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domingo, 27 de setembro de 2020

O "liberalismo" do capitão era uma fraude (como tantas outras) - Ricardo Bergamini, Filipe Andretta

 Governo Bolsonaro desmoralizou o liberalismo no Brasil (Ricardo Bergamini).

 

Prezados Senhores

 

Afirmações do comunista Salim Mattar (ex-secretário especial de Desestatização e Privatização):

 

1 - Quando pediu demissão da equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (sem partido), em 11 de agosto, Salim Mattar deixou claro que estava insatisfeito com o ritmo das privatizações. Agora, o ex-secretário especial de Desestatização e Privatização diz que o presidente abandonou a agenda liberal de olho na reeleição e que o ministro da Economia e seu ex-chefe, Paulo Guedes, está sendo "tolhido" por militares e outros ministros.

 

2 - Se ele [Jair Bolsonaro] quisesse, podia privatizar todas as empresas que não precisam [de aprovação] do Congresso. Depende só dele, [mas] falta vontade. Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização:

 

- São 200 empresas estatais federais, sendo 46 com controle direto da União (18 dependentes exclusivas do tesouro nacional, e 28 não dependentes do tesouro nacional), e 154 com controle indireto (111 subsidiárias no Brasil, e 43 subsidiárias no exterior.

- Cabe lembrar que existem 154 empresas estatais com controle indireto do governo, que não necessitam de autorização do Congresso para serem vendidas. 

 

Os jornalistas vigaristas, pilantras e picaretas, que estão na folha de pagamento do SECOM do Bolsonaro, culpam o Congresso Nacional e o Judiciário como sendo os empecilhos das privatizações.

Ricardo Bergamini

 

Mattar critica ministros e diz que Bolsonaro não privatiza para se reeleger

 

Filipe Andretta

 

Do UOL, em São Paulo

 

24/09/2020 16h53

 

Quando pediu demissão da equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (sem partido), em 11 de agosto, Salim Mattar deixou claro que estava insatisfeito com o ritmo das privatizações. Agora, o ex-secretário especial de Desestatização e Privatização diz que o presidente abandonou a agenda liberal de olho na reeleição e que o ministro da Economia e seu ex-chefe, Paulo Guedes, está sendo "tolhido" por militares e outros ministros.

 

As declarações foram dadas ao canal virtual de Marcos Cintra, ex-secretário especial da Receita Federal, que foi demitido por Guedes em setembro do ano passado, porque defendeu a criação de um imposto sobre transações, como a antiga CPMF. Um ano depois, Guedes está em plena campanha pela aprovação de uma nova CPMF.

 

Na opinião de Matar, os militares no governo são uma "reserva moral", mas são despreparados para governar um país ou gerir empresas. O empresário também criticou os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia).

 

Falta vontade e base no Congresso

 

Bolsonaro tem expandido sua base no Congresso nos últimos meses, fazendo concessões aos partidos do Centrão. O líder do governo na Câmara, por exemplo, é o deputado Ricardo Barros (PP-RR), ex-ministro do governo Michel Temer.

 

Apesar disso, Mattar afirmou que Bolsonaro não pode cumprir todas as promessas de privatização porque não tem maioria no Congresso.

 

Mesmo assim, disse que Bolsonaro erra ao não vender empresas e subsidiárias que não precisam de autorização parlamentar.

 

Se ele [Jair Bolsonaro] quisesse, podia privatizar todas as empresas que não precisam [de aprovação] do Congresso. Depende só dele, [mas] falta vontade.Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização.

 

No papel de entrevistador, Cintra lembrou que Bolsonaro não tem um histórico liberal e perguntou se Mattar confia na "fé débil dos recém-convertidos".

 

O ex-secretário respondeu que Bolsonaro nunca escondeu sua origem como deputado do "baixo clero", mas que o presidente "evoluiu" após entrar em contato com as ideias liberais de Guedes.

 

Pagar servidores porque Bolsonaro quer reeleição

 

Para Mattar, a desidratação do projeto de reforma administrativa, que muda as regras para o funcionalismo público, é um exemplo de como o presidente Bolsonaro abandonou a agenda liberal por estar mais preocupado com a próxima campanha eleitoral.

 

Bolsonaro não tomou algumas medidas, e a reforma administrativa é um cambeta, porque só vai pegar os futuros servidores. Ou seja, durante 30 anos nós vamos continuar pagando esses servidores [...] porque ele [Bolsonaro] deseja se reeleger.Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização.

 

A reforma administrativa ficou parada durante meses no governo, o que levou ao pedido de demissão de outro secretário, Paulo Uebel, em agosto, junto com Mattar. Na época, Guedes qualificou a saída dos dois como uma "debandada" da equipe.

 

Menos de um mês depois, o governo tirou a reforma administrativa da gaveta e a enviou ao Congresso. Mas o projeto afeta apenas servidores futuros e poupa a elite do funcionalismo ao não atingir militares, parlamentares, juízes e membros do Ministério Público.

 

Apenas dois liberais no governo

 

Para Mattar, apenas os ministros Paulo Guedes (Economia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) são liberais dentro do governo.

 

"O Salles não pode fazer nada, porque não tem nada para privatizar. Ele está privatizando parques, o que é interessante", disse.

 

Mattar diz que Paulo Guedes "encarna hoje a figura do líder liberal para encaminhar o Brasil para outros rumos". "Porém, na medida em que ele vai para o governo, ele é tolhido", complementou.

 

Segundo o ex-secretário, Guedes só pode privatizar as empresas ligadas ao Ministério da Economia, e com restrições: teria sido proibido pelo presidente de vender bancos públicos e sofreu uma derrota no Congresso na tentativa de privatizar a Casa da Moeda.

 

Críticas a ministros

 

Mattar criticou ex-colegas de governo, principalmente o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. "Um cara trabalhador, dedicado, faz muita obra. Mas não é um liberal", afirmou.

 

O ex-secretário diz que Freitas poderia privatizar "com uma canetada" a EPL (Empresa de Planejamento e Logística), conhecida por ser a empresa criada no governo Dilma Rousseff para construir o trem-bala.

 

Outro alvo de críticas foi o ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), por supostamente dificultar a privatização dos Correios e da Telebras.

 

Nós tentamos fechar, enquanto pertencia ao ministério do Marcos Pontes, os Correios e a Telebras. Não conseguimos. Agora, com o novo ministro, Fábio Farias [Comunicações], uma nova liderança em ascensão, que tem o respeito do presidente Bolsonaro, vai sim privatizar, coisa que não conseguimos em 18 meses de governo.Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização.

 

Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações em julho, transformando-o na 23ª pasta deste governo. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro havia prometido ter no máximo 15 ministérios.

 

Genro do dono do SBT, Silvio Santos, o ministro Fábio Faria (PSD-RN) é considerado parte do Centrão.

 

Apoio ao movimento antivacina

 

Fundador da locadora de carros Localiza, Salim Mattar é um entusiasta do liberalismo. Ele defende a menor intervenção do Estado nas liberdades individuais em todas as esferas e apoiou o movimento antivacina, comparando as vacinas à cachaça.

 

Quem é contra vacina obrigatória tem uma tendência liberal, porque o governo não tem o direito de pedir a ele para tomar uma vacina, como o governo não tem o direito de pedir a um cachaceiro que não beba cachaça. Fumar, beber, tomar vacina, isso é liberdade do indivíduo.Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização.

 

Especialistas alertam que as vacinas são um instrumento fundamental para a redução de mortalidade e o aumento da qualidade e da expectativa de vida em todo o mundo.

 

domingo, 12 de julho de 2020

Wilhelm von Humboldt: um liberal criador da moderna universidade alemã

Reflexões sobre um grande liberal esquecido
Em artigo publicado pelo Instituto Independiente, o professor Alberto Benegas Lynch celebra Wilhelm von Humboldt, fundador da Universidade de Berlim, amigo de Goethe e Schiller, um raro liberal alemão hoje esquecido:


El transcurso del tiempo hace lo suyo con algunos más que con otros y en el caso que nos ocupa tal vez ha contribuido a opacarlo a Wilhelm von Humboldt -pues de él se trata- su hermano menor, el célebre naturalista Alexander. Pero cualquiera sea la circunstancia, no solo es injusto ignorar personajes que han llevado a cabo notables contribuciones sino que perjudica y hiere a las generaciones que le siguen ya que en todos los casos los conocimientos se edifican “sobre los hombros de gigantes” que nos precedieron, y el crecimiento se amputa si se desconocen trabajos anteriores, lo cual evidentemente perjudica y consume tiempo innecesario para repasar temas ya explorados por otros.

John Stuart Mill abre su conocida obra sobre la libertad con un acápite de Wilhelm von Humbolt, cita tomada de su libro más difundido titulado Los límites de la acción estatal (traducida al inglés por Cambridge Universtity Press, en 1969, con el título The Limits of State Action, en un principio titulada Sphere and Duties of Government, aun no traducida al castellano) que escribió cuando tenía veinticuatro años, en 1791, referencia que alude a la importancia de la diversidad humana, un trabajo publicado posteriormente debido a la censura del gobierno prusiano. Este personaje era amigo de Friedrich Schiller -además de Goethe y Madam de Staël-, el autor de lo que originalmente denominó “Oda a la libertad” (An Die Freiheit) también censurada por aquél gobierno lo cual lo obligó a transformar en “Oda a la alegría” (An Die Freude) que usó Beethoven en el cuarto movimiento de la Novena Sinfonía que luego de derrumbado el Muro de la Vergüenza reivindicó con la letra original en la parte coral Leonard Bernstein, con su orquesta a ambos lados de la Puerta de Brandeburgo.

Por supuesto que cuando decimos que este personaje está básicamente olvidado no me refiero al mundo académico que lo tiene bien presente, aludo a un público más amplio que recuerda los nombres de Spencer, Tocqueville y el antes mencionado Mill pero en general deja de lado la figura de von Humboldt.

Es de gran interés reproducir algunos de los pensamientos de este autor tomados del libro mencionado para luego formular algunas consideraciones sobre la trascendencia de preservar la individualidad en el contexto de los aparatos estatales de nuestra época.

En verdad pocas citas resultan suficientes para develar el eje central de la obra. Declara de entrada en las primeras líneas que “descubrir cuál es el motivo de las instituciones estatales y qué límites deben establecerse a su actividad es el objetivo de las páginas que siguen”. Al abrir el segundo capítulo manifiesta: “El verdadero fin del hombre, lo cual prescriben los eternos e inmutables dictados de la razón y no sugeridos por deseos vagos y transitorios, es el más alto y armonioso desarrollo de sus facultades como un ser completo y consistente. La libertad es la condición primera e indispensable que presupone ese desarrollo”. Y ese capítulo finaliza con la siguiente conclusión: “La razón no puede apuntar a ninguna otra condición que la que cada individuo no solo goce de la libertad más absoluta de su desarrollo y energías sino que no debe ser interferido por ninguna agencia humana”.

Finalmente, en el tercer capítulo precisa que: “Toda intromisión estatal en los asuntos privados debe condenarse allí donde no hay inmediata violencia a los derechos individuales […] me refiero a todas las manifestaciones estatales que declaran la elevación del bienestar de la población, de cualquier solicitud en esta dirección referentes a la subsistencia de los habitantes ya sea directamente a través de las leyes de pobreza o indirectamente en el subsidio a la agricultura, industria o comercio y todas las regulaciones relativas a las finanzas o el dinero, importaciones y exportaciones […] mantengo que todas esas instituciones se traducen en efectos dañinos y son irreconciliables con un verdadero sistema político”.

