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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva; Eu já tinha partido: Paulo Roberto de Almeida

 


 Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens Paiva

Eu já tinha partido, Paulo Roberto de Almeida 

Acabo de assistir ao filme de Walter Salles, e ele representou algo especial para mim. Um pequeno mergulho nos horrores dos anos de chumbo da ditadura militar, quando muitos, centenas de oficiais das Forças Armadas se degradaram na repressão aos opositores do regime, o que eu era, desde a precoce politização de meados dos anos 1960 e um impulso a combatê-lo pela via de uma revolução de esquerda.

O deputado Rubens Paiva foi detido para interrogatório em janeiro de 1971, supostamente por poder estar envolvido no sequestro do embaixador suíço, no mês de dezembro anterior (mais tarde trocado por 70 prisioneiros políticos). O regime hesitou ao início, mas logo depois acelerou sua metodologia repressiva.

Quando o embaixador suíço foi sequestrado eu já não me encontrava mais no Brasil: havia decidido partir do Brasil, para evitar a sorte de alguns outros companheiros, e estava navegando no Atlântico, em direção à Europa. Só soube do sequestro em alto mar, informado por um telex de notícias recebido no meio do oceano. Naquele momento, senti que eu havia saído a tempo do Brasil, caso contrário eu também poderia ter sido preso, eventualmente sido torturado, havendo ainda a possibilidade de "desaparecer", como alguns dos quais se soube tarde demais.

Curiosamente, Rubens Paiva foi detido e interrogado – acredito que sua morte foi um "acidente de trabalho", pois ele não tinha envolvimento com a luta armada – pelo fato de ter sido intermediário de cartas vindas do Chile, de brasileiros exilados por lá, eventualmente ex-guerrilheiros no Brasil, enviadas a familiares no Brasil. Eu tinha ido ao Chile no ano anterior, também passando por Uruguai e Argentina, e feito contatos com companheiros de esquerda nos três países, tratando sobretudo de rotas de escape para aqueles que já se encontravam na clandestinidade. 

Eu estava na resistência à ditadura militar desde alguns anos antes, mas ainda não era, digamos, um quadro da resistência armada; era apenas do apoio logístico, conseguindo documentos para aqueles que precisavam mudar de identidade. Entre 1969 e 1970, senti que a repressão seguia aumentando – batidas nos transportes em vias públicas, por exemplo, como mostrado ao início do filme Ainda Estou Aqui – e vários companheiros "caindo" nas teias da repressão. Servia então ao Exército, como conscrito, e o "meu" quartel invadia a "minha" universidade, no caso a Cidade Universitária da USP, onde eu fazia Ciências Sociais. Um colega de classe, o frei dominicano Tito, que com outros fazia ponte com o movimento armado de Carlos Marighella, foi preso, e desapareceu nas catacumbas do regime, aliás defendidas, mais tarde, pelo ex-presidente que ousava elogiar torturadores e dizer que a ditadura havia "matado até de menos". 

Decidi então sair do Brasil, o que não foi o caso de Rubens Paiva, que continuou a fazer seu trabalho puramente humanitário de ajudar os perseguidos, quando poderia ter escolhido um novo exílio, como ocorreu com um dos outros personagens, amigos na mesma arriscada aventura.

Soube de sua prisão, alguns meses depois, ainda no primeiro semestre de 1971, ao me reincorporar ao trabalho de resistência à ditadura militar, já na Bélgica, retomando o meu curso de Ciências Sociais na Universidade Livre de Bruxelas. Passei a colaborar com o Front Brésilien d'Information, que divulgava, justamente, notícias sobre a repressão no Brasil e tentava mobilizar a opinião pública europeia contra o regime. Uma das iniciativas foi tentar fazer um Tribunal Russell – que havia sido feito por iniciativa direta do filósofo inglês contra a guerra dos Estados Unidos no Vietnã – sobre a ditadura brasileira; ele foi organizado, mas no meio do caminho uma ditadura aidna mais cruel tomou a frente do tribunal, a de Pinochet, no Chile. 

Acompanhei todo o manancial de informação sobre a ditadura miitar durante mais de seis anos, até o início de 1977, quando decidi voltar ao Brasil. Vários desaparecidos nunca mais foram encontrados, entre eles Rubens Paiva. Frei Tito, o "colega" de Ciências Sociais na USP, se suicidou na França, em meados da década, consequência provável das torturas bárbaras que sofreu na perseguição a Marighella.

O filme é extremamente realista – na descrição visual dos locais de tortura, por exemplo – e dramaticamente sensível, e aqui cabe louvar o desempenho excepcional das crianças atores, as filhas de Rubens Paiva. Impossível não se emocionar com a angústia de Eunice Paiva e das filhas do "desaparecido", covardemente assassinado, sem qualquer benefício para o regime, por pura sanha dos torturadores desprovidos de qualquer sentimento humano. 

Por isso, é abjetamente insuportável contemplar um militar medíocre como o que nos desgovernou por quatro anos - e ainda tentar se tornar ditador – dizer que está homenageando um dos piores torturadores do regime militar. Mais triste ainda constatar que tantos profissionais diplomados, supostamente liberais, ainda apoiam essas figuras execráveis, as mesmas, ou similares, que produziram tantas "Eunices" Paiva e "Zuzus" Angel. 

Um dia relatarei minha pequena participação no trabalho de resistência à ditadura militar, que pelo visto nos últimos tempos, ainda não cabe considerar terminado.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 25 de novembro de 2024





quarta-feira, 29 de maio de 2024

Frente Brasileira de Informação denunciou a ditadura militar - Boletins disponíveis no CEDEM da Unesp

 Durante meus anos de autoexílio na Europa, entre 1971 e 1977, participei dos esforços da oposição ao regime militar, denunciando os crimes da ditadura, no contexto da Frente Brasileira de Informações. Muitas reuniões, em vários países europeus, para organizar esse esforço de denúncia e de combate à ditadura.

Paulo Roberto de Almeida


Frente Brasileira de Informação denunciou a ditadura militar

Boletim foi editado em nove países; CEDEM dispõe de exemplares em cinco idiomas

Assessoria de Comunicação do CEDEM, da Unesp, 21/05/2024

https://www.cedem.unesp.br/#!/noticia/665/frente-brasileira-de-informacao-denunciou-a-ditadura-militar

Nos anos duros da ditadura civil-militar, os brasileiros exilados criaram uma rede de comunicação para denunciar crimes praticados pelo Estado, como tortura e censura. Eles também discutiam temas como a desigualdade social, a questão indígena, o desmatamento na Amazônia, denúncias de obras públicas superfaturadas e outros problemas que o país enfrentava naquele momento.

O boletim Frente Brasileira de Informações (FBI) foi um dos informativos que circulou entre os exilados, enquanto uma ferramenta de combate e resistência à ditadura civil-militar.  Por meio dele é possível constatar que a resistência à ditadura não se deu apenas internamente no Brasil. Ocorreu também no exílio e é parte importante desse período histórico.

