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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Chile: 11 de setembro de 1973, o golpe mais sangrento da AL: depoimento de Mauricio David

Recebo, de meu amigo Maurício David, este depoimento histórico sobre os acontecimentos trágicos desse dia em que o Chile também entrou em ditadura, uma das mais violentas da América Latina. Perto dela, os nossos militares foram professores de colégio, embora também tenham ocorrido episódios terríveis. Eu já tinha saído do Brasil, desde o final de 1970, ao perceber que a coisa estava ficando mais preta do que o imaginado. Estava na Bélgica, estudando (e militando contra a ditadura brasileira, e logo em seguida contra chilena, também).
Maurício e Beatriz estão muito bem: estivemos juntos em Paris, no ano passado, quando eu estava morando lá, com Carmen Lícia, dando aulas na Sorbonne.
Segue o seu depoimento.
Paulo Roberto de Almeida

Depoimento de Maurício David sobre o golpe no Chile, em 1973
(Recebido em 11 de setembro de 2013)

Recordo como se fosse hoje : a manhã daquele 11 de setembro nasceu cinzenta, como solem ser os céus de Santigo de Chile no mês de setembro. Por volta das sete da manhã, tocou o telefone : atenção, sinais de movimentos de tropas nos arrabaldes de Santiago, rumores de que o importante regimento de Los Andes (na pré-fronteira com a Argentina, a inimiga tradicional do Chile) estaria em marcha rumo a Santiago, rumores também de que a Armada havia se levantado em Valparaíso, principal base naval do país. O improvisado sistema de alerta do governo dava sinais de inquietação, mas de fato ninguém sabia de nada. Rumores deste tipo ocorriam a cada dia ou noite, nas últimas semanas...

Ainda sonolento, pulei da cama depois de mais uma noite passada em claro, montando guarda nas "oficinas" ( escritórios centrais) da CORFO, a Corporacción de Fomento de la Producción, uma espécie de BNDES chilena fundada ainda nos tempos do governo de Pedro Aguirre Cerda, o presidente eleito pela Frente Popular em 1938. Como funcionário da CORFO e membro do comando político dos trabalhadores da empresa, era rara a noite em que havia dormido em casa nas últimas semanas. Este começo de manhã havia passado em casa para tomar uma chuveirada, trocar de roupa e voltar à CORFO. Porque enquanto sonhávamos com a Revolução, havia que manter a engrenagem do governo funcionando...Desde a tentativa de golpe militar esmagada pelo General Prats a fins de julho, as "guardas" eram praticamente em sistema de revezamento não somente na CORFO como em todas as principais empresas públicas, ministérios e empresas estatizadas. Todos preparados para o golpe que viria. Na verdade, só não se sabia (doce ingenuidade da esquerda chilena...) quem daria o golpe : se a esquerda ligada ao governo, se a direita que conspirava diuturnamente. Como no filme de Bergman, através do ovo da serpente se podia ver nitidamente os contornos do embrião do monstro em gestação.

Naquela manhã do 11 de setembro - que depois se revelaria trágica, de uma tragédia de dimensão histórica...- ainda pairava no ar a esperança de que as Forças Armadas iriam se dividir. Uma ala legalista, fiel à Constituição e ao Governo, poderia se antepor aos oficiais golpistas e seus enlaces no setor civil. Assim acreditava Allende, assim acreditava parte da direção política da Unidade Popular (a coalizão de governo), assim acreditava a direção política do Partido Comunista. Que,  creiam-me !, era a força moderadora do governo. Que pregava a prudencia e procurava se antepor ao delírio que dominava avassaladoramente às forças de ultraesquerda que cercavam ao presidente Allende.

A CORFO era considerada estratégica, pois toda a política de encampação das empresas privadas de grande porte se fazia em base a resquícios legais dos anos 40, que possibilitavam ao governo requisitar ("requisicionar", de dizia em chilenês...) e passar ao controle estatal empresas privadas que estivessem sob suspeita de atuar em monopólio ou de sabotar a produção (este era o caminho legal para a implantação da via socialista, uma original contribuição chilena à transiçãos ao socialismo). Como tal, o PC chileno havia designado ao seu segundo homem na hierarquia, Orlando Millas - ex- ministro da Fazenda e experimentado dirigente político- para militar na organização de base da CORFO. A ordem era para que em cada empresa estratégica houvesse um quadro do Comitê Central. A nós, na CORFO, havia tocado Millas. Como Secretário Político da organização do PC na CORFO me cabia estar em contato permanente com ele.