Cabe señalar que von Humbolt incursionó varias veces en la política a la que consideraba geistlos, es decir, como algo más bien chato y falto de imaginación, tal como consigna el editor en su introducción a la mencionada edición de la Universidad de Cambridge, al igual que Ortega, quien escribió: “La política se apoderó de mi y he tenido que dedicar más de dos años de mi vida al analfabetismo (la política es analfabetismo)”. En realidad, en esta etapa del proceso de evolución cultural, el monopolio de la fuerza que denominamos Gobierno se hace necesario para proteger derechos, pero en el proceso electoral los políticos son cazadores de votos que deben responder a lo que la opinión pública demanda lo cual, a su turno depende del plano en el que se desarrolla la batalla cultural, es decir el debate de ideas de fondo que en definitiva marca las agendas y configura el discurso de los políticos.

Por todo esto es que resultan de tanta trascendencia pensadores de la talla de von Humboldt y por ello es que reviste tanta importancia el debate de ideas y la actualización de las potencialidades del individuo. Antes he escrito sobre el tema que sigue, pero se torna imperioso insistir en la materia al efecto de apuntar el valor de la individualidad tan bastardeado en nuestro tiempo a favor de la colectivización y, por tanto, a la ruina de todos pero muy especialmente de los más necesitados que se perjudican grandemente por el desgaste y el consumo de capital humano y material que redunda en la destrucción de las bases morales de la cooperación social y en la reducción de salarios e ingresos en términos reales.

Lo extraordinario del ser humano es que cada uno es único e irrepetible en el cosmos aún teniendo en cuenta los pastosos experimentos con la clonación, ya que el aspecto central del hombre no son sus kilos de protoplasma sino su psique, que no es susceptible de clonarse puesto que excede lo puramente físico.

Entonces, aquellas condiciones únicas, aquellos talentos, vocaciones y potencialidades que son característica exclusiva de cada uno, deben desarrollarse para ser esa persona especial que cada uno es en la historia de la humanidad. En la medida en que el hombre renuncia al cultivo de sus condiciones particulares en dirección a la excelencia para asimilarse a lo que piensan, dicen y hacen otros, está, de hecho abdicando de su condición natural para convertirse en una impostura humana. El hombre masificado es, en definitiva, un aglomerado sin perfil propio, es un conjunto amorfo e indistinguible del grupo.

No puede escribirse sobre este tema sin recordar al antes mencionado Ortega, a Gustave LeBon y, con anterioridad a ellos, a los horrores de la masificación señalados por Jerome K. Jerome (The New Utopia de 1891), Yevzeny Zamyatin (We de 1921). También cabe recordar las obras de Orwell (1984), Alduous Huxley (Nueva visita a un mundo feliz), David Reisman (The Lonely Crowd), C.S. Lewis (La abolición del hombre) y, mas contemporáneamente, el trabajo de Taylor Caldwell (The Devil´s Advocate, el mismo título que posteriormente usó Morris West para su obra). Todos ellos desde ángulos distintos y explorando diversas avenidas, ponen de manifiesto preocupaciones múltiples de lo que ocurre cuando el hombre se deja deglutir por lo colectivo.

Esta renuncia a ser propiamente humano, esta falsificación de nuestra naturaleza, esta grosera adulteración de la única especie conocida que posee el atributo de ser libre, conduce por lo menos a tres efectos que colocan al hombre en el subsuelo mas sórdido y lastimoso que pueda concebirse. En primer lugar, se pierde a sí mismo y, por ende, no saca partida de sus potencialidades en busca del bien y, de este modo, amputa sus posibilidades de crecimiento y realización personal. En segundo término, priva a sus semejantes de disfrutar de aportes y contribuciones que reducen el espacio para la cooperación social recíproca. Y, por último, al fundirse en el conjunto, estos sujetos se embarcan en andariveles que conducen a la búsqueda del común denominador: a lo más bajo y embrutecedor, a las frases hechas, al acecho de enemigos, a la envidia y el resentimiento para con lo mejor, a la ausencia de razonamientos, a los cánticos agresivos, en suma, a la barbarie que siempre capitalizan los megalómanos sedientos de poder, todo lo cual, de más está decir, constituye un peligro manifiesto para la privacidad de quienes conservan un sentido de autorespeto y dignidad.

En La psicología de las multitudes, LeBon escribe que “en las muchedumbres lo que se acumula no es el talento sino la estupidez” y que el contagio masivo en la multitud hace que “el sentimiento de la responsabilidad que siempre retiene al hombre, desaparece enteramente”. Cuando lo mencionamos esta segunda vez a Ortega, naturalmente teníamos en mente La rebelión de las masas, pero, a nuestro juicio, los mejores escritos de este filósofo en esta materia se encuentran recopilados en El hombre y la gente. Allí dice: “Cuando los hombres no tienen nada claro que decir sobre una cosa, en vez de callarse suelen hacer lo contrario: dicen en superlativo, esto es gritan [...] ¿quién es la gente? ¡Ah! la gente es...todos. Pero ¿quién es todos? ¡Ah! nadie determinado. La gente es nadie [...] Hoy se diviniza lo colectivo. Desde hace ciento cincuenta años se han cometido no pocas ligerezas en trono a esta cuestión; se juega frívolamente, confusamente, con las ideas de lo colectivo, lo social, el espíritu nacional, la clase, la raza. Pero en el juego las cañas se han ido volviendo lanzas. Tal vez, la mayor porción de las angustias que hoy pasa la humanidad provienen de él [...] la sociedad tiende cada vez más a aplastar al individuo, y el día que pase esto habrá matado la gallina de los huevos de oro”.

Desde la más tierna infancia, muchas son las personas que reciben un insistente adoctrinamiento estatal para huir de la idea de ser distinto y se inculca hasta el tuétano la necesidad de parecerse al otro. Se crea así un complejo que aleja las posibilidades de sobresalir y se crea un acostumbramiento a mantenerse a toda costa en la media. Jacques Rueff apuntaba que resulta paradójico que en el mundo subatómico se necesita del microscopio para detectar diferencias mientras que en los hombres éstas se perciben a simple vista y, sin embargo, se los suele tratar como seres indiferenciados.

En gran medida nos encontramos con que hay una obsesión por aparecer “ajustado” a las conductas y pensamientos de los demás, por tanto, como queda dicho, a convertirse en un hombre impostado que, a fuerza de imposturas, se transforma en los demás. Esa es la raíz de las crisis existenciales: la pérdida de identidad. Es el nuevo latiguillo que se usa en muchos colegios cuando se les dice a los padres que “su hijo está desajustado”. John Dos Passos -uno de los novelistas estadounidenses mas destacados del siglo XX- sugiere que se “consulte hoy a cualquier sociólogo sobre el significado de la felicidad en el contexto social y seguramente responderá que significa ser ajustado”. La felicidad ya no sería la plena realización y actualización de las propias potencialidades en busca del bien, sino la uniformidad con los otros y en dejarse arrastrar y devorar por el grupo en caída libre a un bulto inidentificable, antihumano y degradado. El hombre así se convierte en una caricatura grotesca, como decimos, en una lamentable impostura.

Es en este contexto que resulta sumamente aleccionador repasar autores como Wilhelm von Humboldt, puesto que no podemos darnos el lujo de despreciar tamañas observaciones y advertencias como las formuladas por ese autor. Celebro que en la provincia de Mendoza -el terruño de mis ancestros- ahora un grupo de jóvenes, algunos de los cuales han sido mis alumnos, han establecido la Fundación Wilhelm von Humboldt. Es de desear que mantengan la vara a la altura de la que marcó este personaje tan noble y enriquecedor, especialmente en momentos en que los aparatos estatales en lugar de cumplir con sus misiones específicas de protección de derechos los conculcan.

sábado, 11 de julho de 2020

Merquior e o Legado Liberal - Marcos Vasconcelos Filho (OESP)

Obra reeditada de José Guilherme Merquior evidencia seu legado como intelectual brasileiro


»O Argumento Liberal« não é só uma prova da erudição do ensaísta, morto em 1991, mas uma defesa da liberdade

Marcos Vasconcelos Filho*, 
Especial para o Estado, 12/07/2020

Concorde-se ou não com seu ideário, José Guilherme Merquior (1941-1991) encarnou uma espécie rara para os trópicos: o neoiluminista. É o nosso Steven Pinker em sociopolítica. Tragado da existência aos 49 anos por um câncer, foi dono de uma formação das mais completas: em direito, filosofia, letras e sociologia. Diplomata de carreira, cultivou o ensaísmo como sua grande paixão e teve tempo também de editar 22 livros, inclusive »Poesia do Brasil« (1963), uma antologia publicada com o poeta Manuel Bandeira (1886-1968), da qual Merquior se orgulhava e a releu emocionadamente até o último suspiro de vida.

A editora É Realizações, detentora de seu acervo pessoal, acaba de reeditar, enriquecido de posfácios e documentos inéditos, o nono título de uma coleção: »O Argumento Liberal«. É um livro que podemos qualificar de transitório, sem ocasionar uma ruptura com a análise estética tão do gosto do crítico literário. Constitui uma tetralogia, junto de »As Idéias e as Formas« (1981), »A Natureza do Processo« (1982) e »O Elixir do Apocalipse« (1983). A fim de lançar os princípios do programa liberal-social, cujas linhas de contorno se amarrariam com »Liberalism: Old and New« (1991) – testamento intelectual merquioriano –, o volume destoa um pouco dos anteriores. Cumpre a recusa de jargões e chavões e traz novo tom a sua dicção: uma vontade engajada de dialogar com um público mais amplo.

»O Argumento Liberal«, sob a promessa de se preservar de dogmatismos partidários e esquematismos doutrinários, compõe-se de quatro seções. Essas vão de perspectivas gerais, de teor filosófico-político, a quadros nacionais e latino-americanos. Os seus 28 textos (mais da metade deles, aliás, estampados no »Estadão«) mantêm o prazer pelo recurso muitas vezes efêmero da crônica como ferramenta analítica. Ocasião, rememoração ou recensão, as matérias, curtas em sua maioria, se revelam heterogêneas, contudo não desencontradas, em que pese, logo à primeira parte do livro, a cansativa tarefa de encarar a sofisticação do longo capítulo em torno da dialética, num alerta para o seu uso ideológico em sacrifício de seu potencial heurístico.

Vico (1668-1744), Kant (1724-1804), Hegel (1770-1831), Don Pepe (1856-1929), Polanyi (1886-1964), Sraffa (1898-1983), Miguel Reale (1910-2006), Macpherson (1911-1987), Louis Dumont (1911-1998), North (1920-2015), Rawls (1921-2002), Castoriadis (1922-1997), Semprún (1922-2011), Colletti (1924-2001), Lefort (1924-2010), Ernest Gellner (1925-1995) – supervisor de Merquior na London School of Economics –, Kołakowski (1927-2009), Habermas (1929-), Robert Thomas (1938-), R. Debray (1940-), os nossos Rondon (1865-1958), Gilberto Freyre (1900-1987), Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Bornheim (1929-2002), Schwartzman (1939-) e Roberto Romano (1946-) — eis alguns dos muitos nomes, uns desconhecidos, com que, quase zonzo, o leitor topará.

Na aguda visão de Merquior, uma das bandeiras do social-liberalismo deveria ser a defesa do progresso civilizatório enquanto processo histórico em construção, aberto a possibilidades; portanto, oposto a leis, determinismos, utopias, predições futurológicas, evoluções cíclicas, pessimismos e escapismos nostálgicos.

Outra divisa é a insistente crença na objetividade (não na neutralidade) do conhecimento para se explicar os fenômenos sociais a partir de testificação rigorosa; todavia, sem exclusão dos seus efeitos factuais imprevistos e contingentes (aí está a Covid-19).

