tempo de estrategista tentando justamente fazer pactos com os diabos (Brejnev, Mao), como fazem, por sinal, os estadistas das grandes potências quando a ocasião lhes é dada. Talvez nem o júri do Nobel literário concordasse com esse tipo de galardão, uma vez que mesmo seus livros de caráter histórico estão igualmente contaminados por certa visão do mundo – do tipo “eu sei, eu fiz, eu estava lá” – que tende a impregnar as suas sugestões de uma “boa ordem mundial” como a única possível nas circunstâncias dadas (este é um viés a que nem mesmo Churchill escapou, seja em sua história da Segunda Guerra, ou na sua precedente história dos povos de língua inglesa).
O problema com Mister Kissinger é que ele teria gostado de um mundo mais “vienense” do que o que temos atualmente, já que se trata de uma “ordem mundial” que não é propriamente uma ordem, nem é universal, como ele mesmo reconhece no livro homônimo. O mundo parece se estilhaçar, não em novas conflagrações globais, mas em rivalidades hegemônicas, em proxy wars, com vilões proliferadores protegidos por uma ou outra das grandes potências, com desafios vindos de atores não estatais, alguns até se pretendendo califados expansionistas, ou mesmo com bravatas anti-imperialistas de líderes de pacotilha, num estilo parecido ao de certos fascistas do entre-guerras.
Tudo isso é real, e já está acontecendo, um pouco em vários cantos do planeta, inclusive numa Europa que já reproduziu, em pleno século 20, uma segunda “guerra de trinta anos”, uma repetição, em larga escala, dos terríveis conflitos que deram a partida, no século 17, à ordem westfaliana que ainda constitui o horizonte insuperável de nossa época, e pela qual tem início, justamente, World Order. Na impossibilidade de se chegar a novos acordos westfalianos – que, de resto, já estão incorporados na Carta da ONU – talvez Kissinger sonhe com novo Congresso de Viena, capaz de estabelecer as bases da nova “ordem mundial” que ele deve intimamente desejar. Talvez ele até se dispusesse a assessorar um ou outro soberano dos novos tempos, com conselhos sempre sensatos sobre como melhor organizar uma balança de poder entre as grandes potências, como fizeram os estadistas de dois séculos atrás.
Seria isto possível? Levaria um congresso do mesmo estilo a resultados efetivos e duráveis? Provavelmente não, pois faltaria a tal arranjo fundacional aquilo que existiu em cada reorganização anterior da ordem mundial: uma contestação radical da ordem anterior, com uma alteração fundamental das relações de força entre as grandes potências, e um reordenamento baseado no novo equilíbrio de poder. Westfália veio depois da “guerra de trinta anos”; Viena veio após as guerras napoleônicas; Versalhes e a Liga das Nações sucederam à Grande Guerra; Ialta e Potsdam, em 1945, prepararam São Francisco, que foi quase uma formalidade, depois que certas questões já estavam acertadas em Teerã (1943), em Dumbarton Oaks (1944) e naqueles dois encontros decisivos. Mas não é apenas pela falta de uma grande conflagração global que um novo congresso de Viena – que obviamente não seria em Viena – se revela impossível em nossos dias. O que falta, na verdade, seria uma espécie de entendimento prévio sobre o que discutir e o que se buscar. “Na construção de uma ordem mundial”, diz Kissinger no capítulo final de seu livro, “uma questão chave refere-se inevitavelmente à substância de seus princípios unificadores”, mas, acrescenta ele imediatamente após, “nos quais reside uma distinção fundamental entre as abordagens ocidentais e não ocidentais a essa ordem” (p. 363). A distinção não é obviamente geográfica tão simplesmente, mas fundamentalmente política e de valores.
A dificuldade, portanto, não resulta de um simples problema de agenda, ou seja, da falta de uma ordem do dia consensual, uma lista de questões sobre a base das quais discutir um novo arranjo global num formato similar ou equivalente àquele de 1815. Mister Kissinger acredita que a carência de uma ordem mundial para o século 21 pode ser explicada por aspectos, ou dimensões, que diferem da ordem precedente. Primeiro, a natureza do estado, em si – a unidade básica da vida internacional – que tem sido submetida à uma variedade de pressões desagregadoras (seja por falta de uma soberania efetiva, como no caso da UE, seja pela sua contestação por novos “senhores da guerra”), quando não se cai na falta de governança tout court, em estados falidos, ou territórios inteiros sem governo. Depois, uma descoordenação entre as organizações econômicas e políticas internacionais, as primeiras acompanhando o processo de globalização, mas as segundas ainda baseadas no estado-nação. Finalmente, a falta de um mecanismo de consulta e cooperação entre as grandes potências “on the most consequential issues” (p. 370). Aqui já estamos em face de cenas explícitas de kissingerianismo geopolítico: todas as instâncias existentes – CSNU, Otan, Apec, G-7 ou G-8, G-20 – lhe parecem carentes de maior foco, pois os chefes de governo ali presentes estão mais preocupados com o seu público interno, e com o comunicado final, do que com problemas concretos.
