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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Taxar os super ricos? Pois não, eles estão esperando graciosamente: o projeto de Fernando Haddad para o G20 - Maurício David

Primeiro a notícia: 

Haddad diz que irá propor taxação global de super-ricos durante reunião do G-20

Segundo ministro da Fazenda, governo também quer contribuir para o debate sobre a dívida global, dando um papel mais central às perspectivas dos países devedores

SÃO PAULO E BRASÍLIA - O Brasil vai aproveitar a reunião de ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais de países integrantes do G-20 na próxima semana para propor um modelo de taxação global dos super-ricos, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao jornal O Globo.

“Vamos colocar na mesa uma proposta de tributação dos super-ricos, baseada nas melhores pesquisas disponíveis”, afirmou Haddad. “A agenda de tributação da riqueza e da progressividade sobre a renda são essenciais para enfrentar os entraves econômicos da desigualdade e promover o crescimento econômico sustentável.”

O tema, segundo o ministro, será o foco da terceira sessão do encontro. “Ainda não posso entrar em detalhes sobre a proposta que apresentaremos, mas posso confirmar que continuaremos a defender a bandeira de tributação progressiva no G-20″, disse.

Na primeira sessão, a expectativa é focar o debate na desigualdade, enquanto a segunda sessão será dedicada ao estado da economia global.

A quarta sessão do encontro será sobre dívida e financiamento ao desenvolvimento dos países. De acordo com Haddad, a expectativa é que o Brasil possa contribuir com essa discussão. “Também queremos dar uma contribuição positiva ao debate sobre dívida global, dando pela primeira vez um papel mais central às perspectivas dos países devedores”, afirmou.

O ministro disse que também pretende “colocar em evidência” distorções que precisam ser corrigidas em conselhos de instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. 

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Agora o comentário do amigo Maurício David: 

O besteirol de Lula contagia o seu Ministro da Fazenda... Alguém acredita nas bravatas do Ministro da Fazenda do Brasil achando que o Brasil pode capitanear uma frente dos países devedores para “peitar” o sistema financeiro internacional ? No princípio dos anos 80 (do século passado, Dios mio !...) organizei na PUC do Rio um simpósio para discutir os problemas da dívida externa brasileira na qual um dos palestrantes presentes (já me lembro quem foi, mas era um personagem do mundo acadêmico que propôs que os países devedores organizassem uma frente para “peitar” o FMI, o Banco Mundial e os sistema financeiro internacional (os odiados bancos...). Na ocasião, entrevistado pelo jornal O Globo, critiquei a proposta utópica dizendo que ela sonhava com a criação de um “cartel dos devedores” que foi a manchete principal do O Globo e outros jornais no dia seguinte... Para que dizer que a tal proposta do cartel terminou na lata do lixo... Parece que no Brasil nada se aprende... E não é que agora o Fernando Haddad ecoa o besteirol do seu chefe tabajara Luís Inácio Lula da Silva – que se visualiza arrogantemente como o chefe internacional de um hipotético “Sul Global”- para embarcar novamente em uma proposta tresloucada e, por consequencia, inviável de uma fronda dos devedores... 

Cada vez mais me convenço de que este governo não chegará a bons termos, vítima não de um golpismo imaginário, mas sim de uma incompetência para além do imaginável...

MD


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Luiz Jorge Werneck Vianna, obituários (enviados por Maurício David)

 O diabo anda solto... Só nesta semana 3 grandes intelectuais ( Affonso Celso Pastore, Mauro Boyanovsky e Werneck Vianna) foram retirados do nosso convívio intelectual... O que nos restará se não revisitar as suas contribuições para a interpretação do nosso Brasil contemporâneo ? Do Werneck (como chamávamos os seus amigos e companheiros de luta...) guardo a convivência no exílio no Chile, apesar de ter sido um período em que êle passou por muitas dificuldades de adaptação (tanto que resolveu voltar abruptamente ao Brasil, o que o levou a ser preso tão logo chegou. Foi acolhido então por Francisco Weffort – que viria a ser Secretário Geral do PT e, posteriormente, Ministro da Cultura dos governos do Fernando Henrique, de quem era grande amigo,  e pelo próprio FHC, no CEBRAP). Werneck foi sempre um militante intelectual dedicado, um homem de Partido, sem perder jamais a ternura... Agora que se foi logo após a morte do Weffort e que o Fernando Henrique vive os seus momentos finais de vida, como seria bom que existisse uma vida após a morte (coisa de quer estou cada vez mais cético...) para que pudéssemos ter a esperança de trocar algumas idéias nos espaço celestial, caso houvesse uma vida futura...

