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quarta-feira, 1 de maio de 2024

Diplomatas e os desafios do presente: ações e omissões - Paulo Roberto de Almeida

 Diplomatas e os desafios do presente: ações e omissões

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

 

Diplomatas, antes de serem servidores do Estado, ou funcionários de algum governo, são cidadãos de um país, membros de uma nação, indivíduos possuidores de consciência individual, de valores morais, seja adquiridos em família, ou no curso de sua formação e exercidos ao longo de toda uma vida e no âmbito de suas atividades profissionais. Falar dos diplomatas enquanto pessoas significa reconhecer-lhes o caráter de cidadãos que buscaram exercer sua vocação nos assuntos internacionais do seu país. O país, por definição, é sempre maior do que a instituição que os abriga, e obviamente do que o próprio poder institucional, o Executivo, no qual exercem sua atuação.

Diplomatas também possuem certas características individuais que os distinguem dos demais servidores do Estado, ou de profissionais do setor privado. O local de nascimento é, em grande medida, um acidente geográfico; o serviço do Estado pode ser o produto de um determinado contexto social ou o resultado de uma escolha deliberada, mas a consciência está de certa forma vinculada à vocação do diplomata. Alguns podem ter nascido em um país, mas acabaram servindo a outros, como nos casos de Henry Kissinger e Madeleine Albright. 

Diplomatas são potencialmente “internacionais”, ainda que eles possam ser patriotas entranhados, dispostos a dar a vida pelo seu país de origem, ou a serviço do Estado para o qual trabalham. A nação à qual pertence esse Estado é, também por definição, superior ao Estado, embora em alguns casos o Estado precede a nação, e pode até ter participado do seu processo de formação. Nesse tipo de situação, o Estado pode extravasar seus limites naturais e até seu mandato constitucional, que seriam os de servir à nação, para servir-se da nação. Como o Estado é uma entidade impessoal, cabe a um determinado governo a tarefa de submeter servidores do Estado aos seus interesses específicos, ou seja, colocá-los a serviço de políticas definidas pelo grupo político que detém o poder legalmente e temporariamente.  

Diplomatas são pessoas que, em primeiro lugar, precisam exibir um enorme conhecimento sobre o seu país e sobre o mundo. Para chegar a tal nível de saber, muito superior ao das pessoas comuns, talvez equivalente ao de vários especialistas reunidos – em economia, em direito, em história, em política, em línguas, em cultura, de modo geral – os diplomatas se preparam intensamente para o concurso de admissão, e depois continuam estudando seriamente, tanto para o desempenho prático de suas tarefas correntes, quanto para eventualmente ultrapassar novos patamares de qualificação que constituem requisitos para a ascensão funcional. O fato de os diplomatas se submeterem a tantas exigências de estudo, de poder observar outras realidades e de efetuar uma comparação entre essas realidade e a sua própria, os torna naturalmente propensos a manter um espírito crítico sobre todas e cada uma delas, inclusive e principalmente sobre a sua própria. Esse fato os torna naturalmente conscientes e preocupados.

Sobre o quê, exatamente, deveriam eles estar conscientes e preocupados? Obviamente sobre a realidade que os cerca, que condiciona o seu trabalho e que determina suas ações, ou omissões. Trata-se de uma constatação prima facie: existem ações e omissões, do trabalho diplomático, na vida profissional dos diplomatas, na sua percepção do mundo, que devem tocar algumas cordas em sua consciência, e talvez deixá-los preocupados com o sentido de algumas dessas ações ou omissões. 

Não é preciso recorrer à palavra crise – bastante desgastada por usos e abusos recorrentes – para referir-se ao estado atual de preocupações dos diplomatas, com o seu trabalho, com o seu país, com a região. Circunstâncias geográficas, relações de cercania impõem um conhecimento direto do que se passa ao redor, após o que essas realidades vizinhas passam a impactar no trabalho diplomático e também a consciência dos diplomatas. Seriam eles indiferentes ao que se passa no ambiente regional?

Nesses lugares, os valores da liberdade, da democracia, dos direitos humanos estão sendo claramente colocados em perigo. As condições essenciais para uma vida digna e para o exercício das liberdades individuais já desapareceram; ou elas estão sob constante ameaça, a continuarem as políticas atualmente em curso. A situação de indivíduos, ou de grupos inteiros, está sendo minada pelo exercício do poder arbitrário, pelo desrespeito à lei, pelo uso da força ou da violência contra os que não se submetem ao poder arbitrário. Mesmo a mais elementar das liberdades, a de expressão, vem sendo ameaçada pela progressiva extensão de um credo que, mesmo minoritário, utiliza-se do controle do poder para permitir, única e exclusivamente, a expressão de suas próprias crenças e opções políticas. Padrões morais que julgávamos estabelecidos desde o final das tiranias do século XX parecem ceder ao crescente predomínio daqueles que não pretendem se submeter ao império da lei; estes atuam como se as vitórias eleitorais lhes dão automaticamente o direito de impor seus interesses peculiares, geralmente de caráter partidário.

Diplomatas não deveriam ser indiferentes a essas realidades. Presentes em todos os lugares nos quais podem ser diretamente observados fenômenos como esses, ou muito bem informados pelos meios de comunicação disponíveis, eles podem refletir sobre todos eles, e formar suas próprias ideias sobre o sentido de suas ações – ou omissões – em face de realidades que rompem com certos padrões morais, ou com o que está escrito em leis fundamentais, ou até nos discursos oficiais. 

O que os diplomatas observam, o que eles constatam, o que eles informam o que eles fazem, ou de deixam de fazer, as instruções que eles recebem, como tudo isso impacta suas consciências, como tudo isso se reflete em suas preocupações cidadãs, ou como simples seres humanos? Qual o sentido moral de certas ações ou omissões? Qual a coerência intrínseca entre elas e o que figura na lei, nos princípios fundamentais, ou ainda, nos valores que eles acreditam defender, que deram sentido ao seu esforço para ingressar na carreira e que lhe guiou os primeiros passos no itinerário que ele julgam digno de suas aspirações e dos projetos que eles fizeram para suas vidas e para o país?