O FBI foi fundado, dirigido e editado pelo ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, em 1969, durante o período em que viveu exilado na Argélia. Com a visibilidade, o boletim passou a ser produzido também na Alemanha, Bélgica, Holanda, Inglaterra, Itália, Suécia, Suíça e Chile, por brasileiros de diferentes tendências políticas. O Centro de Documentação e Memória (CEDEM) possui exemplares do boletim em cinco idiomas: português, inglês, espanhol, francês e italiano. Alguns estão digitalizados e disponíveis para pesquisa virtual.

Cada núcleo internacional possuía um grupo de exilados que organizava a produção, traduzindo os textos para o idioma correspondente e incorporando novos escritos de acordo com a realidade local. Além disso, exemplares eram enviados para militantes que viviam no Brasil, o que fazia sentido, pois o boletim publicava no exterior as notícias censuras no país. Também era enviado para Cuba e União Soviética.

Na edição do março de 1971, o comitê de denúncia da repressão no Brasil, sediado no Chile escreveu a seguinte: “Este Boletim representa uma iniciativa de romper com o bloqueio imposto pela ditadura brasileira à divulgação dos fatos que ocorrem no país. Fazer circular estas notícias, reproduzi-las ou qualquer outra forma de solidariedade significa uma efetiva contribuição à luta do povo brasileiro contra o regime militar que o oprime, desconsiderando cotidianamente os mais elementares direitos humanos”.

Anônimo, o impresso tinha como público-alvo jornalistas, acadêmicos, sindicalistas, religiosos, estudantes e membros de partidos políticos que solicitavam os exemplares. As atividades foram encerradas em 1973 por divergências políticas entre os participantes.

Onde pesquisar:

CEDEM
On-line: www.cedem.unesp.br
Presencial: Sede do Centro de Documentação e Memória (CEDEM), da Unesp
Praça da Sé, 108, 1 andar – São Paulo (SP)
E-mail: pesquisa.cedem@unesp.br
Tel.: 11-3116-1706 
        11-3116-1712         
        11-3116-1713


sexta-feira, 19 de abril de 2024

Afasta de mim esse cálice - Marcos Rolim (Sul 21)

 Opinião

Sul21,
19 de abril de 2024

Afasta de mim esse cálice (por Marcos Rolim) 

Há 60 anos, um golpe militar submeteu o Brasil a uma ditadura que duraria 21 anos e cuja herança está longe de ser superada. Naquele período, como ocorre em qualquer ditadura, de direita ou de esquerda, as liberdades foram suprimidas: milhares de pessoas foram perseguidas politicamente, presas, torturadas e/ou mortas. Com as garantias constitucionais suprimidas, com as organizações populares colocadas na ilegalidade, com a imprensa sob censura e com os poderes Legislativo e Judiciário dominados, o arbítrio e a violência estabeleceram a “paz dos cemitérios” e a injustiça e a mediocridade foram promovidas e enaltecidas. Longa noite.

Ainda hoje, sequer sabemos o número real dos que foram mortos pela ditadura militar. Há diferentes listas de pessoas desaparecidas, reclamadas por seus familiares a quem foi negado o direito à sepultura e à verdade, com números em torno de 400 mortos. Pesquisas mais recentes, entretanto, têm contabilizado centenas de outras mortes no campo e se estima que outras tantas possam ser contadas entre as vítimas indígenas.

Falar sobre ditadura pressupõe situar-se na defesa do ideal democrático. Afinal, se não sustentamos a democracia, se ela não é nosso objetivo, como ser coerente na crítica à ditadura? É possível e necessário que tenhamos uma postura crítica diante de qualquer regime político e as democracias contemporâneas, como a que temos no Brasil, estão cheias de imperfeições, privilégios e distorções que devem ser corrigidas. O ponto, entretanto, segue: em nome de que valores, que não os da democracia, é possível efetuar essa crítica? A questão é antiga e já foi objeto de muitos debates, mas é irresoluta para importantes partidos da esquerda que se alinham no plano internacional aos regimes autocráticos da Rússia e da China, versões liberticidas do capitalismo de Estado, e que simpatizam com ditaduras como as existentes na Venezuela, em Cuba e na Nicarágua.

O Brasil não construiu uma política pública de memória e verdade sobre as ditaduras que já tivemos. Não temos, por exemplo, museus sobre a tortura, uma prática que chegou por aqui com a colonização portuguesa, que atingiu dramaticamente – e por mais de três séculos – as pessoas negras escravizadas e, como regra, os pobres suspeitos e que se disseminou no Estado Novo e na ditadura militar com as garantias da impunidade oferecidas pelo Poder Público. Essa conta, aliás, envolve, além das Forças Armadas, boa parte das lideranças políticas, mas também muitos magistrados, promotores, empresários e lideranças civis e religiosa, que apoiaram o golpe e prestaram serviços ao horror, inclusive no financiamento do aparato clandestino de tortura e desaparição de corpos.

Normalmente, quando uma nação transita de um Estado de exceção para um regime democrático, se estabelece o que se convencionou chamar de “Justiça de Transição”, período em que se produz a verdade jurídica sobre os crimes cometidos e se define ações de reparação e memória. Em muitas experiências, como na Argentina, os responsáveis por crimes contra a humanidade, como a tortura, são condenados a longas penas de prisão; em outras experiências, como na África do Sul pós-Apartheid, ou como na experiência recente do acordo de paz na Colômbia, anistias são produzidas mediante o reconhecimento dos crimes cometidos e o arrependimento público. O processo de transição vivido no Brasil foi feito em sentido contrário. Aqui, a Anistia foi um projeto da ditadura (aliás, aprovado com os votos contrários da oposição) cujo único sentido foi assegurar a impunidade aos torturadores, aos estupradores de presas e aos assassinos do regime, de tal modo que a verdade nunca fosse produzida. A Anistia no Brasil pretendeu assegurar o silêncio ou, como os cínicos sempre disseram, o “esquecimento”.

Violações, abusos, maldades de toda a ordem se nutrem de silêncios. As ditaduras também. Alimentamos o mal quando a palavra não é dita ou quando as palavras mesmo perdem o sentido. O não dito é o resultado do medo ou do cálculo; é, por isso, frequentemente covardia ou conivência. Assim, importa falar, sempre. Lula escolheu não falar sobre a ditadura e até justificou dizendo que “não quer mexer com o passado”. Quem acha que a opção é postura nova, resultado da atual “correlação de forças”, não sabe da missa a metade. Houve quem se apressasse a justificar o presidente. Sempre há. O silêncio do Estado brasileiro, sob o comando de uma liderança tida como “de esquerda”, entretanto, assegura nova derrota moral ao campo democrático, exatamente porque, como o assinalou Faulkner, o passado sequer é passado. Com o silêncio oficial, aliás, se alarga o campo para o negacionismo sobre a própria ditadura, tema ao qual a extrema direita tem se dedicado muito.  Ao contrário do que pensa Lula, falar sobre a ditadura é mexer no futuro para que nunca mais. Calar cobra um preço muito alto; sempre.