Pode ser isso, ou também pode ser que o mundo de Viena já não tem mais condições de existir: ele era a expressão de um arranjo westfaliano entre potências europeias, ou seja cristãs, numa época em que a Europa dominava o mundo, o que ela fez durante praticamente cinco séculos, o último junto com os Estados Unidos, mas já contestados pelas novas potências emergentes. A própria Alemanha tinha desafiado as bases da ordem europeia e internacional no arranjo precedente, por ter chegado tarde, bem depois da Prússia, na mesa de negociações e nas conquistas imperiais subsequentes (ainda que ela se tenha talhado alguns pedaços na Ásia e na África). Foi justamente o seu desejo de redistribuir as cartas do jogo que provocou uma nova guerra de trinta anos e a derrocada definitiva da hegemonia europeia sobre os assuntos do mundo.
A China provavelmente não tem nenhuma pretensão de ser uma nova Alemanha nas condições do século 21, nem a Rússia tem capacidade para aspirar a tal papel, muito embora ela ainda talvez gostasse de poder determinar o que podem e, sobretudo, o que não podem fazer as antigas satrapias do império soviético. O problema, na verdade, não é só de ordem geopolítica, mas também de valores e de concepções do mundo. Não se pode ser um Metternich – como talvez gostasse Kissinger – se não se tem do outro lado, como interlocutores afinados nesse tipo de jogo, estadistas como Castlereagh ou mesmo Talleyrand. Aparentemente, nem Xi Jin-ping nem Putin se dispõem a amoldar-se em papeis equivalentes aos de Hardenberg ou de Nesselrode, os representantes respectivos da Prússia e da Rússia imperiais em Viena. O que se buscava, na capital do Império dos Habsburgos, era um arranjo europeu, no máximo alcançando a periferia mais próxima, a do Império Otomano e suas dependências balcânicas. Os arranjos que se fizeram com os impérios ibéricos e suas possessões coloniais o foram por causa da herança napoleônica, não porque as grandes potências estivessem tentando traçar um esquema equivalente a Tordesilhas, ou seja, uma primeira divisão do mundo que só seria tentada novamente em Ialta, quase cinco séculos mais tarde.
Kissinger talvez gostasse que Estados Unidos e China chegassem a um acordo básico sobre as relações recíprocas, e foi em grande medida em vista desse objetivo que ele escreveu On China, uma obra particularmente compreensiva e leniente para com as lideranças chinesas. Da Guerra Fria política dos tempos de Stalin à nova Guerra Fria econômica dos nossos dias, o mundo mudou perceptivelmente em termos de atores e de interesses nacionais projetados internacionalmente. Viena-1815 nunca foi um encontro filosófico entre potências cristãs interessadas primariamente no bem estar de seus respectivos povos: o que estava em jogo ali era apenas o equilíbrio de poderes para evitar uma nova conflagração global. Westfália se revelou mais durável porque tratou basicamente de procedimentos, não de substância, como ele diz em outra parte do livro.
Esse objetivo, hoje em dia, está na prática assegurado pela detenção dos arsenais atômicos, o que restringe a subida aos extremos por parte de qualquer uma das grandes potências nucleares. Mas uma Viena do século 21 não poderia mais eludir os avanços registrados em matéria de direito internacional, de democracia e de direitos humanos. Tais dimensões, aparentemente, só seriam hoje defendidos pelos Estados Unidos, e se dependesse de Mister Kissinger talvez nem isso. Tais critérios certamente não fariam parte da agenda das outras grandes potências. Ah, sim, ainda tem a Europa, se ela é verdadeiramente um membro dessa pequena tribo, na vertente democrática; Kissinger, nos seus velhos tempos de guardião da paz no mundo, se perguntava: “se eu quiser falar com a Europa, eu telefono para quem?” Parece que o problema continua o mesmo.
O que dizer, então, das chamadas “potências emergentes”? A julgar pelas tomadas de posição de algumas delas, em suas próprias esferas regionais, talvez não se possa contar tampouco com elas para algum arranjo nouvelle manière, seja no formato Viena 2.0, seja uma reforma do sistema onusiano, esse dinossauro que também ostenta um cérebro totalmente desproporcional em relação ao seu imenso corpo. Em resumo, vamos esquecer essa história de um novo arranjo diplomático para a tal “ordem mundial do século 21”, e nos concentrarmos em tarefas mais prosaicas de administração da governança econômica e da defesa dos direitos humanos e da democracia onde isso for possível. O mundo ainda é bem mais hobbesiano do que grociano, e certos dirigentes atuais estão bem mais para Átila ou Gengis-Khan do que para Locke ou Montesquieu.
O progresso pode até ser uma fatalidade, como queria Mário de Andrade, alguns anos antes do milonguero argentino desconfiar de qualquer avanço, mas talvez seja porque a história parece andar a um ritmo similar ao dos carros de bois de antigamente. Quando alguns mais apressadinhos tentaram forçar a passagem em marcha acelerada, não deixaram de ocorrer acidentes de percurso, como descobriu, para sua infelicidade, o último xá da Pérsia. O próprio Kissinger confessa, ao final do seu livro (p. 374), que perdeu sua esperança de juventude de descobrir o “sentido da História”. Provavelmente, ele não existe, pelo menos não no sentido hegeliano-marxista. Quanto ao seu ritmo, talvez caiba se contentar com o de certas partituras: vivace, ma non troppo! Em todo caso, poderíamos repetir com Discépolo: “Todo es igual, nada es mejor…”.