Quando existe um questionamento sobre tudo isso é porque determinadas realidades estão impactando a consciência dos diplomatas enquanto cidadãos, estão preocupando os diplomatas enquanto representantes de um país, enquanto agentes de um Estado, eventualmente enquanto servidores de um determinado governo. As diferentes realidades recobertas por esses conceitos, os limites que alguns deles podem impor ao exercício de alguns outros não deveriam impedir os diplomatas de pensar sobre o sentido de suas ações – ou omissões – e de expressar seus sentimentos de alguma forma, mesmo que de maneira indireta e não identificada. 

Em alguns momentos da vida de uma nação, a dignidade pessoal e a consciência de continuar aderindo a certas posturas morais, a defesa de valores e princípios que se conformam a certos padrões civilizatórios – os mais altos que a humanidade alcançou ao longo de uma longa e tortuosa caminhada nos séculos precedentes – todas essas expectativas individuais ou coletivas deveriam estar acima das contingências circunstanciais ou dos interesses de grupos que monopolizam, por momentos, o poder político. 

Diplomatas sabem disso. Não deveria ser difícil expressar essas ideias concretamente, e dissentir, quando a dissensão está do lado dos padrões morais, contra interesses partidários que apontam claramente para outra direção. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Reflexões sobre a diplomacia brasileira e o Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões sobre a diplomacia brasileira e o Itamaraty

Paulo Roberto de Almeida 

1. O Brasil, como Estado soberano na comunidade internacional, deve pautar sua política externa exclusivamente baseado no direito internacional, materializado nos tratados internacionais (Carta da ONU, por exemplo) e nos atos bilaterais ou plurilaterais (integração regional no Mercosul, entre outros) que assinou e ratificou. Nenhuma outra consideração de natureza política circunstancial, governamental ou partidária, poderia determinar seu afastamento dessas balizas absolutamente essenciais para sua conduta na comunidade das nações.

2. O Estado brasileiro, como instituição política básica que interage com outros Estados soberanos no pleno respeito das normas que regem suas relações recíprocas, deve relacionar-se com essas outras entidades por meio exclusivamente de suas chancelarias, e mesmo a chamada diplomacia presidencial deveria ser conduzida por canais exclusivamente diplomáticos. 

3. O Governo brasileiro, como representante político, ainda que temporário, do Estado brasileiro junto a outros governos, também se obriga a respeitar a legalidade constitucional do país e os diversos princípios do direito internacional que daí decorrem, como, entre outros, a não-ingerência nos assuntos internos dos demais governos e Estados, e o pleno respeito dos atos internacionais e bilaterais que os obrigam reciprocamente. Os tratados internacionais ratificados e em vigor entre eles devem ser escrupulosamente respeitados e preservados em sua integridade, salvo mudanças previamente anunciadas e devidamente negociadas.

4. O Ministério das Relações Exteriores, como agente primordial das relações exteriores do Brasil, deve poder exercer suas funções institucionais de maneira uniforme e homogênea, pautado nos princípios e valores, de natureza interna e internacional, assegurando unicidade e coerência nas posições e opções assumidas, sem qualquer interferência não institucional quer seja no seu processo decisório, quer seja na implementação das políticas determinadas pelo chefe de Estado.

5. A hierarquia e a disciplina são vetores inquestionáveis da atuação institucional do MRE, respeitados os princípios e valores inscritos na Constituição, que obrigam seus agentes oficiais, mas também os governantes políticos que ocupam cargos no Estado. Nenhuma consideração de natureza partidária deveria poder incidir sobre a condução da diplomacia e sobre a atuação de seus agentes oficiais. 

6. O Brasil, através do Ministério das Relações Exteriores, tem o dever de conduzir as relações com os demais Estados, pelos canais oficiais mutuamente reconhecidos, sem o recurso a instâncias paralelas desprovidas da legitimidade institucional intrínseca que está associada às suas respectivas chancelarias. 

Paulo Roberto de Almeida

A coruja de Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desmantelamento institucional do Brasil contemporâneo (2010) - Paulo Roberto de Almeida

 A coruja de Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desmantelamento institucional do Brasil contemporâneo


Paulo Roberto de Almeida 


Pretendo apresentar, com intuitos assumidamente provocadores, fatos e opiniões de um espectador engajado nas coisas do Brasil e do cenário mundial. Estas afirmações e impressões podem (talvez devam) ser consideradas como teses para uma discussão aberta, na sequencia da publicação de um ensaio que deu início a esse tipo de discussão. Permito-me remeter, para esse propósito, a um texto precedente que pode ser considerado como uma espécie de gatilho a um debate sobre o direito, a política e a economia do desmantelamento institucional a que assistimos atualmente no Brasil: “De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em missão”, Espaço Acadêmico (ano 9, n. 103, dezembro 2009, p. 130-138; link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8822/4947; também disponível em meu website pessoal: www.pralmeida.org). 

Com efeito, um primeiro diagnóstico em torno dos problemas que pretendo aqui abordar foi tentativamente apresentado por ninguém menos do que Alexis de Tocqueville, oportunamente retirado pelo Banco Mundial de uma aposentadoria tranqüila para realizar uma missão prospectiva no Brasil. Como seu assistente no terreno, sei que Tocqueville retornou a Washington passavelmente horrorizado com o que viu e ouviu no Brasil e, na primeira versão de seu relatório de missão, acima referido, ofereceu críticas responsáveis ao processo de erosão institucional que constatou diretamente. No papel de uma “coruja” sempre atenta às coisas do Brasil, estou organizando minhas notas de para ajudá-lo a concluir seu relatório completo de viagem, e permito-me oferecer aqui a versão preliminar destes subsídios que possivelmente auxiliarão Tocqueville a dar um formato final a um novo livro seu, desta vez sobre o maior país da América do Sul, dando assim continuidade à análise que ele havia iniciado 180 anos atrás pelo exame da situação democrática no maior país da América do Norte. Ele o fará, oportunamente, como um clássico revisitado.

