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terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Marcos Rolim: “Brasil precisa de políticas públicas de desradicalização” - Rafael Ciscati (Brasil de Direitos)

 Marcos Rolim apresenta e disseca um amplo panorama e uma análise ponderada e acurada sobre processos de radicalização e desradicalização, não só no Brasil. Um longo caminho na construção de nossa democracia. PRA

Entrevista

Brasil precisa de políticas públicas de desradicalização, defende professor

Na avaliação de Marcos Rolim, sociedade abriu espaço para radicais que ameaçam a democracia. Combate ao extremismo passa por ações educativas e pela regulação das redes sociais


Rafael Ciscati

O Brasil passa por um processo de radicalização política que coloca em risco a democracia. Apesar da gravidade do quadro, as medidas adotadas para deter os extremismos ainda soam tímidas. A avaliação é do sociólogo Marcos Rolim, do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), de Porto Alegre. Segundo ele, em nome da “liberdade de expressão” e sob as bênçãos das plataformas de redes sociais, a sociedade brasileira abriu “espaços da democracia para aqueles que se mobilizam para destruí-la”. 

Rolim estuda processos de radicalização política. A intenção é  entender o que leva uma pessoa a considerar justificável — ou até mesmo a adotar—  ideias e posturas violentas como forma de alcançar objetivos políticos. 

É uma preocupação coerente com o Brasil de 2024. Ainda em novembro deste ano, um radical de direita detonou uma bomba diante do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. E, em 8 de janeiro de 2023, uma horda enfurecida invadiu prédios e vandalizou a Praça dos Três Poderes, na esperança de derrubar o presidente recém-eleito.

Rolim explica que, embora a radicalização política não seja um fenômeno exclusivo da direita, é ela que mais preocupa no Brasil em função da proporção que tomou. Essa forma de extremismo ganha força no meio digital, em fóruns de internet e aplicativos de mensagem cujos participantes estimulam o radicalismo um do outro, dobrando a aposta continuamente: “ Ocorre mais ou menos assim: alguém tem uma posição conservadora mas não violenta. Quando começa a participar de bolhas radicalizadas, percebe que todos os demais compartilham posições tendencialmente violentas. Então percebe que se a sua posição for ainda mais extremada, isso lhe garantirá aprovação e prestígio”, conta Rolim

O radicalismo de direita no Brasil, por fim, carrega uma particularidade perigosa: ele tem representatividade política. “Ainda que sejam minoritários na sociedade, são grupos influentes e muito significativos politicamente, possuem bancadas inteiras que os representam e seus discursos foram “normalizados” nas redes e na mídia”. 

Na avaliação do professor,  reverter esse quadro exige a criação de políticas públicas de desradicalização que atuem em dois eixos: de um lado, envolvam ações educativas; de outro, atuem para regular as plataformas de redes sociais.

Outra medida importante, diz Rolim, é processar e punir extremistas:

“É fundamental transmitir para o conjunto da sociedade essa mensagem: quem tramar golpe de Estado, quem planejar assassinatos, quem reproduzir discursos de ódio, será processado, julgado e preso e as penas serão longas para que os punidos tenham o tempo necessário para refletir e desistir de seus ideais de morte’.

O que é a radicalização política e como identificar um indivíduo radicalizado? 

Marcos Rolim: Se tomarmos os estudos específicos sobre o tema como os trabalhos de  Olivier Roy e Gilles Kepel nos anos 1990, e de  Marc Sageman, como “Understanding Terror Networks” que saiu em 2004, a radicalização política é um fenômeno social que tem sido estudado, internacionalmente, já há pelo menos três décadas.   Antes disso, vários autores e autoras contribuíram teoricamente para a compreensão do fenômeno. Hannah Arendt, especialmente, foi muito importante e penso que seu livro sobre “As Origens do Totalitarismo” é um marco incontornável e, ainda hoje, muito atual.   Não há, nessa trajetória de estudos, um consenso sobre muitos conceitos, mas, como regra, pode-se dizer que se considera que uma pessoa ou um grupo social se radicalizou quando passa a propor, defender ou legitimar ações violentas e letais como meio para alcançar seus objetivos políticos. Há pessoas que se radicalizam apenas cognitivamente, uma parte menor delas vai além e se radicaliza comportalmente. A rigor, qualquer plataforma ideológica ou religiosa pode amparar processos de radicalização.  Pessoas e grupos radicalizados podem pensar de forma muito diversa e compartilhar noções antagônicas, à direita ou à esquerda, sendo cristão, judeus ou muçulmanos – para citar apenas três vertentes monoteístas.  O que todos os grupos radicalizados têm em comum é a disposição de empregar a violência em nome de uma “causa” que passa a oferecer um sentido as suas vidas, a ponto de estarem dispostas também a entregas as suas vidas em nome desse ideal. Funcionalmente, o processo de radicalização é uma preparação para o confronto violento e seu horizonte é sempre a guerra civil.

