Luiz
Bernardo Pericás é eleito Intelectual do Ano e recebe Juca Pato 2016
08/09/2016
A União Brasileira de Escritores (UBE)
acaba de anunciar que o historiador e autor da Boitempo Luiz Bernardo Pericás é o vencedor do Troféu Juca Pato de 2016,
o mais importante prêmio intelectual do país.
Professor de história contemporânea da
Universidade de São Paulo, Pericás foi indicado ao prêmio por sua mais recente
obra, Caio Prado Júnior: uma biografia política,
aclamada nacionalmente pela crítica e academia.
Diz a nota
oficial divulgada hoje pela União Brasileira dos Escritores:
“O Prêmio
contempla a extraordinária obra de Pericás sobre a trajetória do historiador
Caio Prado Júnior, fundador da UBE e ele próprio recipiente do Prêmio Juca Pato
(em 1966), intitulada como Caio Prado Júnior: uma biografia política,
publicado pelo selo Boitempo Editorial.
A obra do autor
é fruto de anos de pesquisa. Traz um relato impecável e multifacetado do
historiador, escritor, geógrafo, militante e intelectual político de esquerda,
Caio Prado Júnior, que abdicou de suas origens aristocráticas em favor de seus
ideais políticos. Perseguido e preso durante a Ditadura Militar, iniciada com o
golpe de 1964, implementou no Brasil, pioneiramente, a tradição historiográfica
marxista.
Luiz Bernardo
Pericás explora de forma impecável o percurso de Caio Prado Júnior, em uma obra
que resgata minuciosamente a trajetória política do militante. A construção
literária traz ao leitor uma perspectiva implacável da contribuição de um dos
maiores intelectuais brasileiros ao processo da formação histórica brasileira.”
O Juca Pato concedido ao Intelectual do Ano
tem forte vocação social e política por prestigiar personalidades que tenham se
destacado em qualquer área do conhecimento. Criado em 1962, já foi atribuído a
alguns dos maiores pensadores e escritores brasileiros, como o próprio Caio
Prado Júnior, Erico Verissimo, Jorge Amado, Sérgio Buarque de Holanda, Carlos
Drummond de Andrade, Antonio Candido, Lygia Fagundes Telles, entre outros.
A entrega
oficial do Troféu será feita pelo presidente da União Brasileira de Escritores
(UBE), Dr. Durval de Noronha Goyos Jr., no dia 06 de outubro em cerimônia
solene na Academia Paulista de Letras, em São Paulo.
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Leia o discurso de Caio Prado Junior no recebimento do prêmio Juca
Pato em 1967
O próprio Caio
Prado Júnior recebeu o Prêmio Juca Pato em 1967
“Meus amigos:
Muito agradeço a honra que me foi concedida com a láurea de Intelectual do Ano
de 1966. Agradecimento este, bem entendido, e faço a restrição, no que me toca
a mim pessoalmente, porque bem sei que não é unicamente, nem mesmo
principalmente à minha pessoa que se dirige a homenagem. E sim ao princípio que
por circunstâncias ocasionais eu neste momento represento. Princípio este que
se destaca no traço comum que os une os laureados em anos anteriores: Santiago
Dantas, Afonso Schmidt, Tristão de Athaíde, Cassiano Ricardo, tão divergentes
entre si em opiniões, posições filosóficas e obra realizada, mas igualados num
característico comum que os une e que constitui sem dúvida o princípio que a
honrosa láurea do Intelectual do Ano tem por objetivo distinguir. Refiro-me ao
intelectual atuante, ao homem de pensamento que não se encerra em torre de
marfim, e daí contempla sobranceiro o mundo. E sim aquele que procura colocar a
serviço da coletividade em que vive e da qual efetivamente participa.
E é justo o
critério que norteia a concessão do prêmio Juca Pato, pois é sobretudo de
homens de pensamento, que sejam também homens de ação, que o Brasil necessita.
E necessita hoje mais do que nunca, neste momento que vivemos, quando parecem
coincidir um máximo de necessidades e aspirações do povo brasileiro, a exigirem
amplos horizontes e perspectivas, com o projeto, bem marcado e abertamente
proclamado pelas atuais forças dominantes no país, de limitar aquelas
perspectivas e encerrá-las na tutela de um estreito horizonte.
Realmente, não é
outra, e não pode ter outro sentido, a fórmula político-filosófica que orienta
a presente situação brasileira. Pois não põe ela a sua grande e principal
ênfase na segurança nacional, erigidas em princípio diretor da política e
administração pública? O que pode significar esta “segurança nacional” elevada
do simples nível de procedimentos policiais, para o plano da filosofia
política, senão a consagração do imobilismo econômico, social e político?