(*) Marcos Rolim é Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016).

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


segunda-feira, 1 de abril de 2024

Ainda sobre o golpe de 1964 e a memória da ditadura e seus crimes - Luiz Carlos Azedo entrevista Caetano Araújo

 

Existe um fio de história que liga os acontecimentos de 1964 aos dias atuais, que passa pelas reformas de base na marra, a luta armada, o voto nulo, o não apoio a Tancredo Neves, a rejeição ao Plano Real e o fracasso do governo Dilma Rousseff: o voluntarismo e a frustração de esquerda porque a queda da ditadura não se confundiu com a revolução.”

 

domingo, 31 de março de 2024

Luiz Carlos Azedo - Por quem os sinos dobram neste 31 de março 

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Correio Braziliense

Há um pacto de silêncio entre Lula e os comandantes militares, que proibiram as comemorações nos quartéis do golpe de 1964, enquanto golpistas prestam contas à Justiça

É preciso fugir ao senso comum e ao passado imaginário para ter um novo olhar sobre o dia 31 de março de 1964. O regime militar que ali se instalou somente se encerrou com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, e a bem-sucedida transição à democracia presidida por José Sarney, cujo coroamento foi a promulgação da Constituição de 1988. Desde então, temos uma democracia representativa de massas, de caráter social-liberal. Não é pouca coisa a preservar.

Um velho amigo, o sociólogo Caetano Araújo, consultor do Senado, a propósito da polêmica sobre se o governo Lula deveria comemorar ou não o golpe de 1964, fez uma sensata separação entre a verdade e a Justiça, que não são mesma coisa, embora devam caminhar juntas. É verdade que os órgãos de segurança cometeram crimes hediondos, sobretudo no caso dos desaparecidos, mas a aprovacão da anistia em 1979, que não foi exatamente como os militares queriam, foi o grande pacto entre o governo e a oposição que deu início efetivo à ultrapassagem pacífica do regime autoritário.

Era a justiça possível, como correu em outras transições complexas da época. O Chile até hoje convive com uma constitucionalidade herdada do governo de Augusto Pinochet. O Uruguai promoveu um plebiscito que anistiou os militares. A Argentina puniu seus ditadores, depois do desastre das Malvinas, mas também motoneros e militantes do ERP envolvidos em crimes de sangue. Na África do Sul, sob liderança de Nelson Mandela, a Comissão da Verdade promoveu uma reflexão para que o passado do apartheid não se repetisse, não teve papel criminal.

Seguiram o rastro da Espanha, profundamente dividida desde a década de 1930. Após a morte de Franco, em meio à crise econômica e social, sem a mínima estrutura democrática, com apoio do rei Juan Carlos I, Adolfo Suarez abriu o diálogo entre esquerda, centro e direita. No Palácio la Moncloa, em 1977, em Madri, todos os partidos assinaram um pacto no qual predominava a preocupação econômica, mas que abarcava previdência, trabalho, liberdade, direito, energia, defesa e educação. A Espanha tornou-se uma democracia sólida, que sobreviveu à tentativa de golpe militar de 1981.

“Por quem os sinos dobram” (Bertrand Brasil), de Ernest Hemingway, que lutou como voluntário nas Brigadas Internacionais, é uma grande história de amor, tendo por referência a experiência pessoal do escritor na Guerra Civil Espanhola. Entretanto, narra a extrema violência das tropas de ambos os lados: os nacionalistas, auxiliados pelo governo italiano e nazista alemão, e os republicanos, apoiados pelas brigadas e a União Soviética. O livro é inspirado no poema “Meditações”, do pastor e poeta John Donne: “Quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade”. Empresta o título à coluna.

Mortos e desaparecidos
Sim, os sinos hoje dobram por 434 mortos e desaparecidos, vítimas do regime militar, a maioria dos quais na tortura ou executados em confrontos simulados com os órgãos de repressão. Mas também dobram por cerca de 119 mortos pelos grupos armados que se opuseram à ditadura. E quatro militantes de esquerda que foram executados pelos próprios companheiros. Não eram “cachorros”. Qualquer tentativa de ajuste de contas punitivo com esse passado é um equívoco. Isso não significa confinar essa memória ao culto doméstico dos familiares de mortos e desaparecidos.

A radicalização política que antecedeu o golpe de 1964 dividiu profundamente a sociedade, inclusive as classes sociais e as famílias. Nem tudo foi fruto da “guerra fria”. Havia, como há ainda, um ambiente de iniquidade social propício. E também uma visão de ambos os lados de que as coisas se resolveriam pela força bruta do Estado e não pela sociedade, por via democrática.

A esquerda deveria se perguntar: por que Juscelino Kubitscheck e Ulyssses Guimarães apoiaram o golpe? A resposta é simples: foram empurrados para os braços de Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, que empunharam a bandeira da democracia contra o radicalismo de esquerda. Os militares deveriam também se perguntar: por que Juscelino e Ulysses passaram à oposição, logo após o golpe de 1964? Outra resposta simples: o regime cancelou as eleições e derivou para uma ditadura sanguinária.

Existe um fio de história que liga os acontecimentos de 1964 aos dias atuais, que passa pelas reformas de base na marra, a luta armada, o voto nulo, o não apoio a Tancredo Neves, a rejeição ao Plano Real e o fracasso do governo Dilma Rousseff: o voluntarismo e a frustração de esquerda porque a queda da ditadura não se confundiu com a revolução.

Outro fio de história liga a frustração dos militares que ingressaram na carreira quando era uma via de ascensão ao poder político, cuja recidiva se deu no governo Bolsonaro, à tentativa de golpe de 8 de janeiro da extrema direita bolsonarista, inspirada no passado imaginário do regime militar: a mentalidade de que às Forças Armadas cabe tutelar a nação, por representar “o povo em armas”.

A polêmica sobre a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não relembrar oficialmente o golpe militar de 31 de março de 1964 é fruto dessas vicissitudes históricas. De fato, há um pacto de silêncio entre Lula e os comandantes militares, que proibiram as comemorações nos quartéis, enquanto generais e outros oficiais golpistas prestam contas à Justiça comum, fato inédito na história.

Entretanto, a sociedade não está proibida de reverenciar seus mortos, como fizeram os professores da Faculdade de Direito de Niterói (UFF), ao propor o título de Doutor Honoris Causa ao seu ex-aluno Fernando Santa Cruz, sequestrado e assassinato em 1974, depois de diplomá-lo bacharel post mortem. 