As pessoas que acamparam diante quartéis em 2022, por exemplo, eram radicais?

Não se pode afirmar isso com certeza para todas elas ou mesmo para a maioria, porque temos poucos dados empíricos a respeito. Algumas características ali presentes, entretanto, sugerem que muitas daquelas pessoas já haviam concluído seu processo de radicalização, enquanto outras estavam se radicalizando.  Não por acaso, aliás, partiram daqueles acampamentos muitos dos que se deslocaram à Brasília para participar da tentativa de golpe do dia 08 de janeiro.  O movimento que essas pessoas integravam – e muitas, certamente, ainda integram – era, claramente, um movimento radicalizado que propôs, desde o primeiro momento, uma ruptura com a ordem democrática, com a solicitação em favor do que chamavam, eufemisticamente, de “Intervenção militar”.  O Brasil e os Poderes constituídos, aliás, assistiram passivamente a ação de um movimento radicalizado que propunha a violência contra esses mesmos Poderes como se aquilo fosse muito normal e expressão da “liberdade de expressão”.   Tudo isso sob a vigência do Código Penal que em seu artigo  286 assinala: “Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa. Parágrafo único – Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.   

Parece que uma boa parte dos indivíduos radicalizados no Brasil pertence a uma certa classe média. Não são pessoas em situação de vulnerabilidade, ou que sofram perseguições por pertencerem a grupos minorizados. Levando em conta o contexto brasileiro, existem fatores  que tornem uma pessoa mais ou menos propensa à radicalização?

Há vários fatores que podem desencadear processos de radicalização e não é necessário que uma pessoa ou um grupo social estejam em situação de vulnerabilidade para que se radicalizem. O mais comum, é que determinadas circunstâncias sociais promovam ideias como a da superioridade de um grupo que se imagina detentor de uma “verdade” a qual só ele teve acesso – essas pessoas teriam sido “escolhidas”, assim, para uma “missão”. Esse é um módulo muito comum aos movimentos terroristas de base religiosa. Outras vezes, um determinado grupo social pode se sentir  vítima de uma injustiça, de um logro, de uma manipulação, o que costuma mobilizar sentimentos profundos de ressentimento pré-existentes, etc   Quase sempre, a radicalização depende de uma crença de que a  situação  é  terrível e que os resultados que virão em breve levarão o mundo, o país, as famílias, nossa classe, nossa raça, nossa religião etc para a extinção. Essa enormidade do mal a ser enfrentado, que é sempre um mantra das teorias da conspiração, é exatamente o caminho que irá fazer parecer às pessoas radicalizadas que a opção pela violência é necessária, urgente e até mesmo lógica. Há outros processos que podem envolver dinâmicas de vingança. Assim, por exemplo, as “Viúvas Negras Chechenas” buscavam matar russos como resposta à dor e à humilhação que passaram por terem sido vítimas de estupro e por terem presenciado o assassinato de seus maridos. Os “Tigres Negros” das brigadas suicidas que lutaram pela independência do povo tâmil no Sri Lanka eram sobreviventes de atrocidades cingalesas. Vários dos suicidas palestinos agiram por vingança por conta de ataques das FDI contra vizinhos ou familiares como motivo para o auto-sacrifício e assim sucessivamente. Esse tipo de dinâmica, entretanto, não se verifica no Brasil. A radicalização entre nós é motivada ideologicamente, é criada em bolhas on-line em um processo de deslocamento das posições médias em direção ao extremo pelo desequilíbrio. Ocorre mais ou menos assim: alguém tem uma posição conservadora mas não violenta. Quando começa a participar de bolhas radicalizadas, percebe que todos os demais compartilham posições tendencialmente violentas. Então percebe que se a sua posição for ainda mais extremada, isso lhe garantirá aprovação e prestígio; todos os demais percebem o mesmo e a dinâmica, naturalmente, desloca o grupo para a radicalização crescente.

