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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 27 de agosto de 2023

Problemas Públicos, Soluções Privadas? Nem sempre, não necessariamente (2016, 2023) - Paulo Roberto de Almeida

Em 2016, muita gente achava que eu era um liberal completo, ou seja, em quaisquer circunstâncias, e sob chuvas e marés, o que nunca fui, a despeito de aceitar que o estatismo conduz a soluções no mais das vezes ineficientes, sendo mais adequadas respostas que se coadunem com as condições gerais de uma economia livre.

Tendo recebido um convite de estudantes liberais para que eu me expressasse com base no título desse trabalho, sem a interrogante, eu acrescentei o ponto de interrogação e passei a responder de acordo com minha percepção dos problemas, no que posso ter desagradado muita gente que esperava que eu respondesse sempre pela afirmativa. Nunca fui de agradar meus anfitriões, concordando com tudo o que eles pensam, e sempre fui de me guiar por minhas próprias percepções, com base em muito estudo e muita observação da realidade, o que me permite ter reflexões próprias e soluções ad hoc, para os problemas das políticas públicas.

Por isso, posto novamente o que eu dizia sete anos atrás, sem mudar uma virgula do que escrevi.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 27/08/2-023

 

3039. “Problemas Públicos, Soluções Privadas? Nem sempre, não necessariamente”, Brasília, 12 setembro 2016, 9 p. 

Reflexões de um liberal contrarianista para palestra organizada pelos Estudantes Pela Liberdade, capítulo de Belo Horizonte, em 20 de setembro, tentando demonstrar a importância de não ser fundamentalista de mercado no encaminhamento de questões de interesse relevante para a sociedade. Palestra divulgada no site dos Estudantes Pela Liberdade. Texto disponibilizado na plataforma Academia.edu (13/09/2016; link: https://www.academia.edu/s/e4d696a571/3039-problemas-publicos-solucoes-privadas-nem-sempre-nao-necessariamente-2016). Divulgado no blog Diplomatizzando (13/09/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/09/problemas-publicos-solucoes-privadas.html). Nova postagem em 27/08/2023, incorporando comentários efetuados por leitores no momento da primeira publicação, em 2016. Nova postagem na plataforma Academia.edu (27/08/2023; link: https://www.academia.edu/105988712/3039_Problemas_Públicos_Soluções_Privadas_Nem_sempre_não_necessariamente_2016_2023_).

Problemas Públicos, Soluções Privadas?

Nem sempre, não necessariamente!

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

 [Palestra para Estudantes Pela Liberdade-BH, 20 de setembro de 2016]

Texto disponibilizado inicialmente na plataforma Academia.edu (13/09/2016; link: https://www.academia.edu/s/e4d696a571/3039-problemas-publicos-solucoes-privadas-nem-sempre-nao-necessariamente-2016). Divulgado em primeira mão no próprio dia, no blog Diplomatizzando (13/09/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/09/problemas-publicos-solucoes-privadas.html). Foi objeto de comentários de leitor na plataforma Academia.edu, transcritos ao final do texto.

 

 

Nos últimos anos, tive o privilégio de participar de diversos eventos promovidos por capítulos regionais dos Estudantes Pela Liberdade, em algumas cidades do Brasil. Acabo justamente de oferecer algumas reflexões sobre o populismo econômico e a ‘destruição destrutiva’ na América Latina em evento organizado pelo EPL de Brasília, no último dia 16 de setembro (texto publicado em Mundorama, 9/09/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/09/09/populismo-economico-e-destruicao-destrutiva-na-america-latina-por-paulo-roberto-de-almeida/). Digo privilégio porque este tipo de iniciativa seria muito difícil de ser realizado até alguns anos atrás, e impensável quando de minha graduação universitária, entre o final dos anos 60 e a primeira metade dos 70. 

A despeito do regime militar, supostamente de direita – na verdade, ele era tão, ou mais, estatizante e nacionalista quanto se pretende ainda hoje uma esquerda que sugere e promove políticas econômicas muito semelhantes àquelas da era militar – as escolas públicas, em geral, e as universidades, em especial, já eram dominadas por essa fauna bizarra que eu denomino de “gramscianos de academia”, o que não quer dizer que seus representantes tenham lido Gramsci ou Marx, no máximo cartilhas muito sintéticas ou aquelas vulgatas simplistas que exigem poucos neurônios no esforço de leitura.

Entendo que eu esteja recebendo estes convites dos Estudantes Pela Liberdade na suposição otimista de que eu integre as correntes liberais, faça parte de movimentos libertários, ou que eu seja, de alguma forma, identificado com posturas políticas que caracterizam “pessoas de direita”. Sinto decepcionar os que assim acreditam, mas não me defino absolutamente por qualquer rótulo político muito estrito, ainda que na juventude – e lá se vão várias décadas – eu me pretendia marxista; mas eu acrescentava logo em seguida: marxista, mas não religioso. O que eu quero dizer com isto? Eu lia, sim, o meu Marx, o meu Lênin, e vários outros socialistas, mas ao lado deles eu também lia Raymond Aron, Roberto Campos e muitos teóricos e pensadores liberais, bem como de quaisquer outras tendências políticas. Sempre fui eclético em minhas leituras e em minhas tomadas de posição em relação aos principais problemas da sociedade: depois de sair do Brasil, no período mais duro do regime militar, viajei muito e li muito; visitei todos os socialismos existentes, os reais e os surreais, assim como conheci todos os tipos de capitalismo, dos ideais aos esquizofrênicos; também frequentei todas as bibliotecas abertas à minha curiosidade insaciável. Parto do princípio de que a gente aprende sobretudo mediante dois métodos de estudo e de observação: nos bons livros (e até em alguns maus, também) e no contato com a realidade, em viagens, em conversas com todo tipo de gente, sobretudo as inteligentes. 