Tendo em conta que se trata de uma abordagem não-convencional sobre aspectos cruciais da conjuntura política no Brasil, o formato adotado restringe-se a observações telegráficas que este assistente de Tocqueville foi registrando no papel, no curso de sua viagem inquisitiva, separando estritamente o que lhe pareceu serem fatos objetivos sobre a situação do grande país sul-americanos, seguidos de comentários opinativos sobre os mesmos dados daquela conjuntura. 

(...)


Ler a íntegra neste link da plataforma Academia.edu: 

https://www.academia.edu/118398473/2116_A_coruja_de_Tocqueville_fatos_e_opinioes_sobre_o_desmantelamento_institucional_do_Brasil_contemporaneo_2010_



Evolução do regionalismo político e comercial na América do Sul: uma breve síntese histórica (2008) - Paulo Roberto de Almeida

Integração regional e inserção internacional dos países da América do Sul: evolução histórica, dilemas atuais e perspectivas futuras

 

Paulo Roberto de Almeida

Doutor em Ciências Sociais, mestre em Planejamento Econômico, diplomata de carreira, professor de Economia Política no Mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

Nunca publicado na íntegra.

 

Sumário: 

Introdução: problemática, organização, metodologia, resumo executivo

1. Breve síntese histórica sobre a evolução do regionalismo político e comercial na região

2. Balanço dos experimentos de integração mais importantes realizados na América do Sul

3. Conquistas e limitações dos esquemas existentes: causas e conseqüências dos principais casos

4. Impacto de recentes mudanças globais sobre os processos de integração e nos países da região

5. Estratégias nacionais adotadas em relação à integração econômica e à inserção internacional

6. Problemas do sub-regionalismo e da liberalização hemisférica: o caso frustrado da Alca

7. Dilemas e problemas da integração: consolidação ou fuga para a frente de tipo político?

8. Fragmentação política e econômica dos processos?: os desafios dos países “bolivarianos”

9. Perspectivas da integração sul-americana no atual contexto internacional: para além da crise?

10. Visões e estratégias possíveis: estarão as lideranças à altura dos desafios internos e externos?

11. Conclusões e recomendações: menos retórica, mais engajamento nas reformas

 

Nota: Os argumentos e opiniões expressos no presente trabalho são exclusivamente pessoais e não correspondem a posições ou políticas das entidades às quais se encontra vinculado o autor. 

 

[Brasília, 1821: esquema: 7 de outubro de 2007, 1 p.;

Redação, 1844: novembro-dezembro 2007, 55 páginas;

Revisão: 22 de maio de 2008, 57 páginas.]

 

Le a íntegra neste link da plataforma Academia.edu: 


https://www.academia.edu/118398096/1844_Integracao_regional_e_insercao_internacional_dos_paises_da_America_do_Sul_evolucao_historica_dilemas_atuais_e_perspectivas_futuras_2008_



Regionalismo Sul-Americano: uma visão estratégica a partir do Brasil (2007) - Paulo Roberto de Almeida

 Regionalismo Sul-Americano: uma visão estratégica a partir do Brasil

Paulo Roberto de Almeida*

Pontes entre o comércio e o desenvolvimento sustentável

(ICTSD; Direto FGV; vol. 3, nr. 6, dezembro 2007; ISSN: 1813-4378; p. 10-11)

 

Muitas são as variáveis, internas e externas, que influenciam a integração sul-americana. Todas essas variáveis serão inquestionavelmente influenciadas pela posição e pela estratégia que venham a ser adotadas pelo Brasil. A intenção deste texto é a de refletir sobre algumas dessas opções brasileiras no tocante ao regionalismo sul-americano.

 

Uma visão realista sobre a evolução de médio e longo prazo do continente sul-americano não pode tomar como garantida a constituição de um bloco político-econômico próprio à região, a despeito do forte engajamento político, diplomático e econômico dos principais atores, sobretudo do Brasil, nesse esforço.

 

Por um lado, há um conjunto de fatores internos que influenciam a evolução integracionista. Dentre esses fatores, destacam-se questões de fato como um continente caracterizado pelo distanciamento físico, por desigualdades sociais e por assimetrias estruturais. Adicionalmente, há um conjunto de elementos políticos internos, tais como: a conformação das políticas econômicas nacionais (propensas à interdependência ativa ou mais nacionalistas); a baixa dinâmica do crescimento econômico dos países da região; a dominância de forças políticas de inclinação oposta à integração comercial e econômica, que se relacionam com as descontinuidades no próprio projeto voltado para a América do Sul (ora mais econômico ora mais tendente a discutir integração física e energética). 

 

Existem, por outro lado, os fatores externos, dentre os quais destacam-se os representados por políticas de abertura a acordos comerciais, principalmente os propostos pela principal potência hemisférica (e mundial), os Estados Unidos da América (EUA). A possibilidade de acesso consolidado ao grande mercado estadunidense e a perspectiva de investimentos diretos de tal origem nos países dispostos a assinar os acordos de livre comércio tornam-nos atrativos para quase todos os países da América do Sul. As únicas exceções a essa linha são os grandes países da região, Brasil e Argentina – justamente os que sofrem a maior incidência do protecionismo setorial estadunidense. 

 

Elementos estratégicos no contexto do regionalismo sul-americano

 

Dentre os eventos ou processos que podem influenciar o destino de qualquer projeto de integração mais profunda na América do Sul, os seguintes devem ser ressaltados:

 

      1) Diferenciais de crescimento entre os vários países da região. Isso pode aumentar a distância entre eles e as dificuldades de qualquer projeto de integração uniforme, como já demonstrado pela experiência dos países do Cone Sul. 

 

      2) Amplitude e extensão de uma futura rede de acordos comerciais (em substituição à frustrada Área de Livre Comércio das Américas-ALCA), patrocinada pelos EUA, mas praticamente abandonada, atualmente. 

 

      3) Tensões ou mesmo conflitos entre países vizinhos, por razões de ordem histórica (como nos casos Chile, Bolívia e Peru; Colômbia e Venezuela; Venezuela e Guiana) ou pelo surgimento de pendências ligadas aos eventuais efeitos externos de instabilidades internas (no caso da Colômbia, por exemplo). Isso pode ser igualmente vinculado aos deslocamentos de populações, acesso a recursos estratégicos, como água e fontes de energia.