Lincoln Gordon pode ter sido o embaixador do golpe, mas para isso teve a ajuda do coronel Vernon Walters - Elio Gaspari (Globo, FSP)

O americano esteve em todas

Elio Gaspari


O Globo, domingo, 31 de março de 2024


Na manhã de hoje, há 60 anos, o embaixador americano Lincoln Gordon chegou à sua sala por volta das 9h15m. Ele sabia que o golpe estava por dias, mas não sabia que o general Olímpio Mourão Filho, comandante da Região Militar com sede em Juiz de Fora (MG), havia resolvido se rebelar. Quem o avisou que a coisa havia começado foi seu adido militar, o coronel Vernon Walters, um homem corpulento, amigo de militares brasileiros desde a Segunda Guerra Mundial.

Walters ralou durante esse dia. No fim da tarde achava-se que o general Castello Branco, seu colega de barraca na Itália e chefe do Estado-Maior do Exército, estava encurralado no Ministério da Guerra. (Falso, ele estava num aparelho na Zona Sul.) Um marechal avisou-o de que uma tropa legalista da Vila Militar marchava para Minas Gerais. Às 19h05m seu prognóstico era sombrio: “A rebelião parece estar perdendo ímpeto.”

Naqueles dias o Rio de Janeiro penava um racionamento de energia e bairros inteiros ficavam sem luz à noite. Perto das 23h, o marechal Lima Brayner, chefe do Estado-Maior da Força Expedicionária Brasileira durante a guerra, ouviu pancadas na entrada de serviço do seu apartamento de Copacabana, abriu a portinhola e viu, iluminado por uma vela, o coronel Walters. Brayner disse-lhe: “O Kruel acaba de lançar um manifesto.” “Graças a Deus”, respondeu Walters, um católico devoto.

A adesão do general Amaury Kruel, comandante da guarnição de São Paulo, havia decidido a parada. O marechal Cordeiro de Farias, patriarca de todas as sublevações militares do período resumiria a questão: “O Exército foi dormir janguista a acordou revolucionário.”

No dia 2 de abril, Walters passou pela casa de Castello Branco, em Ipanema. No dia 4, de novo, e também na do ex-presidente, marechal Eurico Dutra (1946-1950).

Eleito presidente, no primeiro dia de serviço, Castello convidou-o para um almoço no Palácio do Planalto. Walters presenteou-o com um abacaxi.

O coronel Walters entrou na mitologia das intervenções militares americanas como se, com seus seu pés enormes, esmagasse governos. Teria ajudado a derrubar o rei Farouk no Egito (1954), o premier Mossadegh no Irã (1953), os presidentes Manuel Prado no Peru e Arturo Frondizi na Argentina (1962), noves fora Jango. É um exagero.

Na vida real ele foi mais que isso. Onde houve encrenca ou mistério, lá está ele. Conversas secretas com chineses e vietnamitas? Foi Walters quem bateu à porta de embaixada chinesa em Paris com um recado do presidente americano Richard Nixon. Era em sua casa que Henry Kissinger se escondia para negociar com os vietnamitas do Norte. Escândalo do Watergate, que derrubou o presidente dos Estados Unidos? Ele era o vice-diretor da Central Intelligence Agency em 1972, quando a Casa Branca concebeu um estratagema para congelar as investigações do FBI. Walters e o diretor da CIA, Richard Helms, barraram a manobra.

Walters alistou-se no Exército para derrotar o nazismo e continuou na carreira para derrotar o comunismo. Em 1989, ele era embaixador na Alemanha e de sua janela viu o fim do Muro de Berlim. Morreu em 2002, aos 85 anos.

O homem que falava oito línguas

Walters era um interlocutor direto, dotado de um humor sarcástico. Costumava dizer que falava outras sete línguas (francês, italiano, espanhol, português, alemão, russo e holandês) mas não pensava em nenhuma. Seu português tinha pouco sotaque, como o de Roberto Campos.

Quando Fidel Castro lhe disse que estudou com padres, cortou:

— Yo también, pero me quedé fidel.

Quando era acusado de saber tudo sobre o Brasil, respondia.

— Se eu fosse isso tudo, não teria comprado um apartamento no Panorama Palace Hotel. (Lançado no Rio nos anos 1960, o Panorama foi um mico e hoje é chamado de Favela Hub.)

Walters alistou-se no Exército em 1941 antes mesmo que os Estados Unidos entrassem na guerra. Seu pai teve algum dinheiro, mas perdeu-o na Depressão dos anos 1930. Tinha talento para idiomas e lapidou-o na adolescência, como mensageiro de uma companhia de seguros da Babel de Nova York. Achou que com isso teria uma boa posição mas, de saída, virou soldado raso.

Um ano depois era tenente, na área de informações, e um coronel mandou que aprendesse português. Em 1943 foi designado para acompanhar oficiais brasileiros nos Estados Unidos e, mais tarde, na Itália. Daí em diante foi interprete das conversas de presidentes americanos com brasileiros, de Dutra a Médici, de Harry Truman a Richard Nixon. Teve dois padrinhos, o presidente Eisenhower e Averell Harriman, milionário, diplomata, ex-governador de Nova York grão-duque do partido democrata.

Depois de ter vivido alguns anos no Rio (e virar flamenguista), era adido militar em Roma em 1962, quando o embaixador Lincoln Gordon pediu ao presidente Kennedy que o removesse para o Rio, reforçando o dispositivo militar da embaixada. Walters moveu céus e terra para não sair de Roma, pensou em pedir passagem para a reserva. Em outubro o coronel desceu no Rio e teve 13 generais para recebê-lo no aeroporto.

Na noite de 13 de março de 1964 ele viu o discurso de João Goulart na casa do general Castello Branco. (O alto da testa de Castello batia abaixo da base do queixo de Walters, que o descreveria assim: “Baixo, robusto. O pescoço muito curto e a grande cabeça dão a impressão de que é corcunda”.)

Walters deixou o Brasil em 1967 como general. Uma semana depois da edição do AI-5, quando havia pressão para que os EUA se afastassem da ditadura, ele escreveu ao secretário de Estado Henry Kissinger defendendo a aliança:

“Se o Brasil se perder, não será outra Cuba. Será outra China”.

Walters foi adido militar em Paris, vice-diretor da CIA, embaixador nas Nações Unidas e em Berlim. Lá, pelo seu jeitão loquaz, o secretário de Estado James Baker evitava-o.

Washington manda, e Walters cumpre

Em 1966 a Polícia Federal prendeu dois americanos com contrabando de minérios na Amazônia. Um poderoso senador foi ao secretário de Defesa e pediu por eles. Walters recebeu o seguinte telegrama:

“Apreciamos seus francos comentários se há algo que possa ser feito nesse caso através de seus bons contatos com seus interlocutores militares brasileiros.”

Walters foi a Castello Branco dizendo-se envergonhado por encaminhar a gestão. Dias depois, as celas dos americanos amanheceram com as portas abertas e eles fugiram.

Missão impossível, Resgatar Kissinger

Quando: 1970.