Pelos livros, na observação atenta do modo de funcionamento dos mais diversos tipos de países, fui aperfeiçoando minhas concepções políticas e econômicas, até chegar a esta não definição atual: não me considero um liberal, ou libertário, pois não creio nos rótulos reducionistas. No máximo eu poderia ser classificado de liberal contrarianista, ou então como um racionalista, ou seja, alguém que sempre procura definir problemas nos seus próprios termos, examinando as questões pela sua substância, ou sua essência, antes que por algum princípio genérico e invariável. Sempre tento formular respostas a desafios concretos, não teóricos, segundo as melhores armas do pensamento crítico, o que sempre envolve um alto grau de ceticismo sadio em relação a respostas prontas a problemas que invariavelmente são sempre mais complexos do que nossa capacidade analítica, de diagnóstico ou de tipo prescritivo. 

Este posicionamento preliminar tem importância para esta minha palestra a vocês, nesta noite. Fui convidado pelo capítulo de Belo Horizonte dos Estudantes Pela Liberdade sob a sugestão de que eu poderia falar alguma coisa em torno deste binômio: “problemas públicos, soluções privadas”. Parece claro, transparente, unilateral, o que justamente desperta meus instintos contrarianistas, ainda que de corte liberal. O que eu tento fazer, em todos os meus escritos e palestras, é demonstrar a importância de não ser um fundamentalista de mercado, pelo lado econômico, ou um principista político, no terreno doutrinal, no encaminhamento de questões de interesse relevante na sociedade. É, portanto, com base nestas considerações de ordem geral que eu me disponho a tentar formular algumas reflexões pessoais sobre o público e o privado enquanto mecanismos supostamente antagônicos para a definição de soluções privadas a problemas públicos, ou coletivos. Não creio que se possa partir dessa dicotomia para encaminhar de modo adequado soluções efetivas a uma infinidade de problemas com que nos defrontamos nas sociedades completamente urbanizadas e altamente complexas que são as nossas.

 

Pois bem, o que poderíamos dizer a propósito dessa fórmula aparentemente sedutora que me foi oferecida como tema de palestra: problemas públicos, soluções privadas? Em primeiro lugar que ela pode ser um bom slogan, e até um bom princípio organizador, de caráter geral, para a definição inicial e um encaminhamento muito preliminar de quaisquer problemas detectados e que requerem soluções criativas, em função dos recursos disponíveis e da dimensão das populações envolvidas. Mas ela é também redutora, no sentido em que pretende enfeixar problemas necessariamente diferentes num mesmo cesto unidirecional de respostas, apontando para o polo oposto ao do problema, ou seja, sair do público, considerado talvez como pouco eficiente, para caminhar resolutamente em direção das soluções privadas, supostamente as melhores.

Pode ser que seja assim, ou talvez deva ser assim na maior parte dos casos, mas uma regra de bom senso, ou de precaução, recomendaria que adotássemos uma postura de questionamento completo, integral, de um problema específico considerado, para a partir daí começar a examinar esse problema de todos os ângulos possíveis, e com todas as informações disponíveis, para só então formular respostas tentativas, talvez parciais, de caráter eminentemente pragmático, ao desafio em causa. Vamos examinar, a título exemplificativo, alguns casos de problemas brasileiros, e suas soluções possíveis, sempre tentando adequar essas questões aos critérios que me foram oferecidos como uma espécie de guia de ação para seu encaminhamento satisfatório, ou seja: problemas públicos, soluções privadas. Serei sintético na exposição e nas prescrições.

Quais são, em minha opinião, os maiores problemas brasileiros, públicos, portanto, ou coletivos, e quais seriam as supostas soluções privadas a esses mesmos problemas? Minha lista, não exaustiva, cobre uma dúzia de problemas “coletivos”, os quais vou discutir sumariamente segundo o mesmo formato: breve exposição de qual seria o problema, proposta de solução, natureza da solução pela dicotomia proposta. 

 

1) Problema: Peso excessivo do Estado brasileiro para a economia e a sociedade.

Solução: Redução radical do peso do Estado na vida da nação, começando pela diminuição à metade do número de ministérios, com a redução ou eliminação concomitante de uma série de outras agências públicas. 

(...)


Ler a íntegra neste link: 


https://www.academia.edu/105988712/3039_Problemas_Públicos_Soluções_Privadas_Nem_sempre_não_necessariamente_2016_2023_


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Coletânea Enap sobre políticas públicas, palestras de convidados estrangeiros: livro disponível

Uma excelente iniciativa da ENAP. Acesse a íntegra da Coletênea em português ou inglês.

https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/7211/17/enap_collection.pdf

Coletânea Enap facilita acesso aos conteúdos que demonstram as dinâmicas da inovação apresentadas em eventos na Escola entre 2019 e 2022.

Com essa publicação, a Enap pretende ser o ponto de partida para qualquer pessoa saber mais sobre os desafios do mundo e do setor público e facilitar a exploração e aprofundamento desses temas.