Há como combater esse processo de radicalização crescente?

Os estudos na área mostram que sim, que é possível e necessário desenvolver políticas de desradicalização. Sabe-se que os fenômenos de radicalização atuais têm sido potencializados pelas interações on-line. Antes das redes sociais, era possível recrutar pessoas para movimentos radicalizados, mas esse processo era muito limitado, porque dependia de interações face a face. Desde as redes sociais e a deep web, os recrutamentos ocorrem on-line e se multiplicam aos milhares através de plataformas oferecidas por impérios de comunicação digital que lucram com a viralização de conteúdos criminosos, com a proposição do ódio, do racismo, da homofobia, da misoginia e com a reprodução ampliada de mentiras que colocam a vida das pessoas em risco e que levam muitas à morte. Um jovem radicalizado que deseje montar uma bomba com potencial para demolir um prédio irá encontrar instruções detalhadas de como fazê-lo nessas plataformas e, também, de como apagar seus rastros e dificultar sua identificação pela polícia.  Movimentos antivacina se espalham entre as  pessoas incultas com a força de uma praga bíblica que irá nos trazer de volta a paralisia infantil, entre outras doenças praticamente erradicadas e, aí, quando se tenta  no Brasil, aprovar uma lei que responsabilize as  plataformas por esse tipo de conteúdo, se dissemina nas bolhas da extrema direita a desinformação de que “querem censurar a Internet”.  Então, a regulamentação das plataformas é uma medida essencial. Pouca gente soube, mas o bolsonarista que tentou explodir o STF foi radicalizado no movimento “QAnon”, uma das grandes Teorias da Conspiração disseminadas por “chans” na “deep web”, como a pesquisa do Stop Hate Brasil identificou a partir do processamento com IA do conjunto de postagens do terrorista. 

 A radicalização política observada no Brasil, hoje, é um fenômeno exclusivo da extrema direita?

Não é um fenômeno exclusivo da extrema direita. Há alguns pequenos grupos de extrema esquerda radicalizados ou em processo de radicalização no Brasil também, mas são grupos que não possuem qualquer expressão e não têm um só vereador eleito em todo o Brasil. Já os grupos radicalizados de extrema direita mobilizam milhões de pessoas. Ainda que sejam minoritários na sociedade, são grupos influentes e muito significativos politicamente, possuem bancadas inteiras que os representam e seus discursos foram “normalizados” nas redes e na mídia, sem que a ampla maioria das pessoas se dê conta de que estamos dando espaços da democracia para aqueles que se mobilizam para destruí-la.  Aqui seria importante retomar uma das mais qualificadas vertentes do pensamento liberal representada pela obra magistral de Karl Popper, “A Sociedade Aberta e seus Inimigos”, referida como “o paradoxo da liberdade”. Uma ideia cuja síntese é: não podemos tolerar a intolerância.

 No artigo publicado no Fonte Segura (boletim enviado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública), o senhor aponta que um caminho importante para conter a radicalização é responsabilizar e punir sujeitos que cometem atos extremos. Vários indivíduos que participaram da invasão à Praça dos Três Poderes foram presos. Mesmo assim, houve um atentado à bomba contra o STF recentemente. A via da responsabilização não é suficiente?