Recomendação de leitura:
Peter W. Dickson: Kissinger and the Meaning of History (Cambridge University Press, 1978). [Nota: o autor é um acadêmico formado em filosofia que trabalhou para a CIA, o que revela quão eclética é essa agência de inteligência.]

[Hartford, 2779: 23 fevereiro 2015, 5 p; revisão: 6 de março, 6 p.]

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Recomendacoes de leituras, para curiosos...


Algumas recomendações de leituras: lista seletiva

Paulo Roberto de Almeida

Sergio Florencio: Os Mexicanos (São Paulo: Contexto, 2014, 240 p.)
   
         Você sabia que os mexicanos têm uma lista dos mais amados (Benito Juarez e Pancho Villa, entre eles), mas também dos mais odiados (Cortez, obviamente, e também Porfírio Díaz) personagens da sua história? Sabia que somos parecidos com eles? Este livro, por quem foi embaixador no México, apresenta uma história diferente do país que é apresentado como competidor do Brasil; de fato é, mas não como esperado: buscam os dois a prosperidade, a partir de bases sociais e comportamentos econômicos similares. Uma análise exemplar, feita do ponto de vista de um brasileiro que é fino observador das qualidades e idiossincrasias de um povo dotado de uma rica história de realizações, mas também de frustrações. Os desafios parecem semelhantes; serão também as soluções? Descubra um México diferente num livro em que o Brasil está presente.


Paulo Estivallet de Mesquita: A Organização Mundial do Comércio (Brasília: Funag, 2013, 105 p.)
       
     Parece difícil resumir em menos de 100 pequenas páginas a teoria do comércio internacional, a evolução prática do próprio, o estabelecimento do sistema multilateral de comércio, desde o Gatt e seus caminhos tortuosos, até chegar na OMC e todos os seus acordos e funcionamento. Uma proeza realizada por este engenheiro agrônomo que se fez diplomata, e que aplica o rigor da sua ciência de origem à análise dos problemas das relações econômicas internacionais, com ênfase no comércio e nos seus conflitos. O sistema parece uma bicicleta: é preciso avançar, pois qualquer parada pode significar retrocesso, não estabilidade. A interrupção da Rodada Doha, o recuo no protecionismo em alguns grandes países (alguns até próximos) são desafios graves, mas os acordos de livre comércio não são a resposta ideal. Só faltou a bibliografia para uma obra perfeita.


Lauro Escorel: Introdução ao Pensamento Político de Maquiavel (3a. ed.; Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, FGV, 2014, 344 p.)
          
  Escrito em 1956, publicado pela primeira vez em 1958, novamente em 1979, este clássico da maquiavelística brasileira é agora apresentado por um acadêmico e complementado por uma conferência de 1980 do autor, que se tornou “maquiavélico” ao servir na capital italiana em meados dos anos 1950. Para Escorel, “as observações de Maquiavel sobre a política externa dos Estados continuam a apresentar... uma extraordinária atualidade”. O florentino foi o primeiro grande teórico da política do poder.  Mas no plano interno também, Escorel segue Maquiavel em que a política é um “regime de precário equilíbrio entre as forças do bem e as forças do mal, em que estas muitas vezes superam aquelas...”. Os dois colocam o “problema cruciante das relações da política com a moral”, que está no centro da obra do italiano.


Paulo Roberto de Almeida: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014, 289 p.)
          
  Tudo o que você sempre quis saber sobre a diplomacia companheira e nunca teve a quem perguntar? Agora talvez já tenha, sobre quase tudo. Em todo caso, figura aqui uma avaliação do que representaram, para a política externa, os anos do lulo-petismo, com a independência de um acadêmico que também integra a diplomacia. Existem episódios que ainda vão requerer pesquisa em arquivos para saber como foram exatamente decididos, e provavelmente lacunas subsistirão, tendo em vista justamente as características especiais de uma diplomacia que não partiu essencialmente de sua casa de origem, mas andou combinada a outros estímulos, não arquivados. Parece que ela foi ativa, altiva e soberana, como nunca antes tinha acontecido. Outros traços emergirão num futuro balanço, ainda sem data. A História a absolverá? A ver...