De igual maneira, o constitucionalismo nortearia a luta por justiça, com a permanente vigilância das licenciosas leituras de certas e abusivas hermenêuticas em jurisprudência – um dos sintomas do poroso pós-modernismo contracultural, época em que, dos indivíduos às instituições, desmonta-se o raciocínio lógico-formal em favor do voluntarismo irracionalista, com traumática violentação da realidade.

Além de outras reflexões em redor dos conceitos de poder, revolução, sociedade civil, social-democracia, propriedade, e da famosa insinuação de plágio cometido pela professora Marilena Chaui (1940-), quem consultar »O Argumento Liberal« não poderá desperceber o seu miolo, em que o autor teoriza as concepções de legitimidade. Essa categoria consiste na noção-base de aferência e de contemporaneidade de suas premissas. Só assim serão evitados desvirtuamentos de compreensão, pois se há uma constante na obra de Merquior é a inegociável batalha democrática em prol da liberdade; não somente fechada à sacralização neoliberal da economia de mercado e à demonização do Estado, mas voltada a todas as dimensões (psicológica, ética, histórica, política e cultural) para a autorrealização humana, neste país tão iníquo e subjugado pelo patrimonialismo, impossível de se dar ao luxo de abrir mão de qualquer dos nossos direitos sociais.

*Marcos Vasconcelos Filho é ensaísta, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), doutor em sociologia pela UFS e autor de »José Guilherme Merquior: da Estética à Política« (2020), entre outros livros

quarta-feira, 27 de maio de 2020

A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil - Giuseppe Tosi

Um importante artigo retomando os grandes temas da teoria política – aliás o nome desta excelente revista, fundada por Norberto Bobbio – e sua aplicação ao caso recente do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida


Malgoverno

A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil

The Crisis of Political Liberalism and the Rise of Economic Liberalism and Authoritarian Populism. The Case of Brazil
Giuseppe Tosi
Teoria Política, 9, 2019, p. 227-249

ABSTRACT

The hope for a democratization of international relations through a liberal-democratic diffusion of the democratic rule of law following the fall of the Berlin Wall is now in crisis both in the older democracies and in the new governments that have left authoritarian regimes. On a global scale, there is a crisis —more or less accentuated depending on the nations— of political liberalism, and an advance of populism and economic liberalism. Brazil, after thirty years of a democratic transition in the governments of Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva and Dilma Rousseff, which has had more continuities than ruptures, is entering in a new political period after the institutional coup that overthrew President Dilma in 2016, President Lula’s arrest in 2018 and the rise of the Bolsonaro administration in 2019. This essay is an attempt to analyze the Brazilian political conjuncture from Bobbio’s school of thought, identifying some of the reasons for the crisis of political liberalism and the rise of extreme right populism and economic liberalism: the weakness of the transition from dictatorship to democracy, which precludes national reconciliation and a shared vision of past and present; the relevant political role of the armed forces, with popular support and the fight against corruption leading to a judicialization of politics and a politicization of the judiciary. Furthermore the growth of criminal and political violence, which increases fear and authoritarian solutions; the media monopoly that prevents public and contradictory debate; the abuse of social networks that spread fake-news and preclude dialogue and tolerance; the ideological struggle against human rights and ideologies considered dangerous («communism», «gender theory», «feminism»); the presence of religious fundamentalism that threatens the secularity of the state; the neoliberal economic policies that increase the already great social inequalities. Together, these elements raise the central question: is Brazil still a democracy or a state of exception? Is political liberalism alive, or are we watching the last chapters of this glorious tradition? Brazil will be a good laboratory in the coming months to answer this question.
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TESTO INTEGRALE

1Quando Donald Trump, em 2016, foi eleito presidente dos Estados Unidos da América muitas pessoas se perguntaram: «como foi possível?» A mesma pergunta se fazem milhões de brasileiros: como foi possível, em 2018, eleger Jair Bolsonaro como Presidente da República Federativa do Brasil?
2Procuraremos, neste breve ensaio, encontrar algumas respostas, analisando o contexto internacional e os aspetos conjunturais e específicos do Brasil.

1. A Crise do Liberalismo Político

3A esperança em uma democratização das relações internacionais através de uma difusão sempre maior do Estado Democrático de Direito de matriz liberal, que seguiu à queda do muro de Berlim, está hoje em crise tanto nos Estados democráticos consolidados como nos novos governos que saíram de regimes autoritários.
  • 1 A tese central de Brennan, 2017 é a contraposição entre a democracia e a «epistemocracia», como po (...)
4Nos Estado Unidos, em função da vitória inesperada do populismo de Trump, surgiu recentemente um acirrado debate sobre a democracia1Segundo Yascha Mounk, in The People Versus Democracy, a democracia liberal enfrenta duas situações extremas: uma democracia sem direitos ou direitos sem democracia.
  • 2 Mounk, 2018: 14.
Dois componentes centrais da democracia liberal - os direitos individuais e a vontade popular - estão cada vez mais em guerra uns com os outros. À medida que o papel do dinheiro na política disparou e questões importantes foram retiradas da contestação pública, um sistema de «direitos sem democracia» tomou conta. Os populistas que protestam contra isso dizem que querem devolver o poder ao povo. Mas, na prática, eles criam algo igualmente ruim: um sistema de «democracia sem direitos»2.
  • 3 Levitsky and Ziblatt, 2018.
5Levitsky e Ziblatt, professores de Harvard, escreveram um livro do título assustador: How democracies die. What History Reveals About Our Future3Levistky esteve em 2018 no Instituto Fernando Henrique Cardoso em São Paulo para uma palestra sobre o tema alertando para os perigosos que corria a democracia brasileira, e afirmou:
Apesar de enfrentar uma ‘tempestade perfeita’, devido à conjunção de uma profunda crise econômica com uma das maiores investigações de corrupção da história, nos últimos 25 a 30 anos o Brasil realizou um tremendo trabalho de consolidação de sua democracia. Não cedam à tentação de colocar um candidato com tendências autoritárias na Presidência4.
  • 5 Em um artigo aparecido na «Folha de São Paulo», em 2018 o cientista político norte-americano Franc (...)
  • 6 Ver David Runciman. «Talvez este seja o fim do Estado moderno», diz professor de Cambridge. «Folha (...)
6Também Francis Fukuyama5 e David Runciman manifestaram preocupações parecidas6E Larry Diamond, da universidade de Stanford, se pergunta se há um declino global da democracia, após a terceira onda descrita por Huntington (1994):
A terceira onda de democratização, nos anos 80 e 90, foi algo sem precedentes na história da humanidade e resultou em grande expansão dos valores e das instituições democráticas tanto na América Latina, no Sudeste e no Leste Asiático como no antigo bloco comunista (Europa do Leste e repúblicas da extinta União Soviética). Era inevitável que houvesse algum tipo de refluxo, pois nem todas as jovens democracias da terceira onda seriam sustentáveis, mas o estrangulamento democrático em países de desenvolvimento econômico mediano como Turquia, Tailândia e Venezuela não parecia algo inevitável. Polônia, Hungria e Egito são outros países que preocupam7.
  • 8 Andriola, 2014; Benoist, 2017.
7Os países que não experimentaram historicamente a democracia, como a China e a Rússia, são governados por regimes de liberalismo econômico (embora com um forte controle estatal) e de autoritarismo político; as primaveras árabes, na maioria dos casos, não resultaram em regimes democráticos, mas em guerras civis e/ou ditaduras militares; e nos países de tradição democrática como a Europa e os Estados Unidos a ideologia política que mais cresce é o populismo de direita ou extrema direta8.
  • 9 Indo, como sempre, contracorrente Steven Pinker, professor em Harvard, é um dos poucos estudiosos (...)
8Os regimes autoritários como a China e a Rússia estão desafiando as democracias ocidentais em nome de uma superioridade ética e política de seus modelos, que reúnem autoritarismo político e liberalismo econômico, diante das fragilidades e ineficiências das democracias liberais, que não conseguem dar conta dos processos de globalização econômica, política e social. O que há em comum entre os estudiosos neste debate é um forte pessimismo sobre as sortes da democracia liberal, com poucas exceções9.
  • 10 Bobbio, 2000a; 2000b.
9Bobbio viria com preocupação este movimento, porque era favorável a um liberalismo político e mantinha restrições ao liberismo, e era também um crítico do populismo, que considerava uma forma de democracia plebiscitária com rasgos autoritários10. Relembramos sumariamente alguns dos traços característicos, segundo Bobbio, de um Estado democrático de Direito.
10A democracia liberal, segundo Bobbio, se fundamenta na soberania popular e na vontade do maior número de pessoas possíveis, em uma concepção ampla de cidadania através do sufrágio universal. Ao mesmo tempo a vontade da maioria deve respeitar os direitos das minorias, pena a democracia se transformar em uma tirania da maioria conforme já alertavam Tocqueville e Stuart-Mill. Escreve Bobbio:
  • 11 Bobbio, 1983: 56.
a) Todos os cidadãos que tenham atingido a maior idade, sem distinção de raça, religião, condições econômicas, sexo, etc., devem gozar dos direitos políticos, isto é, do direito de exprimir com o voto a própria opinião e/ou eleger quem a exprima por ele; b) o voto de todos os cidadãos deve ter peso idêntico, isto é, deve valer por um; c) todos os cidadãos que gozam dos direitos políticos devem ser livres de votar segundo a própria opinião, formando-a o mais livremente possível, isto é, em uma livre concorrência entre grupos políticos organizados, que competem entre si para reunir reivindicações e transformá-las em deliberações coletivas; d) devem ser livres ainda no sentido em que devem ser colocados em condições de terem reais alternativas, isto é, de escolher entre soluções diversas; e) para as deliberações coletivas como para as eleições dos representantes deve valer o princípio da maioria numérica, ainda que se possa estabelecer diversas formas de maiorias (relativa, absoluta, qualificada); f) nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, em modo particular o direito de tornar-se, em condições de igualdade, maioria11.
11Bobbio defende também uma concepção individualista de democracia, fundada não no «povo», mas nos cidadãos:
  • 12 Bobbio, 2004: 51.
Da concepção individualista da sociedade, nasce a democracia moderna (a democracia no sentido moderno da palavra), que deve ser corretamente definida não como o faziam os antigos, isto é, como o «poder do povo», e sim como o poder dos indivíduos tomados um a um, de todos os indivíduos que compõem uma sociedade regida por algumas regras essenciais, entre as quais uma fundamental, a que atribui a cada um, do mesmo modo como a todos os outros, o direito de participar livremente na tomada das decisões coletivas, ou seja, das decisões que obrigam toda a coletividade. A democracia moderna repousa na soberania não do povo, mas dos cidadãos. O povo é uma abstração, que foi frequentemente utilizada para encobrir realidades muito diversas12.
  • 13 Bobbio, 2000a: 39.
12Uma democracia de tipo representativo, que é um elemento elitista: a democracia não é o «governo do povo, pelo povo e para o povo», não é «ausência de elites, mas a presença de muitas elites em concorrência entre si para a conquista do voto popular»13.
13Uma concepção elitista de democracia que não impede a participação popular, se é entendida não como alternativa, mas como complemento necessário à representação, para evitar os perigos da apatia política e do distanciamento da classe política dos cidadãos e permitir uma cidadania ativa que fiscalize o poder político.
  • 14 Ibidem: 65.
Democracia representativa e democracia direta não são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra), mas são dois sistemas que se podem integrar reciprocamente. Com uma fórmula sintética, pode-se dizer que num sistema de democracia integral as duas formas de democracia são ambas necessárias, mas não são consideradas em si mesmas suficientes14.
14Uma democracia em que o poder não é visto como algo monolítico, indivisível, inaliável, irresistível (como pensavam Hobbes e Rousseau), mas como algo plural e pluralista: divisão dos poderes, instituições fortes e autônomas (para que haja um check and balance e nenhum poder se sobreponha sobre o outro), partidos políticos como instância de representação e de mediação entre os cidadãos e o Estado e possibilidade de escolha entre alternativas ideológicas diferentes.
15Uma concepção laica do Estado, entendida não somente como uma separação entre Estado e Igreja, religião e política, mas em um sentido mais amplo como a não interferência do Estado nas convicções privadas dos cidadãos: religiosas, morais, políticas, ideológicas, sobre as diferentes concepções de felicidade e de modo de viver de cada indivíduo (liberdades negativas), contra a concepção do Estado como totalidade ética de Hegel e a sua versão fascista do Estado Ético de Giovanni Gentile.
  • 15 Bobbio, 1983.
16Um liberalismo social, que garanta não somente os direitos civis e políticos, mas também os econômicos e sociais, que defenda uma liberdade positiva, uma intervenção do Estado nos assuntos econômicos e sociais, para garantir uma igualdade de oportunidades, a mais ampla possível dentro de uma economia capitalista15.
  • 16 Bobbio, 2000a: 51.
17Finalmente outra característica fundamental da democracia para Bobbio é a valorização do conflito social, da competição política, porque é nela que se forjam as elites políticas. Porém a característica que diferencia a democracia de outros regimes, é que tal conflito é resolvido de forma não violenta, através das instituições, de procedimentos estabelecidos convencionalmente (democracia procedimental) nos quais, citando Popper, «os cidadãos podem livrar-se dos seus governantes sem derramamento de sangue» e «o adversário não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanha poderá ocupar o nosso lugar»16.
  • 17 A propósito da ascensão do neoliberalismo Bobbio afirmava em O futuro de democracia (2000: 141): «(...)
18Seriam evitados assim dois extremos: um liberalismo econômico com uma concepção restrita de cidadania, de tipo censitário, que defende as desigualdades econômicas e sociais com algo benéfico para o desenvolvimento do mercado, que não tem compromisso com as liberdades democráticas, nem com os direitos sociais, e que prega menos Estado e mais mercado e uma concepção individualista radical (Bobbio, 2000a: 141)17.
  • 18 Bobbio, 2000a: 54-55.
19O segundo extremo leva a uma democracia plebiscitária, que tende à tirania da maioria, ou a uma forma de democracia totalitária ou autoritária, no pressuposto de que há um povo, com uma vontade geral, um interesse unívoco, que o líder populista não somente representa, mas personifica18.
20São esses dois extremos que o Brasil está experimentando, a partir do impeachment da presidenta Dilma e da posse dos governos Temer e Bolsonaro. O que está em jogo é a democracia na sua concepção liberal, são os princípios do liberalismo político à luz dos quais analisaremos a conjuntura brasileira atual.