Mauricio David


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Luiz Carlos Azedo - Werneck Vianna, intérprete do Brasil contemporâneo 

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Correio Braziliense

Difusor do pensamento gramsciano no Brasil, produziu ensaios que servem de referência para o estudo do liberalismo, do Judiciário e da nossa modernização conservadora

O sociólogo carioca Luiz Jorge Werneck Vianna faleceu, nesta quarta-feira, aos 85 anos. Fez parte de uma geração de artistas e intelectuais que formou o pensamento crítico da esquerda brasileira nas décadas de 1960, 1970 e 1980, entre os quais, destacam-se Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro, Walter Lima Jr., Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Ferreira Gullar, Leon Amoedo, Tereza Aragão, Zuenir Ventura, Milton Temer, Norma Pereira Rego, Leandro Konder, Darwin Brandão, Marilia Kranz, Ziraldo, Jaguar, Albino Pinheiro, Ferdy Carneiro, Hélio Oiticica e Hugo Bidet, Hugo Carvana, Paulo Góes, Vergara, Carlinhos Oliveira, Zózimo Amaral, Tom Jobim, Carlos Lira, Vinicius do Moraes e Oduvaldo Viana Filho.

Residentes no Rio de Janeiro, em sua maioria, formavam a chamada República de Ipanema. Apesar da influência do antigo PCB no meio cultural carioca, muitos não eram comunistas e tinham profundas divergências com os militantes do setor cultural do velho Partidão, do qual Werneck fez parte. Com raízes familiares na aristocracia cafeeira fluminense, Werneck Vianna foi criado em Ipanema e estudou nos melhores colégios da Zona Sul carioca, mas teve trajetória rebelde, influenciado por autores como Monteiro Lobato, Eça de Queiroz, Fiódor Dostoiévski e Miguel de Cervantes.

Em 1958, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Estado da Guanabara (atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Uerj), concluindo o curso em 1962. Em 1967, graduou-se em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e, dois anos após, ingressou na primeira turma de mestrado do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Sua trajetória acadêmica, porém, foi interrompida na década de 1970, por cinco inquéritos policiais-militares, que o levaram a se exilar no Chile.

Retornou do exílio um ano após. Ao chegar, foi detido por seis meses. Acolhido em São Paulo por Francisco Weffort, seu orientador no doutorado em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), começou a trabalhar no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), fundado em 1969, com financiamento da Fundação Ford, por professores da Universidade de São Paulo (USP) afastados pelo regime militar, entre os quais, Boris Fausto, Elza Berquó, Fernando Henrique Cardoso, Francisco de Oliveira, José Arthur Giannotti, Octavio Ianni, Paul Singer e Roberto Schwarz.

Em 1974, com outros intelectuais que estudavam O Capital, de Karl Marx, como Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho, foi aluno de Anastacio Mansilla na Escola de Quadros do PCUS. No mesmo ano, de volta ao Brasil, foi um dos redatores do programa político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1975, fugindo da repressão ao PCB em São Paulo, retornou ao Rio de Janeiro e, escondido na casa do dramaturgo Paulo Pontes, companheiro da época de CPC, escreveu sua tese de doutorado: Liberalismo e sindicato no Brasil (Paz e Terra, 1976).

Modernização autoritária

Por três décadas, Werneck foi professor do Iuperj e, durante o biênio 2003-2004, presidiu a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Encerrou sua carreira acadêmica como professor de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Um dos grandes responsáveis pela difusão do pensamento gramsciano no Brasil, no rastro do jornalista Luiz Mario Gazzaneo, produziu ensaios que servem de referência para o estudo do pensamento social brasileiro, principalmente o liberalismo, do papel do Judiciário e da modernização do Brasil.