E isso se propõe
precisamente quando, à vista de todos e tão claramente, se apresenta a
necessidade, e necessidade premente e inadiável, de reformas, e reformas
profundas. Esta é a evidência e somente não vê o pior dos cegos, aquele que não
quer ver. Eu diria mesmo que, mais do que reformas apenas, é de novos rumos que
precisa o Brasil, novos rumos que façam dele, num futuro previsível, um país
moderno efetivamente integrado no nível material e cultural de nossos dias.
Na verdade, e
infelizmente, estamos muito longe disso. Não somos apenas “subdesenvolvidos”,
ou se preferirem, e como querem alguns economistas e sociólogos que procuram
disfarçar com palavras a realidade, não somos apenas um país “em
desenvolvimento”. Não é só quantitativamente que nos distinguimos dos países e
povos que se acham na vanguarda do mundo contemporâneo. A diferença é também, e
sobretudo, “qualitativa”. E tanto isso é verdade que, relativamente, e em
termos comparativos, não estamos avançando, mas antes recuando. Há cinqüenta
anos ainda poderíamos figurar, muito modestamente embora, no concerto das
nações civilizadas, isto é, vivendo no nível da cultura então atingida. Hoje é
difícil afirmá-lo. Já não nos enquadramos mais nesse mundo da cibernética, da
automação,
da libertação
progressiva do homem de todo esforço físico e mesmo de boa parte do mental.
Temos uma fachada, não há dúvida, que apresenta certo brilhantismo. Mas é uma
tênue fachada apenas, que disfarça muito mal, para quem procura verdadeiramente
enxergar, e não tenta iludir-se, o que vai por detrás dela neste imenso país de
desnutridos, doentes e analfabetos. E, quando muito, semi-analfabetos que
vegetam, mais que vivem, em padrões materiais e culturais que a parcela da
Humanidade realmente civilizada já há muito não conhece mais.
Todos aqueles
que não ignoram o Brasil, o verdadeiro Brasil da grande, da imensa maioria, que
não é este dos principais centros urbanos, e direi mesmo, de alguns setores
apenas destes grandes centros, todos estes sabem que não exagero. E não preciso
insistir em dados estatísticos e outros índices bastante conhecidos, para
situar o Brasil naquela parte da humanidade que tão longinquamente se aparta do
que constitui os verdadeiros padrões de civilização contemporânea. Não serão
por certo esses pobres arremedos de indústria moderna, das comunicações –
correios, telégrafos e telefones que não funcionam –, estas nossas metrópoles
que são inundadas e se desmancham com a chuva de todos os anos; e no terreno da
cultura, estes espectros que são as Universidades e nosso pobre aparelhamento
de ensino e de pesquisa em geral, não é isso certamente que nos concederá foros
de país no nível dos grandes centros modernos ou deles se aproximando.
Para nos
considerarmos da mesma ordem de grandeza, e tão somente “mais atrasados e menos
desenvolvidos”, mas não qualitativamente diferentes, para isso precisamos de
muito mais e, essencialmente, de uma sólida base sobre que assentar nossa
nacionalidade, e que vem a ser uma população liberta da miséria física e
cultural, e capacitada, no seu conjunto, para usufruir alguma coisa do conforto
e bem-estar que a ciência moderna proporciona.
Como chegar a
isso? Eis nosso grande e realmente único problema fundamental e essencial.
Podemos divergir com relação à maneira de resolvê-lo, e mesmo de o abordar. Mas
num ponto concordarão certamente todos aqueles que estejam de boa-fé e sejam
capazes de superar interesses e vaidades particularistas e imediatistas. E essa
convergência de opiniões vem a ser, assim penso, que não conservando o “status
quo”, a saber, uma sociedade impulsionada unicamente pelo interesse privado e
pelo lucro nos negócios, e estruturada na base da riqueza e da habilidade no
manejo dos mesmos negócios, não é conservando isso intacto que se transformará
o Brasil.
A tarefa é
grande demais para que uma linha de desenvolvimento traçada unicamente pelo
choque de interesses privados e afirmações individualistas logre superar o retardo
em que ficamos relativamente aos níveis e padrões do mundo moderno. Essa é a
ilusão de muitos que, embora de boa fé, se informam unicamente no grande
progresso realizado pela livre iniciativa privada na Europa Ocidental e
sobretudo nos Estados Unidos no correr do século passado e primeira parte do
atual. Ilusão que consiste em julgar que poderemos, de hoje para o futuro,
reproduzir aquela façanha. Mas os tempos, tanto como as situações, são outros.