Rogério de Souza Farias: A palavra do Brasil no sistema multilateral de comércio (1946-1994) (Brasília: Funag, 2013, 885 p.)
Uma coletânea, de alta qualidade, dos mais importantes pronunciamentos feitos por representantes brasileiros desde as negociações que precederam a constituição do Gatt (1946-47), passando pela Unctad (1964), até a criação da OMC (1994). O livro representa um repositório de grande relevância para todos os pesquisadores da história econômica brasileira, uma vez que compila documentos originais e outros materiais de referência (fotos, resumos biográficos dos negociadores brasileiros, etc.), mas constitui, igualmente, um instrumento de trabalho para os negociadores diplomáticos de nossos livros. O livro vem acompanhado por informações e fotos dos representantes e de notas de rodapé explicativas de cada contexto negociador. O denso prefácio e a longa introdução merecem leitura atenta; os temas abordados em cada capítulo constituem matéria prima indispensável para conhecer a história econômica e diplomática brasileira no plano do comércio internacional. Parece que pouco mudou...

Eugênio Vargas Garcia: Conselho de Segurança das Nações Unidas (Brasília: FUNAG, 2013, 133 p.)
         
   Tudo o que você sempre quis saber a respeito do CSNU e nunca teve a quem perguntar, ou onde ler. Agora já tem: neste pequeno grande livro de um historiador diplomata que já escreveu sobre o itinerário frustrado do Brasil na Liga das Nações e sobre as tentativas novamente frustradas para ser admitido no inner sanctum da sua sucessora. Mais que isso: a obra refaz não apenas a trajetória histórica desse órgão central da ONU, como percorre a geopolítica de sua atuação e funcionamento político (com algumas tinturas jurídicas), sempre focado nas reais alavancas de poder, isto é, o monopólio dos cinco membros permanentes (mas a China só ingressou em 1971). Uma síntese bem sucedida, uma bibliografia atualizada e uma reflexão sobre as realidades do poder atual, que reflete a posição brasileira em importantes questões da agenda da ONU e do seu desejado CS.



Carlos Márcio B. Cozendey: Instituições de Bretton Woods (Brasília: FUNAG, 2013, 181 p.)
       
     Cada linha da obra está impregnada de um triplo conhecimento: histórico, teórico e prático, sobre as origens, o desenvolvimento, nas décadas seguintes, e sobre o funcionamento atual dos dois irmãos de Bretton Woods, o Banco e o Fundo, que foram criados em 1944 na pequena cidade do New Hampshire para presidir à ordem econômica do pós-guerra. O autor é o secretário de Assuntos Internacionais da Fazenda, e como tal segue, no G20 e em outras instâncias, as negociações para a reforma do sistema monetário, que já passou por fases melhores do que a atual. Depois das paridades cambiais estáveis, o regime de flutuação não ajuda a manter a estabilidade mundial, mas o maior perigo advém dos desequilíbrios fiscais nacionais, um tema que todavia foge do escopo deste livro.



Harvey J. Kaye: The Fight for the Four Freedoms: What Made FDR and the Greatest Generation Truly Great (New York: Simon & Schuster, 2014, 292 p.).
O livro foi feito a partir dos papeis deixados por Franklin Delano Roosevelt em seus arquivos de Hyde Park: o eixo central é dado pelas quatro liberdades que Roosevelt proclamou no State of the Union de janeiro de 1941, logo após conquistar o seu terceiro mandato, antes, portanto, que os Estados Unidos fossem atacados e entrassem na guerra. Roosevelt, que já vinha procurando superar as resistências isolacionistas do Congresso, para converter os EUA no “Arsenal da Democracia”, insistiu na tecla de que seria ilusório tentar esconder-se atrás de muralhas defensivas. Os quatro grandes conceitos, em torno dos quais os americanos deveria estar unidos, não apenas para si mesmos, mas para todo o mundo, foram os seguintes: liberdade de expressão, de religião, da penúria e do medo. Esses princípios seriam inscritos na Carta do Atlântico, que Roosevelt assinou com Winston Churchill, em agosto de 1941, nas costas do Canadá, e foram consagrados no ano seguinte na Carta das Nações Unidas, uma espécie de “New Deal for the world”, que seria a base da Carta da ONU, assinada em San Francisco, em 1944.

Neill Lochery: Brazil: The Fortunes of War, World War II and the Making of Modern Brazil (New York: Basic Books, 2014, 314 p.)
O autor é um historiador britânico, professor de Mediterranean and Middle Eastern Studies do College University of London, e seu livro está dedicado ao envolvimento do Brasil na guerra, o que é feito de maneira minuciosa e competente. A introdução da obra já começa destacando o famoso documento-guia que Oswaldo Aranha preparou para as conversas de Vargas com Roosevelt, no encontro que ambos tiveram no Rio Grande do Norte, em janeiro de 1943, uma lista de objetivos de guerra que o Brasil declarava aos EUA, mas que também podem ser vistos como uma espécie de planejamento estratégico feito pelo grande chanceler para assegurar uma posição de realce para o Brasil na ordem internacional que estaria sendo desenhada pouco mais à frente para assegurar a paz e reconstruir o mundo. Oswaldo Aranha acreditava, pragmaticamente, que a política tradicional do Brasil, de apoiar os Estados Unidos no mundo, em troca do seu apoio na América do Sul, deveria ser mantida “até a vitória das armas americanas na guerra e até a vitória e a consolidação dos ideais americanos na paz.” Os Estados Unidos iriam liderar o mundo quando a paz fosse restaurada e seria um grave erro se o Brasil não estivesse do seu lado. Ambas nações eram “cósmicas e universais”, com características continentais e globais. Ele tinha plena consciência de que o Brasil era uma “nação economicamente e militarmente fraca”, mas o seu crescimento natural, ou as migrações do pós-guerra, lhe dariam o capital e a população que o fariam tornar-se, “inevitavelmente um dos grandes poderes políticos do mundo”. Pena que Oswaldo Aranha não se tornou presidente do Brasil.