 

      4) Capacidade brasileira de conceder acesso não recíproco a seu mercado, prestar cooperação em escala ampliada, mediar conflitos entre os países da região ou mesmo ter capacidade para alguma projeção militar. 

 

      5) Disponibilidade de fontes de financiamento para viabilizar a integração da infra-estrutura física e energética da América do Sul.

      

      6) Necessários fortalecimento e consolidação do Mercosul, que deve ser a base de qualquer projeto de integração mais amplo na região.

 

      7) Ampliação da capacidade de exportação de capitais por parte do Brasil, em especial pela via da internacionalização de suas grandes empresas.

 

Ademais, se a orientação for no sentido de uma integração física e energética, deve-se ainda considerar que: um esforço de planejamento estratégico que envolva os atuais processos sub-regionais de integração, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), não parece ser facilmente administrável pela pluralidade de arranjos já existentes; as iniciativas de integração física podem ter dificuldades de financiamento dos projetos e complicações para sua implementação, que passarão agora a ser administrados pela Unasul, com o possível complemento financeiro do novo Banco do Sul; a implementação de projetos nas áreas de transportes, energia e comunicações deve ser vista no médio e no longo prazo, uma vez que a concepção, o desenho e a efetivação de cada um desses projetos envolve não apenas a obra de engenharia em si, mas igualmente uma complexa arquitetura financeira, quando não um delongado processo de decisão política. 

 

A visão brasileira

 

O objetivo básico da integração sul-americana, na visão brasileira, é a conformação de um imenso espaço integrado nos planos econômico-comercial e físico-logístico. Isso comporia as bases indispensáveis para exercícios mais ambiciosos nos terrenos da integração cultural e da “permeabilidade” social e financeira e, até mesmo, em direção de objetivos mais amplos nos terrenos político e diplomático, como a coordenação de posições em matéria de política externa e de segurança estratégica. Não se trata, em princípio, de constituir um “bloco” para contrapor-se a outros poderes, mas tão simplesmente de conformar um espaço integrado para o desenvolvimento integral dos povos da região.

 

O Brasil, por sua dotação favorável de certos fatores, como geografia “estendida” e regime político aparentemente mais estável do que outros países da região, tem todas as condições de exercer a liderança nesse processo. Essa posição, entretanto, precisa emergir naturalmente, como sendo uma demanda dos países interessados em nossa capacidade de iniciativa nos mais diversos setores, não como um oferecimento feito de forma isolada e muito menos como uma imposição unilateral, o que de toda forma não seria aceito pelos vizinhos. 

 

Possíveis componentes de uma visão estratégica brasileira

 

Dentre as metas e linhas de ação que podem sustentar o objetivo estratégico do Brasil estão: (a) a continuidade do processo de acumulação de pequenos avanços institucionais, com a ampliação da rede de acordos de integração no contexto da América do Sul, tanto para completar a cobertura dos acordos econômicos e comerciais como para avançar em novas áreas de interesse social e cultural; e (b) o avanço decisivo no terreno da integração física, para, de fato, dar suporte logístico à integração que se pensa promover no campo dos sistemas produtivos e dos intercâmbios financeiros e tecnológicos.

 

O Brasil não deve proclamar sua vocação de ser o centro desse espaço integrado, pois isso ocorrerá naturalmente. Qualquer intenção anunciada pode gerar movimentos contrários que poderão retardar o processo de conformação desse espaço. 

 

Uma visão estratégica recomendaria, ainda, dispor de ampla flexibilidade organizacional e política na definição e escolha dos objetivos e instrumentos capazes de lograr a consolidação do espaço integrado sul-americano, o que significa não privilegiar, nem descartar, nenhum dos mecanismos existentes e porventura em formação que facilitem a obra de integração. Em algumas tarefas, a cooperação poderá estender-se a parceiros fora do alcance geográfico imediato do espaço em formação, como podem ser o caso dos países caribenhos, dos centro-americanos, do México, do Canadá e, até mesmo, dos EUA. Esses continuarão a ser, no futuro previsível, grandes mercados e provedores de bens e serviços, nas áreas financeira, cultural, educacional e, sobretudo tecnológica, para a região. Um projeto hemisférico não deve necessariamente ser visto como contraditório ou oposto a esses objetivos de integração sul-americana, até porque a maior parte dos países vizinhos tem desse projeto uma visão positiva, tanto em termos de acesso ao mercado dos EUA, como fonte possível de recursos financeiros e de investimentos diretos.

 

Outra modalidade de ação implicaria acelerar de modo decisivo o processo de integração física, econômica e social no contexto sul-americano. Dessa forma, o Brasil teria de assumir os custos iniciais (ou permanentes) desse tipo de investimento, sem que estejam muito claras as condições políticas e financeiras sob as quais o país desempenharia esse papel protagônico (de resto, unilateral e, portanto, sob risco de rejeição por parte dos vizinhos). A “fuga para a frente”, em todo caso, a supor que ela seja aceita pelos vizinhos, teria de comportar, igualmente, uma “solução financeira” para os intercâmbios regionais. Neste caso, a moeda brasileira deve desempenhar um papel complementar ao do dólar nos financiamentos, transferências e créditos dos mais diversos tipos. Em outros termos, o Brasil precisaria estar disposto e em condições de passar a assumir um papel de provedor generoso de ajuda técnica e assistência ao desenvolvimento, de “exportador de capitais” e de “aberturista não-recíproco” aos produtos e serviços dos países vizinhos.  

 

Acelerar, relativamente, e consolidar, absolutamente, o processo de integração física e econômica dos países da América do Sul representa grandes empreendimentos econômicos e diplomáticos do ponto de vista do Brasil. Da mesma forma, implementar e garantir o funcionamento ampliado de uma rede de acordos políticos, econômicos e de outra natureza, que diminuam as barreiras existentes entre os países, constituem outros grandes desafios estratégicos para a diplomacia brasileira. Um outro objetivo de, mais longo prazo, para essa diplomacia, seria tornar a América do Sul um ator, se não global, pelo menos dotado de importância relativa nos cenário hemisférico e nas relações com outros grandes atores do sistema internacional. Adicionalmente, seria importante, no plano setorial, institucionalizar uma rede de acordos plurilaterais relativos à integração física, eventualmente – mas não necessariamente – pelo reforço da Unasul. E recomendável, também, que se conserve um grau relativo de liberdade e de flexibilidade para alcançar metas variadas e objetivos diversificados nos diversos planos da integração regional. No caso do Brasil, essa liberdade tem de ser confrontada às suas obrigações no âmbito do Mercosul.