Confira:

yuval Harari 1  Palestra: Governo e IA / Government and AI                   

jared diamond 2 Palestra: Reviravolta: momentos cruciais de nações em crise / Turnaround: pivotal moments of nations in crisis

 jimmy wales   Palestra: Plataformas colaborativas para provocar mudanças / Collaborative platforms to bring about change

glen weyl   Palestra: Tranformar o presente para um amanhã justo, descentralizado e cooperativo / Tranforming the present for a fair, decentralized and cooperative tomorrow

steven pinker   Palestra: Racionalidade: como inspirar a reflexão ponderada? / Rationality: how to inspire a balanced reflection

deirdrePalestra: Como a inovação humana funciona / How human innovation works

carlota   Palestra: Economia em transformação: sustentabilidade, desenvolvimento e tecnologias / Economy in transformation: sustainability, development and technologies

tim    Palestra: Como construir sistemas dinâmicos e usar mais dados digitais / How to build dynnamic systems and use more digital data

audrey   Palestra: Futuros radicais: dados e coalizões de dados / Radical futures: data and data coalitions

paula  Palestra: Economia em transformação: sustentabilidade, desenvolvimento e tecnologias / Economy in transformation: sustainability, development and technologies

bruno maçaes  Palestra: Da covid à emergência climática: nosso contexto de crises e incertezas / From covid to climate emergency: our context of crises and uncertainties

dan ariely    Bate-papo com Dan Ariely /Chitchatting with Dan Ariely

 vitalik Palestra: Liberdade para transformar financiamento de bens públicos / Freedom to transform funding of public goods

 

Acesse a íntegra da Coletênea em português ou inglês.

https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/7211/17/enap_collection.pdf

terça-feira, 25 de maio de 2021

A volta da carestia - Felipe Salto (OESP)

 A volta da carestia

Felipe Salto

O Estado de S.Paulo, 25 de maio de 2021


“O Estado não pode assistir a isso calado. A população pobre é a que sofre mais”

A inflação de alimentos, o aumento do número de pessoas sem emprego ou fora da força de trabalho e a evolução da renda preocupam. A população pobre sofre mais. O Estado tem o dever de dirimir essas mazelas por meio de políticas adequadas. Não pode assistir calado à volta da carestia.

A inflação foi impulsionada pela alta do dólar, que afetou os preços dos insumos e dos bens finais importados. O repasse para a inflação geral acabou ocorrendo à medida que essa pressão da taxa de câmbio resistia. Em paralelo, a alta das commodities tem afetado os preços internos. A Instituição Fiscal Independente (IFI) aponta que o IPCA totalizará alta de 7,4% no acumulado em 12 meses até junho.

O IPCA indicou inflação de 6,8% no acumulado em 12 meses até abril. Cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) mostram que o fardo é maior sobre as classes mais baixas. Na classificação do instituto, as pessoas com renda muito baixa enfrentaram alta de preços de 7,7% até abril, enquanto as de renda alta perceberam 5,2% de inflação.

A abertura do IPCA, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que os preços do grupo alimentação no domicílio cresceram 16%. Os preços de dois itens básicos, arroz e feijão, subiram 57% e 51%, respectivamente. O grupo das carnes no IPCA aumentou 35%. O patinho ficou 37% mais caro, o preço do músculo bovino aumentou 41% e os do acém e do peito cresceram 38% e 46%. Mesmo o frango em pedaços teve alta de 14%.

A renda média do brasileiro subiu apenas 1,3% acima da inflação entre o trimestre encerrado em fevereiro de 2020 e o encerrado em fevereiro de 2021. A renda dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada caiu quase 1% em termos reais. O trabalhador doméstico amarga uma queda de 4,5% nos seus rendimentos. Já a remuneração do trabalhador formal por conta própria caiu 4,6%.

O número total de brasileiros e brasileiras ocupados passou de 93,7 milhões para 85,9 milhões. O total de pessoas desocupadas ou fora da força de trabalho saltou de 78,3 milhões para 90,9 milhões. No mercado informal, quase 2 milhões de trabalhadores sem carteira perderam seu trabalho. Já entre os informais que trabalham por conta própria, 1,3 milhão perdeu o ganha-pão.

Então, quem está empregado vê sua renda corroída pela inflação de alimentos. Por sua vez, os que perderam emprego dependem dos programas sociais e do auxílio emergencial. A esse respeito, é preciso ter claro que o programa em vigência é insuficiente. E não é por falta de orçamento, mas pela escolha equivocada de prioridades e pela insensibilidade social de um governo fraco. Governar é escolher.

No ano passado, a primeira versão do auxílio emergencial pagou, durante cinco meses, um benefício em torno de R$ 697 para mais de 66 milhões de pessoas. Agora são R$ 230 reais para 39 milhões de pessoas. Serão quatro parcelas mensais, insuficientes para garantir a subsistência de milhões de brasileiros.

Para ter claro, se o beneficiário utilizasse os R$ 230 mensais apenas para comprar arroz, feijão e carne, ele conseguiria sustentar sua família por quatro dias. A conta considera um consumo de 200 gramas de cada item, no almoço e no jantar, tomando como base uma família de quatro pessoas.

Um cálculo alternativo: o valor médio da cesta básica está em torno de R$ 550, ou seja, o auxílio deste ano representa pouco mais de 40% da cesta, o equivalente a 12 dias de alimentação em um mês. E os outros 18 dias?

Muitas famílias só estão sobrevivendo graças à boa vontade de ONGs, associações e pessoas que se mobilizaram para arrecadar alimentos e distribuí-los em comunidades pobres. Se o Estado não é capaz de cuidar disso, está falhando no essencial.