Henry Kissinger: World Order (New York: Penguin Press, 2014, 433 p.)
Trata-se, provavelmente, do último livro, de tipo conceitual, de um dos mais destacados intelectuais americanos (de origem germânica), acadêmico de longa carreira, que também se destacou em atividades executivas, primeiro como conselheiro de segurança nacional, depois como Secretário de Estado, ator de primeiro plano das relações exteriores dos Estados Unidos e das próprias relações internacionais, consultor de quase todos os presidentes americanos desde os anos 1950 e de alguns governos estrangeiros também. Frustrante para os leitores de nossa região, o livro não devota nem mesmo um capítulo, sequer uma mísera seção, à América Latina ou ao Brasil, nas dez grandes unidades da obra, todas elas dedicadas aos grandes atores ou aos problemas percebidos como relevantes para o estabelecimento ou a preservação de uma ordem que de fato não existe. Após uma introdução de tratamento conceitual da questão título, ele dedica dois capítulos à ordem europeia surgida com a paz de Westfália e o sistema de balanço de poder daí resultante, um ao mundo islâmico e às desordens do Oriente Próximo, outro voltado exclusivamente para as relações entre os Estados Unidos e o Irã, dois outros sobre a Ásia (sua multiplicidade e a emergência de uma ordem “asiática”), dois capítulos inteiros sobre a diplomacia dos Estados Unidos (a ideia de uma ordem internacional na tradição wilsoniana e o seu papel atual como “superpotência ambivalente”) e, finalmente, dois capítulos finais voltados para questões tecnológicas e de informação e de proliferação, e sobre a evolução provável de uma ordem mundial ainda largamente indefinida. Para ser mais preciso, a América Latina não aparece sequer no índice remissivo do livro, embora nele exista a entrada western hemisphere. O Brasil só é mencionado duas vezes, ambas en passant e de maneira irrelevante: a primeira para falar sobre o impacto mundial das revoluções europeias de 1848, a segunda na companhia da Índia (que recebe tratamento mais amplo nos capítulos asiáticos da obra) como exemplo de nações emergentes. Fora isso, um grande livro.

Francis Fukuyama: The Origins of Political Order: From Prehuman Times to the French Revolution (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011, 620 p.) e Political Order and Political Decay: From the Industrial Revolution to the Globalization of Democracy (New York: Farrar, Straus and Giroux, 2014, 660 p.)
  
          Dois volumes que resumem o pensamento de um dos mais influentes cientistas políticos dos EUA, que retoma o trabalho seminal que tinha sido conduzido por um de seus mestres, o finado autor do “conflito de civilizações” (não um de seus melhores livros), Samuel Huntington, em seu clássico Political Order in Changing Societies (New Haven: Yale University Press, 1968), que tinha sido traduzido no Brasil por Heitor Ferreira Lima, um dos assessores do “guru” do regime militar no Brasil, Golbery do Couto e Silva em seus esforços de distensão e de transição política para uma ordem pós-autoritária durante a presidência Geisel. Os dois livros valem por um tratado de política, mas que praticamente confirmam um tese pré-concebida: o “fim da história”, se existir, se parece muito com o modelo político americano, que é a culminação das possibilidades democráticas nas sociedades liberais e avançadas de mercado. Mas o próprio Fukuyama reconhece que a democracia americana está sendo gradualmente conduzida a impasses institucionais pela rigidez do sistema bipartidário polarizado atualmente existente.


Bom proveito.
Paulo Roberto de Almeida 

Hartford, 2782: 16 dezembro 2014

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Henry Kissinger: 'Do We Achieve World Order Through Chaos or Insight?' - Der Spiegel

Interview with Henry Kissinger: 'Do We Achieve World Order Through Chaos or Insight?'

Interview Conducted By Juliane von Mittelstaedt and Erich Follath
Der Spiegel, November 13, 2014
Photo Gallery: Henry Kissinger's World Order Photos
DPA
Henry Kissinger is the most famous and most divisive secretary of state the US has ever had. In an interview, he discusses his new book exploring the crises of our time, from Syria to Ukraine, and the limits of American power. He says he acted in accordance with his convictions in Vietnam.