Destacam-se entre seus trabalhos, pela atualidade: A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil, com Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palacios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos (Revan, 1999); Esquerda brasileira e tradição republicana: estudos de conjuntura sobre a era FHC-Lula (Revan, 2006); Uma sociologia indignada — Diálogos com Luiz Werneck Vianna, de Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Ed. UFJF, 2012); Modernização sem o moderno: análise de conjuntura na era Lula (Contraponto/Fundação Astrojildo Pereira) e Diálogos gramscianos sobre o Brasil (Fundação Astrojildo Pereira, 2018).

Liberalismo e Sindicato no Brasil é um esforço de compreensão das profundezas da nossa “modernização conservadora”, no contexto das obras de Simon Schwartzman, Florestan Fernandes (1975) e José Murilo de Carvalho (1980). Estudou o liberalismo numa sociedade marcada pelo escravismo e pelo patrimonialismo. Sua tese de que a modernização brasileira não significava ruptura e/ou desaparecimento das elites tradicionais, mas a renovação dessas forças, continua atualíssima.

Segundo Werneck Vianna, numa sociedade excludente e autoritária, que não incorporou os valores liberais, o caminho da modernização foi o Direito e suas instituições, em meio a rupturas e negociações entre elites. Em síntese, a modernização brasileira ocorreu e ainda ocorre em meio a negociações entre o moderno e a cultura do atraso, sem rupturas com ele, mas em compromisso. Werneck condenou a luta armada e apostou na luta política pelas liberdades e na mobilização da sociedade civil durante o regime militar; após a redemocratização, na participação política radicalmente comprometida com a democracia representativa como valor universal.

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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Morre aos 85 anos Luiz Werneck Vianna, referência na sociologia brasileira 

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Folha de S. Paulo

Referência nas ciências sociais do Brasil, acadêmico foi opositor da ditadura e um dos críticos iniciais da Lava Jato

SÃO PAULO e RIO DE JANEIRO - Morreu nesta quarta-feira (21) aos 85 anos Luiz Werneck Vianna, professor e ex-presidente da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) e referência na sociologia brasileira.

O acadêmico foi autor de livros como "Liberalismo e Sindicato no Brasil" (1976), "Esquerda Brasileira e a Tradição Republicana" (2006) e a "A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil" (1999). Foi mestre em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e doutor em sociologia pela USP.

Também era graduado em direito e foi advogado de presos políticos durante a ditadura militar. Integrante do Partido Comunista Brasileiro nos anos 1960, o sociólogo teve que ir para a clandestinidade durante o período autoritário e passou um período exilado no Chile.

Vianna foi criado no bairro de Ipanema, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, e frequentou colégios de elite, mas dizia que sua família era de "de classe média, de recursos não abundantes, também não muito escassos".

Em depoimento a centro de pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas), falou sobre a aproximação no auge da ditadura de intelectuais com o MDB, que incluía a atuação de Fernando Henrique Cardoso, também acadêmico.

"Fizemos esse programa, que foi editado um livrinho vermelho: era o programa do MDB de 74 e fomos a uma reunião em Brasília", disse ele.

A eleição parlamentar de 1974 marcou um dos principais reveses da ditadura militar.

Também no depoimento, disse que conheceu o hoje presidente Lula também naquela época, em encontro de delegados sindicais. Dizia lamentar que os grupos políticos do petista e do tucano tivessem perdido conexão.

Werneck Vianna sempre se manteve atuante no debate político do país. Mais recentemente, em 2022, escreveu que Jair Bolsonaro representava o risco real de um "fascismo –tabajara, mas fascismo– que nos ronda desde os anos 1930, derrotado por duas vezes, em 1945 e 1985, mas nunca erradicado, entranhado como está em nossa história de modernização capitalista autoritária".

Também foi crítico em suas análises sobre a Operação Lava Jato desde os estágios iniciais da investigação, classificando as autoridades como "tenentes de toga" —em referência aos jovens militares da década de 1920.