Antes da crise da covid-19, o País já estava em situação de elevada desigualdade e pobreza. Mas em fevereiro deste ano, segundo levantamento recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), 27 milhões de pessoas viviam em situação de pobreza. O número é quase três vezes superior ao observado em agosto de 2020, quando o auxílio emergencial (em valor mais alto) cumpriu o seu papel. As mudanças no benefício têm efeitos drásticos sobre as famílias pobres.

Estudo elaborado pelos pesquisadores do Ipea Rodrigo Orair, Letícia Bartholo, Luiz Paiva e Pedro Souza mostra que é possível cuidar mais adequadamente da questão social. Eles também apresentam alternativas para financiar os gastos adicionais necessários. Não é por falta de diagnóstico e de proposta que o governo está paralisado. É por inépcia.

É preciso, nesta quadra de trevas da vida nacional, lembrar dom Hélder Câmara: é inaceitável assimilar a pobreza como uma condição imutável. A culpa é nossa, de todos, mas, sobretudo, de quem tem poder para formular e executar políticas públicas. Temos de nos organizar para mudar essa situação. A volta da carestia e o aprofundamento das desigualdades são consequências da crise. Aceitá-las é apenas uma entre muitas escolhas possíveis.

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Primeiro Diretor-Executivo da IFI. As opiniões são pessoais e não vinculam a instituição.

sábado, 25 de janeiro de 2020

Gazeta do Povo apoia a política de abstinência sexual da ministra Damares

Gazeta do Povo tem todo direito de defender posturas conservadoras e de apoiar a política de abstinência sexual, ou sexo tardio, da ministra Damares. Mas se o jornal pretende ser um observador isento das políticas públicas ele tem o dever de seguir os recursos públicos que forem engajados na política da abstinência e verificar se isso não vai diminuir recursos para métodos preventivos de gravidez e doença, assim como para o tratamento dos efeitos de gravidez indesejada ou doenças venéreas.
Paulo Roberto de Almeida

A posição da Gazeta do Povo sobre a polêmica política da ministra Damares


Você certamente acompanhou a polêmica em torno da proposta estudada pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para incentivar a abstinência na adolescência como forma de reduzir a problemas como gravidez precoce e a transmissão de doenças sexuais. O que você provavelmente não viu no noticiário foi uma postura como a assumida pela Gazeta do Povo no editorial deste fim de semana, que mandamos aqui em primeira mão.

No editorial, a Gazeta desconstrói as principais críticas contra a ideia defendida pela ministra Damares Alves. O texto explica, ainda, que a proposta não ataca liberdades individuais mas, pelo contrário, preserva essa liberdade diante da pressão social pelo sexo precoce.

Veja um trecho do que temos a dizer sobre o assunto:

Por que tanta celeuma quando se fala da incentivar os adolescentes a adiar o início da vida sexual? Do ponto de vista puramente lógico, a eficácia da abstinência é incontestável. Não é preciso ser nenhum gênio da biologia para entender que, sem relação sexual, não pode haver gravidez. Nem mesmo os maiores opositores da política defendida por Damares tentam argumentar contra essa verdade óbvia, preferindo apenas ignorá-la e direcionar o debate para outros pontos. Os críticos apontam para outras questões: faz sentido promover a abstinência na sociedade atual? Para uns, trata-se de estratégia que, mesmo desejável, simplesmente não funciona. Outros vão além e afirmam ser absurdo falar de abstinência, pois os adolescentes teriam todo o direito de fazer o que bem desejarem com sua sexualidade e incentivá-los a adiar a vida sexual seria uma forma de “repressão”, argumento que pode vir acompanhado do questionamento sobre o fato de o Estado estar fazendo uma “opção moral” ao decidir incentivar determinado comportamento.

...

Quando os críticos do incentivo à abstinência acusam o Estado de estar usando posições morais como embasamento para políticas públicas, ignoram (ou pretendem ignorar) que todo o exposto acima também manifesta uma avaliação moral a respeito da atividade sexual. Se um governo prioriza a oferta indiscriminada de preservativos, pílulas e DIUs a adolescentes, baseando nisso suas políticas de enfrentamento à gravidez precoce e às doenças sexualmente transmissíveis, também envia uma mensagem de cunho moral: a de que não há nada de problemático na atividade sexual durante a adolescência, desde que daí não resulte uma gravidez ou uma doença. E, se esta avaliação moral pretende ser vista como legítima, também o deve ser a posição que defende o adiamento do início da vida sexual, baseada em uma série de considerações filosóficas, antropológicas, médicas e psicológicas. É uma falácia considerar que a simples redução de danos é moralmente neutra, enquanto outras propostas são “ideológicas”; ambas são igualmente fruto de concepções morais, e por isso não se pode rechaçar de antemão a promoção da abstinência com base em uma suposta “neutralidade moral” do Estado. Além disso, as duas políticas são meramente propositivas, não impositivas: trata-se de sugerir comportamentos, não de impô-los. A liberdade dos jovens continua preservada para que façam o que julguem ser melhor para si mesmos.

Por fim, resta o argumento da ineficácia do incentivo ao adiamento da vida sexual. Se o ambiente atual praticamente empurra o adolescente para a atividade sexual precoce, isso quando não o ameaça com o ostracismo social caso não siga a tendência da turma, não há como resistir a essa onda erotizante, afirma-se. Os jovens invevitavelmente se tornarão sexualmente ativos e a sociedade não tem nada mais a fazer a não ser encher suas mãos de contraceptivos para que não engravidem ou não adoeçam. Esse raciocínio esconde dois equívocos graves, o primeiro deles a respeito da própria natureza do jovem.