 

A América do Sul é o “terreno natural” de atuação da diplomacia e da economia do Brasil, tanto quanto o é o Mercosul, ainda que seu processo de consolidação demande bem mais tempo e maiores esforços do que o projeto de plena conformação do mercado comum no âmbito sub-regional. Não se deve, no entanto, fixar metas irrealistas de mercado plenamente unificado em escala sul-americana, no futuro previsível; mas sim um cenário de criação de redes comerciais e de esquemas econômicos complementares, inclusive e principalmente na área financeira, com a utilização de mecanismos e instrumentos crescentemente mais sofisticados, como podem vir a ser os da Unasul.

 

O Brasil deve estar consciente de que as principais iniciativas e os maiores esforços de cooperação devem partir dele mesmo, o que demandará, obviamente, um investimento inicial sem retorno aparente garantido. No plano da organização estatal interna, o objetivo estratégico deveria tornar a área “doméstica” da integração sul-americana não apenas prioritária do ponto de vista diplomático, mas igualmente no que se refere à ação setorial de todos os demais ministérios, que devem passar a encarar os desafios à integração sul-americana como extensão e parte constitutiva de suas próprias políticas setoriais.



* Doutor em Ciências Sociais, diplomata, professor no mestrado em Direito do Uniceub (Brasília).

Tendências do regionalismo comercial: evolução histórica e perspectivas atuais (2007) - Paulo Roberto de Almeida (inédito)

 Tendências do regionalismo comercial: evolução histórica e perspectivas atuais 

Paulo Roberto de Almeida

Capítulo de livro sobre a integração econômica regional,

sob a coordenação de Eduardo Lobo e Frederico Marchiori (SP: Saraiva); nunca publicado. 

 

 

1. Introdução: um pouco de história em torno dos blocos de países

A conformação de blocos, em especial de natureza comercial, não constitui, obviamente, um fenômeno novo, ou recente, na história mundial. Alianças, pactos, ligas e uniões entre países ou Estados vizinhos – ou até separados geograficamente, mas vinculados por interesses comuns – são tão freqüentes quanto os enfrentamentos bélicos e os acordos de amizade e de defesa mútua, que foram concertados ao longo dos séculos por soberanos interessados em promover a segurança e a prosperidade de suas nações ou em defendê-las de inimigos potenciais. No plano estrito da segurança estratégica, desde a Liga Ateniense, na Grécia antiga, até a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, passando pela frustrada Comunidade Européia de Defesa, são abundantes os exemplos de coalizões formais ou informais entre estados soberanos, destinadas a estabelecer vínculos mais sólidos de cooperação entre eles ou, mesmo, de caminhar no sentido da integração entre seus respectivos sistemas políticos e econômicos. 

(...) 


Ler a íntegra na plataforma Academia.edu, link: 

https://www.academia.edu/118396598/1786_Tendencias_do_regionalismo_comercial_evolução_histórica_e_perspectivas_atuais_2007_



Sobre a desoneração da Folha de Pagamentos e seus efeitos deletérios - Paulo Roberto de Almeida

Sobre a desoneração da Folha de Pagamentos e seus efeitos deletérios 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre os equívocos da desoneração setorial e seus efeitos errados no plano microeconômico, assim como sobre desoneração para pequenas prefeituras. 

 

A desoneração da Folha de Pagamentos, e sua substituição por uma contribuição previdenciária proporcional ao faturamento da empresa, não é ruim porque simplesmente retira recursos do governo, que é um gastador serial, assim como os congressistas, todos eles em busca de arrecadação para gastar. Ela é ruim porque é apenas setorial, e não geral, o que introduz, em primeiro lugar, um tratamento diferenciado entre setores, o que aliás, e em segundo lugar, beneficia de forma similar empresas muito diferentes entre si, de um mesmo setor, empresas que podem ser muito diferentes entre si quanto au grau respectivo de capitalização ou de labour intensiveness de cada uma delas.

Um dos princípios básicos na relação do Estado com o setor privado, inclusive do ponto de vista constitucional, é o de que todos devem ser tratados de forma isonômica, sem benefícios reservados apenas a uma categoria, ou setor, da economia produtiva. Todos devem ser tratados de forma similar, sem tratamento especial, o que aliás impacta de maneira muito diferente empresas de um mesmo setor, mas que podem ser muito diferentes, se capital intensive ou labour intensive.

Se todas as empresas fossem desoneradas igualmente, aí sim elas estariam sendo tratadas isonomicamente, e as empresas estariam em melhor situação, pois que teriam incentivos iguais para contratar mais mão de obra, ainda que isso pudesse atrasar sua capitalização, que é uma decorrência natural do progresso técnico. 

De toda forma, seria preciso outros recursos para o nosso tipo de regime de repartição (e não de capitalização) da seguridade social. Isso se aplica ao problema da desoneração dos recolhimentos trabalhistas por pequenos municípios, metade dos quais NÃO poderia ter autonomia, pois que carentes de viabilidade própria, vivendo de transferências federais, de LOAS, de aposentadorias ou outros programas redistributivos diferenciados regionalmente ou segundo a renda per capita.

Numa outra vertente, todos os municípios devem pagar sua contribuição social, outro principio isonômico já que todos os seus habitantes se aposentam! Retirando de uns, outros terão de pagar mais.

A desoneração setorial foi um grande erro microeconômico de Dona Dilma, que provocou atraso geral nos setores aparentemente beneficiados, pois impediu a capitalização desses setores, aumentando o descompasso com setores não beneficiados. Como tudo o que ela fez, foi errado. 