Henry Kissinger seems more youthful than his 91 years. He is focused and affable, but also guarded, ready at any time to defend himself or brusquely deflect overly critical questions. That, of course, should come as no surprise. While his intellect is widely respected, his political legacy is controversial. Over the years, repeated attempts have been made to try him for war crimes.
From 1969 to 1977, Kissinger served under President Richard Nixon and Gerald Ford, first as national security advisor and then as secretary of state. In those roles, he also carried partial responsibility for the napalm bombings in Vietnam, Cambodia and Laos the killed or maimed tens of thousands of civilians. Kissinger also backed the putsch against Salvador Allende in Chile and is accused of having had knowledge of CIA murder plots. Documents declassified just a few weeks ago show that Kissinger had drawn up secret plans to launch air strikes against Cuba. The idea got scrapped after Democrat Jimmy Carter was elected in 1976.
Nevertheless, Kissinger remains a man whose presence is often welcome in the White House, where he continues to advise presidents and secretaries of state to this day.
Little in Kissinger's early years hinted at his future meteoric rise in American politics. Born as Heinz Alfred Kissinger in Fürth, Germany in 1923, his Jewish family would later flee to the United States in 1938. After World War II, Kissinger went to Germany to assist in finding former members of the Gestapo. He later studied political science and became a professor at Harvard at the age of 40.
Kissinger recently published his 17th book, a work with the not exactly modest title "World Order." When preparing to sit down with us for an interview, he asked that "world order" be the topic. Despite his German roots and the fact that he reads DER SPIEGEL each week on his iPad, Kissinger prefers to speak in English. After 90 minutes together in New York, Kissinger says he's risked his neck with everything he's told us. But of course, a man like Kissinger knows precisely what he does and doesn't want to say.