Enquanto caminhava do meu apartamento para as oficinas da CORFO e saltava sobre as barreiras militares que já se posicionavam nos pontos estratégicos do centro da cidade - Santiago, como todas a cidades espanholas na América Latina, tinha um setor de moradias na zona central organizada em torno da tradicional Plaza de Armas- pela minha cabeça foram passando em câmara acelerada os eventos das últimas semanas. Meu apartamento estava em antigo edifício na área central de Santiago, justamente em frente ao campus da Universidad Catolica (minha Alma Mater, onde fui acolhido quando cheguei exilado ao Chile e onde concluí meu mestrado em economia), A não mais de algumas poucas centenas de metros do Palácio de la Moneda, a igual distancia das oficinas centrais da CORFO. No caminho, ainda meio atordoado com a tensão das últimas semanas e procurando descobrir o que fazer, fui repassando os acontecimentos recentes.

Uma semana antes a Unidade Popular organizara uma manifestação de mais de um milhão de pessoas ( muito, para uma cidade de pouco mais de dois milhões à época) em solidariedade à Allende. Enquanto a multidão desfilava na Plaza de la Constitución ( em face a uma das entradas do Palácio de la Moneda, para onde dava uma das antesalas do gabinete presidencial), o pensamento que predominava - óh ingenuidade das ingenuidades !- era um só : se os "momios" ousarem colocar as suas cabeças de fora, vamos esmagá-los com a força do povo ! ("momios" eram como eram chamados no dialeto da esquerda as forças reacionárias, conservadoras).  Embora o poder estivesse se esfarelando a olhos vistos, os dirigentes da esquerda pareciam sofrer de uma perigosa miopia política - a ilusão de que o poder estava na esquina ao alcance das mãos.

Ainda algumas semanas atrás, o general Prats - uma espécie de Lott chileno,ultimo sustentáculo do legalismo no Exército chileno-, cansado e desautorizado por seus colegas do Alto Comando, apresentara a Allende a sua renúncia em caráter irrevogável. A Allende não restara outro caminho se não o de aceitar a renúncia de Prats. E, por indicação deste, nomear como seu sucessor ao general Augusto Pinochet. Este general até então na sombra de Prats viria, em poucos dias mais, a se transformar no Francisco Franco chileno.

Quem era Pinochet ? Poucas pessoas na verdade o sabiam. Confesso que eu mesmo - sem ter a mais mínima informação sobre as razões que haviam levado à indicação de Pinochet para comandar o Exército em momento tão crucial, mas assustado com a dimensão do que estava acontecendo-  tomei a iniciativa de organizar uma reunião da base do PC na CORFO e de convidar Orlando Millas - como já mencionei o segundo homem do Partido e membro do Alto Comando da Unidade Popular - para uma reunião com o conjunto dos militantes. Millas foi (ainda não sei como, porque nestes dias reunir-se com uma figura como esta era como convocar a Dilma para uma reunião com os funcionários do BNDES...-mas era pelo menos um indicador da importância que a direção do PC atribuía à CORFO e a sua organização nela...). Na reunião, depois de agradecer a sua presença e lhe passar a palavra, assistimos a um relatório minucioso dos últimos desdobramentos políticos. Ao final da exposição, ousei indagar sobre a nomeação do Pinochet. "Não se preocupe", disse Millas, "o Exército chileno não é como o Exército brasileiro". Como se pouco fosse, complementou : "o general Pinochet é muito respeitado no Exército e tem comando. Quando se encontra com um general barrigudo (com "guata", como se fiz em chileno...), lhe diz :"general, faça tantas flexões imediatamente !". Escutei aquilo com um misto de inquietação e alívio... Inquietação porque aquela explicação me pareceu até pueril. Alívio, por que quem não quer ouvir palavras de esperança e conforto em um momento de angústia ?