Nestes dois casos, tanto o Executivo quanto o Congresso, estão errados. Ambos perseguem objetivos de maximização de renda, o Executivo na oneração (pois que pretende arrecadar mais), os congressistas na desoneração, uma medida puramente demagógica, pois as empresas podem estar financiando suas campanhas. Vão insistir no erro?

Na verdade, não existe resposta fácil a essa questão, pois estamos falando, em última instância, do financiamento da seguridade social, que deve ser UNIVERSAL, não diferenciado por setores ou ramos da economia. Tanto o Executivo, quanto o Congresso, por motivos diferentes, erram no tratamento dos problemas (criados por políticas públicas anteriores, equivocadas) e continuam insistindo nos mesmos erros.

Mais errado ainda, dois anos depois da pandemia, é a política de subsídios a eventos, oportunismo dos mais canhestros e desonestos, na base do “empurre a conta para outras pessoas”. Pode ser uma forma disfarçada de corrupção e de aproveitamento oportunista dos recursos públicos, em torno dos quais sempre circulam políticos.

O Brasil é o país dos puxadinhos, dos penduricalhos, das improvisações e das soluções ad hoc, tudo isso contrário ao princípio igualitário que todos devem merecer numa economia de mercado. A cada problema, a solução encontrada nunca é geral e universal, e sim restrita ao setor mais vocal, mais lobista, mais amigo do rei. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4648, 1 maio 2024, 2 p.


terça-feira, 30 de abril de 2024

Capítulo, Da Constituinte de 1823 à Constituição de 1824: aspectos econômicos, Paulo Roberto de Almeida in: A Constituição do Império do Brasil de 1824

 


Da Constituinte de 1823 à Constituição de 1824: aspectos econômicos 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Contribuição ao debate sobre a economia política da primeira constituição do Brasil. 

Publicada  in: A Constituição do Império do Brasil de 1824: edição comemorativa comentada de 200 anos; obra organizada por Rafael Nogueira. São Paulo: LVM Editora, 2024, 208 p.; ISBN: 978-65-5052-181-3; p. 93-109.  Relação de Publicados n. 1559. 


  

Sumário: 

1. No Brasil, as receitas seguem as despesas, não o contrário

2. A economia política do projeto de Constituição de 1823

3. A Constituição Política do Império do Brasil: seus aspectos econômicos

4. Uma economia comandada pelo gasto público, não pela poupança ou investimento

 

1. No Brasil, as receitas seguem as despesas, não o contrário

Ao final do Império, e da vida útil da mais longeva das constituições que o Brasil conheceu até o presente momento, a de 1824, um dos deputados republicanos atentos à difícil situação econômica do país, Antonio Ferreira Viana, proclamava de forma peremptória: “O Império é o déficit!” De fato, o império era o déficit, daí a grande dívida externa acumulada desde o início da independência do Brasil, a partir do primeiro empréstimo negociado por Felisberto Caldeira Brant junto aos banqueiros ingleses ainda em 1823. As dívidas eram feitas para suprir pagamentos externos não cobertos pelas receitas de exportações – como os próprios encargos assumidos com o empréstimo português contratado antes da independência e o pagamento a D. João VI por suas propriedades no Brasil –, e novas dívidas passaram a serem feitas para pagar os juros de dívidas anteriores, sendo o principal postergado para o futuro por sucessivos contratos de funding loans, empréstimos de consolidação.

Os déficits fiscais com despesas públicas em excesso sobre as parcas receitas sempre constituíram o mais sério problema de política econômica, aliás, não só no Império, mas provavelmente em toda a história da nação, sendo possível, a algum examinador detalhista das contas públicas, identificar os poucos anos nos quais se conseguiu obter receitas acima das despesas correntes nos dois séculos de vida independente. Vindas do período colonial, as modalidades de obtenção de recursos públicos pela via da cobrança de tributos alocada a contratos feitos com particulares foram gradativamente substituídas no Império pela cobrança direta pelos poderes públicos, recolhendo-se as “rendas” (mas não todas) ao Tesouro. O Tesouro real de Portugal tinha se tornado, ao final do século XVIII, extremamente dependente dos recursos provenientes do Brasil, que tinham diminuído bastante com o esgotamento dos recursos auríferos e em diamantes das “minas gerais”, o que suscitou uma nova “derrama”, raiz da tentativa de independência naquela conjuntura.

Normalmente, os países operam o equilíbrio orçamentário da nação estimando, em primeiro lugar, as receitas, para depois fixar as despesas permitidas pelos recursos disponíveis. Ao organizar-se a nação, no Império, o procedimento era aparentemente o contrário da melhor norma recomendada pelos economistas: as despesas eram fixadas e depois se ia buscar as receitas, daí o déficit proclamado pelo tribuno republicano depois de uma longa, constante e crescente acumulação de dívidas públicas para remediar àquela inversão durante as décadas de lento crescimento econômico. Como os investimentos eram poucos, se adotou a prática de subsidiar os investimentos estrangeiros, pela garantia de juros mínimos de rendimento. Como explicitado por um dos grandes historiadores econômicos do Império, Marcelo de Paiva Abreu, “o Brasil apenas copiou políticas adotadas por outros países que concorriam na atração de capital estrangeiro em escala global”.[1]

 



[1] Cf. Marcelo de Paiva Abreu, Brasil: patrimonialismo e autarquia, Ensaios. Rio de Janeiro: Águas Férreas, 2020, vol. 1, p. 15. 


(...)


Ler a íntegra neste link da plataforma Academia.edu: 


https://www.academia.edu/117447765/4593_Da_Constituinte_de_1823_a_Constituicao_de_1824_aspectos_economicos_2024_





segunda-feira, 29 de abril de 2024

Expansão Econômica Mundial, de Brazílio Itiberê da Cunha, uma obra mais que centenária (1907-1908) - Paulo Roberto de Almeida

 Uma obra que mereceria ser reeditada pelo Itamaraty: seu autor recomendava coisas que NUNCA foram feitas pelo Brasil...