Onde: Paris

O general Walters está no seu gabinete de adido militar na França e recebe uma mensagem de Washington informando que o avião que conduz do secretário de Estado Henry Kissinger para mais um encontro secreto com vietnamitas está sobre o Atlântico e será obrigado a descer no aeroporto de Frankfurt, na Alemanha.

Missão: Trazer Kissinger, incógnito, a Paris.

Walters desceu, caminhou até o palácio presidencial e pediu para ser recebido imediatamente pelo presidente francês Georges Pompidou. Expôs o seu caso: precisava de um avião para buscar o secretário.

Quando Pompidou perguntou-lhe o que Kissinger vinha fazer em Paris, respondeu que a viagem envolvia uma senhora.

Pompidou emprestou-lhe um jato militar, ele desceu em Frankfurt, atravessou a pista, mandou apagar os refletores e resgatou Kissinger. Seguindo a rotina, levou-o para seu apartamento, onde a empregada jamais soube quem era o hóspede.

Serviço:

Walters escreveu dois livros de memórias, o primeiro, “Missões silenciosas”, muito bom, tem edição em português.

 

domingo, 31 de março de 2024

Ernesto Geisel, o general prussiano que estatizou o Brasil, retificou a política externa e começou a abertura política em plena ditadura

 Recebido de Ricardo Bergamini: 

1 - Geisel reatou as relações diplomáticas com os comunistas chineses. Hoje nosso maior parceiro comercial, 

 

A política externa do período foi marcada pela busca de novas oportunidades para o comércio exterior brasileiro. Tendo isso em mente, o governo Geisel deixou de lado a concepção ideológica de bipolaridade que ainda era forte no momento – devido à Guerra Fria – e optou por uma aproximação com a Ásia e a África. O Brasil reatou as relações diplomáticas com a China, rompidas desde a ocorrência da Revolução Chinesa, em 1949, e estabeleceu novas relações com os Emirados Árabes e o Bahrein. Além disso, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português estabelecido após a Revolução dos Cravos, movimento que pôs fim à ditadura salazarista em Portugal. O governo também reconheceu os direitos do povo da Palestina e pediu a Israel que retirasse suas tropas dos territórios árabes ocupados desde 1967.

 

2 – Assinaturas dos acordos nucleares entre Brasil e Alemanha, bem como o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). Hoje, ambos, fundamentais para o Brasil.

 

Ernesto Geisel defendia um Estado política e economicamente forte. A política econômica de seu governo, definida no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), apontava para o investimento no setor energético, ao mesmo tempo em que considerava primordial o desenvolvimento de indústrias de base, como forma de preparar a economia brasileira para os impactos do choque do petróleo, ocorrido em 1973. Teve destaque na área econômica, também, a assinatura do acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, bem como o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A economia do período Geisel teve média de crescimento de 5,5% ao ano; no entanto, a inflação saltou de 16% para 45% e a dívida externa subiu de US$ 6 bilhões, no início do governo, para US$ 45 bilhões, no final do mandato.

 

3- O Brasil não seria democrático sem o poder moral e ético do general Ernesto Geisel.  

 

A preocupação em barrar a tortura, entretanto, não evitou a ocorrência de mortes nos porões militares. As mais emblemáticas foram a do jornalista Vladimir Herzog, que apareceu enforcado no DOI-Codi de São Paulo em outubro de 1975, e a do operário Manuel Fiel Filho, no mesmo DOI-Codi, em janeiro de 1976. Estas mortes levaram Geisel a demitir o comandante do II Exército e, posteriormente, o próprio ministro do Exército, Sylvio Frota.

Ricardo Bergamini

 

 

Ernesto Geisel, o ‘pai da distensão lenta, gradual e segura’ da ditadura militar

 

Quarto presidente após o golpe de 64, general, que morreu há 20 anos, iniciou processo de abertura política do país. No seu governo, reprimiu linha-dura, mas fechou Congresso

 

Fonte: Acervo O Globo

 

“Morre Geisel, o patrono da distensão". Foi com esse título que O GLOBO noticiou a morte do ex-presidente Ernesto Geisel, em sua edição de 13 de setembro de 1996, ocorrida no Rio na véspera, de insuficiência respiratória, motivada por uma broncopneumonia, quando se tratava de um câncer. Quarto presidente militar a assumir o poder, o general governou entre 1974 e 1979, período no qual iniciou o desmantelamento do regime militar, pavimentando o caminho que levaria o Brasil de volta à democracia.

 

Ernesto Beckmann Geisel, caçula de cinco filhos, nasceu em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em 3 de agosto de 1907. Seguindo os passos de dois de seus irmãos, Henrique e Orlando – que se tornou ministro do Exército no governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) –, o menino Ernesto ingressou cedo na vida militar. Em 1921, entrou no Colégio Militar de Porto Alegre, onde terminou os estudos como melhor aluno da turma. Ocupando o posto de primeiro-tenente, participou da Revolução de 1930, movimento que depôs o presidente Washington Luís e alçou Getúlio Vargas ao poder. Geisel também teve participação decisiva em outros dois movimentos militares na década de 1930: combateu a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, ainda como tenente, e, em 1935, já como capitão, reprimiu o levante comunista na Escola de Aviação Militar no Campo dos Afonsos, no Rio, dentro do movimento conhecido como Intentona Comunista.

 

A partir daí, Geisel ampliou cada vez mais sua participação na política. Foi chefe da secretaria geral do Conselho de Segurança Nacional entre 1946 e 1947, no governo de Eurico Gaspar Dutra, e subchefe do Gabinete Militar, no governo de João Café Filho, em 1955, o vice que assumiu após o suicídio de Vargas. Desempenhou, também, a função de adido militar no Uruguai entre 1947 e 1950. No governo Jânio Quadros, foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Guerra e chefiou o Comando Militar de Brasília. Em meio à crise política gerada pela renúncia do presidente, Geisel foi nomeado chefe do Gabinete Militar do então presidente interino, Ranieri Mazzili. Nesse contexto, atuou como uma espécie de negociador entre os militares – que tentavam a todo custo impedir a posse do vice-presidente João Goulart – e os setores civis da política brasileira, que defendiam a posse. A solução encontrada para garantir a posse de Jango foi a adoção do parlamentarismo. Diante da expressa insatisfação de João Goulart, Geisel dirigiu-se ao presidente e, como publicado no GLOBO de 13 de setembro de 1996, lhe disse:

 

- Presidente, tenha certeza de que tivemos imensas dificuldades aqui em Brasília para Vossa Excelência assumir. E nós esperamos que conduza o governo de modo a que se pacifique a nação.