As críticas de Vianna à Lava Jato levaram o colunista da Folha Elio Gaspari a escrever em dezembro de 2016: "Werneck sabe do que fala. Conhece a história da República e traçou o melhor retrato do Judiciário nacional no seu livro 'Corpo e Alma da Magistratura Brasileira'. Durante dez anos, ajudou a aperfeiçoar os conhecimento de toda uma geração de juízes e promotores como professor da Escola da Magistratura. Sua perplexidade diante do rumo tomado pelo conjunto de iniciativas derivadas da Operação Lava Jato reflete a ansiedade de um mestre diante do tenentismo togado".

A PUC do Rio de Janeiro, onde lecionou, publicou nota de pesar afirmando que ele foi um intelectual de "grande relevância para o campo da sociologia e para a comunidade acadêmica como um todo", deixando "'marca indelével na história do pensamento social do Brasil".

"Durante sua trajetória, contribuiu de forma significativa para o avanço do conhecimento científico e para o debate público, sempre pautado pela ética, pela integridade e pelo compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e democrática."

O Hospital Copa D'Or informou que não tinha autorização para divulgar mais detalhes da morte.

A Anpocs, presidida pelo professor entre 2003 e 2004, disse que as obras dele se tornaram clássicas nos estudos sobre o país.

"Seu legado intelectual para as Ciências Sociais é inestimável, e seguirá inspirando reflexões sobre o Brasil do passado e do presente."

O Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo afirmou: "Werneck foi um dos cientistas sociais brasileiros mais importantes da sua geração. Nos seus mais variados trabalhos juntava uma perspectiva analítica e de intervenção".

"Perde a inteligência brasileira um dos seus mais ilustres representantes. Perdi um velho camarada e amigo. Meu profundo sentimento pelo falecimento do grande cidadão brasileiro, Luiz Werneck Vianna. Meus pêsames a família e seus amigos e amigas", escreveu o ex-deputado Roberto Freire, que presidiu o PCB e se tornou depois presidente do PPS, que viria a se tornar o Cidadania.

O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que o acadêmico "espalhou senso de justiça, ciência política comprometida com os explorados e inteligência crítica". "Cumpriu sua missão nessa vida. Fará falta nesses tempos de tanta indigência intelectual."

 

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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Sociólogo Luiz Werneck Vianna morre no Rio 

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Valor Econômico

Professor da PUC, ele é autor de livros como 'Liberalismo e sindicato no Brasil'

O sociólogo Luiz Werneck Vianna morreu nessa quarta-feira (21), aos 86 anos. O sociólogo estava internado no Hospital Copa D'Or, que confirmou a morte por meio de nota e informou não ter autorização para divulgar mais detalhes.

Werneck nasceu no Rio em 1938 e se formou em direito na antiga Universidade do Estado da Guanabara, atual Uerj, em 1962. Depois, graduou-se em ciências sociais pela UFRJ, em 1967.

O sociólogo militou em movimentos comunistas e atuou no Centro Popular de Cultura. Em fins de 1970, no auge da repressão do regime militar, foi perseguido e exilou-se no Chile. Retornou um ano depois ao país e foi detido por seis meses.

No Brasil, publicou uma série de livros considerados fundamentais para a sociologia brasileira, como “Liberalismo e sindicato no Brasil”.

Werneck Vianna foi colunista do Valor entre 2010 e 2011, onde escrevia semanalmente às segundas-feiras, e fazia análises do cenário político do país.

O sociólogo atuou em mais de uma dezena de instituições universitárias pelo país. Atualmente, era professor da PUC-Rio, que, em nota, lamentou a morte do sociólogo: “Luiz Werneck Vianna foi um intelectual de grande relevância para o campo da sociologia e para a comunidade acadêmica como um todo. Seu legado se estende nas orientações de muitas gerações, estudos e reflexões sobre a sociedade brasileira, onde deixou uma marca indelével na história do pensamento social no Brasil.”

Na nota, a universidade lembrou da trajetória de Werneck Vianna e sua contribuição para o “avanço do conhecimento científico e para o debate público”.

Abaixo, a íntegra da nota divulgada pela universidade.

"É com grande pesar que a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) recebe a notícia do falecimento do reconhecido sociólogo Luiz Werneck Vianna, ocorrido hoje.