1778. “Expansão Econômica Mundial: 100 anos de uma obra pioneira”, Brasília, 7 agosto 2007, 3 p. Curto ensaio sobre a obra de Brazílio Itiberê da Cunha, Expansão Econômica Mundial (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 2 volumes, 1907 e 1908). Publicado na Revista Acadêmica Espaço da Sophia (Tomazina, PR, ISSN: 1981-318X, Ano I, nº 8, p.1-04, novembro 2007. edição eletrônica). Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XIV, n. 59, outubro-dezembro 007, p. 28-30; link: http://www.adb.org.br/boletim/ADB-59.pdf). Republicado Via Política(Porto Alegre: n. 77, 10 dezembro 2007). Relação de Publicados nº 795.


Expansão Econômica Mundial: 100 anos de uma obra pioneira

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 7 agosto 2007

 

Brazílio Itiberê da Cunha: 

Expansão Econômica Mundial

Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, dois volumes, 1907 e 1908.

 

 

Cem anos atrás, o Brasil era o café e o café era o Brasil, ou pouco mais do que isso: nossa diplomacia e a própria política econômica estavam centradas na “defesa do café”, como atestam o Convênio de Taubaté e as garantias oficiais aos empréstimos contraídos no exterior para financiar a estocagem do produto, como forma de forçar a alta dos preços nos mercados mundiais. A elite política tinha consciência do atraso da Nação, resquício da ordem escravocrata do século XIX, e muitos dos seus representantes exibiam idéias políticas e econômicas avançadas, em contradição com os parcos esforços efetivamente feitos para colocá-las em prática, de molde a diminuir a distância que nos separava das potências da época. 

A diplomacia brasileira, em particular, se destaca por sua grande capacidade analítica, sua organização avançada, sua forte presença política e geográfica nos mais diferentes foros abertos ao engenho e arte de seus representantes profissionais ou delegados ad hoc, num país que estava longe de conformar um paradigma do capitalismo pioneiro ou um palco ideal para o exercício das vantagens comparativas de um êmulo do bourgeois conquérant, em uma versão tropical. Um dos mais lúcidos diplomatas do ancien régime, servindo com entusiasmo a nova República, junto com o Barão do Rio Branco, foi Brazílio Itiberê da Cunha, que, em 1907, publicaria uma obra notável sobre as causas do crescimento econômico das nações, na qual ele discorre igualmente sobre as condições e requisitos do progresso brasileiro, ressaltando o papel da educação como elemento estratégico na equação desenvolvimentista.

Nos dois volumes de Expansão Econômica Mundial (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1907 e 1908), Itiberê da Cunha tenta condensar, depois de ter participado como delegado oficial do Brasil nos congressos de “expansão econômica” do Rio de Janeiro (1905), de Mons (1906) e de Liège (1907), seus “estudos e observações que, de longa data, temos feito sobre os palpitantes problemas econômicos que atualmente preocupam as classes pensantes e dirigentes, empenhadas em dar-lhes uma solução mais prática para o maior desenvolvimento da fortuna pública e expandi-la para além das fronteiras nacionais” (vol. 1, Prefácio, p. vii). A trajetória diplomática de Brazílio Itiberê da Cunha e a importância de sua contribuição intelectual em várias outras vertentes da vida cultural brasileira – como sua rica produção musical, por exemplo – já foram devidamente redescobertas e enfatizadas por um outro colega, Celso de Tarso Pereira, [1]o que me permite concentrar a atenção em sua reflexões comparadas sobre as causas do atraso econômico e social brasileiro, como registradas na obra em questão.

Nos dois volumes de Expansão Econômica Mundial, Itiberê discorre sobre o processo de crescimento econômico nos mais diversos países, com destaque para aqueles mais avançados, mas ele têm o cuidado de iniciar sua obra pela necessidade da educação do povo, em especial da instrução comercial, como forma de se promover o progresso econômico e social de economias atrasadas como a do Brasil. O manual de um país novo como o Brasil, diz Itiberê em sua obra, “deve ser antes O Império dos Negócios, do filântropo milionário Andrew Carnegie, do que as Pandectas ou o Corpus Iuris, acompanhando assim o crescente movimento de expansão econômica das principais potências, que nos precederam em civilização, graças, sobretudo, à superioridade do seu ensino técnico-profissional, hoje reconhecido com razão, o verdadeiro complemento obrigatório do ciclo de estudos elementares...”. [2]

Apoiado nas idéias do filósofo argentino Juan Bautista Alberdi, também diplomata, Itiberê da Cunha ressalta que “a primeira dificuldade da América do Sul para escapar da pobreza é que ignora sua condição econômica, com a persuasão de que é rica e por causa desta persuasão vive pobre, porque toma como riqueza o que não é senão instrumento para produzi-la” (ou seja, os recursos naturais abundantes nesses países).[3] O diplomata brasileiro formula uma questão que poderia resumir, basicamente, a atitude contemplativa das elites brasileiras em face do problema essencial do desenvolvimento econômico, por ele assim respondida e plenamente válida ainda hoje: “por que somos uma nação sumamente pobre? A razão é simples: quando afirmamos que o Brasil é um país riquíssimo, confundimos riqueza com instrumento ou fator de riqueza. [Esquecemos] que a riqueza capaz de produzir não está produzida, e que o solo e o clima, que consideramos riquezas, não são mais que instrumentos para produzir riqueza nas mãos dos homens, que é o produtor imediato, pela força destes dois processos humanos — o trabalho e a economia, ou a conservação e guarda do que o trabalho produziu”. [4]

Essa concepção do “valor-trabalho” e, mais ainda, do poder da inteligência e da tecnologia eram dificilmente aceitas pela oligarquia cafeeira do começo da República, como tinham sido persistentemente ignoradas pela aristocracia “fisiocrática” do regime imperial. Itiberê classifica como “fenômeno vulgaríssimo” o fato de no Brasil se considerar como revestidos de prestígio especial aqueles que detinham diplomas de doutor ou de bacharel, ecoando nesse particular críticas que, naquele mesmo momento, se faziam na Câmara de deputados aos “bacharéis presunçosos” da diplomacia brasileira: “O ser bacharel em direito, como quase toda gente o é hoje em dia, constitui presunção legal de saber: daí vem que, livres da obrigação dos exames, muita gente penetra na diplomacia, vazia de conhecimentos e abarrotada de presunção. Em regra, a diplomacia é procurada pelos indivíduos de alguma fortuna e infelizmente no Brasil os ricos não são os mais estudiosos”.[5]