2. As razões da (resistível) ascensão do capitão Bolsonaro

21A biografia do candidato Bolsonaro tornaria altamente improvável qualquer hipótese dele se tornar presidente de um país tão grande e complexo como o Brasil. Serviu no exército por alguns anos, obteve o grau de Capitão e foi aposentado compulsoriamente por desobediência e graves desvios de comportamento, aos 33 anos. Entrou então na vida política como vereador do Rio de Janeiro e prosseguiu como Deputado Federal desde 1990 exercendo sete mandatos consecutivos. Em quase trinta anos de exercício do cargo aprovou somente três projetos de lei de sua autoria.
22Fazia parte do chamado «baixo clero» da Câmara dos Deputados, com atuação parlamentar pífia e notabilizada por inúmeras denúncias à comissão de ética por enfrentamentos e agressões verbais a colegas mulheres, homossexuais, opositores de esquerda, declarações bombástica contra o sistema democrático e em defesa do golpe de Estado. As declarações eram tão absurdas e despropositadas que ele se tornou conhecido como uma figura folclórica, que ninguém tomava a sério. O auge desta postura ocorreu na sessão da Câmara para a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no dia 17 de abril de 2016.
23Estava naquele dia, com minha esposa e alguns amigos, no centro de São Paulo, debaixo do viaduto do Anhangabaú acompanhando em um telão a votação junto com dezenas de milhares de manifestantes do Partido dos Trabalhadores (PT) e de outros partidos da esquerda; alguns deles estavam acampados há dias, jovens e velhos militantes reunidos. Toda vez que um deputado votava sim, eram vaias e aplausos aos poucos que votaram «não» ao impeachment: a derrota já estava no ar. Naquela sessão, as motivações que os deputados e senadores alegaram para depor a presidenta Dilma foram as mais espúrias e inconsistentes, tornando pública a baixa qualidade política, moral e cultural de uma significativa parcela dos congressistas; mas o deputado Bolsonaro conseguiu superar a todos.
  • 19 Associação de partidos de esquerda latino-americanos.
  • 20 Referência ao Duque de Caxias patrono do exército brasileiro.
24Em certo momento, tomou o microfone e declarou o seu voto favorável literalmente com essas palavras: «Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Fórum de São Paulo19, pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias20, pelas nossas forças armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim».
25A plateia da rua ficou estarrecida e sem palavras: até a vaia ficou presa na garganta e demorou a sair, diante do espanto dessa declaração. O site da BBCNews do Brasil comentou no dia seguinte:
«Estarrecedor», «Execrável», «Deprimente». Esses foram alguns dos termos usados por ativistas de direitos humanos ao comentarem a homenagem feita pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao coronel Brilhante Ustra, o primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador. Durante o regime militar, entre 1970 e 1974, Ustra foi o chefe do DOI-Codi do Exército de São Paulo, órgão de repressão política do governo militar. Ali, sob o comando do coronel, ao menos 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e outras 500 foram torturadas, segundo a Comissão Nacional da Verdade21.
26Naquele momento pensei que este seria o inicio do fim político desta figura excêntrica e sombria, que o deputado seria cassado por apologia de crime; mas aconteceu exatamente o contrário: o plenário da câmara o ovacionou com entusiasmo e abafou as vaias dos opositores. Deste momento em diante começou a meteórica ascensão do capitão à Presidência da República: ele vislumbrou um vazio político a ser preenchido e se jogou de corpo e alma nesta disputa que acabou vencendo dois anos depois. Nesse episodio pode ser encontrada uma das chaves do sucesso do capitão: as falhas no processo de transição da ditadura para a democracia.

2.1. As falhas da transição democrática: as heranças da ditadura militar

  • 22 Ferreira, 2014.
27No Brasil o processo de justiça de transição foi muito demorado e bastante limitado, em relação a outros países latino-americanos que passaram por ditaduras como a Argentina, o Uruguai e o Chile22.
  • 23 Portinaro, 2011.
  • 24 Tosi-Silva, 2014: 41-62.
28A justiça de transição tem como objetivo «acertar as contas com o passado»23 e se fundamenta em quatro pilares. O primeiro é a justiça, stricto sensu, ou seja, a punição dos agentes públicos culpados pelos crimes contra a humanidade que não prescrevem. Este caminho foi barrado no Brasil após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) —que possui, entre outras, a função de Corte Constitucional— em resposta à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A ADPF solicitava à mais alta corte brasileira um posicionamento formal para saber se, em 1979, houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis pela prática de tortura, homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais e estupro contra opositores políticos, considerando, sobretudo, os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a insuscetibilidade de graça ou anistia do crime de tortura24.
29Em maio de 2010, por maioria dos seus membros, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido da OAB, reconhecendo a validade jurídica da Lei de Anistia de 1979, promulgada em plena ditadura militar, que muitos consideram uma lei de auto-anistia, encerrando assim as possibilidades internas de fazer justiça às vítimas da ditadura.
30O segundo pilar são as ações de reparação moral e de ressarcimento dos danos materiais e psicológicos provocados às pessoas perseguidas pela ditadura e/ou aos seus familiares. Esta reparação foi realizada, de forma eficiente embora tardia, pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, instalada em 2001, que examinou mais de 70.000 processos, e realizou dezenas de «caravanas da anistia» em vários Estados.
  • 25 Seja-me permitido ressaltar o papel exercido no resgate da memória pelo Núcleo de Cidadania e Dire (...)
31O terceiro pilar é a reconstrução da memória histórica que teve um grande impulso com a Comissão Nacional da Verdade, instalada pela Presidenta Dilma em 2012, com mandado de dois anos (renovado por mais um ano) para apurar violações aos direitos humanos, produzir relatório circunstanciado sobre os casos investigados e apresentar conclusões e recomendações de políticas públicas para que aquele tipo de violação não voltasse a se repetir25.
32A criação da Comissão Nacional estimulou o surgimento de comissões da verdade em todos os Estados da Federação, e em numerosos municípios e universidades. Este movimento capilar permitiu o levantamento de um grande número de informações, ainda que a maioria produzida pelas vítimas da ditadura, uma vez que muitos arquivos do Estado desapareceram. Embora a comissão não tivesse nenhum poder de punição, a sua instalação teve o efeito de provocar a reação de setores militares que tacharam a iniciativa de «revanchismo»; reação que o capitão Bolsonaro soube aproveitar e que foi um dos motivos do apoio das forças armadas ao impeachment da presidenta ex-guerrilheira.
33Outro aspecto importante de uma política de transição é a reforma das instituições violadoras dos direitos humanos, para criar instituições públicas mais consoantes com o Estado Democrático de Direito. Esta reforma não avançou de maneira efetiva, sobretudo na área da segurança pública. As polícias civis e militares, de responsabilidade dos Estados, e a polícia federal herdaram traços da famigerada Lei de Segurança Nacional da ditadura que considerava os adversários políticos como inimigos da pátria. A presença em vários Estados, sobretudo no Rio de Janeiro, das milícias, grupos paramilitares compostos por ex-policiais e criminosos com alianças no mundo político e financeiro, é uma heranças dos temíveis «esquadrões da morte» que atuavam livremente na época da ditadura.
34O objetivo final de todo este processo deveria ser a reconciliação nacional, para tornar o período da ditadura uma página virada na história do país, ter uma memória compartilhada sobre ele e um consenso mínimo sobre os valores democráticos que lhe sucederam. A ascensão ao governo do capitão Bolsonaro enaltecendo o torturador sob os aplausos do plenário da Câmara dos Deputados, é suficiente para mostrar a ausência de reconciliação e de memória compartilhada.
  • 26 «Presidente do STF diz que prefere chamar ditadura militar de “movimento de 1964”». Portal IG São (...)
  • 27 «Bolsonaro nega ditadura e diz que regime viveu probleminhas»: «Folha de São Paulo», 27.03.19. Dis (...)
35Esta ascensão foi acompanhada por uma onda de «revisionismo histórico», que vai desde os que fazem sutis distinções entre «ditadura», «regime», «movimento» (segundo a opção semântica do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli)26 e «golpe» militar, até os negacionistas, que simplesmente negam que houve uma ditadura militar no Brasil, entre eles o próprio Presidente27.
  • 28 Agamben, 2004; Teles-Safatle, 2010; Tosi, 2017.
36Essas falhas na transição democrática levam sempre mais analistas a afirmar que o Brasil não vive em um Estado Democrático de Direito, mas em um Estado de exceção permanente, que ameaça a consolidação da democracia28.
37Ligado a esta primeira, questão está um segundo aspecto da vitoria do capitão Bolsonaro: a presença dos militares no governo.