Luiz Werneck Vianna foi um intelectual de grande relevância para o campo da sociologia e para a comunidade acadêmica como um todo. Seu legado se estende nas orientações de muitas gerações, estudos e reflexões sobre a sociedade brasileira, onde deixou uma marca indelével na história do pensamento social no Brasil.

Durante sua trajetória, contribuiu de forma significativa para o avanço do conhecimento científico e para o debate público, sempre pautado pela ética, pela integridade e pelo compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Sempre foi muito generoso, com seus colegas professores e alunos, tanto no sentido intelectual quanto no sentido pessoal.

Em nossa Universidade, Professor Werneck contribuiu para a consolidação do nosso Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e rapidamente se tornou uma referência em nosso Departamento de Ciências Sociais e para toda a Universidade, onde continuou lecionando até o ano passado.

Expressamos nossas condolências à família, aos amigos e aos colegas de Luiz Werneck Vianna, e manifestamos nosso reconhecimento e gratidão por sua inestimável contribuição ao saber e à cultura.

Que seu legado continue inspirando gerações futuras e que sua memória seja honrada com o compromisso contínuo pela busca do conhecimento e pela transformação social."

 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Chile: 11 de setembro de 1973, o golpe mais sangrento da AL: depoimento de Mauricio David

Recebo, de meu amigo Maurício David, este depoimento histórico sobre os acontecimentos trágicos desse dia em que o Chile também entrou em ditadura, uma das mais violentas da América Latina. Perto dela, os nossos militares foram professores de colégio, embora também tenham ocorrido episódios terríveis. Eu já tinha saído do Brasil, desde o final de 1970, ao perceber que a coisa estava ficando mais preta do que o imaginado. Estava na Bélgica, estudando (e militando contra a ditadura brasileira, e logo em seguida contra chilena, também).
Maurício e Beatriz estão muito bem: estivemos juntos em Paris, no ano passado, quando eu estava morando lá, com Carmen Lícia, dando aulas na Sorbonne.
Segue o seu depoimento.
Paulo Roberto de Almeida

Depoimento de Maurício David sobre o golpe no Chile, em 1973
(Recebido em 11 de setembro de 2013)

Recordo como se fosse hoje : a manhã daquele 11 de setembro nasceu cinzenta, como solem ser os céus de Santigo de Chile no mês de setembro. Por volta das sete da manhã, tocou o telefone : atenção, sinais de movimentos de tropas nos arrabaldes de Santiago, rumores de que o importante regimento de Los Andes (na pré-fronteira com a Argentina, a inimiga tradicional do Chile) estaria em marcha rumo a Santiago, rumores também de que a Armada havia se levantado em Valparaíso, principal base naval do país. O improvisado sistema de alerta do governo dava sinais de inquietação, mas de fato ninguém sabia de nada. Rumores deste tipo ocorriam a cada dia ou noite, nas últimas semanas...

Ainda sonolento, pulei da cama depois de mais uma noite passada em claro, montando guarda nas "oficinas" ( escritórios centrais) da CORFO, a Corporacción de Fomento de la Producción, uma espécie de BNDES chilena fundada ainda nos tempos do governo de Pedro Aguirre Cerda, o presidente eleito pela Frente Popular em 1938. Como funcionário da CORFO e membro do comando político dos trabalhadores da empresa, era rara a noite em que havia dormido em casa nas últimas semanas. Este começo de manhã havia passado em casa para tomar uma chuveirada, trocar de roupa e voltar à CORFO. Porque enquanto sonhávamos com a Revolução, havia que manter a engrenagem do governo funcionando...Desde a tentativa de golpe militar esmagada pelo General Prats a fins de julho, as "guardas" eram praticamente em sistema de revezamento não somente na CORFO como em todas as principais empresas públicas, ministérios e empresas estatizadas. Todos preparados para o golpe que viria. Na verdade, só não se sabia (doce ingenuidade da esquerda chilena...) quem daria o golpe : se a esquerda ligada ao governo, se a direita que conspirava diuturnamente. Como no filme de Bergman, através do ovo da serpente se podia ver nitidamente os contornos do embrião do monstro em gestação.