Ao completar-se um século de sua primeira e única edição, a obra constitui, ainda hoje, um manancial de conselhos utilíssimos aos homens de Estado do Brasil e da América Latina, sempre tão propensos a encontrar em fatores externos as razões do subdesenvolvimento de seus países. Pela riqueza de seus argumentos, pela clarividência de suas posições, pioneiras e, de fato, antecipatórias, o livro de Itiberê mereceria ser reeditado, provavelmente em formato resumido, extirpando-o de comentários puramente circunstanciais, mas retendo seus ensinamentos ainda válidos, nos dias que correm. Talvez as “classes pensantes e dirigentes” disponham, hoje, de indicadores econômicos e de “ferramentas” de políticas macroeconômicas e setoriais que não estavam ao alcance de suas congêneres de um século atrás, mas muitos dos problemas brasileiros permanecem teimosamente os mesmos – como a má educação da população, por exemplo –, enquanto outros se acumulam na indiferença dos seus sucessores, como os “monopólios de Estado” e o “mercantilismo político”, ambos condenados por Itiberê. Censurando, ainda, os acordos comerciais baseados na estrita reciprocidade, ele confiava em que “a política liberal há de triunfar um dia” (vol. 2, p. 81). Talvez, mas a luta continua...

 

Brasília, 7 agosto 2007

Publicado na Revista Acadêmica Espaço da Sophia (Tomazina, PR; ISSN: 1981-318X, Ano I, nº 8, p. 1-04, novembro 2007; edição eletrônica). 

Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XIV, n. 59, outubro-dezembro 2007, p. 28-30. 

 



[1] Cf. Celso de Tarso Pereira, Ritmos de uma vida: Brazílio Itiberê, músico e diplomata (Brasília: Instituto Rio Branco, 1996, monografia apresentada na disciplina Leituras Brasileiras), trabalho resumido no artigo “Brazílio Itiberê da Cunha, músico e diplomata”, Boletim ADB(Brasília: ano IV, nº 29, 09.10.1996, p. 18-22). Ver igualmente o capítulo de Pereira, sobre Itiberê, na obra coletiva coordenada por Alberto da Costa e Silva, O Itamaraty na Cultura Brasileira (Brasília: Funag, 2001; São Paulo: Francisco Alves, 2002).

[2] Cf. Brazílio Itiberê da Cunha, Expansão Econômica Mundial, op. cit., 1o. vol., p. 154-5.

[3] Idem, Cunha, Expansão, 2o. vol., p. 267.

[4] Idem, p. 267-68.

[5] Anais da Câmara dos Deputados, sessão de 2.09.1891, apud Clodoaldo Bueno, A República e sua Política Exterior, 1889-1902 (São Paulo: Editora da UNESP; Brasília: FUNAG, 1995), p. 56.



Conexões entre direito e desenvolvimento, livro: Welber Barral (org), Direito e Desenvolvimento (2005) - Paulo Roberto de Almeida

 Conexões entre direito e desenvolvimento

Paulo Roberto de Almeida


Welber Barral (org),

Direito e Desenvolvimento: Análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento 

São Paulo: Editora Singular, 2005, 360 p. 

 

“É difícil pensar que o desenvolvimento possa realmente ser visto independentemente de seus componentes econômicos, sociais, políticos ou jurídicos”, diz Amartya Sen no texto que serve de prefácio a esta obra, que recolhe contribuições de uma dúzia de especialistas no direito brasileiro sob a direção do professor de direito internacional econômico da UFSC, Welber Barral. A intenção foi a de analisar os vários ramos do direito no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, tendo o objetivo do desenvolvimento como critério funcional. O economista e prêmio Nobel indiano, que se esforçou por incorporar a liberdade como um componente necessário do processo de desenvolvimento, reconhece que o capitalismo não emergiu até que o direito evoluísse e ocorresse a aceitação jurídica e prática dos direitos de propriedade, de forma a tornar possível uma economia baseada na propriedade privada. 

O organizador apresenta, por sua vez, os elementos constitutivos de uma ordem jurídica que não seja um empecilho ao processo de desenvolvimento. Eles podem ser resumidos nos seguintes fatores: regras claras e previsíveis; tratamento eqüitativo dos cidadãos; participação democrática e eficiência do judiciário. Alguns obstáculos ao bom funcionamento da ordem jurídica podem, por outro lado, ser identificados nos problemas seguintes: a ignorância do processo econômico pelos responsáveis pela aplicação das leis, uma crença exagerada no poder das normas, bem como uma retórica romântica e abstrata sobre a defesa dos direitos humanos, resultando numa ordem jurídica imaginária, distante da realidade da vida das pessoas.

Os países latino-americanos são conhecidos por ostentar uma rica tradição jurídica, ao mesmo tempo em que a estrutura regulatória do direito conhece altos custos de transação, uma insegurança jurídica notória e a falta de transparência nos processos. Como diz Barral, “a história latino-americana é infelizmente pródiga em exemplos de uma elite (jurídica e política) predatória”.  

Os colaboradores convidados abordam tanto aspectos conceituais das conexões entre o direito e o desenvolvimento – sua inserção na Constituição de 1988, o desenvolvimento sustentável, as relações com os direitos humanos e a educação, o acesso à justiça, as políticas de desenvolvimento regional e o papel das agências reguladoras – como sua vinculação com os diversos ramos do direito no quadro do ordenamento brasileiro: concorrência, sistema tributário, investimentos e os direitos de propriedade intelectual. 

Aqui e ali emerge certo idealismo jurídico, como a demanda por uma mudança na “lógica do capitalismo” que deveria, segundo um jurista belga, substituir a “noção de lucro por aquela de necessidade”, ou o “consumo como meio e não como objetivo”. No conjunto, porém, o volume preenche de maneira satisfatória seu objetivo de análise crítica da ordem jurídica brasileira do ponto de vista do desenvolvimento. 

 

Brasília, 1479: 9 outubro 2005, 2 p.

Publicado em Desafios do Desenvolvimento (novembro 2005).