No caminho da CORFO, passei pelo Palácio de la Moneda. O que vi era desolador... A Plaza de la Constitución (aquela mesma de um milhão de pessoas da semana anterior), quase deserta. Os Carabineros (uma espécie de corpo policial militarizado, muito respeitados no Chile e responsáveis pela guarda palaciana), já se haviam retirado para seu quartel central, prenunciando uma adesão ao golpe (até aquele momento de quase nada se sabia, as rádios "de derecha" tocavam hinos militares e se sucediam em entrevistas a políticos de Oposição, as rádios de esquerda - Portales e Magallanes- não sabiam bem o que transmitir). A idéia de que, em caso de golpe militar, o país se dividiria em dois - legalistas em apoio ao governo, de um lado, e "golpistas" de outro- se revelara uma quimera. Ainda antes do primeiro tiro, a batalha parecia definida...

Ao chegar aos edifícios da CORFO, foi possível,  verificar que a grande massa dos funcionários não havia vindo trabalhar (pois as rádios estavam dando desde cedo notícias sobre a movimentação militar). Os que ousaram comparecer, destes a grande maioria correu apavorada de volta as suas casas tão logo a notícia da movimentação militar se evidenciou. Um punhado de algumas dezenas de pessoas resolveu ficar, aguardando as instruções para a chamada "resistencia" e à espera das armas que nunca chegaram ( visto do prisma de hoje, o que posso dizer é que ainda bem que não chegaram, caso contrário teria ocorrido um massacre de proporções avassaladoras).

Minutos depois começou o bombardeio do Palácio de la Moneda. Das janelas da Vice-Presidência da CORFO ( as instituições chilenas, altamente hierarquizadas, eram dirigidas por Vice Presidentes) pude ver, horrorizado, os aviões passando em vôos rasantes para o bombardeio do la Moneda. A cada passada dos aviões, o edifício tremia do seu teto até os fundamentos, com a propagação das ondas do bombardeio. Estávamos todos impotentes, sem nada poder fazer (excluídos gestos suicidas).

Até hoje não sei bem como, pois a memória da tragédia se esvai com o tempo, em determinado momento recebo um telefonema da minha esposa Beatriz. Ela estava com um grupo armado do Partido Socialista, metralhadora em mãos, nos telhados do Ministério da Agricultura (que dava de frente para o la Moneda). Iam resistir ao golpe, atirando sobre o tanques e tropas militares. Escutei estardalhado a notícia, pensando com os meus botões : "ficou louca de vez !". Shakespeare diria que a diferença entre a loucura e o heroismo é menor que um frágil fio de cabelo... Horas depois, logo após a conclusão do bombardeio do palácio, Allende já morto, as primeiras conclamações da Junta Militar sendo transmitidas pelas rádios em cadeia nacional, recebo outro telefonema dela : o seu grupo armado, percebendo a inutilidade da continuidade da resistência,  havia se deslocado para as oficinas do Banco de Chile - o maior banco privado chileno, também estatizado pela CORFO, e cujas oficinas estavam em frente as da CORFO. Sem nos vermos, nos despedimos com monossílabos. Tão pertos, tão longes...

Ainda na tarde deste mesmo dia 11, vi quando as forças militares tomaram de assalto as oficinas do Banco de Chile. E da minha janela vi - ou sonhei ver - a Beatriz e seus companheiros sairem em fila indiana do  Banco de Chile andando pelo centro da rua, ladeados o grupo de resistentes por soldados armados, de ambos lados das calçadas. Como os tiroteios eram constantes em gestos desesperados de resistencia de livre-atiradores postados nos edifícios em um simulacro de resistência ao golpe, os militares diziam : se alguém atirar sobre nós, abrimos fogo em cima de vocês ! Transformados em verdadeiros escudos-humanos, os derrotados passaram a ser recolhidos aos campos de concentração que foram se organizando : primeiramente os quartéis, depois o Estádio Chile (uma espécie de Maracanãzinho), depois o Estádio Nacional onde o Brasil havia se sagrado bi-campeão mundial de fútebol 11 anos antes. Por ironia do destino, o meu cunhado Nilton Santos integrara a seleção nacional brasileira de 62...