Naquela manhã do 11 de setembro - que depois se revelaria trágica, de uma tragédia de dimensão histórica...- ainda pairava no ar a esperança de que as Forças Armadas iriam se dividir. Uma ala legalista, fiel à Constituição e ao Governo, poderia se antepor aos oficiais golpistas e seus enlaces no setor civil. Assim acreditava Allende, assim acreditava parte da direção política da Unidade Popular (a coalizão de governo), assim acreditava a direção política do Partido Comunista. Que,  creiam-me !, era a força moderadora do governo. Que pregava a prudencia e procurava se antepor ao delírio que dominava avassaladoramente às forças de ultraesquerda que cercavam ao presidente Allende.

A CORFO era considerada estratégica, pois toda a política de encampação das empresas privadas de grande porte se fazia em base a resquícios legais dos anos 40, que possibilitavam ao governo requisitar ("requisicionar", de dizia em chilenês...) e passar ao controle estatal empresas privadas que estivessem sob suspeita de atuar em monopólio ou de sabotar a produção (este era o caminho legal para a implantação da via socialista, uma original contribuição chilena à transiçãos ao socialismo). Como tal, o PC chileno havia designado ao seu segundo homem na hierarquia, Orlando Millas - ex- ministro da Fazenda e experimentado dirigente político- para militar na organização de base da CORFO. A ordem era para que em cada empresa estratégica houvesse um quadro do Comitê Central. A nós, na CORFO, havia tocado Millas. Como Secretário Político da organização do PC na CORFO me cabia estar em contato permanente com ele.

Enquanto caminhava do meu apartamento para as oficinas da CORFO e saltava sobre as barreiras militares que já se posicionavam nos pontos estratégicos do centro da cidade - Santiago, como todas a cidades espanholas na América Latina, tinha um setor de moradias na zona central organizada em torno da tradicional Plaza de Armas- pela minha cabeça foram passando em câmara acelerada os eventos das últimas semanas. Meu apartamento estava em antigo edifício na área central de Santiago, justamente em frente ao campus da Universidad Catolica (minha Alma Mater, onde fui acolhido quando cheguei exilado ao Chile e onde concluí meu mestrado em economia), A não mais de algumas poucas centenas de metros do Palácio de la Moneda, a igual distancia das oficinas centrais da CORFO. No caminho, ainda meio atordoado com a tensão das últimas semanas e procurando descobrir o que fazer, fui repassando os acontecimentos recentes.

Uma semana antes a Unidade Popular organizara uma manifestação de mais de um milhão de pessoas ( muito, para uma cidade de pouco mais de dois milhões à época) em solidariedade à Allende. Enquanto a multidão desfilava na Plaza de la Constitución ( em face a uma das entradas do Palácio de la Moneda, para onde dava uma das antesalas do gabinete presidencial), o pensamento que predominava - óh ingenuidade das ingenuidades !- era um só : se os "momios" ousarem colocar as suas cabeças de fora, vamos esmagá-los com a força do povo ! ("momios" eram como eram chamados no dialeto da esquerda as forças reacionárias, conservadoras).  Embora o poder estivesse se esfarelando a olhos vistos, os dirigentes da esquerda pareciam sofrer de uma perigosa miopia política - a ilusão de que o poder estava na esquina ao alcance das mãos.

Ainda algumas semanas atrás, o general Prats - uma espécie de Lott chileno,ultimo sustentáculo do legalismo no Exército chileno-, cansado e desautorizado por seus colegas do Alto Comando, apresentara a Allende a sua renúncia em caráter irrevogável. A Allende não restara outro caminho se não o de aceitar a renúncia de Prats. E, por indicação deste, nomear como seu sucessor ao general Augusto Pinochet. Este general até então na sombra de Prats viria, em poucos dias mais, a se transformar no Francisco Franco chileno.