 A Alemanha, não por acaso, é, possivelmente, o país onde mais se avançou em estudos sobre radicalização e desrradicalização, o que tem se refletido em uma alta consciência sobre a necessidade de se reprimir movimentos radicalizados. Em diferentes operações policiais, grupos radicalizados, todos de perfil neonazistas, têm sido identificados e presos, o que é uma estratégia muito importante para a desrradicalização.  É fundamental transmitir para o conjunto da sociedade essa mensagem: quem tramar golpe de Estado, quem planejar assassinatos, quem reproduzir discursos de ódio, será processado, julgado e preso e as penas serão longas para que os punidos tenham o tempo necessário para refletir e desistir de seus ideais de morte. Se tivermos isso presente, fica claro que o processo de responsabilização em curso no Brasil pelo 8 de janeiro está apenas no seu início.  Além daquela massa de manobra, é preciso processar, julgar e punir os que as manobraram. Se isso ocorrer, e nunca se sabe, né, bem isso terá um efeito extraordinário por seu símbolo. Em um país que viu torturadores e assassinos da ditadura serem promovidos, aposentados e elogiados publicamente, não será pouco mandar golpistas para a cadeia.  É claro, entretanto, que a punição não é suficiente. Os governantes precisam produzir iniciativas mais amplas de desrradicalização e a sociedade civil deve debater esse tema. Há iniciativas importantes a tomar no sistema educacional, por exemplo, porque já estamos vivendo uma dinâmica de radicalização que alcança adolescentes.  A dificuldade maior aqui, como em tantos outros temas, é a ausência de uma cultura de política pública com base em evidências. No Brasil, somos apaixonados por narrativas ideológicas. Poucas pessoas, incluindo poucos políticos e gestores, lidam com evidências científicas, o que forma um cenário que torna os processos de radicalização mais fáceis. Nos faltam muitas coisas como nação, entre elas a coragem cívica, o ceticismo e a determinação de conhecer.

 Em um outro artigo, o senhor fala em processos de desradicalização coletiva conduzidos por lideranças que abandonam sua ideologia. O senhor vislumbra algo semelhante acontecendo no Brasil hoje?

 Há muitas pessoas que já foram radicalizadas e que superaram essa perspectiva. Uma boa parte da militância de esquerda sob a ditadura, por exemplo, se formou em um processo de radicalização e, desde o início da democratização, foi se distanciando dos pressupostos violentos que compartilhou. Eu mesmo vivi isso muito de perto e considero que integrei movimentos radicalizados em minha juventude. Evidente que regimes ditatoriais que impedem a luta política e que se mantém no Poder pelo arbítrio, pela prática da tortura e dos assassinatos irá ensejar resistência; um tipo de procedimento que foi, aliás, acolhido pela mais forte tradição liberal que sempre valorizou a resistência contra os tiranos, pacífica ou não.  Determinadas perspectivas ideológicas entre a esquerda, entretanto, como muitas das que se reivindicam do marxismo, por exemplo, assumiram a ideia da “Revolução” como sinônimo de luta armada e, em muitas oportunidades, na América Latina e em outras regiões, travaram a luta armada dentro de regimes democráticos o que não se pode tolerar.  Nem todos os que se envolveram nesses processos completaram um ciclo coerente autocrítico, mas, efetivamente, nenhuma dessas pessoas cogita o emprego de métodos violentos nas disputas políticas, o que é um resultado muito importante em termos históricos. Para uma referência mais recente, basta ter presente o processo de paz na Colômbia, por exemplo.  Atualmente, já temos no Brasil várias pessoas que se radicalizaram com o bolsonarismo e que conseguiram sair da “toca do coelho”, para usar uma expressão muito usado na literatura internacional para se referir ao processo de radicalização. Algumas dessa pessoas mantém posições ideologicamente de direita e seguirão votando em partidos conservadores – o que é da democracia, mas não querem saber de mais ódio, nem se dispõe a ser massa de manobra de espertalhões que compram mansões com dinheiro vivo e de covardes que açulam o povo enquanto preparam planos de fuga.  Será preciso que esse processo se amplie e que novos desiludidos surjam às centenas de milhares.


quinta-feira, 16 de maio de 2024

A odiosa campanha bolsonarista das FakeNews, explicada por Marcos Rolim

 Permito-me postar aqui a manifestação de um amigo gaúcho sobre o trabalho execrável da oposição bolsonarista, não simplesmente ao governo Lula (certamente criticável por uma variedade de outras razões), mas aos gaúchos e ao Brasil, pois foi o negacionismo climático e vacinal desses celerados que conduziu o Brasil ao descalabro ambiental e sanitário registrado com virulência no RS. PRA

Entenda porque a onda de fake news durante a tragédia no RS se intensificou tanto

MARCOS ROLIM

Desde o início da enchente no RS os perfis bolsonaristas estão trabalhando de forma coordenada (como sempre), divulgando fakes sempre com os mesmos temas e em alta velocidade (como nas eleições), inclusive para dificultar as checagens. Eles estão agindo em três eixos temáticos principais:

*EIXO 1 - O Estado nada faz* -  são exibidos vídeos descontextualizados ou mentirosos nos quais se quer falsamente evidenciar que próprio governo está parado, não toma atitude alguma.