 

A História, porém, tomou outros rumos. Após a antecipação, de 1965 para 1963, do plebiscito sobre o regime do país, o povo escolheu o presidencialismo e teve início uma grave crise institucional, que culminou com o golpe que depôs João Goulart, comandado pelos militares e com o apoio de líderes civis. Com a instauração do regime autoritário, Geisel ajudou a articular, junto ao alto comando militar, o nome do marechal Humberto Castelo Branco para a Presidência. Com a posse deste, em 15 de abril de 1964, Geisel foi nomeado chefe do Gabinete Militar e percorreu a Região Nordeste, a fim de averiguar denúncias de tortura, prática que sempre rechaçou. Na verdade, ele se opunha não só à tortura, como também ao excessivo endurecimento do regime e a consequente ascensão ao poder dos setores mais radicais do Exército, a chamada linha-dura. Isso porque o general acreditava que a repressão corrompia a hierarquia militar, a censura protegia ladrões, e a existência de poderes absolutos, em vez de fortalecer o presidente, na verdade, o enfraquecia.

 

Essa postura de Ernesto Geisel era vista pela linha-dura como uma ameaça à própria existência do regime. Retirá-lo da alta cúpula do governo passou, então, a ser algo necessário e urgente. Dessa forma, a ascensão dos militares conservadores ao poder ocasionou uma espécie de ostracismo político para Geisel, que foi mantido longe das funções de confiança do governo militar entre 1967 e 1973, nos mandatos de Arthur da Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici. Nesse período, foi ministro do Superior Tribunal Militar (1967-1969) e presidente da Petrobras (1969-1973).

 

Em 15 de março de 1974, Geisel toma posse na Presidência da República, após ser eleito pelo colégio eleitoral, em janeiro do mesmo ano. Em 29 de agosto, durante entrevista coletiva, anunciou o projeto político que seria a marca de seu governo: a distensão lenta, segura e gradual do regime militar, o que significaria maior oportunidade para o diálogo com a oposição e a sociedade civil. A edição do GLOBO de 30 de agosto de 1974 trouxe a íntegra do discurso, no qual o presidente afirmou que o processo de abertura ocorreria dentro da ordem vigente:

 

- Prosseguirá o Governo na missão que lhe cabe de promover para toda a nação o máximo de desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indispensável. E deseja, mesmo, empenhando-se o mais possível para isso, que esta exigência de segurança venha gradativamente a reduzir-se. Erram os que pensam que podem apressar este processo pelo jogo de pressões manipuladas sobre a opinião pública (…). Tais pressões só servem para provocar contrapressões (…) invertendo-se o processo de lenta, gradativa e segura distensão, desejado pelo Executivo.

 

Ernesto Geisel defendia um Estado política e economicamente forte. A política econômica de seu governo, definida no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), apontava para o investimento no setor energético, ao mesmo tempo em que considerava primordial o desenvolvimento de indústrias de base, como forma de preparar a economia brasileira para os impactos do choque do petróleo, ocorrido em 1973. Teve destaque na área econômica, também, a assinatura do acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, bem como o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A economia do período Geisel teve média de crescimento de 5,5% ao ano; no entanto, a inflação saltou de 16% para 45% e a dívida externa subiu de US$ 6 bilhões, no início do governo, para US$ 45 bilhões, no final do mandato.

 

A política externa do período foi marcada pela busca de novas oportunidades para o comércio exterior brasileiro. Tendo isso em mente, o governo Geisel deixou de lado a concepção ideológica de bipolaridade que ainda era forte no momento – devido à Guerra Fria – e optou por uma aproximação com a Ásia e a África. O Brasil reatou as relações diplomáticas com a China, rompidas desde a ocorrência da Revolução Chinesa, em 1949, e estabeleceu novas relações com os Emirados Árabes e o Bahrein. Além disso, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o governo português estabelecido após a Revolução dos Cravos, movimento que pôs fim à ditadura salazarista em Portugal. O governo também reconheceu os direitos do povo da Palestina e pediu a Israel que retirasse suas tropas dos territórios árabes ocupados desde 1967.

 

A maior marca do governo, no entanto, está na política interna adotada, no intuito de garantir a distensão do regime militar. Ernesto Geisel não queria a prática de atos de tortura em seu governo. Quando assumiu o poder, tratou de emitir comunicados aos comandantes de Exército para que enquadrassem os chefes dos DOI-Codi, a fim de evitar a ocorrência de torturas. O tema, inclusive, apareceu em várias comunicações entre o presidente e o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general João Figueiredo. Em um desses diálogos, publicado no GLOBO em 13 de setembro de 1996, Geisel afirma não concordar com as prisões e perguntava a Figueiredo, que viria a ser seu sucessor na Presidência:

 

- Não será o caso de fazer um honesto exame crítico, rever o que está errado e imaginar novos e melhores procedimentos?

 

A preocupação em barrar a tortura, entretanto, não evitou a ocorrência de mortes nos porões militares. As mais emblemáticas foram a do jornalista Vladimir Herzog, que apareceu enforcado no DOI-Codi de São Paulo em outubro de 1975, e a do operário Manuel Fiel Filho, no mesmo DOI-Codi, em janeiro de 1976. Estas mortes levaram Geisel a demitir o comandante do II Exército e, posteriormente, o próprio ministro do Exército, Sylvio Frota.

 

Se, por um lado, Ernesto Geisel parecia empenhar-se pelo fim das torturas e pelo desmonte da máquina repressora do Estado – através da Emenda Constitucional número 11, de 1978, o presidente aboliu oficialmente a censura, restabeleceu o habeas corpus e revogou todos os atos institucionais em vigor, inclusive o AI-5 – por outro, o general não hesitou em utilizar a máquina da repressão a seu favor, a fim de manter a ordem em seu governo. Tal como um ditador, Geisel cassou 11 mandatos parlamentares, fechou o Congresso por duas semanas (no chamado Pacote de Abril, que também criou os senadores biônicos), censurou 47 filmes, 117 peças de teatro, 840 músicas e diversas reportagens. Também foram registrados 39 desaparecimentos, além de mais de mil casos de tortura.

 

Ernesto Geisel deixou o poder em 1979 e recolheu-se da vida política. O general da abertura era um homem discreto, de hábitos simples, amante da música clássica, apreciador do clima da cidade de Teresópolis, na Serra do Rio, onde mantinha uma casa, e dono de uma inteligência astuta: foi aprovado em primeiro lugar em todos os concursos militares que prestou. A discrição e a quietude, no entanto, escondiam uma imensa dor, a qual Geisel carregaria pela vida toda: a morte do filho Orlando, atropelado por um trem aos 17 anos. A perda fez com que nunca mais tivesse gosto por comemorações, e vê-lo em atos da vida social era uma raridade. Geisel morreu de câncer, aos 89 anos, deixando a viúva Lucy, a filha Amália e seu lugar na história como “o general que matou a ditadura no país”, ou como O GLOBO o definiu, "o pai da distensão lenta, gradual e segura".

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Edgard Telles Ribeiro: O Punho e a Renda (2010) - resenha de Paulo Roberto de Almeida

 Um romance "histórico" dos tempos em que alguns, no Itamaraty, colaboraram com o regime militar. Não  foi o caso agora, quando das tentativas de golpe de um inepto desonesto e tresloucado ex-militar, que queria ter a 'sua ditadura'. Teria sido uma ditadura dos imbecis. A de 1964-1985 não, foi de militares preparados – para todo o mal que fizeram, mas também para a construção tentativa do "Brasil grande potência" – o que pode ter seduzido alguns oportunistas. 