Quem critica a defesa da abstinência afirmando que ela “não funciona” trata o jovem como um ser incapaz de ter vontade própria, cegamente obediente aos instintos, não muito mais que um animal reprodutor. Em tempos nos quais “empoderamento” virou uma palavra mágica, nega-se a possibilidade de o adolescente empoderar-se dizendo “não” ao impulso erotizante. Mas isso está muito longe da verdade. Os adolescentes e os jovens, com seu característico idealismo, anseiam por grandes ideais e os abraçam quando são expostos a eles. O respeito pelo parceiro e a compreensão de que o sexo, como expressão fundamental do amor humano entre homem e mulher, exige maturidade não são um idioma incompreensível ao jovem de hoje. Uma vivência sadia da sexualidade, no momento certo, é uma proposta que os adolescentes têm o direito de ouvir, ao contrário do que argumentam aqueles para os quais os jovens não passam de máquinas sexuais sem capacidade de pensar por conta própria.


Clique aqui para ler o editorial completo

Temos certeza de que a maioria dos pais de adolescentes não gostaria de ver esse debate enterrado pelo ativismo contra ideias conservadoras.

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Mini-reflexões sobre o atual momento político - Paulo Roberto de Almeida

Duas reflexões de oportunidade, em plena viagem: 

Cidadãos livres, conscientemente e verdadeiramente democratas, deveriam estar profundamente preocupados com o movimento revolucionário-reacionário olavista-bolsonarista em curso atualmente no Brasil, enquanto poderosa ameaça à nossa frágil democracia. Portanto, os democratas devem acionar o modo resistência e se preparar para uma dura luta no sentido de conscientizar a imensa massa de corações e mentes já tomados e/ou dominados pelo movimento em questão. A acomodação passiva à nova ordem em fase de instalação pode nos levar à mesma triste situação de outros regimes iliberais, antiliberais e reacionários de direita já conhecidos na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos. A ameaça é real e pode durar muitos anos. 
Por isso, termino com uma pequena adaptação da Marselhesa:
Aux armes (intelectuelles et pratiques), citoyens...
Aux armes...
Paulo Roberto de Almeida
Uberlândia, 28/04/2019

A esquerda, tanto a gramsciana quanto a neobolchevique - ambas representadas pelo PT e presentes em diversos outros partidos e movimentos de esquerda - deslanchou uma revolução cultural ainda em curso, e com força social, capital humano e muitos recursos financeiros (que desviaram do Estado, extorquiram dos capitalistas e roubaram do povo) para durar e tentar voltar ao poder. 
Mas não se deve descurar o fato de que certa direita rústica, reacionária e também antidemocrática, e que conquistou esse poder em outubro de 2018, também deslanchou uma guerra cultural, confusamente representada pelo movimento olavista-bolsonarista em fase de organização, com o objetivo de se consolidar no poder.
Considero ambas tendências antiliberais e antidemocráticas, forças profundamente nefastas e perigosas para o enraizamento de um sistema verdadeiramente democrático no Brasil.
Como não sou de me juntar a partidos ou movimentos, vou reforçar meus instrumentos de luta democrática no meu quilombo de resistência intelectual que é o meu blog Diplomatizzando.
Paulo Roberto de Almeida 
Uberlândia, 28/04/2019

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Objetivos estrategicos e prioridades taticas do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, ainda parcial e preparatório a um texto mais elaborado sobre o conjunto abrangente (desculpem a tautologia) de análise e debate sobre as principais políticas públicas.

3409. “Objetivos estratégicos e prioridades táticas do Brasil”, Brasília, 9 fevereiro 2019, 8 p. Elaboração resumida do que penso ser uma agenda de reformas para o Brasil. Disponibilizado na plataforma Academia.edu, com convite geral para debate (10/02/2019; link: https://www.academia.edu/s/47b20d0de8/objetivos-estrategicos-e-prioridades-taticas-do-brasil-2019).

    


Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: estabelecer metas e meios; finalidade: propostas de trabalho]