*O lema da desinformação é: "civil quem está salvando civil"*, já que o governo não faz o que deveria. Só que quando o civil é de esquerda (tipo o Felipe neto que liderou uma campanha para doar 220 purificadores que vão produzir 1,5 milhão de litros de água potável por dia) é pra boicotar de todas as formas. Já quando o civil é de direita, é tornado herói, tipo o véio da Havan, que cedeu 2 helicópteros para resgate, mas as fakes afirmam que ele teria mais aeronaves que o Estado atuando no RS, o que é mentira, já que na verdade o governo atua com 42 aeronaves, 50 viaturas, 12 barcos e mais um mega navio de guerra da Marinha. Essas fakes são repetidas, alteradas, aumentadas o tempo todo.

*EIXO 2 - O Estado é responsável pelas mortes* - Vídeos montados ou fora de contexto e uma quantidade maior de áudios, afirmam o governo está IMPEDINDO o socorro e a chegada de mantimentos. Exemplos: que se está pedindo nota fiscal de caminhões de doações, que a Anvisa está dificultando liberação de remédio para os gaúchos (quando a Anvisa sequer faz esse trabalho).

*O lema da desinformação é: "o Estado atrapalha"* - exibem repetidamente vídeos até de tragédias antigas e de outros países tentando falsamente atribuir aos agentes do Estado atitudes de perseguição ao "heróis civis”, a exemplo de: "a polícia não está permitindo que jet-skis circulem", "o Estado está proibindo pessoas de fazerem salvamentos", "eu vi uma família ser deixada pra trás por conta do salvamento de um cavalo", etc.

*EIXO 3 – O Brasil vai piorar muito* - exibem vídeos e áudios afirmando falsamente que já está faltando arroz, que as pessoas devem correr para os supermercados, que haverá racionamento, portanto, se deve estocar comida.

*O lema da desinformação é: "vai faltar comida"* - com isso objetivam criar um clima de terror e uma corrida aos mercados elevando artificialmente a demanda por meio de estoques desnecessários, o que segundo a lei da oferta e da procura, pode de fato inflacionar os preços.

*Os objetivos desses três eixos temáticos de desinformação são:* 

a) evitar uma melhora da imagem e da avaliação do governo Lula, principalmente no Sul do Brasil, que é majoritariamente bolsonarista; 

b) anular comparações com o Governo Bolsonaro, que além de praticamente zerar investimentos em prevenção, está diretamente relacionado ao negacionismo climático/ambiental e teve uma péssima atuação em desastres, com a imagem do Bolsonaro imitando pessoas sem fôlego durante a Covid e passeando de jet-ski enquanto a Bahia vivia um pesadelo similar;

c) desgastar o governo do PT junto ao seu eleitorado, provocar uma artificial alta de preços e a perda de apoio principalmente entre os mais pobres, já que a redução no preço de alimentos tem sido uma marca positiva do governo Lula.

O movimento é coordenado, sistemático e repetitivo. *Observe que absolutamente todos os canais bolsonaristas*, e por tabela seus seguidores, estão massificando esses três eixos. Enquanto isso, o Bolsonaro apenas incentiva a percepção de caos.”

Recebido em 16/05/2024

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Afasta de mim esse cálice - Marcos Rolim (Sul 21)

 Opinião

Sul21,
19 de abril de 2024

Afasta de mim esse cálice (por Marcos Rolim) 

Há 60 anos, um golpe militar submeteu o Brasil a uma ditadura que duraria 21 anos e cuja herança está longe de ser superada. Naquele período, como ocorre em qualquer ditadura, de direita ou de esquerda, as liberdades foram suprimidas: milhares de pessoas foram perseguidas politicamente, presas, torturadas e/ou mortas. Com as garantias constitucionais suprimidas, com as organizações populares colocadas na ilegalidade, com a imprensa sob censura e com os poderes Legislativo e Judiciário dominados, o arbítrio e a violência estabeleceram a “paz dos cemitérios” e a injustiça e a mediocridade foram promovidas e enaltecidas. Longa noite.