Quem era Pinochet ? Poucas pessoas na verdade o sabiam. Confesso que eu mesmo - sem ter a mais mínima informação sobre as razões que haviam levado à indicação de Pinochet para comandar o Exército em momento tão crucial, mas assustado com a dimensão do que estava acontecendo-  tomei a iniciativa de organizar uma reunião da base do PC na CORFO e de convidar Orlando Millas - como já mencionei o segundo homem do Partido e membro do Alto Comando da Unidade Popular - para uma reunião com o conjunto dos militantes. Millas foi (ainda não sei como, porque nestes dias reunir-se com uma figura como esta era como convocar a Dilma para uma reunião com os funcionários do BNDES...-mas era pelo menos um indicador da importância que a direção do PC atribuía à CORFO e a sua organização nela...). Na reunião, depois de agradecer a sua presença e lhe passar a palavra, assistimos a um relatório minucioso dos últimos desdobramentos políticos. Ao final da exposição, ousei indagar sobre a nomeação do Pinochet. "Não se preocupe", disse Millas, "o Exército chileno não é como o Exército brasileiro". Como se pouco fosse, complementou : "o general Pinochet é muito respeitado no Exército e tem comando. Quando se encontra com um general barrigudo (com "guata", como se fiz em chileno...), lhe diz :"general, faça tantas flexões imediatamente !". Escutei aquilo com um misto de inquietação e alívio... Inquietação porque aquela explicação me pareceu até pueril. Alívio, por que quem não quer ouvir palavras de esperança e conforto em um momento de angústia ?

No caminho da CORFO, passei pelo Palácio de la Moneda. O que vi era desolador... A Plaza de la Constitución (aquela mesma de um milhão de pessoas da semana anterior), quase deserta. Os Carabineros (uma espécie de corpo policial militarizado, muito respeitados no Chile e responsáveis pela guarda palaciana), já se haviam retirado para seu quartel central, prenunciando uma adesão ao golpe (até aquele momento de quase nada se sabia, as rádios "de derecha" tocavam hinos militares e se sucediam em entrevistas a políticos de Oposição, as rádios de esquerda - Portales e Magallanes- não sabiam bem o que transmitir). A idéia de que, em caso de golpe militar, o país se dividiria em dois - legalistas em apoio ao governo, de um lado, e "golpistas" de outro- se revelara uma quimera. Ainda antes do primeiro tiro, a batalha parecia definida...

Ao chegar aos edifícios da CORFO, foi possível,  verificar que a grande massa dos funcionários não havia vindo trabalhar (pois as rádios estavam dando desde cedo notícias sobre a movimentação militar). Os que ousaram comparecer, destes a grande maioria correu apavorada de volta as suas casas tão logo a notícia da movimentação militar se evidenciou. Um punhado de algumas dezenas de pessoas resolveu ficar, aguardando as instruções para a chamada "resistencia" e à espera das armas que nunca chegaram ( visto do prisma de hoje, o que posso dizer é que ainda bem que não chegaram, caso contrário teria ocorrido um massacre de proporções avassaladoras).

Minutos depois começou o bombardeio do Palácio de la Moneda. Das janelas da Vice-Presidência da CORFO ( as instituições chilenas, altamente hierarquizadas, eram dirigidas por Vice Presidentes) pude ver, horrorizado, os aviões passando em vôos rasantes para o bombardeio do la Moneda. A cada passada dos aviões, o edifício tremia do seu teto até os fundamentos, com a propagação das ondas do bombardeio. Estávamos todos impotentes, sem nada poder fazer (excluídos gestos suicidas).

Até hoje não sei bem como, pois a memória da tragédia se esvai com o tempo, em determinado momento recebo um telefonema da minha esposa Beatriz. Ela estava com um grupo armado do Partido Socialista, metralhadora em mãos, nos telhados do Ministério da Agricultura (que dava de frente para o la Moneda). Iam resistir ao golpe, atirando sobre o tanques e tropas militares. Escutei estardalhado a notícia, pensando com os meus botões : "ficou louca de vez !". Shakespeare diria que a diferença entre a loucura e o heroismo é menor que um frágil fio de cabelo... Horas depois, logo após a conclusão do bombardeio do palácio, Allende já morto, as primeiras conclamações da Junta Militar sendo transmitidas pelas rádios em cadeia nacional, recebo outro telefonema dela : o seu grupo armado, percebendo a inutilidade da continuidade da resistência,  havia se deslocado para as oficinas do Banco de Chile - o maior banco privado chileno, também estatizado pela CORFO, e cujas oficinas estavam em frente as da CORFO. Sem nos vermos, nos despedimos com monossílabos. Tão pertos, tão longes...