1. Características gerais da presente fase de transição no Brasil
O Brasil atravessa atualmente uma fase de transição política e um processo de ajuste econômico, absolutamente necessário depois da mais grave recessão de toda a sua história. Aquilo que pode ser denominado como a “Grande Destruição lulopetista” da economia teve tal dimensão – em termos de perda de crescimento, de desemprego, de desestruturação de amplos setores das atividades produtivas, a começar pelos setores orçamentário e fiscal, nos três planos da federação – que as correções a serem necessariamente introduzidas vão ocupar o executivo e o legislativo por longos meses, provavelmente anos, prevendo-se que as deformações mais graves possam apenas ser parcialmente corrigidas ao longo do mandato governamental de 2019-2022. Cabe então colocar as bases de um futuro processo de crescimento sustentado, com transformações estruturais e distribuição social de seus benefícios, ou seja, a essência do que se chama desenvolvimento inclusivo. Este é o objetivo principal deste ensaio sintético.
O processo de transição política teve início em maio de 2016, quando se pôs termo um ciclo de três mandatos e meio de um regime politicamente populista e economicamente caótico, o lulopetismo. Após a fase intermediária de dois anos e meio liderada pelo vice-presidente da antiga coalizão governista (mas amputada das forças de esquerda), que presidiu às eleições presidenciais de outubro de 2018, essa transição política deve continuar ao longo de todo o governo que teve início em janeiro de 2019, a partir do novo mandato presidencial de quatro anos, com o titular definido no segundo turno das eleições de outubro de 2018. Essa conformação política não está isenta de crises adaptativas e de turbulências nos planos do Executivo e do Legislativo, uma vez que se trata de nova coalizão de forças, declaradamente de direita, mas integrando outros componentes em três importantes polos de poder: o econômico (agora liberal), o da justiça (egressa em grande medida dos quadros da Operação Lava Jato) e, sobretudo, o militar, com características próprias em relação a experiências precedentes de atuação de militares no sistema político. Este último componente é o mais próximo que se possa pensar de uma atuação corporativa (não estruturada e não formalizada) das FFAA, no seguimento de exemplos históricos precedentes de intervenção militar na política.
O segundo processo, o de ajuste econômico, deve continuar a ser feito ao longo de todo o presente mandato dos dois poderes definidores das políticas públicas (macro e setoriais), o Executivo e o Legislativo, pois comporta um conjunto completo, complexo e difícil, de reformas estruturais e de medidas setoriais, indispensáveis para a retomada de um novo ciclo de crescimento sustentado, num ambiente econômico supostamente mais favorável a uma maior inserção internacional do Brasil. Um dos meios a essa integração do Brasil a padrões mais elevados de qualidade em suas políticas econômicas é o de sua plena adesão plena à OCDE, que no entanto deve ser considerada apenas um meio, não um fim em si mesmo, para tal objetivo. O ajuste econômico é absolutamente essencial para que o Brasil possa conduzir o conjunto de outras reformas nos planos institucional e de integração internacional, sem o qual a base fiscal de sustentação do governo poderia entrar em colapso.
O diagnóstico da situação é, resumidamente, o seguinte: o Brasil está em meio a um processo de recuperação da mais grave recessão de toda a sua história econômica, causada pela inépcia colossal, e a corrupção gigantesca da organização criminosa que assaltou o país em 2003, que provocou uma extrema deterioração de todas as instâncias de governança, cujo partido hegemônico foi alijado do poder em 2016. A organização criminosa não teria chegado aos extremos da destruição a que se chegou se não contasse com a complacência e a conivência de uma classe corrupta de políticos aproveitadores, que se beneficiou e que também ampliou o sistema de roubo oficial instaurado na cúpula do poder pela clique de meliantes políticos e de sindicalistas corruptos.
Os desafios nesse terreno são extremamente relevantes, uma vez que o déficit orçamentário precisa ser sanado, para que se possa reorganizar essa base fiscal, que se constitui no mais relevante problema de curto prazo do país. Secundariamente, o país também tem um problema de médio prazo, que é dos investimentos (em infraestrutura e demais serviços coletivos a cargo do Estado), e que pode ser sanado com novos regimes de concessão, de privatização e de abertura aos capitais estrangeiros. Finalmente, há o enorme problema da produtividade medíocre da economia brasileira, que é de longo prazo, mas que deve ser enfrentado desde já, para permitir a retomada do crescimento em bases sustentadas, com a devida transformação tecnológica da base econômica.
Especificamente no terreno político, o Brasil precisa passar por reformas institucionais dados os problemas acumulados em sua legislação eleitoral e partidária, assim como para atender às demandas da sociedade por maior transparência e maior responsabilização – accountability – no trabalho do Estado e em relação à atuação e comportamento dos agentes públicos, não apenas os executivos e representantes parlamentares, mas também em instâncias do Judiciário. Continuam, de toda forma, as pressões para a própria reforma do Estado e do sistema previdenciário, o principal responsável pelo desequilíbrio estrutural das contas públicas, depois de anos e anos do peso maior representado pelo serviço da dívida, ou seja, os juros e encargos associados.
As mudanças estruturais podem, e devem alcançar, da mesma forma, a interface externa do Brasil, tanto em sua política externa, quanto em sua diplomacia. A política externa não é o foco central do processo de ajuste, constituindo apenas um elemento acessório nas medidas de ajuste, mas ela pode ser um coadjuvante importante, sobretudo no que se refere aos processos de abertura econômica e de liberalização comercial, que contribuem para a competitividade e ganhos de produtividade do Brasil.
Esse conjunto de medidas e de novas políticas requer uma visão clara quanto aos objetivos estratégicos do Brasil, para uma definição dos obstáculos (sobretudo internos) à consecução desses objetivos, das formas pelas quais eles serão superados, assim como no tocante às prioridades (urgências, medidas de curto e médio prazo) que precisarão ser implementadas no curso dos governos seguintes ao do mandato corrente (pois se estima que a meta principal seja, na verdade, um processo contínuo de reformas, não apenas objetivos táticos de curto prazo, que precisam ser implementados até 2022).
Este documento pretende abordar, ainda que de forma perfunctória, cada um desses problemas segundo propostas de ordem geral, para o início de uma discussão a ser levada a efeito desde já. Relaciono, a seguir, os componentes desse processo, que requerem desenvolvimentos mais amplos, a serem oferecidos em textos suplementares.

2. Objetivos estratégicos do Brasil: uma visão sintética das tarefas à frente
Apresento as grandes linhas de um plano de governo deliberadamente limitado a um conjunto estritamente definido de objetivos em três campos – desenvolvimento, segurança e integração externa – que compreendem tanto políticas macroeconômicas quanto as setoriais.
1) Desenvolvimento social como prioridade máxima
Cinco linhas de ação:
1.1. Estabilidade macroeconômica (políticas macro e setoriais);
1.2. Competição microeconômica (fim da cartelização);
1.3. Boa governança (reforma das instituições nos três poderes);
1.4. Alta qualidade do capital humano (revolução educacional);
1.5. Abertura ampla a comércio e investimentos internacionais.