SPIEGEL: Dr. Kissinger, when we look at the world today, it seems to be messier than ever -- with wars, catastrophes and chaos everywhere. Is the world really in greater disorder than ever before? Kissinger: It seems that it is. There is chaos threatening us, through the spread of weapons of mass destruction and cross-border terrorism. There is now a phenomenon of ungoverned territories, and we have seen in Libya, for example, that an ungoverned territory can have an enormous impact on disorder in the world. The state as a unit is under attack, not in every part of the world, but in many parts of it. But at the same time, and this seems to be a paradox, this is the first time one can talk about a world order at all.
SPIEGEL: What do you mean by that?
Kissinger: For the greatest part of history until really the very recent time, world order was regional order. This is the first time that different parts of the world can interact with every part of the world. This makes a new order for the globalized world necessary. But there are no universally accepted rules. There is the Chinese view, the Islamic view, the Western view and, to some extent, the Russian view. And they really are not always compatible.
SPIEGEL: In your new book, you frequently point to the Westphalian Peace Treaty of 1648 as a reference system for world order, as a result of the Thirty Years' War. Why should a treaty dating back more than 350 years still be relevant today?
Kissinger: The Westphalian Peace was made after almost a quarter of the Central European population perished because of wars, disease and hunger. The treaty was based on the necessity to come to an arrangement with each other, not on some sort of superior morality. Independent nations decided not to interfere in the affairs of other states. They created a balance of power which we are missing today.
SPIEGEL: Do we need another Thirty Years' War to create a new world order?
Kissinger: Well, that's a very good question. Do we achieve a world order through chaos or through insight? One would think that the proliferation of nuclear weapons, the dangers of climate change and terrorism should create enough of a common agenda. So I would hope that we can be wise enough not to have a Thirty Years' War.
SPIEGEL: So let's talk about a concrete example: How should the West react to the Russian annexation of Crimea? Do you fear this might mean that borders in the future are no longer incontrovertible?
Kissinger: Crimea is a symptom, not a cause. Furthermore, Crimea is a special case. Ukraine was part of Russia for a long time. You can't accept the principle that any country can just change the borders and take a province of another country. But if the West is honest with itself, it has to admit that there were mistakes on its side. The annexation of Crimea was not a move toward global conquest. It was not Hitler moving into Czechoslovakia.
SPIEGEL: What was it then?
Kissinger: One has to ask one's self this question: Putin spent tens of billions of dollars on the Winter Olympics in Sochi. The theme of the Olympics was that Russia is a progressive state tied to the West through its culture and, therefore, it presumably wants to be part of it. So it doesn't make any sense that a week after the close of the Olympics, Putin would take Crimea and start a war over Ukraine. So one has to ask one's self why did it happen?
SPIEGEL: What you're saying is that the West has at least a kind of responsibility for the escalation?
Kissinger: Yes, I am saying that. Europe and America did not understand the impact of these events, starting with the negotiations about Ukraine's economic relations with the European Union and culminating in the demonstrations in Kiev. All these, and their impact, should have been the subject of a dialogue with Russia. This does not mean the Russian response was appropriate.
SPIEGEL: It seems you have a lot of understanding for Putin. But isn't he doing exactly what you are warning of -- creating chaos in eastern Ukraine and threatening sovereignty?
Kissinger: Certainly. But Ukraine has always had a special significance for Russia. It was a mistake not to realize that.
SPIEGEL: Relations between the West and Russia are tenser now than they have been in decades. Should we be concerned about the prospects of a new Cold War?
Kissinger: There clearly is this danger, and we must not ignore it. I think a resumption of the Cold War would be a historic tragedy. If a conflict is avoidable, on a basis reflecting morality and security, one should try to avoid it.
SPIEGEL: But didn't the annexation of Crimea by Russia force the EU and US to react by imposing sanctions?
Kissinger: One, the West could not accept the annexation; some countermeasures were necessary. But nobody in the West has offered a concrete program to restore Crimea. Nobody is willing to fight over eastern Ukraine. That's a fact of life. So one could say we don't have to accept it, and we do not treat Crimea as a Russian territory under international law -- just as we continued to treat the Baltic states as independent throughout Soviet rule.
SPIEGEL: Would it be better to stop sanctions even without any concessions from the Russians?
Kissinger: No. But I do have a number of problems with the sanctions. When we talk about a global economy and then use sanctions within the global economy, then the temptation will be that big countries thinking of their future will try to protect themselves against potential dangers, and as they do, they will create a mercantilist global economy. And I have a particular problem with this idea of personal sanctions. And I'll tell you why. We publish a list of people who are sanctioned. So then, when the time comes to lift the sanctions, what are we going to say? "The following four people are now free of sanctions, and the other four are not." Why those four? I think one should always, when one starts something, think what one wants to achieve and how it should end. How does it end?
SPIEGEL: Doesn't that also apply to Putin, who has maneuvered himself into a corner? Does he act out of weakness or out of strength?
Kissinger: I think out of strategic weakness masked as tactical strength.
SPIEGEL: What does that mean for any interaction with him?
Kissinger: We have to remember that Russia is an important part of the international system, and therefore useful in solving all sorts of other crises, for example in the agreement on nuclear proliferation with Iran or over Syria. This has to have preference over a tactical escalation in a specific case. On the one hand it is important that Ukraine remain an independent state, and it should have the right to economic and commercial associations of its choice. But I don't think it's a law of nature that every state must have the right to be an ally in the frame work of NATO. You and I know that NATO will never vote unanimously for the entry of Ukraine. SPIEGEL: But we cannot tell the Ukrainians that they are not free to decide their own future.
Kissinger: Why not?
SPIEGEL: You're speaking like a superpower that is used to getting its way.
Kissinger: No, the United States cannot dictate, and the US should not try to dictate. It would be a mistake even to think it could. But in regards to NATO, the US will have one vote in a decision based on unanimity. The German chancellor has expressed herself in the same sense.
SPIEGEL: America is very polarized. The level of aggression in the political debate is extremely high. Is the superpower still even able to act at all?
Kissinger: I am worried about this domestic split. When I worked in Washington, political combat was tough. But there was much more cooperation and contact between opponents of the two big parties.
SPIEGEL: In last week's elections, President Obama lost his majority in the Senate as well.
Kissinger: Technically correct. At the same time, the president is freed to stand for what is right -- just as President Harry Truman did between 1946 and 1948, when he advanced the Marshall Plan after losing Congress.
SPIEGEL: The next presidential race will soon begin. Would Hillary Clinton make a good candidate?
Kissinger: I consider Hillary a friend, and I think she's a strong person. So, yes, I think she can do the job. Generally, I think it would be better for the country if there were a change in administration. And I think we Republicans have to get a good candidate.