2.2. A volta dos militares ao poder político

38O novo governo mostrou, desde a campanha eleitoral e após a sua posse, uma vontade explicita de resgatar o papel político que os militares haviam perdido na transição democrática, após mais de trinta anos de afastamento da cena política.
  • 29 «Governo Militar: Bolsonaro nomeia mais de cem militares para cargos no governo» («Zero83», 03.03. (...)
39Há uma diferença entre um «governo militar», e um «governo de militares»: o governo Bolsonaro não é (ainda?) um governo militar como foi a ditadura de 1964 a 1985. Porém, a presença de um capitão e de um general nas duas máximas cargas do Estado, e de militares de várias patentes nos primeiros escalões do governo (mais de 100 pessoas que ocupam cerca de 30% dos cargos)29 é muito significativa e não é a título pessoal, como indivíduos e cidadãos, mas como representantes da instituição. No entanto, em uma democracia consolidada o papel político das forças armadas deveria tender ou ser igual a zero.
  • 30 «Comunismo», no contexto atual do debate ideológico brasileiro, é um conceito vago e indefinido qu (...)
40A presença dos militares não se limita à questão da defesa e da segurança, mas está se espalhando em todos os setores do governo, infraestrutura, ciência, tecnologia, mineração e energia, direção de empresas estatais, questão indígena, e até na educação: os colégios militares estão sendo propostos como modelos para a educação básica, e o projeto «Escola sem Partido» —que quer combater a «ideologia de gênero», o «marxismo cultural», o «gramscismo», o pensamento de Paulo Freire e tudo o que tenha a que ver com a esquerda ou a oposição ao governo—, está sendo proposto para todos os níveis de ensino. Em nome do combate ao «comunismo»30, está havendo uma tentativa de controle ideológico contra os estudantes e professores de esquerda, patrocinado pelo Ministro da Educação que está incentivando os alunos a denunciar os professores que professam ideologias contrárias ao governo em sala de aula.
41Nesse contexto, uma instituição como as Forças Armadas, por sua natureza autocrática, assume um papel político relevante com forte apoio e consenso popular, o que lhe confere uma legitimidade democrática, se nos limitarmos ao conceito de democracia como vontade da maioria; mas a democracia não é só isso, é também a garantia dos direitos das minorias, como lembra Bobbio.

2.3. O golpe institucional: o impeachment e a prisão do presidente Lula

42A eleição de Bolsonaro foi o último ato de um «golpe institucional» iniciado com o impeachment da presidenta Dilma, continuado com a prisão do ex-Presidente Lula, que abriu o caminho para a vitória do candidato da extrema direita.
  • 31 O então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowsky que presidiu a sessão do impea (...)
43Se olharmos a situação política brasileira na ótica da democracia procedimental, e das bobbianas «regras do jogo», veremos que a transição do segundo governo Dilma (2014-2016), para o governo Temer (2016-2018) não se deu através de uma normal alternância eleitoral, mas de um processo traumático. O debate e a votação no Congresso sobre o impeachment mostraram a inconsistência de uma denúncia por crime de responsabilidade tão grave que fosse um ataque à Constituição e justificasse a derrubada de uma presidenta eleita com 54 milhões de votos31.
44O que aconteceu, como reconheceram muitos congressistas, foi um voto de sfiducia, pela perda do apoio político, um instrumento típico do parlamentarismo que foi utilizado em um sistema presidencialista, uma mudança das regras do jogo durante o jogo. Isto foi tão verdadeiro que o congresso não cassou os direitos políticos da presidenta, como era de se esperar, em um evidente ato de hipocrisia: mas a hipocrisia, dizia La Rochefoucauld, é «a homenagem que o vício presta à virtude».
  • 32 Ver: Luigi Ferrajoli, Uma agressão Judicial à democracia brasileira: «Lula. Estamos diante do que (...)
45A segunda etapa do golpe foi a prisão do presidente Lula, num processo altamente controvertido, de caráter indiciário e inquisitorial, sem provas consistentes, sem as devidas garantias processuais, com o uso e o abuso da delação premiada (pentiti), como comentaram vários juristas nacionais e internacionais, entre eles Luigi Ferrajoli32. O Juiz Sérgio Moro, que presidiu a operação «Lava-Jato» de combate à corrupção, e os procuradores da mesma operação agiram de forma conjunta e combinada, não respeitando os respectivos papeis de acusação e de julgamento e não agiram de forma isenta como denunciam detalhadamente estudiosos de várias disciplinas (Proner, 2018).
  • 33 Sobre a operação «vaza-jato», ver: «Informações do The Intercept provam o “lawfare como arma polí (...)
46Enquanto estou escrevendo este artigo, as manchetes dos principais jornais e sites do Brasil estão anunciando a interceptação de mensagens entre os Procuradores Federais e o Juiz Sérgio Moro que mostram a colaboração e o conluio entre eles e abalam a imparcialidade do Juiz da operação Lava-Jato e podem levar a anulação do processo contra Lula. Os diálogos, obtidos por uma fonte anônima, estão sendo publicado pelo site The Intercept_Brasil (https://theintercept.com/​brasil/​) do jornalista norte-americano Glenn Greenwald em parceria com outros órgãos de imprensa. A operação, que está sendo chamada de «vaza-jato», comprova o que a defesa e vários juristas vinham denunciado há anos sem sucesso33.
  • 34 «Nova pesquisa Vox Populi aponta vitória de Lula no 1º turno» («Expresso», 29.05.2018). Disponível (...)
47A ausência de Lula na disputa eleitoral foi determinante para a vitória de Bolsonaro. Todas as pesquisas eleitorais davam o ex-presidente como vencedor no primeiro turno34. O ex-presidente Lula, ao apoiar oficialmente o candidato do PT Fernando Haddad conseguiu que ele chegasse ao segundo turno, mas não transferiu todo o seu cabedal eleitoral. Muitos dos eleitores de Lula passaram a votar em Bolsonaro.
48Este dado levanta uma questão importante sobre as tipologias de voto: parte dos eleitores de Bolsonaro votou nele na ausência de Lula, outra parte votou nele para votar contra o PT e a esquerda e somente uma terceira parte (que oscila ao redor de um 30% dos votantes) votou no candidato pela identificação com as suas propostas ideológicas. O que indica que o voto não é homogêneo, e que o apoio à opção ideológica do candidato é minoritário; mostra também certa volatilidade e oscilação do eleitorado e uma presença significativa de um voto populista (de esquerda e de direita) centrado na identificação pessoal com o candidato mais do que com propostas programáticas ou ideológicas.
  • 35 «Sérgio Moro aceita ser superministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro» («El Pais», Bra (...)
  • 36 Luiz Moreira: «A judicialização da Política alcançou patamares alarmantes no Brasil: o sistema de (...)
49A parcialidade do Juiz Sérgio Moro ficou evidente logo após as eleições. Apesar ter declarado repetida e taxativamente que não assumiria cargos políticos, o juiz aceitou prontamente o convite de Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do novo governo35. Trata-se de um claro conflito de interesses que levanta a legittima suspicione de que o ministério foi um reconhecimento ao juiz da Lava-jato por ter eliminado da disputa eleitoral o único candidato capaz de derrotar o presidente eleito; e favorece a leitura deste processo como mais um exemplo do uso político da justiça, de judicialização da política e do seu reverso, a politização do judiciário36.
50Chama a atenção também a adesão incondicional de um magistrado a um presidente que fez pronunciamentos em defesa das milícias, de apoio à ditadura militar e à tortura. E aqui entra necessariamente o papel que em todo este processo desenvolveu a operação «Lava-jato».

2.4. O combate à corrupção e a antipolitica

51A operação Lava-jato começou em 2015 como um instrumento eficaz de combate à corrupção política inspirada na «operação mãos limpas» da Itália, que conseguiu desvendar a trama de relações promiscua entre o setor público e os interesses privados. Mas aos poucos se tornou um instrumento para acumular e concentrar um poder político e econômico de setores da Magistratura e do Ministério Público, associados a grupos econômicos nacionais e internacionais.
52A corrupção no Brasil sempre foi (e continua sendo) um sistema, uma prática corriqueira de promiscuidade e conivência entre o mundo político e econômico, para o financiamento dos partidos, ou de interesses pessoais, ou de ambas as coisas. Combate-se a corrupção com medidas jurídicas repressivas, mas também com medidas preventivas contra a cultura da corrupção que invade não somente o Estado, mas a sociedade, e com medidas administrativas que incentivam o controle e a punição dos comportamentos criminosos; medidas que foram implementadas nos governos do PT, como a lei da transparência, o fortalecimento dos órgãos de fiscalização e repressão, tais como a Controlaria Geral da União, a Policia Federal, o respeito da autonomia do poder judiciário e do Ministério, a aprovação da «Lei da Ficha Limpa», que impede a candidato condenado em segunda instância de participar do processo eleitoral.
  • 37 Sobre o golpe institucional e a prisão do Lula, ver: Silva, 2019; Proner; 2018; Reinholds, 2019.
53Apesar dessas medidas, as responsabilidades do PT e dos outros partidos de governo são claras: o partido não quis enfrentar esta «corrupção sistêmica» e conviveu com ela em nome da «governabilidade»; o que lhe garantiu resultados notáveis. O preço a pagar foi a perda da bandeira da ética na política e a perda de uma oportunidade de promover uma reforma política há muito tempo necessária. Também não é possível negar a responsabilidade política do presidente Lula neste processo, que é diferente da sua responsabilidade penal, pessoal e intransferível, que não foi comprovada37.
  • 38 Kerche, Feres, 2018.
54Aparece sempre mais claro que o combate à corrupção faz parte de um jogo político para definir relações de força entre os três poderes, as corporações, os grupos econômicos que estão se aproveitando da situação para defender os seus interesses e implementar a política de retirada de direitos sociais e de venda do patrimônio público a grupos privados nacionais e estrangeiros38.
  • 39 Episódios como aquele do suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, a intimação (...)
  • 40 Um fato mostra esta relação. A força-tarefa da Lava Jato atuou desde o começo em estreita ligação (...)
55As críticas principais se referem à personalização, a centralização de todas as operações em uma pessoa e em um grupo, monopolizando assim o combate à corrupção; a equivocada aplicação da «teoria do domínio de fato» o que dispensaria a apresentação de provas consistentes, ao abuso do instrumento das conduções coercitivas39, ao abuso das medidas cautelares como a prisão preventiva, ao abuso da delação premiada, ao vazamento seletivo das informações sigilosas a espetacularização dos processos através dos meios de comunicação e das redes sociais; todos métodos de exceção, que estão se tornando permanentes e levaram o Ministério Público e a Magistratura a assumirem sempre mais papeis políticos invadindo a esfera do executivo e do legislativo: um exemplo de protagonismo o ativismo judiciário e de prática do lawfare interno e internacional40.
56Tudo isso associado à ausência de debate político público e de um contraditório nos meios de comunicação de massa, provoca a «antipolítica», uma reação generalizada contra a política e os políticos, e a tentação de atalhos autoritários ou demagógicos. Aparecem os salvadores da pátria, os populistas que prometem soluções fáceis para problemas difíceis e complexos e o quadro se torna preocupante para a consolidação da democracia no Brasil com perigos de retrocessos autoritários. Bolsonaro docet.