Resenha antiga, mas ainda interessante, quando falam de um outro golpe e tentativa de implantar uma ditadura.

Paulo Roberto de Almeida, 17/02/2024

Rendas faustianas, punhos wagnerianos... 

Paulo Roberto de Almeida

 

Edgard Telles Ribeiro

O Punho e a Renda

(Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, 560 p.; ISBN: 978-85-01-09162-8)  

 

O autor adverte, em sua nota inaugural, que este livro “é obra de ficção”. Acredito. Mas, como ocorre com certas declarações de diplomatas, talvez se deva dar um desconto em afirmação tão peremptória, algo como 50% em relação ao seu valor de face. É uma obra de ficção em grande parte de seu enredo essencial, mas que tem muito de verdade, no que se refere à fundamentação dos personagens e situações. Trata-se de um “romance” verossímil, de uma história plausível, com a vantagem de ter sido concebida e modelada por um “insider”, um diplomata distinguido, que calha ser também um excelente escritor, autor de vários outros romances e livros de contos. 

Eu começaria dizendo que se trata do “romance” (ou da história real) de uma geração: a dos diplomatas – estereotipicamente os de “punhos de renda” – que atravessaram os anos de chumbo do regime militar – feito quase só de punhos – e que conseguiram sobreviver, cada qual a seu modo. Diga-se, desde já, que quase todos “sobreviveram”, sem maiores percalços, e que os “sacrificados” foram poucos. Muitos outros brasileiros não sobreviveram, e é isto que interessa, talvez, não tanto ao Itamaraty, enquanto tal; mas aos brasileiros que saíram da anarquia “democrática” em vigor no início dos anos sessenta, enfrentaram mais de vinte anos de regime militar, e que ainda hoje tentam entender o que, afinal, aconteceu no Brasil, e na região, durante a longa noite de regimes autoritários na América Latina. 

Mas obra não é exatamente o “romance” de uma geração, ou sequer de toda uma casta de servidores públicos, o que são, indiscutivelmente, os diplomatas. Trata-se, mais apropriadamente, de uma “biografia não-autorizada”, talvez goethiana, de uma parte dessa casta de servidores do Estado, em um dos ministérios mais respeitados da burocracia federal. Tudo gira em torno de Max, o codinome, se poderia dizer, que se deixa aprisionar pelos novos tempos e é envolvido em suas tramóias mais sórdidas – quando o Brasil, não contente em consolidar o domínio autoritário no interior de suas fronteiras, ajudava a “corrigir” os desmazelos das democracias populistas nos países vizinhos, ali patrocinando golpes militares violentos. Ele consegue, inclusive, sobreviver à derrocada do regime, sempre apostando nas “pessoas certas”, nas personalidades influentes (a começar por um beijo no anel do cardeal brasileiro, pouco antes do golpe de 1964). Max tem um nome ficcional: Marcílio Andrade Xavier. Mas, na verdade, ele é um amálgama de diversos diplomatas que existiram, realmente, ao longo do regime militar (e mais além...).

O estilo é brilhante, e o leitor atravessa esse “romance-história” sem parar, do começo ao fim de suas 550 páginas, sempre com o personagem principal no centro ou em surdina ao enredo. Este é talvez goethiano, mais exatamente faustiano, pelo menos em partes da obra. Em outras partes, a obra vira um itinerário de descoberta, um pouco como nos romances de John Le Carré, em que os personagens do submundo da inteligência civil, têm de lidar com sentimentos e frustrações, com as emoções humanas, aquilo que Graham Greene chamou, em um dos seus livros, “the human factor”. Parafraseando aquela velha canção sobre os desafinados, pode-se dizer que os homens de inteligência também têm um coração. Pode até ser, mas não propriamente Max, que apenas tem como objetivos poder e prestígio, o tempo todo mirando no futuro, e não apenas no presente de luta surda (e aberta) contra as ameaças comunistas na América Latina em plena era da Guerra Fria.

O personagem principal aparece como um intelectual brilhante. Ele poderia, assim, ter tido sucesso apenas fazendo um pouco mais do que recomendaria o estrito dever funcional; ou então, como muitos outros na carreira, por meio de um desempenho “correto” numa profissão certamente exigente em qualidades pessoais, mas também marcada por tarefas aborrecidamente burocráticas na maior parte do tempo; em qualquer hipótese, ele teria tido a chance de se distinguir no cumprimento de suas “missões” e, dessa forma, ser promovido antes dos seus colegas de turma.

Max, no entanto, dotado de uma ambição desmedida, acaba fazendo um pacto faustiano: cercado, ou encurralado, por um manipulador de carreiras, aceita servir ao SNI, cooperar com a CIA e colaborar com a inteligência britânica, o MI6 (excusez du peu, como diriam os franceses). Sim, tudo isso por motivações puramente pessoais, sem qualquer desejo de vingança; menos ainda por amor ao dinheiro ou qualquer outro motivo mais mesquinho. Apenas um gosto inexplicável por uma vida de dupla, ou tripla, personalidade. Traço de caráter que, aliás, permanece não explicado ao longo do “romance”, o que acrescenta ao mistério (e que poderia ter sido explorado psicanaliticamente, como conviria, talvez, nessa espécie de Bildungsroman).

Todos os personagens têm nomes próprios no “romance”, ainda que ligeiramente trocados, por simples precaução do autor, como o agente da CIA morto pelos Tupamaros no Uruguai, por exemplo. Menos o personagem que introduziu Max no submundo da inteligência brasileira, alegadamente seu chefe em Montevidéu, um antigo embaixador por demais conhecido (dos mais velhos) na carreira, como um anticomunista profissional, e que deixou dois volumes de memórias até interessantes pela sinceridade com que revelou seus “golpes” contra os comunistas da carreira e os de fora dela. O “homem da capa preta” fica sem nome, mas não é difícil descobrir quem seja, e seria até interessante reler, hoje, certas passagens de suas memórias.

Os diplomatas também se precipitarão sobre alguns currículos de colegas, vivos ou “desaparecidos”, para saber o quanto existe de coincidências ou de similitudes, em termos de postos, datas e situações, com colegas que eles possam ter conhecido e que imaginam “retratados” no romance. Muitos se sentirão frustrados, mais, talvez, pelas não-coincidências do que por estas, que são todas absolutamente plausíveis, até mesmo possíveis, tomadas globalmente, ao longo de um itinerário de descobertas muito bem encadeado na competente e absorvente escrita do autor.