Ainda na tarde deste mesmo dia 11, vi quando as forças militares tomaram de assalto as oficinas do Banco de Chile. E da minha janela vi - ou sonhei ver - a Beatriz e seus companheiros sairem em fila indiana do  Banco de Chile andando pelo centro da rua, ladeados o grupo de resistentes por soldados armados, de ambos lados das calçadas. Como os tiroteios eram constantes em gestos desesperados de resistencia de livre-atiradores postados nos edifícios em um simulacro de resistência ao golpe, os militares diziam : se alguém atirar sobre nós, abrimos fogo em cima de vocês ! Transformados em verdadeiros escudos-humanos, os derrotados passaram a ser recolhidos aos campos de concentração que foram se organizando : primeiramente os quartéis, depois o Estádio Chile (uma espécie de Maracanãzinho), depois o Estádio Nacional onde o Brasil havia se sagrado bi-campeão mundial de fútebol 11 anos antes. Por ironia do destino, o meu cunhado Nilton Santos integrara a seleção nacional brasileira de 62...

Quanto a mim só fui detido no dia 12, quando os Exército derrubou com tiros de bazuca os pesados portões dos edifícios da CORFO e fez uma varredura, sala por sala, do imenso complexo. Restávamos um grupo relativamente pequeno de pessoas, a esta altura sentados no corredor enquanto escutávamos a soldatesca abrir a tiros sala por sala desde os andares inferiores, até chegar ao andar em que aguardávamos o encontro com nosso destino. A hora da verdade individual de cada de nós chegara, mas a tragédia individual parecia insignificante perante a imensa tragédia coletiva.

Depois de pisoteados, espancados e agredidos física e moralmente, fomos levados pelo mesmo processo de fila indiana de escudos humanos até os calabouços do Ministério da Defesa ( a três ou quatro quadras da CORFO, a metros do incendiado Palácio dela Moneda). A o ser conduzido ao Ministério da Defesa, passei ante os escombros do que era o gabinete de Allende, as paredes do velho palácio ainda fumegavam. Aí passei duas ou três noites amarrado e jogado nos subsolos. Após os primeiros simulacros de interrogatórios, efetuados com uma faca cortante sendo passada e repassada pelo pomo de adão pelos interrogadores tão aturdidos quanto os interrogados, fomos transferidos em um caminhão do Exército para o Estádio Nacional. Os primeiros a ali chegar e ser depositados. As noites e dias de terror que se seguiram fariam estremecer de orgulho a qualquer oficial da Gestapo redivivo. Pude entender em toda a sua dimensão patética a tragédia de Auschwitz.

Ali recebi a notícia da morte da minha esposa, assassinada com uma bala na cabeça no quartel a que fora recolhida após a sua prisão na sede do Banco de Chile. Mas a esta altura muito pouco me importava o meu destino pessoal. Recolhi-me ao meu infortúnio particular e deixei passar cada segundo dos dias que se sucederam como se fossem o gotejar de uma alucinante tortura chinesa. Colocado de olhos vendados ante um pelotão de fuzilamento, pude sentir como são  insondáveis os mistérios da alma humana. Confesso que sobrevivi. A princípio sem esperança de que a primavera chegasse, depois vendo que o milagre da ressurreição pode escorregar do imaginário para o plano da realidade.

Devo a minha geração - e sobre tudo aos meus filhos e netos - o contar desta estórias, destas minhas memórias do cárcere e do desterro, desta grande cordilheira-veredas de uma existência aparentemente vivida ao acaso. Não sei se terei força intelectual para tanto, mas o esforço há que se intentar. Em outro espaço e em outro momento, certamente, pois cada um de nós é um Ulysses à procura da sua Penépole em sua Ítaca, em um eterno decifra-me ou te devoro... Antes que o sono te devore, prezado leitor, deixe-me cantar como o poeta que, não fosse para tão grande estória, tão curta a vida, o primeiro passo há que se dar...

Mauricio

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40 ANOS DO GOLPE NO CHILE: 11 DE SETEMBRO DE 1973
        
Já com os aviões começando a bombardear o Palácio Presidencial (La Moneda), o presidente Allende fala por rádio e transmite uma mensagem histórica e de grande emoção ao Povo do Chile :






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