Os métodos também devem ser outros.
Quais são eles?
Não é agora o momento para discutir um ponto como este, altamente polêmico, e
onde opiniões divergem largamente. Mas aquilo em que todos estarão de acordo,
todos aqueles pelo menos que desejam procurar e encontrar novas perspectivas
para o Brasil, é que não é permissível interromper e eliminar aquela discussão
e reduzir as diretrizes da vida brasileira à luta contra a corrupção, a
subversão e a instabilidade da moeda; e pautá-la por reformas ditadas por
tecnocratas, ou que se julgam tais, encerrados em seus gabinetes ministeriais e
Escolas privilegiadas.
A corrupção e a
subversão são sintomas do mal-estar geral que vai pelo país. E sintomas se
combatem pelas causas profundas que os ocasionam. A corrupção, em especial, é
da essência do nosso regime. Quando, como se dá entre nós, a riqueza é elevada
ao plano do mais alto e prezado valor social, e que tudo justifica, como
impedir que a aquisição dessa riqueza se faça por todos os meios e modos
possíveis, sejam eles quais forem, e inclusive pela corrupção? Numa sociedade
como a nossa em que a corrupção e a ausência de princípios éticos se acham
institucionalizadas e entronizadas nas relações privadas, porque elas são,
podemos dizer, da essência do “negócio” que regula essas relações, como
impedir, pergunto, que elas contaminem também as relações públicas? Entre
negócio e negociata não há nenhuma separação absoluta; e sim, entre os
extremos, um terreno indefinido e neutro onde se faz muitas vezes extremamente
difícil, e frequentemente impossível, distinguir entre lícito e ilícito.
No que se refere
à subversão, em cujo combate se inspira outra das normas fundamentais da
presente situação política, há que preliminarmente introduzir clareza nos
termos. Não é por certo subversão que implica a derrubada do governo que se trata,
porque de outra forma, como bem disse um dos próceres da situação atual, o
General Mourão, “subversivos” seriam todos os atuais detentores de poder e os
demais que os acompanharam e secundaram nos dias idos de 1964.
Não se trata
pois de subversão, e sim do descontentamento e não-conformismo daqueles que
aspiram introduzir modificações na ordem atual. Mas esse descontentamento e
não-conformismo que tem hoje no Brasil, como todos sabem e sobretudo sentem
muito bem, raízes profundas, não se eliminam com simples medidas policiais, sob
pena de se abafarem pelo terror todas as aspirações e inquietudes que
constituem o fermento natural e necessário de toda renovação e de todo
progresso social e humano.
Sobra, como
último elemento da atual filosofia política dominante em nosso país, aquilo
que, na falta de outra designação mais expressiva, eu chamaria de “tecnocracia
economicista”. Todos que me ouvem já sabem aquilo a que me refiro. Trata-se de
resolver os problemas brasileiros por modelos econômicos e outras fórmulas
misteriosas somente acessíveis, no fundo e na forma, aos iniciados. Mas
esquece-se aí que estão em jogo, no caso, fatos sociais, humanos, e que neste
terreno que é o do comportamento de seres racionais, e não de objetos físicos,
a solução de problemas que se hão de traduzir em ações conscientes implica a
determinação de indivíduos livres, e não se consegue portanto sem o consenso
destes mesmos indivíduos.
Quanto ao setor
mais “humanista” dessa política tecnocrática, ela se exprime muito bem na afirmação
do Sr. Presidente da República, quando ainda candidato e dirigindo-se em
discurso às classes produtoras do Rio de Janeiro: do que se trata é fazer que
“os ricos sejam mais ricos, para que os pobres sejam menos pobres”. Fórmula
esta que lembra um outro pensamento muito difundido na geração que chegava a
seu ocaso em princípios do século, e que assim se expressava: “Que seriam dos
pobres se não fossem os ricos que lhes proporcionam empregos?”
A teoria em que
se inspiram nossos economistas ortodoxos de maior projeção, e que faz consistir
o desenvolvimento, o progresso e as soluções sociais no ritmo dos investimentos
privados, traduz em termos técnicos aquele pensamento de nossos avós.
É isso em suma
que impera no Brasil oficial de hoje. E é contra tudo isso, que significa o
imobilismo do passado, que se há de acender a fagulha de um pensamento vivo e
renovador capaz de abrir aquelas perspectivas e horizontes a que eu me referia
no início destas minhas palavras. Este papel dos homens de pensamento, daqueles
que tiveram o privilégio de encontrar na sua formação as circunstâncias
favoráveis necessárias para o manejo das ideias, para a apreensão dos
sentimentos e da consciência difusos na coletividade, a fim de os expressarem
em pensamento sistematizado e em normas adequadas de ação coletiva,
E é isso, estou
seguro, é esse tipo de homem de pensamento e intelectual que se homenageia com
o Prêmio Juca Pato. E é por isso que tanto mais me sinto honrado e me confesso
grato, por me considerarem, com o prêmio que ora recebo, representativo desse
tipo de intelectual.