2) Segurança pública
Preocupação prioritária da cidadania, como das empresas privadas:
2.1. Integração dos serviços de segurança nos três níveis da federação;
2.2. Reforma dos códigos processuais e do sistema penitenciário;
2.3. Reequipamento das forças de segurança; treinamento.

3) Política externa e integração internacional
Revisão dos conceitos básicos da política externa, no sentido da abertura:
3.1. Abertura comercial unilateral, concomitante à reforma tributária;
3.2. Revisão do processo de integração com perspectiva de inserção externa;
3.3. Análise das “alianças estratégicas” em sentido puramente pragmático.

Pode-se agora oferecer breves considerações sobre cada uma dessas tarefas.

3. As grandes linhas de um processo de reformas estruturais no Brasil
Sem intenção de debater exaustivamente o conteúdo, os métodos e as diversas etapas desse amplo e complexo processo de reformas, apresento a seguir minhas breves considerações sobre cada um dos “capítulos” do empreendimento.

3.1. Desenvolvimento social como prioridade máxima
O objetivo é o de alcançar um processo sustentado de crescimento do PIB, com transformações estruturais do sistema produtivo (aumento da produtividade e inovação), com efeitos sociais positivos vinculados a esse processo, notadamente via qualificação do capital humano.
Esse processo passa por:
3.1.1. Estabilidade macroeconômica (políticas macro e setoriais)
A estabilidade macroeconômica deve ser preservada com equilíbrio das contas públicas, inflação baixa, flutuação cambial, juros de mercado, reforma tributária, com o objetivo de reduzir a carga fiscal total, mesmo progressivamente. Quaisquer que sejam as políticas macro – fiscal, monetária e cambial – e as setoriais – agrícola, industrial, tecnológica, etc. – a serem implementadas pelo governo, o que cabe ser feito, em caráter emergencial e prioritário, é um combate duríssimo à corrupção associada ao peso descomunal do Estado na economia. No plano fiscal e orçamentário, a sociedade e o sistema produtivo não aceitam mais elevação de impostos e da carga fiscal em geral, o que recomenda uma redução radical dos gastos do Estado e também do seu tamanho e peso na economia; a médio e longo prazo deve-se caminhar para uma diminuição sensível da carga tributária total. Isso passa, entre outros, pela eliminação de empresas e agências públicas inúteis e ineficientes, bem como pela extinção da extração de recursos para fins não produtivos (como, por exemplo, as contribuições sindicais, tanto as entidades patronais, como as de trabalhadores).

3.1.2. Competição microeconômica (fim da cartelização)
O Brasil é um país notoriamente dominado por monopólios e carteis setoriais. Cabe definir novas modalidades de prestação de serviços coletivos relevantes, como saneamento básico, educação, saúde, que possam ser oferecidos mais pela via dos mercados do que pela intermediação de entidades públicas, sempre sujeitas a desvios e ineficiências, ademais de se prestarem à criação e preservação de feudos políticos que alimentam o rentismo de elites predatórias e parasitárias. Deve-se implementar a concorrência plena no plano microeconômico, com a eliminação de carteis e monopólios, a privatização das empresas públicas, a abertura dos setores financeiro e de comunicações, a eliminação de controles intrusivos e das limitações às liberdades econômicas, com diminuição da burocracia em todos os níveis.
Não é preciso constituir grandes comissões de estudo para empreender a tarefa, pois tudo está identificado, mapeado, diagnosticado. Basta aplicar sistematicamente o roteiro traçado nos relatórios anuais do Banco Mundial, “Fazendo Negócios”, para se ter o roteiro das reformas a serem empreendidas em todos os níveis.

3.1.3. Boa governança (reforma das instituições nos três poderes)
Uma governança de qualidade, nas diferentes instâncias do Estado, deve começar por importantes reformas no Judiciário (revisão dos códigos processuais; eliminação completa da Justiça do Trabalho, com atribuição de suas competências a varas especializadas e o recurso amplo à soluções arbitrais, com o objetivo mais geral de diminuir o peso do Estado). Uma reforma administrativa geral no Estado brasileiro é tarefa complexa demais para ser descrita neste momento, mas constitui igualmente tarefa básica no sentido da diminuição geral do peso do Estado na vida social.
O Legislativo é fonte notória de distorções, não apenas orçamentárias – pois custa muito mais caro do que congêneres em outros países – mas também em sua administração e funcionamento, com um inchaço inaceitável em todos os níveis em que ele existe na federação. O debate sobre a redução dos legislativos, a diminuição de seus custos, a redução da dispersão e fragmentação partidária e a correção das deformações eleitorais e de representação proporcional, deve começar de imediato, com vistas a um sistema distrital adequado às peculiaridades geográficas e demográficas do país.

3.1.4. Alta qualidade do capital humano (revolução educacional)
Não se trata apenas de reformas nos currículos de ensino, nos dois primeiros níveis, mas de empreender uma verdadeira revolução educacional, a partir do básico e do ensino técnico-profissional, centrada sobre a formação de professores (e talvez a criação de novas carreiras não comprometidas com a isonomia mediocrizante). No terceiro ciclo, deve-se conceder completa autonomia às instituições de ensino superior, tanto públicas quanto privadas, mas com a reforma dos regimes de contratação no caso das primeiras, e atribuição de dotações oficiais limitadas, deixando-se o restante à área de captação livre de recursos junto aos mercados. Os dirigentes dessas instituições devem ser administradores desvinculados das tarefas didáticas habituais (entregues a decanos de suas áreas), aptos a gerir essas instituições de modo empresarial.