Como especialista em cinema – tendo, aliás, servido duas vezes em Los Angeles e dado aulas de cinema na UnB – ele traça um roteiro, um script, melhor dizendo, impecável, com flashbacks e cenas paralelas que prendem a atenção de qualquer leitor, ainda mais se este for da carreira e estiver interessado em conhecer um pouco mais do submundo em que o Itamaraty se envolveu durante os chamados anos de chumbo. O personagem Max, obviamente, confunde os colegas de carreira do autor, pois não corresponde a um diplomata em particular, mas sim a um “compósito literário”, elaborado a partir daqueles poucos que atuaram nas sombras e nos cenários cinzentos que marcaram os anos mais duros do regime militar: poucos desses, aliás, estariam em condições de assumir completamente a figura faustiana que emerge nesta obra, aspecto que se encontra na trama de alguns grandes “romances” clássicos. 

Curiosamente, é um livro de Thomas Mann que oferece ao MI6 britânico a chave, involuntária e inconscientemente fornecida por Max, para penetrar nos segredos do programa nuclear brasileiro, ainda em gestação no início dos anos 1970 – quando o Brasil colaborava com a CIA na montagem dos golpes militares no Uruguai e no Chile – mas cuja interface tecnológica alemã já deixava de cabelos em pé os “não-proliferadores” de Washington. Não, não se trata do Doktor Faustus (que só veio à luz nos anos 1950), mas de uma primeira edição autografada pelo autor de Der Zauberberg (A Montanha Mágica, publicado pela primeira vez em 1924), da qual o embaixador em Montevidéu jamais se separava (mas eu deixo esse spy-catch para os leitores do livro). Este aspecto talvez seja o “detalhe” mais realista – ainda que ficcional – do “romance”, pois se as perseguições a comunistas há muito ficaram para trás, determinadas “opções” nucleares continuam rigorosamente atuais (um pouco como uma baleia que emerge de vez em quando para respirar, segundo uma imagem, hors-roman, do autor). 

Hoje, aliás, os perseguidos dos anos 1970 se encontram em grande medida no poder – alguns até pretendendo se vingar de seus antigos torturadores – e revelações de arquivos diplomáticos (muito antes do Wikileaks) já demonstraram algumas facetas da colaboração de diplomatas com os antigos serviços de repressão. Max, quaisquer que sejam suas encarnações reais, continuou, no romance, atuando nas entrelinhas desses tempos sombrios, sempre com as cautelas necessárias, para emergir depois, aparentemente impoluto, e se adaptar aos novos tempos de república dos companheiros. Ele sobreviveu de um jeito ou de outro, até ver os antigos perseguidos do regime no comando do novo Estado, em uma situação de poder à qual ele mesmo aspirava chegar, como uma espécie de Santo Graal meritório, por suas grandes qualidades intelectuais (também reconhecidas pelos agentes da CIA e do MI6).

Diplomatas e leitores externos ficarão perturbados, por diferentes razões, pelo desenvolvimento geral da trama deste “romance verdadeiro”, que refaz, por assim dizer, o itinerário dessa geração de diplomatas que teve de conviver, suportar ou então se aproveitar – no caso de muitos – das novas condições criadas pelo regime militar no Brasil. Ainda não existe uma história – por algum insider ou por um historiador profissional – de como o Itamaraty “conviveu” com – e se adaptou a – esses tempos sombrios, embora eu mesmo tenha tentado reconstituir uma parte da história neste capítulo de um livro coletivo: “Do alinhamento recalcitrante à colaboração relutante: o Itamaraty em tempos de AI-5”, In Oswaldo Munteal Filho, Adriano de Freixo e Jacqueline Ventapane Freitas (orgs.), “Tempo Negro, temperatura sufocante": Estado e Sociedade no Brasil do AI-5 (Rio de Janeiro: PUC-Rio, Contraponto, 2008; p. 65-89). Sem se lograr, contudo, a colaboração dos envolvidos, é virtualmente impossível reconstituir as tramas mais importantes desse período que muitos querem esquecer.

Os próprios diplomatas que viveram esses tempos – o que não foi o meu caso, para aquela fase precisa da “diplomacia blindada”, digamos assim – ainda não escreveram sobre isso e duvido que venham a empreender a dolorosa tarefa de falar sobre as pequenas e grandes misérias do período. Que Edgard Telles Ribeiro o tenha feito – ainda que sob a forma de um “romance verdadeiro” – oferece uma prova de sua coragem, depois de tantos romances e livros de contos, em lançar-se no que poderia ser chamado de “revisão intelectual” de alguns dos personagens mais emblemáticos do ancien régime militar.

Um livro perturbador para uns e outros da carreira, certamente curioso, ou mais do que isso, para os de fora, em todo caso inédito para os padrões reservados ou circunspectos da Casa de Rio Branco. Os interessados na História, a real, tentarão estabelecer onde termina a realidade e onde começa a ficção; uma separação muito difícil de se fazer, dado o próprio envolvimento do autor com alguns dos que “colaboraram” – involuntariamente, por certo – para a montagem do personagem principal. Algum psicanalista talvez diga que a obra representou a forma de seu autor “matar” uma parte de seu passado, o que também é legítimo, sobretudo para os que viveram intensa e preocupadamente aqueles anos de escolhas difíceis e de futuros incertos. Nem todos os “sobreviventes” o fizeram com tanta dignidade e honestidade intelectual quanto o autor deste “romance”.

Para todos nós, leitores, o importante é saber que o “romance” – quaisquer que sejam suas partes de verdade e ficção – nos prende do começo ao fim, tão absorvedora é a “história” e tão cativantes são a escrita e o estilo do autor: dá para ler, em menos de 24 horas, uma trama de meio século...

 

Paulo Roberto de Almeida

[Brasília, 6 de fevereiro de 2011; 2ª versão: 8/02/2011]

Versão reduzida desta resenha foi publicada neste formato:  

1025. “Diplomacia de capa e espada? Quase...”, Boletim ADB (ano 17, n. 72, jan-fev-mar 2011, p. 29-30; link: www.adb.org). Relação de Originais n. 2243b.

 

2243. “Rendas faustianas, punhos wagnerianos...”, Brasília, 6 fevereiro 2011, 5 p. Resenha de Edgard Telles Ribeiro: O Punho e a Renda (Rio de Janeiro: Editora Record, 2010, 560 p.; ISBN: 978-85-01-09162-8). Revista em 8/02/2011, com base em observações do autor. Feita versão reduzida, sob o título “Diplomacia de capa e espada? Quase...”, publicada no Boletim ADB (ano 17, n. 72, jan-fev-mar 2011, p. 29-30; link: www.adb.org). Versão completa publicada na Revista de Economia e Relações Internacionais (FAAP-SP; vol. 10, n. 19, julho de 2011, p. 183-186; ISSN: 1677-4973; link: http://www.faap.br/faculdades/economia/ciencias_economicas/pdf/revista_economia_19.pdf). Versão da ADB Divulgado no blog Diplomatizzando (24/12/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/12/o-punho-e-renda-romance-verdade-de.html). Postado novamente no blog Diplomatizzando, 17/02/2024: link: ). Relação de Publicados n. 1025 e 1057.