2.5. A luta contra a violência criminal e política

57Mas há também uma motivação mais «objetiva» para a ascensão de Bolsonaro: a onda de violência e a promessa de resolvê-la em tempos breves e com medidas drásticas.
58O Brasil é o país onde morre mais gente de morte violenta por habitante que em qualquer outra parte do mundo, inclusive dos países que estão em guerra civil41. Junto com a violência criminal está aumentando a violência política. Continuam na impunidade os assassinatos de líderes populares, de defensores dos direitos humanos (58 só no ano de 2018)42, aumenta a violência contra as pessoas LGBT, a população negra e favelada, as mulheres e outros grupos vulneráveis, como as comunidades indígenas e quilombolas.
  • 43 Franco, 2019.
59O exemplo emblemático é o assassinado da Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. Marielle era uma mulher originária da favela, negra, lésbica, que possuía uma grande inteligência e uma forte liderança política, que denunciava a ação da polícia e das milícias que representam o elo entre a polícia, o crime organizado, o sistema financeiro e o sistema político, ou seja, uma violência com a cumplicidade do Estado; situação que ela conhecia muito bem pela convivência pessoal e pelos estudos realizados no Mestrado sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro43.
60A polícia brasileira possui os maiores índices de letalidade, é uma das mais violentas do mundo, mas também é uma das maiores vítimas da violência: há um circulo vicioso entre repressão e violência policial e de resposta igualmente violenta do crime organizado, que não se consegue estancar. Há dentro do Estado um embrião de Estado policial extremamente perigoso que foge do controle dos aparelhos de fiscalização.
  • 44 Rancière, 2014.
61Esta violência alimenta e é alimentada por um clima de ódio que está sendo espalhado na sociedade, sobretudo durante o processo de impeachment e na última campanha eleitoral: ódios de tipo regionalista (contra os nordestinos), racista (contra os negros), sexual (contra as mulheres e a população LGBT), social (contra os pobres), ideológico (contra o comunismo) e em geral contra os direitos humanos. Este ódio é perigoso porque pode revelar um «ódio à democracia» como diz o título do livro de Jacques Rancière44.
62Um papel relevante nessa campanha é exercido pelos programas policiais, verdadeiros nichos de informação de grande audiência espalhados em todo o território, que espetacularizam a violência e incitam à intolerância e que lucram com as desgraças alheias, aumentando a sensação de violência e alimentando o círculo vicioso.
  • 45 Nos dias 26 e 27 de maio de 2019, 56 presos foram mortos em várias penitenciárias da cidade de Man (...)
  • 46 «Pacote anticrime de Moro não é um projeto de segurança pública, avalia Lenio Streck» («Jornal GGN(...)
63As propostas do novo governo para enfrentar o problema da violência são fundamentalmente três: ampliar os critérios para a posse (o que vai facilitar inevitavelmente o porte) de armas para a população civil; aumentar os limites da legítima defesa para a população civil e para as forças de segurança (o que significa dar «licença para matar» aos policiais); e aumentar e endurecer as penas, colocando ainda mais presos nas superlotadas prisões brasileiras45. Todas elas são medidas repressivas e nenhuma preventiva, que ataque as causas múltiplas e estruturais desta violência46.
  • 47 O presidente assinou em janeiro de 2019 um Decreto Lei que amplia a posse e o porte de armas para (...)
  • 48 «Letalidade policial no Brasil já é alta, e tende a aumentar com projeto de Moro» («El Pais», Bras (...)
64Todos os estudos indicam que aumentar a posse e o porte de armas só vai provocar um aumento e não uma diminuição da violência: qualquer briga de transito, qualquer desavença com os vizinhos, qualquer litígio domestico pode se transformar em tragédias ainda maiores das que já existem em um país onde, no ano de 2018, foram assassinadas mais de 60 mil pessoas47. Tais medidas, que são um incentivo às milícias e às forças de segurança para aumentar a repressão, já provocaram um aumento da letalidade policial desde a posse do novo governo, turbinando ainda mais o círculo da violência48.

2.6. A democracia pluralista e o oligopólio da informação

65Outra característica da democracia, segundo Bobbio, é o pluralismo político, ideológico, religioso, moral. Já os clássicos do liberalismo como Tocqueville e Stuart Mill alertavam para o perigo da democracia se transformar em uma tirania da maioria ou da opinião pública, quando o pluralismo não é garantido.
66No Brasil o debate de opiniões é muito limitado, devido ao oligopólio das TVs privadas e dos principais jornais e redes de radio. As televisões públicas surgiram tardiamente no governo Lula e não tem o apoio necessário para competir com o oligopólio das redes privadas.
  • 49 Durante o processo eleitoral de 2018 houve um distanciamento e isolamento dos blocos políticos, qu (...)
67As redes sociais são o principal canal alternativo diante do oligopólio dos meios de comunicação, graças à internet, aos blogs, aos portais, aos whatsApptwitterfacebook; embora essas mesmas redes sociais são as que espalham boatos, mentiras, falsas notícias, desinformação e sobretudo ódio e preconceitos de forma incontrolável. Há uma falta de educação e consciência com informações na internet. E o maior problema são as construções de «bolhas», pacotes fechados de informações e opiniões alimentados pelos algoritmos49. Pela primeira vez após a ditadura o debate político entrou nos âmbitos familiares de amizade de maneira disruptiva, colocando a dura prova laços afetivos muito fortes e longevos.
68No caso da eleição do Bolsonaro não foi a televisão que decidiu a eleição, o candidato não participou de debates televisivos, não enfrentou contraditório e baseou toda a sua campanha vitoriosa através das redes sociais, espalhando milhões de mensagens e de fake-news, através de uma rede de bots e de seguidores, que funcionava como uma câmara de eco, reverberando essas mensagens e dominando a pauta. Há um aspecto estratégico de «cortina de fumaça» e diversão (no sentido de desviar) a atenção.
69Trata-se de uma verdadeira guerra praticada pelas «milícias digitais», que foi inaugurada pela Cambridge Analithica (UK) Ltd no processo da brexit, reproduzida na campanha de Donald Trump e aplicada na campanha de Bolsonaro: Steve Bennon estava presente nos três processos eleitorais. Há uma construção de uma direita trans nacional autoritária para enfrentar as ideologias «liberalizantes», que usa um discurso contra o «globalismo». Não precisa recorrer a teorias complotistas para entender que, pelo formato e pelos discursos praticados de forma similar, se trata de algo orquestrado.

3. Mudança de governo ou de regime?

70O Brasil comemorou, em 2018, trinta anos da promulgação da última Constituição; trinta anos de um processo de transição não plenamente consolidado e bastante frágil tanto nas regras formais, quanto nos aspetos mais substanciais, de uma democracia não somente política, mas social.
71Apesar de todas as dificuldades, houve —após o impeachment do presidente Collor em 1993, na passagem dos governos Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Vânia Rousseff—, mais continuidades do que rupturas, se considerarmos o respeito às regras do jogo democrático. Este quadro mudou com o golpe institucional que iniciou em 2016 e a posse do governo Temer, e está mudando ainda mais rapidamente e radicalmente com o novo governo de Jair Bolsonaro, plenamente inserido no novo contexto mundial, que coloca em perigo o processo de democratização.
72Diante deste quadro, a pergunta é: está havendo uma mudança de governo ou de regime político? Estamos ainda em uma democracia ou em um regime autoritário? Vivemos em um estado de normalidade democrática ou de exceção permanente? Vários são os sinais que preocupam.

3.1. A violação dos direitos humanos

73Os Direitos humanos são um tema sensível para verificar a qualidade de uma democracia. Depois da II Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, em 1993, a partir do governo de Fernando H. Cardoso (1995-2002) o Brasil tomou várias iniciativas afirmativas neste campo, que foram definidas nos Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 (PNDH) em 1996, com objetivos, metas, propostas que foram reavaliados e atualizados em 2002, com o PNDH 2 e em 2009 com o PNDH 3. Foi criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que posteriormente assumiu o status de Ministério e Secretarias específicas para os direitos das mulheres, dos indígenas, da população negra e LGBT.
74Foram ratificados vários tratados internacionais de Direitos Humanos, criando novas responsabilidades públicas no plano global, regional e nacional. Foram promovidas iniciativas para o direito à memória e à verdade e à reparação. O Conselho Nacional de Educação introduziu o ensino e a formação em Direitos Humanos da Educação Básica até a Superior como conteúdo obrigatório nas Diretrizes Nacionais. O ensino dos direitos humanos foi incorporado na formação das polícias militar e civil, guardas municipais e agentes penitenciários. Iniciativas que, nos governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Vânia Rousseff (2011-2016), tiveram continuidade e fortalecimento.
75Essas iniciativas, que conectavam sociedade civil e governo, não foram suficientes para acabar com as gravíssimas violações aos direitos humanos, por parte inclusive de agentes do Estado. Indicavam, porém, uma vontade política e uma persistência por parte do governo e da sociedade civil em pautar a agenda dos direitos humanos como política de Estado e não somente de governo; mas foi uma ilusão que caiu rapidamente com a posse dos governos Temer e Bolsonaro.
76As secretarias que atuavam no campo dos direitos humanos, como a Secretaria de Educação Continuada, Diversidade e Inclusão (SECADI) do MEC, a Secretaria dos Direitos Humanos, a Secretaria de Promoção das Mulheres, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial foram extintas ou drasticamente redimensionadas e colocadas sob a direção de pessoas com posições ideológicas contrárias ou hostis aos direitos humanos.
  • 50 «Lula e Dilma serão os primeiros “julgados” na Comissão de Anistia, informa Damares». Blog do Esma (...)
77A Comissão de Anistia foi radicalmente modificada com a saída de 19 membros, substituídos em grande parte por militares, e sua função desvirtuada; os processos de reparação interrompidos, com a ameaça de uma revisão geral que poderá levar a um cancelamento parcial ou total das indenizações concedidas às vítimas da ditadura ou aos seus familiares, em particular as dos ex-presidentes Lula e Dilma, como fez questão de ressaltar a ministra evangélica Damares Alves50.
78O governo atual promove uma campanha ideológica baseada no slogan de que «os Direitos Humanos defendem bandidos», que «os Direitos Humanos defendem quem não presta», que «os Direitos Humanos somente deveriam valer para os “humanos direitos”», que produz efeitos deletérios51. Uma pesquisa do Instituto IPSOS em 2018 sobre a percepção dos Direitos Humanos mostrou que no Brasil 66% da população acreditava que os Direitos Humanos defendem pessoas e grupos sociais que não merecem ser protegidos. Essa percepção é ainda maior na região Norte (79%) e entre os que possuem nível superior (76%)52.
  • 53 Bedin-Tosi, 2018.
79Trata-se de um entendimento distorcido e perigoso, uma vez que os Direitos Humanos não são de esquerda ou de direita, são os alicerces da Constituição e do pacto social, são o padrão mínimo de uma convivência civilizada53.

