Tomei conhecimento deste "manifesto" de uma coalizão em favor da democracia numa postagem de artigo do professor João Carlos Espada, duplamente diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica de Portugal e da revista Nova Cidadania, no site do Observador (http://observador.pt/opiniao/o-apelo-de-praga-coligacao-para-a-renovacao-democratica/), pouco tempo antes de partir a Portugal, para participar, a seu convite e da diretora do programa, Prof. Rita Seabra Brito, do Estoril Political Forum, magnífico conclave de intelectuais, acadêmicos e responsáveis por think tanks e ONGs comprometidos com os ideais democráticos em diversos países do mundo.
Eu já tinha postado o apelo, em sua versão original em inglês, neste mesmo espaço, com a lista de seus primeiros signatários (infelizmente não há nenhum do Brasil, a despeito de nele vermos os nomes de personalidades democráticas de países tão "difíceis" para a democracia quanto a China, Cuba, Arábia Saudita, Venezuela), neste link:
http://diplomatizzando.blogspot.pt/2017/06/a-chamada-de-praga-para-renovacao-da.html
Ao participar do Forum, encerrado nesta quarta-feira 28 de junho, depois de três dias de intensos debates e apresentações, indaguei do Professor Espada se existia uma versão em Português deste apelo, e ele informou-me que não. Providenciei, assim, rapidamente, uma versão não oficial em Português deste importante documento, que deve, previsivelmente, servir de base para uma vigorosa defesa da democracia em todos os lugares nos quais ela se encontra ameaçada.
Pessoalmente, não compro a tese de que o Brasil seja uma sociedade democrática consolidada. Se assim considerarmos, temos pelo menos de admitir que se trata de uma democracia de baixíssima qualidade, com instituições formais talvez adequadas a seu objetivo principal, mas muitas vezes ocupadas por responsáveis pouco responsáveis, digamos assim. Basta conferirmos, por exemplo, a realidade em nosso país, em meio a investigações de caráter policial e a cargo do poder judiciário, com este trecho do apelo de Praga, que lista os diversos princípios de uma formação política democrática:
"... a eleição regular dos funcionários
governamentais por meio de um processo de escolha verdadeiramente livre, justo,
aberto e competitivo; amplas oportunidades, além das eleições, para que os
cidadãos participem e vocalizem suas preocupações; transparência governamental
e prestação de contas, ambas asseguradas por meio de um forte sistema
constitucional de pesos e contrapesos e da supervisão da sociedade civil; um
vigoroso primado do direito, garantido por um judiciário independente; uma economia
de mercado que esteja isenta de corrupção e conceda oportunidades para todos; e
uma cultura democrática feita de tolerância, de civilidade e de não-violência."
Transcrevo, portanto, aqui abaixo, minha versão do "manifesto" em sua íntegra, seguindo-se a lista de seus atuais signatários (e seus respectivos países, em inglês), entre os quais se encontra o professor João Carlos Espada, a quem agradeço a excepcional boa acolhida que nos foi patrocinada, a mim e a Carmen Lícia Palazzo, durante os quatro dias nos quais permanecemos no Estoril. Estendo igualmente minha apreciação e o nosso reconhecimento a todos os demais organizadores e promotores do evento, entre os quais se encontra o professor João Pereira Coutinho, colunista do jornal Folha de São Paulo e que pode ser chamado de maior "brasilianista" português.
Espero que este "manifesto" sirva de documento de apoio aos diversos movimentos e a todas as pessoas que, no Brasil e em outros países, lutam pelo estabelecimento de um verdadeiro sistema democrático, livre da corrupção e de tantas deformações e desvios em suas instituições de Estado.
Paulo Roberto de Almeida
Estoril, Portugal, 29 de junho de 2017
O Apelo de Praga para a Renovação
Democrática
Adotado em Praga em 26 de maio de 2017
A
democracia liberal está sob ameaça, e todos os que a prezam devem sair em sua
defesa.
A
democracia está sendo ameaçada de fora por regimes despóticos na Rússia, na
China e em outros países que estão endurecendo a repressão no plano interno e
expandindo seu poder globalmente, preenchendo o vácuo deixado pelo poder, pela
influência e pela autoconfiança declinantes nas democracias longevas. Os
autoritários estão usando velhas armas de hard
power
assim como as novas mídias sociais e um crescente arsenal de soft
power
para criar uma ordem mundial pós-democrática na qual as normas de direitos humanos
e o primado do direito são substituídos pelo princípio da soberania estatal absoluta.