3.1.5. Abertura ampla a comércio e investimentos internacionais
Uma política econômica externa compatível com as necessidades do país deve ser caracterizada por abertura econômica ampla e liberalização comercial (unilateral, se for o caso), com adesão a padrões mais elevados no plano regulatório e mais liberal no setor das compras governamentais, com supressão de reservas de mercados, regras de conteúdo local ou preferências de compras nacionais com preço adicional autorizado.

3.2. Segurança pública
Trata-se da preocupação prioritária, primordial da cidadania, bem como das empresas privadas, que enfrentam enormes custos de transação, em função dos riscos associados à delinquência crescente, ao aumento geral da criminalidade no país. Cabe, portanto, uma prioridade efetiva à segurança pública, que afeta seriamente o patrimônio e a vida dos mais pobres, a renda da classe média e os lucros dos empresários, o que tem motivado muitos profissionais de qualidade a deixar o país, fechando empresas e elevando o desemprego. Essa área se desdobra em três vetores principais.
3.2.1. Integração dos serviços de segurança nos três níveis da federação
A recomendação é tão óbvia que não exige elaboração explicativa, cabendo apenas lamentar que não tenha ocorrido plenamente até o momento presente.

3.2.2. Reforma dos códigos processuais e do sistema penitenciário
A tarefa está contemplada nos planos setoriais do presente governo (2019).

3.2.3. Reequipamento das forças de segurança; treinamento
Requer um plano integrado de capacitação dos recursos humanos nessa área, com a adoção de padrões tecnológicos mais sofisticados na segurança pública, bem como um monitoramento constante dos progressos no setor.

3.3. Política externa e integração internacional
Consoante a nova visão de plena inserção do Brasil na globalização, cabe empreender uma revisão dos conceitos básicos da política externa, no sentido da abertura econômica e da interdependência global. A soberania sequer necessita ser objeto de retórica, pois ela se exerce, simplesmente. A diplomacia do Brasil sempre foi universalista, focada no interesse nacional e no direito internacional. O multilateralismo é uma de suas bases inquestionáveis, assim como a ausência de quaisquer limitações de ordem ideológica ou partidária na definição dos grandes objetivos na frente externa. Sem adentrar nas grandes definições conceituais da agenda internacional do Brasil, cabe na presente conjuntura convertê-la em importante coadjuvante do processo de reformas econômicas e comerciais, o que implica novas determinações em três frentes.

3.3.1. Abertura comercial unilateral, concomitante à reforma tributária
Não existe espaço, no horizonte previsível, para grandes negociações no plano multilateral, sugerindo-se eventuais acordos bilaterais, que passam necessariamente por um novo perfil da política comercial do Brasil, com ou sem revisão do Mercosul. A exposição do setor produtivo à concorrência internacional – benéfica em si, para os próprios produtores e consumidores – requer a redução da carga tributária no plano interno, e uma reforma não pode ser feita sem a outra, sob risco de desmantelar ainda mais as empresas do setor manufatureiro. Sugere-se considerar uma reforma tarifária baseada no conceito de tarifa única, ou reduzida a apenas duas alíquotas, com vistas a reduzir o volume de barganhas setoriais entre os diferentes ramos da indústria.

3.3.2. Revisão do processo de integração com perspectiva de inserção externa
O Mercosul – ademais de eventuais arranjos que possam ser feitos em paralelo ao seu processo de revisão – não é culpado pelo fechamento comercial do Brasil, ou por suas disfunções acumuladas ao longo dos anos, exclusivamente por distorções criadas no período do lulopetismo e por descumprimentos das obrigações institucionais por parte de seus dois maiores países membros. Se e quando esses dois países resolverem cumprir os requerimentos estabelecidos no tratado original, ele voltará a ser uma base para a integração mundial das economias dos países membros. Caberia, portanto, efetuar um exame profundo das opções estratégicas do Brasil em matéria de política comercial, para decidir, a partir daí, se cabe reformar o Mercosul, ou caminhar no sentido da independência total nesse terreno. Uma agenda aberta, portanto.

3.3.3. Análise das “alianças estratégicas” em sentido puramente pragmático
A política externa do lulopetismo conduziu o Brasil a uma série de coalizões político-diplomáticas definidas a partir de uma visão partidária deformada das relações internacionais do país, uma vez que baseada na miopia de um “Sul Global” que não existe, a não ser nas concepções ideológicas de seus promotores. O tema também implica uma revisão profunda das grandes escolhas estratégicas do Brasil na arena mundial, e requer uma exposição específica que não cabe nos limites deste texto.
O autor já ofereceu amplos comentários a esse respeito em dois livros dedicados a essa área: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014), e Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019).

Este texto é necessariamente sintético, para não prejudicar uma leitura rápida nos diferentes níveis de debate em torno dos objetivos estratégicos (ajuste econômico, reformas políticas e setoriais, melhoria na segurança pública e maior integração à economia mundial) e das prioridades táticas associadas a cada uma dessas áreas abrangentes de políticas públicas: a sustentabilidade fiscal das políticas macro e setoriais, a correção dos enormes desafios em matéria de segurança e uma revisão importante no modo de inserção internacional do Brasil. Um debate responsável e bem informado nessas três áreas requer uma visão clara das prioridades governamentais ao longo dos próximos anos, e uma coordenação rigorosa das ações em nível decisório.
  
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de fevereiro de 2019