3.2. O Fundamentalismo religioso

  • 54 «Bolsonaro afirma que o Brasil é um Estado cristão e não laico» («Blastingsnews», por Andressa Cav (...)
80Outro sinal preocupante para a normalidade democrática é a aliança entre o autoritarismo político e o fundamentalismo religioso, que Bobbio, um laico, não teria aprovado. O presidente Bolsonaro quando deputado afirmou várias vezes que o Estado não é laico, mas cristão54, e após a posse promoveu uma aliança poderosa com setores fundamentalistas e conservadores das igrejas evangélicas e católica. «Deus acima de tudo; Brasil acima de todos», é o lema deste governo, que fere os princípios do Estado laico, da separação entre Estado e Igreja, e utiliza a religião como instrumentum regni.
81O presidente Jair Messias Bolsonaro é considerado por vários líderes religiosos um enviado de Deus para salvar o país. Deus é constantemente «nomeado em vão» pelos governantes para justificar uma política de ódio, de preconceitos, de intolerância, um cristianismo identitário e beligerante, que pouco tem a ver com a mensagem de Cristo e muito mais com a tomada de assalto ao poder.
  • 55 «Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã», diz Damares ao assumir Direitos Humano (...)
82Não por acaso um ministério sensível ideologicamente como o dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família, foi confiado a uma fundamentalista evangélica que afirmou no ato de posse: «O Estado é laico, mas esta Ministra é terrivelmente cristã»55 e se notabiliza cotidianamente por afirmações contrárias aos direitos humanos que ela deveria promover. O objetivo principal é o combate ideológico a tudo que contaria os «valores» tradicionais. Nessa perspectiva, o governo está incentivando o ensino doméstico (homeschooling), e o ensino a distância, inclusive nos níveis fundamental e médio, para permitir as famílias de «controlar» os conteúdos a serem estudados e evitar a influência «deletéria» da escola pública, e das ideologias nelas difundidas, como o «comunismo» e o feminismo.
  • 56 «Bolsonaro decreta fim das faculdades de Filosofia e Sociologia: Objetivo é focar em áreas que ger (...)
83Ao mesmo tempo, está sendo lançada uma campanha ideológica contra o ensino da filosofia, da sociologia, que haviam sido retiradas do currículo do ensino médio pela ditadura militar e reintroduzidas pelos governos democráticos, e que agora estão sofrendo uma ameaça de corte. Uma ofensiva que se estende a todas as ciências humanas consideradas inúteis ou nocivas à formação dos estudantes, como declarou o presidente56, e que foi o estopim que provocou as manifestações de protestos dos estudantes professores e funcionários de 15 e 30 de maio de 2019.

3.3. As políticas econômicas neoliberais

84Nos primeiros meses desse governo há retrocessos em todos os campos: na política exterior com a adesão incondicional aos Estados Unidos e a Israel em detrimento dos países árabes e latino-americanos; na política ambiental, com a ampliação do uso de produtos agrotóxicos, a flexibilização da legislação de proteção ao meio ambiente, o corte de verbas e o fechamento ou reestruturação dos órgãos de proteção ambiental e indigenista; na política econômica, com uma reforma da previdência social, centrada na capitalização privada desobrigando o Estado e as empresas e atribuindo o ônus principal ao trabalhador; uma proposta de privatização geral nos setores estratégicos das empresas públicas, que contraria os interesses nacionais e favorece as empresas estrangeiras; na política de segurança pública, meramente repressiva, centrada no armamento da população e das polícias; na educação através de um corte de verbas nas despesas de manutenção ordinária, e nas bolsas de estudo para a pós-graduação, associado a uma interferência na autonomia universitária, através das nomeações dos reitores e dos órgãos de direção das universidades para controlar ideologicamente e enfraquecer financeiramente a universidade pública e favorecer a educação privada.
85Políticas que ocorrem em um país como o Brasil que nunca teve um sistema de welfare state consolidado, que é um dos países mais desiguais do mundo, onde mais de 70% dos estudantes do ensino superior estudam em faculdades privadas, onde a qualidade do ensino básico e da saúde pública deixa muito a desejar e onde o numero de desempregados está beirando os 13 milhões.
86É muito difícil entender a atual conjuntura política, social e econômica do Brasil, porque ela muda constantemente. O governo não tem propriamente um compromisso programático, está dividido em grupos de interesses: o presidente e os seus familiares, o vice-presidente e os militares, o juiz Sérgio Moro e os magistrados e procuradores da Lava-Jato, o ministro Paulo Guedes do Tesouro e os grupos econômicos, e os grupos fundamentalistas evangélicos e católicos.
87Essas várias facções estão unidos mais por um compromisso ideológico de combater e «destruir» o «inimigo», do que um compromisso programático de construir algo. Apesar da vitória nas urnas, o governo não tem ainda uma base parlamentar sólida para aprovar as reformas, e o congresso mostra certa independência e autonomia. A oposição está ainda dividida e se reorganizando e os impasses do governo provêm mais das disputas internas do que da oposição externa.
  • 57 «As milícias, Marielle Franco e o governo Bolsonaro» («Poliarquia», 05/06/2019). Disponível em: ht (...)
88Logo após a posse do novo governo, duas das promessas eleitorais mais importantes, o combate à corrupção e ao crime organizado, que foram os motivos alegados pelo juiz Moro para assumir o ministério, foram desatendidas: aparecem e se fortalecem todos os dias claros indícios de ligação da família e do entourage do presidente com esquemas de corrupção e com as milícias do Rio de Janeiro que mataram a vereadora Marielle Franco e o seu motorista, sem que as investigações avançassem e que houvesse até o momento nenhuma manifestação a respeito do Ministro da Justiça57.

4. Conclusão

89Há no governo uma clara intenção autoritária que se manifesta cotidianamente nas declarações e no estilo do presidente e dos seus ministros e colaboradores e que tem o respaldo de uma minoria que se identifica ideologicamente (e que saiu às ruas de maneira expressiva no dia 26 de maio passado e voltou às ruas em 31 de junho).
90A possibilidade de um endurecimento do regime não está descartada, assim como de um crescimento da violência criminal e política se o decreto sobre o armamento do Ministro Sérgio Moro for aprovado. Se isso acontecer, além das milícias digitais que espalham ódio e mentiras nas redes sociais, a violência poderia passar para as ruas: sobretudo se a crise econômica piorar e obrigar o governo a tomar medidas mais drásticas e impopulares. Ao acompanhar o dia a dia da política brasileira se há a sensação de estar lendo o livro de Levitsky e Ziblatt: «Como as democracias morrem».
91Como afirmamos no começo deste ensaio, o Estado Democrático de Direito vive em uma tensão permanente entre dois opostos: uma democracia sem direitos (tirania da maioria) ou um direito sem democracia (democracia elitista). No Brasil os dois extremos se tocam.
92O que mais preocupa é a associação entre violência criminal e política: até o momento há um embate ideológico acirrado, com manifestações e contraposições radicais nas redes sociais e nas ruas, mas sem passar o limite da violência verbal e ir a um confronto físico, como acontece em outros países, por exemplo, na Venezuela ou na Nicarágua. Mas a história antiga e recente do Brasil tem um lado sombrio e violento que preocupa.
  • 58 Schwarcz, 2019; Souza, 2019.
93Há uma evidente divisão e radicalização do país, sem possibilidade de diálogo. Não estamos (ainda?) em uma ditadura, mas também não estamos (mais?) em uma democracia liberal: o bolsonarismo se insere nos processos de autoritarismos que estão se espalhando em vários países do mundo, inclusive nos países de tradição democrática mais consolidada; e que foram analisados pelos autores que estudamos no começo deste artigo. Um autoritarismo que, no caso do Brasil, afunda suas raízes no longo histórico de violência, de corrupção, de desigualdades sociais, de intolerância e de preconceitos raciais e de gênero que o atual governo expressa, e que colocam em xeque a imagem do Brasil cordial58.
94Mas o Brasil não tem somente esta alternativa, já demonstrou que pode consolidar a democracia respeitando as minorias e as regras do jogo, e incluindo grande parte das massas tradicionalmente excluídas no jogo democrático, na melhoria da qualidade de vida e de consumo, em uma melhor distribuição da riqueza e do poder.
95Há sinais de resistência. Houve uma volta às ruas, mobilizada não tanto pelos partidos de oposição, mas pela reação aos cortes na educação, que reuniu nos dias 15 e 30 de maio milhões de pessoas em centenas de cidades: estudantes, professores funcionários públicos de todos os níveis de ensino e que aconteceram em um clima de festa, de participação, sem violência. Um sinal de vitalidade da democracia, de esperança no respeito das regras do jogo democrático e de que e violência verbal não deságue em mais violência física do que já existe.
96Apesar das falhas, nestes mais de trinta anos de transição democrática se consolidou uma consciência democrática na sociedade civil organizada e em vários setores das instituições públicas, que não pode ser eliminada por decreto presidencial ou pela violência. Isso nos faz esperar que as instituições e a sociedade civil reajam, resistam e funcionem; que as garantias e as liberdades fundamentais sejam respeitadas; que o governo não se torne um regime que aos poucos vai sufocando a frágil democracia brasileira; que este seja um ciclo, um momento, um contraponto a um período anterior e que se volte a uma alternância de governo.
97Isto vale para o Brasil, mas também para outros países, onde há uma crise do liberalismo político e um avanço do populismo de direita e do liberalismo econômico. Parafraseando o título de um famoso livro de Bobbio (O futuro da democracia): será que a democracia liberal tem ainda um futuro ou estamos assistindo aos últimos capítulos?
98O Brasil vai ser um bom lugar para responder a esta questão.
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BIBLIOGRAFIA