A
democracia também está sendo ameaçada por dentro. O anti-liberalismo está em
ascensão na Turquia, na Hungria, nas Filipinas, na Venezuela e em outros
contextos de retrocesso democrático. Em outros países – mesmo democracias
antigas – o apoio à democracia liberal erodiu em anos recentes, especialmente
entre os mais jovens, que não têm memória das lutas contra o totalitarismo. A
fé nas instituições democráticas tem declinado por algum tempo, na medida em
que os governos se mostram incapazes de lidar com os complexos novos desafios
da globalização, que os processos políticos parecem crescentemente esclerosados
e disfuncionais, e que as burocracias gerenciando as instituições tanto nacionais
quanto as globais parecem distantes e prepotentes. Somando-se às dificuldades,
a violência terrorista criou uma clima de medo que é usado por déspotas e
demagogos para justificar o poder autoritário e restrições às liberdades.
Tais
problemas têm causado ansiedade disseminada, hostilidade contra as elites
políticas e cinismo com respeito à democracia – sentimentos que fortaleceram a
ascensão de movimentos políticos e de partidos antissistema. Esses sentimentos,
por sua vez, foram alimentados e inflamados por desinformação autoritária que
cada vez mais penetra no espaço de mídia das democracias. A última pesquisa da
Freedom House revela que direitos políticos e liberdades civis têm estado em
declínio por onze anos consecutivos e, neste ano, as democracias estabelecidas
dominam a lista de países sofrendo retrocessos em matéria de liberdades.
Coletivamente,
tais fatores – a retração geopolítica do Ocidente, o ressurgimento de forças
políticas autoritárias, a erosão da crença nos valores democráticos e a perda
da fé na eficácia das instituições democráticas – acarretaram uma interrupção
histórica na marcha do progresso democrático e ameaçam com uma possível “onda
reversa” de rupturas democráticas. Os apoiadores da democracia devem se unir
para frear tal retrocesso e para organizar uma nova coalizão em prol de sua retomada
moral, intelectual e política.
O
ponto de partida de uma nova campanha pela democracia é a reafirmação dos
princípios fundamentais que inspiraram a expansão da democracia moderna desde o
seu nascimento, mais de dois séculos atrás. Tais princípios estão enraizados numa
crença na dignidade da pessoa humana e na convicção de que a democracia liberal
é o sistema político que melhor pode salvaguardar tal dignidade e permitir que
ela floresça. Entre tais princípios, estão os direitos humanos fundamentais,
incluindo as liberdades básicas de expressão, de associação e de religião; o pluralismo
político e social; a existência de uma vibrante sociedade civil que dê poder aos
cidadãos em suas bases; a eleição regular dos funcionários governamentais por
meio de um processo de escolha verdadeiramente livre, justo, aberto e competitivo;
amplas oportunidades, além das eleições, para que os cidadãos participem e
vocalizem suas preocupações; transparência governamental e prestação de contas,
ambas asseguradas por meio de um forte sistema constitucional de pesos e
contrapesos e da supervisão da sociedade civil; um vigoroso primado do direito,
garantido por um judiciário independente; uma economia de mercado que esteja
isenta de corrupção e conceda oportunidades para todos; e uma cultura
democrática feita de tolerância, de civilidade e de não-violência.
Esses princípios estão sendo desafiados hoje, não apenas por
partidários do anti-liberalismo e da xenofobia, mas também por intelectuais
relativistas que negam que alguma forma de governo possa ser sustentada como
superior. Embora a democracia seja frequentemente considerada uma ideia
Ocidental, seus mais ardorosos defensores atualmente são pessoas de sociedades
não-Ocidentais que continuam lutando por liberdades democráticas mesmo em face
de possibilidades assustadoras. Suas lutas confirmam a universalidade da ideia
democrática, e o seu exemplo pode contribuir para o renascimento das convicções
democráticas no mundo das democracias avançadas.
Apesar de seu valor intrínseco, a sobrevivência da
democracia não pode ser assegurada a menos que demonstre sua capacidade de
ajudar as sociedades a enfrentar os desafios de um mundo instável e cambiante.
Reconhecemos a forte insatisfação e a insegurança de amplos segmentos das
sociedades democráticas e acreditamos que a democracia só será forte se nenhum
grupo for deixado para trás.
Ao mesmo tempo em que a democracia encarna valores
universais, ela existe em um contexto nacional particular, que Vaclav Havel
chamou de “tradições intelectuais, espirituais e culturais que adicionam
substância e lhe dão significado”. A cidadania democrática, enraizada em tais
tradições, necessita ser reforçada, não levada à atrofia numa era de
globalização. A identidade nacional é muito importante para ser entregue à manipulação
de déspotas e de populistas demagógicos.