SPIEGEL: In your book, you write that international order "must be cultivated, not imposed." What do you mean by that?
Kissinger: What it means is we that we Americans will be a major factor by virtue of our strengths and values. You become a superpower by being strong but also by being wise and by being farsighted. But no state is strong or wise enough to create a world order alone.
SPIEGEL: Is American foreign policy wise and determined at the moment?
Kissinger: We have the belief in America that we can change the world by not just soft power, but by actual military power. Europe doesn't have that belief.
SPIEGEL: The American public is very reluctant to be engaged and would like to focus on domestic affairs. Obama himself talks about "nation building at home."
Kissinger: If you look at the five wars America has fought since World War II, they all had large public support. The present war against the terror organization Islamic State has large public support. The question is what happens as the war continues. Clarity about the outcome of the war is essential.
SPIEGEL: Shouldn't the most important objective be the protection of suffering civilians in Iraq and Syria.
Kissinger: First of all, I don't agree that the Syrian crisis can be interpreted as a ruthless dictator against a helpless population and that the population will become democratic if you remove the dictator.
SPIEGEL: But the civilians are suffering, however you define it.
Kissinger: Yes, they are, and they deserve sympathy and humanitarian assistance. Let me just say what I think is happening. It is partly a multiethnic conflict. It is partly a rebellion against the old structure of the Middle East. And it is partly a sort of rebellion against the government. Now, if one is willing to fix all these problems and if one is willing to pay the sacrifices for fixing all these problems and if one thinks one can create something that will bring this about, then one can say, "We will apply the right to interfere," but that means military measures and willingness to face the consequences. Look at Libya. There's no question that it was morally justified to overthrow Muammar Gadhafi, but we were not willing to fill the vacuum afterwards. Therefore we have militias fighting against each other today. You get an ungoverned territory and an arms depot for Africa.
SPIEGEL: But we are seeing a similarly unbearable situation in Syria. The state is falling apart and terror organizations are ruling large parts of the country. Wasn't it perhaps wrong not to intervene in order to avoid chaos that now represents a threat to us as well?
Kissinger: In my life, I have almost always been on the side of active foreign policy. But you need to know with whom you are cooperating. You need reliable partners -- and I don't see any in this conflict.
SPIEGEL: As in the Vietnam War. Do you sometimes regret your aggressive policy there?
Kissinger: You'd love me to say that.
SPIEGEL: Of course. You haven't spoken much about it all your life.
Kissinger: I've spent all my life studying these things, and written a book about Vietnam called "Ending the Vietnam War" and many chapters in my memoirs on Vietnam. You have to remember that the administration in which I served inherited the war in Vietnam. Five hundred thousand Americans were deployed there by the Johnson Administration. The Nixon Administration withdrew these troops gradually, with ground combat troops being withdrawn in 1971. I can only say that I and my colleagues acted on the basis of careful thought. On the strategic directions, that was my best thinking, and I acted to the best of my convictions.
SPIEGEL: There is a sentence in your book, on the last page, that can be understood as a kind of self-criticism. You write that you once thought you could explain history, but that today you are more modest when it comes to judging historical events.
Kissinger: I have learned, as I wrote, that history must be discovered, not declared. It's an admission that one grows in life. It's not necessarily a self-criticism. What I was trying to say is you should not think that you can shape history only by your will. This is also why I'm against the concept of intervention when you don't know its ultimate implications.
SPIEGEL: In 2003, you were in favor of overthrowing Saddam Hussein. At that time, too, the consequences of that intervention were uncertain.
Kissinger: I'll tell you what I thought at the time. I thought that after the attack on the United States, it was important that the US vindicate its position. The UN had certified major violations. So I thought that overthrowing Saddam was a legitimate objective. I thought it was unrealistic to attempt to bring about democracy by military occupation.
SPIEGEL: Why are you so sure that it is unrealistic?
Kissinger: Unless you are willing to do it for decades and you are certain your people will follow you. But it is probably beyond the resources of any one country.
SPIEGEL: For this reason, President Obama is fighting the war against terror from the air using drones and warplanes in Pakistan and Yemen and now in Syria and Iraq as well. What do you think about that?
Kissinger: I support attacks on territories from which terrorist attacks are launched. I have never expressed a public view on drones. It threatens more civilians than the equivalent one did in the Vietnam War, but it's the same principle.
SPIEGEL: In your book you argue that America has to make its decisions about war on the basis of what achieves the "best combination of security and morality." Can you explain what you mean by that?
Kissinger: No. It depends on the situation. What is our precise interest in Syria? Is it humanitarian alone? Is it strategic? Of course, you would always want to achieve the most moral possible outcome, but in the middle of a civil war you cannot avoid looking at the realities, and then you have to make the judgments.
SPIEGEL: Meaning that for a certain amount of time, for realistic reasons, we could be on the side of Bashar Assad fighting Islamic State?
Kissinger: Well, no. We could never fight with Assad. That would be a denial of years of what we have done and asserted. But frankly, I think we should have had a dialogue with Russia and asked what outcome we want in Syria, and formulate a strategy together. It was wrong to say from the beginning that Assad must go -- although it is a desirable ultimate goal. Now that we are locked into that conflict with Russia, a deal regarding the Iranian nuclear program becomes more difficult.
SPIEGEL: Are you in favor of a more assertive role for Europe, especially for Germany?
Kissinger: Yes, certainly. A century ago, Europe almost had a monopoly in creating world order. Today, there is a danger it is just busy with itself. Today, Germany is the most significant European country and, yes, it should be much more active. I do have very high regard of Ms. Merkel, and I think she is the right person for leading Germany into this role. By the way, I've met and been sort of friendly with every German chancellor.
SPIEGEL: Oh, including Willy Brandt?
Kissinger: I have very high regard for Willy Brandt.
SPIEGEL: We're a bit surprised here because a few months ago, a conversation between you and Nixon was released in which you call Brandt a "dangerous idiot".
Kissinger: You know, these phrases out of context confuse the reality. Here are people at the end of an exhausting day saying things to each other, reflecting the mood of a moment, and it probably was during some difference of opinion which I don't even remember. We had some doubts about Brandt's Ostpolitik at the beginning, but later, we worked very closely with him. Ask Egon Bahr, he will tell you: Without the Nixon Administration, Brandt's Ostpolitik would not have achieved its objective, especially on the issue of Berlin.
SPIEGEL: In Germany, you are a very controversial politician. When the University of Bonn wanted to name a chair after you, the students protested. Were you disappointed, or at least irritated?
Kissinger: I appreciate the honor. I didn't ask for the chair, and I only became aware of the chair after it was established. I don't want to be part of the discussion, it's entirely up to German agencies. I think Germany should do it for itself or not do it for its own reasons.
SPIEGEL: Mr. Kissinger, we thank you for this interview.
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