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NOTE

1 A tese central de Brennan, 2017 é a contraposição entre a democracia e a «epistemocracia», como poder dos que sabem, os técnicos, retomando assim a contraposição de Platão entre doxa e episteme e sua defesa em A República e em O Político do governante ser o Rei-Filósofo.
2 Mounk, 2018: 14.
3 Levitsky and Ziblatt, 2018.
4 Disponível em: https://medium.com/funda%C3%A7%C3%A3o-fhc/como-morrem-as-democracias-por-steven-levitsky-fe3f1b9328ccApesar dos apelos dos ilustres professores de Harvard, Stanford e Yale, na eleição de 2018 não foi possível criar uma frente democrática e republicana contra o crescimento do autoritarismo. As divergências internas aos partidos foram mais fortes do que a ameaça à frágil democracia brasileira.
5 Em um artigo aparecido na «Folha de São Paulo», em 2018 o cientista político norte-americano Francis Fukuyama, que ficou famoso pela tese de que a democracia liberal se universalizaria como melhor forma de governo, alertava contra os perigos do populismo nacionalista e afirmava que «Bolsonaro é uma ameaça à democracia». Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/bolsonaro-e-uma-ameaca-a-democracia-diz-francis-fukuyama.shtml.
6 Ver David Runciman. «Talvez este seja o fim do Estado moderno», diz professor de Cambridge. «Folha de São Paulo», 21.01.2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/01/1951709-estamos-assistindo-ao-fim-do-estado-moderno-diz-professor-de-cambridge.shtmlVer também Runciman, 2018.
7 Disponível em: http://fundacaofhc.org.br/iniciativas/debates/Ha-um-declinio-global-das-democracias-mesa-redonda-com-larry-diamond. Ver também Castells, 2018, que analisa fenômenos tais como: a crise da representação política, a política do medo, a nova rebelião das massas e os perigos da desunião europeia.
8 Andriola, 2014; Benoist, 2017.
9 Indo, como sempre, contracorrente Steven Pinker, professor em Harvard, é um dos poucos estudiosos que defendem a tese de que não há um declínio da democracia (Pinker, 2018). Ver: Steven Pinker escreve sobre vantagens do sistema político ocidental. Em artigo com Robert Muggah, linguista afirma que a capacidade de resistência da democracia é motivo de otimismo: «Folha de São Paulo», 22.04.2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/steven-pinker-escreve-sobre-vantagens-do-sistema-politico-ocidental.shtml.
10 Bobbio, 2000a; 2000b.
11 Bobbio, 1983: 56.
12 Bobbio, 2004: 51.
13 Bobbio, 2000a: 39.
14 Ibidem: 65.
15 Bobbio, 1983.
16 Bobbio, 2000a: 51.
17 A propósito da ascensão do neoliberalismo Bobbio afirmava em O futuro de democracia (2000: 141): «A insídia é grave. Não está em jogo apenas o estado do bem-estar, quer dizer, o grande compromisso histórico entre o movimento operário e o capitalismo maduro, mas a própria democracia».
18 Bobbio, 2000a: 54-55.
19 Associação de partidos de esquerda latino-americanos.
20 Referência ao Duque de Caxias patrono do exército brasileiro.
22 Ferreira, 2014.
23 Portinaro, 2011.
24 Tosi-Silva, 2014: 41-62.
25 Seja-me permitido ressaltar o papel exercido no resgate da memória pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB, que traduziu do italiano e publicou os anais das quatro sessões do Tribunal Russell II, realizadas nos anos setenta em Roma e Bruxelas, pela Fundação Lelio Basso. Os livros podem ser encontrados no site: www.cchla.ufpb.br/ncdh.
26 «Presidente do STF diz que prefere chamar ditadura militar de “movimento de 1964”». Portal IG São Paulo 01.10.2018. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2018-10-01/dias-toffoli-movimento-de-1964.html.
27 «Bolsonaro nega ditadura e diz que regime viveu probleminhas»: «Folha de São Paulo», 27.03.19. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/nao-houve-ditadura-teve-uns-probleminhas-diz-bolsonaro-sobre-regime-militar-no-pais.shtml.
28 Agamben, 2004; Teles-Safatle, 2010; Tosi, 2017.
29 «Governo Militar: Bolsonaro nomeia mais de cem militares para cargos no governo» («Zero83», 03.03.2019). «Governo Bolsonaro terá mais ministros militares do que em 1964» («De Fato. Rondônia», 16.12.2018. Disponível em: https://defatorondonia.com.br/2018/12/16/governo-bolsonaro-tera-mais-ministros-militares-do-que-em-1964/.
30 «Comunismo», no contexto atual do debate ideológico brasileiro, é um conceito vago e indefinido que abrange muitos significados: remete ao «inimigo» histórico dos tempos da ditadura militar e da guerra fria, em um novo contexto totalmente diferente, passados mais de 30 anos da queda do muro de Berlim e do fim da ditadura militar no Brasil; e serve para condenar e demonizar qualquer coisa que possa se assemelhar a um pensamento de esquerda, que ameace os «valores tradicionais»: Deus, a família e a propriedade.
31 O então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowsky que presidiu a sessão do impeachment afirmou posteriormente que foi um «tropeço da democracia». Rede «Brasil Atual», 20.09.2016. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/09/impeachment-foi-tropeco-da-democracia-diz-lewandowski-8618/.
32 Ver: Luigi Ferrajoli, Uma agressão Judicial à democracia brasileira: «Lula. Estamos diante do que Cesare Beccaria, em Dos delitos e das penas, chamou de “julgamento ofensivo”, em que “o juiz”, em vez de “pesquisador imparcial da verdade”, “se torna o inimigo do réu”» («Il Manifesto», 07.04.2018. Disponível em tradução brasileira em: https://www.ocafezinho.com/2018/04/11/ferrajoli-julgamento-e-prisao-de-lula-insultam-a-democracia-brasileira/.
33 Sobre a operação «vaza-jato», ver: «Informações do The Intercept provam o “lawfare como arma política no Brasil». Disponível em: http://www.abjd.org.br/2019/06/artigo-informacoes-reveladas-provam-o.html.
34 «Nova pesquisa Vox Populi aponta vitória de Lula no 1º turno» («Expresso», 29.05.2018). Disponível em: http://expressopb.net/2018/05/28/nova-pesquisa-vox-populi-aponta-vitoria-de-lula-no-1o-turno-veja-os-numeros/.
35 «Sérgio Moro aceita ser superministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro» («El Pais», Brasil, 01.11.2018). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/01/politica/ 1541081900_911802.html.
36 Luiz Moreira: «A judicialização da Política alcançou patamares alarmantes no Brasil: o sistema de justiça passou a tutelar todas as áreas» («Carta Maior», 3/07/2015). Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Judicializacao-da-politica/40/33978.
37 Sobre o golpe institucional e a prisão do Lula, ver: Silva, 2019; Proner; 2018; Reinholds, 2019.
38 Kerche, Feres, 2018.
39 Episódios como aquele do suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, a intimação coercitiva do Reitor de Minas Gerais e a condução coercitiva do presidente Lula são exemplos desses procedimentos ao arrepio da Lei.
40 Um fato mostra esta relação. A força-tarefa da Lava Jato atuou desde o começo em estreita ligação com as autoridades judiciárias dos Estados Unidos. Devido a essa colaboração, a justiça norte-americana condenou a Petrobrás, a empresa brasileira estatal de petróleo, a pagar 2 bilhões e meio de reais em multas; mas essas multas foram «devolvidas» aos Procuradores e Juízes da Lava-Jato e colocadas à disposição em uma conta privada, como «prêmio» por ter desvendado a corrupção da empresa. Este projeto só não for efetivado pela intervenção da Procuradoria Geral da União, e do STF que decidiram que os recursos deveriam ser colocados à disposição do Tesouro. «Com 2,5 bi em caixa, a Lava Jato se prepara para substituir o bolsonarismo, por Luis Nassif» («GGN», 5.03.2019). Disponível em: https://jornalggn.com.br/justica/com-25-bi-em-caixa-a-lava-jato-se-prepara-para-substituir-o-bolsonarismo-por-luis-nassif/.
42 Ver o relatório da Anistia Internacional de 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/anistia-internacional-aponta-que-58-defensores-de-direitos-humanos-foram-mortos-em-2017-no-brasil.ghtml. Acesso em 28 de fevereiro de 2019.
43 Franco, 2019.
44 Rancière, 2014.
45 Nos dias 26 e 27 de maio de 2019, 56 presos foram mortos em várias penitenciárias da cidade de Manaus, na Amazônia, em uma luta interna entre facções que aconteceu na completa indiferença e omissão das forças de segurança. No ano de 2017, houve em Manaus outro massacre de 56 presos em uma luta entre facções criminais. Fatos como esses estão se tornando corriqueiros no sistema penitenciário brasileiro, na indiferença das autoridades e da população que segue o ditado «bandido bom é bandido morto». «40% dos mortos em massacres em Manaus eram presos provisórios, diz governo do Amazonas» («Planetário», 04.06.2019). Disponível em: https://radioplanetario.com/blog/2019/06/04/40-dos-mortos-em-massacres-em-manaus-eram-presos-provisorios-diz-governo-do-amazonas/.
46 «Pacote anticrime de Moro não é um projeto de segurança pública, avalia Lenio Streck» («Jornal GGN», 14/02/2019). Disponível em: https://jornalggn.com.br/justica/pcc-cv-e-milicias-ganham-status-legislativo-moro-da-bois-aos-nomes-por-lenio-streck/.
47 O presidente assinou em janeiro de 2019 um Decreto Lei que amplia a posse e o porte de armas para algumas categorias, por exemplo os proprietários rurais, ao mesmo tempo em que o Ministro da Justiça e da Segurança Sergio Moro apresentou um Projeto de lei sobre o mesmo tema, que está em discussão no Congresso. Ver: «Decreto sobre posse de armas de Bolsonaro é «inconstitucional», diz órgão do MPF («El Pais», 18.01.2019). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/18/politica/1547836836_214017.html.
48 «Letalidade policial no Brasil já é alta, e tende a aumentar com projeto de Moro» («El Pais», Brasil, 4.02.2019). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/04/politica/1549309490_990004.html.
«Letalidade policial aumenta 20% no ano; Rio tem maior número de casos» («Estadão», 10/08/18). Disponível em: https://www.noticiasaominuto.com.br/justica/634404/letalidade-policial-aumenta-20-no-ano-rio-tem-maior-n-de-casos.
49 Durante o processo eleitoral de 2018 houve um distanciamento e isolamento dos blocos políticos, que passaram a funcionar separadamente como «currais eleitorais digitais». Ver: https://catracalivre.com.br/criatividade/ferramenta-mostra-quais-sao-os-amigos-que-seguem-bolsonaro-no-facebook/.
50 «Lula e Dilma serão os primeiros “julgados” na Comissão de Anistia, informa Damares». Blog do Esmael. Publicado em 03/04/2019. Disponível em: https://www.esmaelmorais.com.br/2019/04/lula-e-dilma-serao-os-primeiros-julgados-na-comissao-de-anistia-informa-damares/.
51 Duas medidas recentes chamam a atenção: o fechamento através de decreto presidencial de dezenas de Conselhos de Direitos, instrumentos de democracia participativa criados nos governos do PT; e o cancelamento do «Pacto Universitário pelos Direitos Humanos», assinado entre o Ministério da Educação (MEC) e 333 instituições, entre Universidades e Organizações não Governamentais, para promover projetos de ensino, pesquisa e extensão em direitos humanos. Ver: «Decreto de Bolsonaro pode pôr fim a conselhos de participação civil» Ricardo Galhardo, «O Estado de S. Paulo», 13 de abril de 2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,decreto-de-bolsonaro-pode-por-fim-a-conselhos-de-participacao-civil,70002789906. «MEC abandona pacto de direitos humanos que envolvia mais de 300 universidades» («Último Segundo - iG»). Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2019-05-14/mec-abandona-pacto-de-direitos-humanos-que-envolvia-mais-de-300-universidades.html.
52 Pesquisa Pulso Brasil, IPSOS, 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44148576.
53 Bedin-Tosi, 2018.
54 «Bolsonaro afirma que o Brasil é um Estado cristão e não laico» («Blastingsnews», por Andressa Cavalcante, 11.02.2017). Disponível em: https://br.blastingnews.com/politica/2017/02/bolsonaro-afirma-que-o-brasil-e-um-estado-cristao-e-nao-laico-001463979.html. Essas afirmações foram feitas quando Bolsonaro era deputado. Após tomar posse, o discurso mudou parcialmente para não confrontar diretamente a Constituição brasileira, mas manteve a mesma ideologia: «O Estado é laico, mas eu sou cristão», diz Bolsonaro ao propor ministro evangélico para o STF. FORUM. 31.05.2019. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/o-estado-e-laico-mas-eu-sou-cristao-diz-bolsonaro-ao-propor-ministro-evangelico-para-o-stf/.
55 «Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã», diz Damares ao assumir Direitos Humanos Nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos é pastora evangélica e já disse que família brasileira «corre riscos» em razão do Plano Nacional de Direitos Humanos. Por Fernanda Vivas, TV Globo 02/01/2019. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/02/estado-e-laico-mas-esta-ministra-e-terrivelmente-crista-diz-damares-ao-assumir-direitos-humanos.ghtml.
56 «Bolsonaro decreta fim das faculdades de Filosofia e Sociologia: Objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato». Enquanto os filhos - e ele próprio - são doutrinados pelo «filósofo» Olavo de Carvalho, Bolsonaro decreta fim dos estudos de humanas alegando que a educação deve servir para ensinar «leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa» («FORUM», 26.04.2019). Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/bolsonaro-decreta-fim-das-faculdades-de-filosofia-e-sociologia-objetivo-e-focar-em-areas-que-gerem-retorno-imediato/.
57 «As milícias, Marielle Franco e o governo Bolsonaro» («Poliarquia», 05/06/2019). Disponível em: http://poliarquia.com.br/2019/06/05/as-milicias-marielle-franco-e-o-governo-bolsonaro/.
«Caso Queiroz volta a assombrar Flávio Bolsonaro com quebra de sigilo bancário» («El Pais», Brasil, 13.05.2019). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/14/politica/1557788865_536312.html.
58 Schwarcz, 2019; Souza, 2019.
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Notizia bibliografica

Giuseppe Tosi« A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil »Teoria politica. Nuova serie Annali, 9 | 2019, 227-249.

Notizia bibliografica digitale

Giuseppe Tosi« A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil »Teoria politica. Nuova serie Annali [Online], 9 | 2019, online dal 26 mai 2020, consultato il 27 mai 2020URL: http://journals.openedition.org/tp/827
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AUTORE

Giuseppe Tosi

Universidade Federal da paraíba, pinuccio@uol.com.br.