A defesa dos valores democráticos não é um produto de luxo
ou um empreendimento puramente idealista. Ela é uma pré-condição de sociedades
decentes e inclusivas, a moldura para o progresso social e econômico de pessoas
no mundo todo e o fundamento para a preservação da paz e da segurança
internacional.
Uma nova Coalizão para a Renovação Democrática servirá como
um catalisador moral e intelectual para a revitalização da ideia democrática. O
objetivo é mudar o ambiente intelectual e cultural por meio de uma apaixonada
batalha de ideias baseada em princípios e informação; defendendo a democracia
contra seus críticos; trabalhando para fortalecer as instituições mediadoras e
as associações civis; e modelando argumentos persuasivos em prol da democracia
liberal que possam definir o curso das discussões públicas. Será igualmente
necessário partir para a ofensiva contra os opositores autoritários da
democracia, demonstrando solidariedade aos povos corajosos que estão lutando
por liberdades democráticas e exibindo os crimes dos cleptocratas que roubam e
oprimem seu próprio povo, falsificam os registros políticos e históricos, e buscam
dividir e difamar as democracias estabelecidas.
A Coalizão também será um amplo e interativo fórum para o
intercâmbio de ideias sobre os melhores meios de encarar os novos e complexos desafios
da democracia, tais como a estagnação ou o declínio dos padrões de vida de
muitos cidadãos, a reação contrária à crescente imigração, a ascensão da
“política da pós-verdade” na era da mídia social, e a erosão do apoio à
democracia liberal. Esse centro global também defenderá e promoverá formas
efetivas de ação para reanimar a fé na eficácia das instituições democráticas.
Não existem desculpas para o silêncio ou para a inação. Nós
não ousamos nos apegar à ilusão de segurança em um tempo no qual a democracia
está em perigo. A presente crise oferece uma oportunidade para que democratas
comprometidos se mobilizem, e nós precisamos fazê-lo.
Lista de Signatários
Mike Abramowitz,
USA
Svetlana
Alexievich, Belarus
Manal Al-Sharif,
Saudi Arabia
Anne Applebaum, USA
Oscar Arias
Sánchez, Costa Rica
Shlomo Avineri,
Israel
Sergio Bitar, Chile
Igor Blaževič,
Czech Republic
Ladan Boroumand,
Iran /France
Martin Bútora,
Slovakia
Juan Pablo
Cardenal, Spain
Scott Carpenter,
USA
David Clark, UK
Irwin Cotler,
Canada
Manuel Cuesta
Morúa, Cuba
Frederik Willem de Klerk,
South Africa
Neelam Deo, India
Larry Diamond, USA
João Carlos Espada,
Portugal
Francis Fukuyama,
USA
William Galston,
USA
Chito Gascon,
Philippines
Carl Gershman, USA
Leonid Gozman,
Russia
Vartan Gregorian,
USA
Emmanuel
Gyimah-Boadi, Ghana
Barbara Haig, USA
Amr Hamzawy, Egypt
Ivan Havel, Czech
Republic
Toomas Hendrik
Ilves, Estonia
Ramin Jahanbegloo,
Iran/Canada
Vladimir
Kara-Murza, Russia
Garry Kasparov,
USA/Russia
Mikhail Kasyanov,
Russia
Zoltán Kész,
Hungary
Maina Kiai, Kenya
Jakub Klepal, Czech
Republic
Ivan Krastev,
Bulgaria
Enrique Krauze,
Mexico
Péter Krekó,
Hungary
Walter Laqueur, USA
Nathan Law, Hong
Kong
Bernard-Henri Lévy,
France
Mario Vargas Llosa,
Peru
Rafael Marques
de Morais, Angola
Penda Mbow, Senegal
Adam Michnik,
Poland
Emin Milli,
Azerbaijan
Yascha Mounk, USA
Surendra Munshi,
India
Ghia Nodia, Georgia
Andrej Nosov,
Serbia
Šimon Pánek, Czech
Republic
Rosa Maria Payá, Cuba
Andrei Piontkovski,
Russia/USA
Marc Plattner, USA
Jerzy Pomianowski,
Poland
Rodger Potocki, USA
Arch Puddington,
USA
Xiao Qiang,
China/USA
Jacques Rupnik,
France
Karel
Schwarzenberg, Czech Republic
Lilia Shevtsova,
Russia
Uffe Riis Sørensen,
Denmark
Daniel Stid, USA
Tamara Sujú,
Venezuela
Rostislav Valvoda,
Czech Republic
Alexandr Vondra,
Czech Republic
Christopher Walker,
USA
George Weigel, USA
Leon Wieseltier,
USA
Jianli Yang,
China/USA
Richard Youngs,
United Kingdom
Michael Žantovský,
Czech Republic