Quanto a mim só fui detido no dia 12, quando os Exército derrubou com tiros de bazuca os pesados portões dos edifícios da CORFO e fez uma varredura, sala por sala, do imenso complexo. Restávamos um grupo relativamente pequeno de pessoas, a esta altura sentados no corredor enquanto escutávamos a soldatesca abrir a tiros sala por sala desde os andares inferiores, até chegar ao andar em que aguardávamos o encontro com nosso destino. A hora da verdade individual de cada de nós chegara, mas a tragédia individual parecia insignificante perante a imensa tragédia coletiva.

Depois de pisoteados, espancados e agredidos física e moralmente, fomos levados pelo mesmo processo de fila indiana de escudos humanos até os calabouços do Ministério da Defesa ( a três ou quatro quadras da CORFO, a metros do incendiado Palácio dela Moneda). A o ser conduzido ao Ministério da Defesa, passei ante os escombros do que era o gabinete de Allende, as paredes do velho palácio ainda fumegavam. Aí passei duas ou três noites amarrado e jogado nos subsolos. Após os primeiros simulacros de interrogatórios, efetuados com uma faca cortante sendo passada e repassada pelo pomo de adão pelos interrogadores tão aturdidos quanto os interrogados, fomos transferidos em um caminhão do Exército para o Estádio Nacional. Os primeiros a ali chegar e ser depositados. As noites e dias de terror que se seguiram fariam estremecer de orgulho a qualquer oficial da Gestapo redivivo. Pude entender em toda a sua dimensão patética a tragédia de Auschwitz.

Ali recebi a notícia da morte da minha esposa, assassinada com uma bala na cabeça no quartel a que fora recolhida após a sua prisão na sede do Banco de Chile. Mas a esta altura muito pouco me importava o meu destino pessoal. Recolhi-me ao meu infortúnio particular e deixei passar cada segundo dos dias que se sucederam como se fossem o gotejar de uma alucinante tortura chinesa. Colocado de olhos vendados ante um pelotão de fuzilamento, pude sentir como são  insondáveis os mistérios da alma humana. Confesso que sobrevivi. A princípio sem esperança de que a primavera chegasse, depois vendo que o milagre da ressurreição pode escorregar do imaginário para o plano da realidade.

Devo a minha geração - e sobre tudo aos meus filhos e netos - o contar desta estórias, destas minhas memórias do cárcere e do desterro, desta grande cordilheira-veredas de uma existência aparentemente vivida ao acaso. Não sei se terei força intelectual para tanto, mas o esforço há que se intentar. Em outro espaço e em outro momento, certamente, pois cada um de nós é um Ulysses à procura da sua Penépole em sua Ítaca, em um eterno decifra-me ou te devoro... Antes que o sono te devore, prezado leitor, deixe-me cantar como o poeta que, não fosse para tão grande estória, tão curta a vida, o primeiro passo há que se dar...

Mauricio

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40 ANOS DO GOLPE NO CHILE: 11 DE SETEMBRO DE 1973
        
Já com os aviões começando a bombardear o Palácio Presidencial (La Moneda), o presidente Allende fala por rádio e transmite uma mensagem histórica e de grande emoção ao Povo do Chile :






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terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ditadura brasileira sustentou ditadura chilena


Brazilian newspaper reports Brazil protected Chilean interests during Pinochet era

By Associated Press, The Washington Post, December 12, 2011

RIO DE JANEIRO — Telegrams exchanged between the Brazilian and Chilean governments in the early 1970s show Brazil’s military leaders supported Augusto Pinochet financially and diplomatically during the dictator’s first years in power.
An analysis of the contents of 266 telegrams was published Monday by the Folha de S. Paulo newspaper.
The newspaper looked at correspondence sent between 1973, when Pinochet took power, and 1976.
During this time, Brazil extended a loan of $50 million to Chile’s Central Bank, stepped up purchases of Chilean exports such as copper, and gave the country a line of credit to purchase Brazilian goods.
The correspondence also says Brazil looked after Chilean interests in countries such as Mexico and Yugoslavia, which had condemned the coup.
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