Muito obrigado.
— Caio Prado
Júnior, 28 de março de
1967.
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Sobre a obra
Resultado de extensa pesquisa documental, Caio Prado Júnior: uma biografia política,
de Luiz Bernardo Pericás, ilumina a trajetória de um dos maiores intérpretes da
realidade brasileira. Figura emblemática no desenvolvimento do marxismo nas
Américas, Caio Prado se tornou conhecido tanto pela originalidade de seu
pensamento quanto pela militância política, que o levou a atuar na Aliança
Nacional Libertadora (ANL) e no Partido Comunista do Brasil (PCB). Seu esforço
para entender a condição periférica do país em relação a outras economias e sua
preocupação constante com a elevação material, cultural e de consciência
política das massas fez com que escrevesse livros como Formação do Brasil
contemporâneo, cuja tese “Sentido da colonização” consta como marco na
historiografia nacional.
Neste livro, baseado na leitura minuciosa
de centenas de documentos (muitos deles inéditos), Pericás mostra como o
ativismo repercutiu na vida e na obra de Caio Prado Júnior, indo das primeiras
leituras às viagens para o exterior (inclusive para os países socialistas), do
golpe de 1964 aos debates sobre a revolução brasileira, do breve exílio no
Chile ao retorno seguido de encarceramento, chegando por fim ao legado de seu
ideário para a esfera pública. O autor ainda discute aspectos teóricos da obra
caiopradiana e elementos de seu pensamento.
“A trajetória de Caio Prado Júnior se
confunde com a do Brasil do século XX. Como importante personagem de nosso
país, muito já se escreveu sobre ele. Ainda assim, vários aspectos de sua vida
e de seu pensamento foram pouco explorados ou discutidos. Detalhes de suas
relações políticas, leituras, viagens aos países socialistas e avaliações sobre
alguns temas candentes de sua época permanecem desconhecidos do grande público.
A biografia política escrita por Luiz Bernardo Pericás, um estudo de fôlego
sobre o intelectual paulista, vem a suprir essa lacuna.”
– Bernardo Ricupero
Sobre Luiz
Bernardo Pericás
Luiz Bernardo Pericás é formado em História
pela George Washington University, doutor em História Econômica pela USP e pós-doutor
em Ciência Política pela FLACSO (México), onde foi professor convidado, e pelo
IEB/USP. Foi também Visiting Scholar na University of Texas at Austin e
Visiting Fellow na Australian National University, em Camberra. Tem livros e
artigos publicados em diversos países, como Argentina, Estados Unidos, Peru,
Itália, Espanha, Argentina e Cuba. É autor de Mystery Train (São Paulo,
Brasiliense, 2007) e do romance Cansaço, a longa estação (São Paulo,
Boitempo, 2012; adaptado recentemente para o teatro), entre outros. Recebeu a
menção honrosa do Prêmio Casa de las Américas em 2012 por seu livro Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica
(São Paulo, Boitempo, 2010). Ganhador do Prêmio Ezequiel Martínez Estrada, da
Casa de las Américas (2014), pelo livro Che Guevara y el debate económico en
Cuba. É professor de História Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Membro do conselho editorial da revista da Boitempo, a Margem Esquerda, e colunista mensal do Blog da Boitempo, Pericás organizou também em 2014
o monumental Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados (Boitempo), em conjunto com o
historiador Lincoln Secco. .
Troféu Juca
Pato
Desde sua criação, o Juca Pato consagra
autores de estudos e reflexões sobre o país e é uma das nossas mais importantes
premiações intelectuais. O Intelectual do Ano não é um prêmio literário, mas
uma láurea conferida a personalidade que, tendo publicado livro de repercussão
nacional no ano anterior, tenha se destacado em qualquer área do conhecimento e
contribuído para o desenvolvimento e prestígio do país.
O troféu, que já contemplou renomados
pensadores e escritores brasileiros, foi criado por proposta do escritor Marcos Rey, um dos fundadores e então
vice-presidente da UBE. É uma réplica do personagem Juca da Silva Pato, criado
pelo jornalista Lélis Vieira e eternizado na caricatura feita pelo ilustrador e
chargista Benedito Carneiro Bastos Barreto, o popular Belmonte.