Ainda hoje, sequer sabemos o número real dos que foram mortos pela ditadura militar. Há diferentes listas de pessoas desaparecidas, reclamadas por seus familiares a quem foi negado o direito à sepultura e à verdade, com números em torno de 400 mortos. Pesquisas mais recentes, entretanto, têm contabilizado centenas de outras mortes no campo e se estima que outras tantas possam ser contadas entre as vítimas indígenas.

Falar sobre ditadura pressupõe situar-se na defesa do ideal democrático. Afinal, se não sustentamos a democracia, se ela não é nosso objetivo, como ser coerente na crítica à ditadura? É possível e necessário que tenhamos uma postura crítica diante de qualquer regime político e as democracias contemporâneas, como a que temos no Brasil, estão cheias de imperfeições, privilégios e distorções que devem ser corrigidas. O ponto, entretanto, segue: em nome de que valores, que não os da democracia, é possível efetuar essa crítica? A questão é antiga e já foi objeto de muitos debates, mas é irresoluta para importantes partidos da esquerda que se alinham no plano internacional aos regimes autocráticos da Rússia e da China, versões liberticidas do capitalismo de Estado, e que simpatizam com ditaduras como as existentes na Venezuela, em Cuba e na Nicarágua.

O Brasil não construiu uma política pública de memória e verdade sobre as ditaduras que já tivemos. Não temos, por exemplo, museus sobre a tortura, uma prática que chegou por aqui com a colonização portuguesa, que atingiu dramaticamente – e por mais de três séculos – as pessoas negras escravizadas e, como regra, os pobres suspeitos e que se disseminou no Estado Novo e na ditadura militar com as garantias da impunidade oferecidas pelo Poder Público. Essa conta, aliás, envolve, além das Forças Armadas, boa parte das lideranças políticas, mas também muitos magistrados, promotores, empresários e lideranças civis e religiosa, que apoiaram o golpe e prestaram serviços ao horror, inclusive no financiamento do aparato clandestino de tortura e desaparição de corpos.

Normalmente, quando uma nação transita de um Estado de exceção para um regime democrático, se estabelece o que se convencionou chamar de “Justiça de Transição”, período em que se produz a verdade jurídica sobre os crimes cometidos e se define ações de reparação e memória. Em muitas experiências, como na Argentina, os responsáveis por crimes contra a humanidade, como a tortura, são condenados a longas penas de prisão; em outras experiências, como na África do Sul pós-Apartheid, ou como na experiência recente do acordo de paz na Colômbia, anistias são produzidas mediante o reconhecimento dos crimes cometidos e o arrependimento público. O processo de transição vivido no Brasil foi feito em sentido contrário. Aqui, a Anistia foi um projeto da ditadura (aliás, aprovado com os votos contrários da oposição) cujo único sentido foi assegurar a impunidade aos torturadores, aos estupradores de presas e aos assassinos do regime, de tal modo que a verdade nunca fosse produzida. A Anistia no Brasil pretendeu assegurar o silêncio ou, como os cínicos sempre disseram, o “esquecimento”.

Violações, abusos, maldades de toda a ordem se nutrem de silêncios. As ditaduras também. Alimentamos o mal quando a palavra não é dita ou quando as palavras mesmo perdem o sentido. O não dito é o resultado do medo ou do cálculo; é, por isso, frequentemente covardia ou conivência. Assim, importa falar, sempre. Lula escolheu não falar sobre a ditadura e até justificou dizendo que “não quer mexer com o passado”. Quem acha que a opção é postura nova, resultado da atual “correlação de forças”, não sabe da missa a metade. Houve quem se apressasse a justificar o presidente. Sempre há. O silêncio do Estado brasileiro, sob o comando de uma liderança tida como “de esquerda”, entretanto, assegura nova derrota moral ao campo democrático, exatamente porque, como o assinalou Faulkner, o passado sequer é passado. Com o silêncio oficial, aliás, se alarga o campo para o negacionismo sobre a própria ditadura, tema ao qual a extrema direita tem se dedicado muito.  Ao contrário do que pensa Lula, falar sobre a ditadura é mexer no futuro para que nunca mais. Calar cobra um preço muito alto; sempre.

(*) Marcos Rolim é Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016).

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