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domingo, 28 de abril de 2013

Neopopulismo na América Latina - um ensaio de Ricardo Velez-Rodriguez

Um excelente texto, longo, mas rico e denso em sua abrangência analítica, disponibilizado aqui apenas em sua introdução.
Leiam a íntegra em: http://pensadordelamancha.blogspot.com/2013/04/consideracoes-acerca-do-conceito-de.html


Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 24 de Abril de 2013

O fenômeno do populismo está na crista da onda, não apenas na América Latina, mas pelo mundo afora também. As incertezas geradas pela globalização do mercado de trabalho nos países desenvolvidos (pondo em risco a antiga política do welfare state); a inclusão na economia de mercado de nações até há pouco tempo dependentes de regimes totalitários (como no Leste europeu); a onda de regimes democráticos surgidos na América Latina nos últimos vinte anos e que não conseguiram responder a contento aos reptos crescentes das suas sociedades; as reformas de inspiração liberal, feitas nas economias dos países sub-desenvolvidos, ao longo das últimas décadas, à luz do “Consenso de Washington”, reformas que, se bem reduziram a inflação de modo geral, no entanto não tiveram os resultados esperados do ângulo da produtividade, ainda muito sufocada pelas tradições estatizantes e familísticas na gestão da coisa pública; a democratização sui generis (com forte presença de uma liderança tradicional e carismática), em países do mundo islâmico (Síria, Líbia, Irã); a entrada das nações africanas no período pós-colonial (ao longo da segunda metade do século passado) no caminho da regularização da vida democrática, (num contexto ainda marcado fortemente pelo tribalismo); a desaceleração da economia estadunidense e os freios que esse fenômeno está a produzir em outras economias, particularmente no nosso Continente, essas seriam algumas das variáveis que têm contribuído para o surgimento do populismo, que pode ser considerado como uma espécie de doença que afeta às democracias no momento em que se encontram em crise (de crescimento ou de desgaste).

 Nações desenvolvidas, como a França, viram surgir, nos pleitos eleitorais dos últimos dez anos, sucessivamente, figuras de caráter populista, situadas em vários parâmetros do espectro ideológico, como Jean-Marie Le-Pen, Michel Bové ou Ségolène Royal. Na Itália, às voltas com a dramática redução do crescimento econômico nos últimos dez anos e com a endêmica instabilidade parlamentar, vemos ressurgir o populista Berlusconi como novo chefe do governo. A própria campanha para indicação dos candidatos democratas à sucessão estadunidense não tem estado vazia de aspectos de coloração populista, presentes nos discursos dos dois aspirantes desse segmento político, na disputa por um eleitorado insatisfeito com os rumos tomados pela superpotência americana. Na América Latina, é rica a plêiade de líderes populistas que chegaram ao poder nos últimos anos: o casal Kirschner na Argentina, o coronel Chávez na Venezuela, o presidente Correa no Equador, Evo Morales na Bolívia e, nas últimas semanas, o bispo Lugo no Paraguai. No Brasil, o populismo carismático de Lula, já está na sua segunda rodada e ameaça com se prolongar num messiânico “terceiro mandato”, que é insinuado ao ensejo de pesquisas de opinião favoráveis ao governo e encomendadas por sindicatos com forte presença estatal.

Fenômeno tão amplo merece ser estudado com detalhe. Não me deterei numa caracterização do Populismo, nas suas várias manifestações ao longo do século XX. Isso exigiria um trabalho de mais fôlego, só para dar conta de populismos tradicionais como o varguista, no Brasil, o peronista, na Argentina, o gaitanista (seguido, depois, pelo rojas-pinillista ou anapista), na Colômbia, ou o encarnado por ditadores militares como Juan Vicente Gómez ou Pérez Jiménez, na Venezuela.  Fixarei a atenção no denominado neopopulismo, que acompanha as reações das sociedades hodiernas perante a globalização econômica. Tratarei, portanto, de fenômeno atual, que se circunscreve às duas últimas décadas do século passado e que abarca, obviamente, os anos transcorridos do presente século XXI. Pretendo, neste artigo, desenvolver dois aspectos: I) o conceito de neopopulismo; II) de que forma esse fenômeno afeta a vida democrática da América do Sul, atualmente e no futuro próximo?

terça-feira, 2 de abril de 2013

Esquizofrenias dos socialismos do seculo 21 (ou do 19...)


Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 24/03/2013

Fica clara uma lição do drama sofrido pelo falecido presidente Chávez, da Venezuela, bem como pelo povo desse país irmão. Os homens passam, as nações ficam. O grande problema dos populismos (a mais recente variável do Patrimonialismo na América Latina) é que guindam às alturas líderes carismáticos, que passam a se considerar sobranceiros ao próprio povo que os colocou no altar da fama e que tentam pôr as instituições e as nações respectivas a serviço do seu projeto pessoal de imortalidade. A mumificação do líder carismático é o corolário natural desse processo.

Esse fenômeno, que era corriqueiro na Antigüidade, ao ensejo dos despotismos hidráulicos, muito bem estudados por Karl Wittfogel na sua clássica obra O despotismo oriental (1951) manifestou-se, no Antigo Egito, nos impérios pré-colombianos inca e asteca, no Império Chinês, após a unificação dos chamados “Estados combatentes” efetivada pelo imperador Chin, nos impérios sumero-babilônicos, etc. Era conhecida, nesses contextos, a macabra praxe da imolação coletiva dos funcionários reais e das suas famílias, ao ensejo da morte do líder. Prática que, diga-se de passagem, não deixaria de ser profilática na atual sem-vergonhice do patrimonialismo caboclo.

A primeira manifestação moderna da pretensão de imortalidade pessoal veio na trilha do patrimonialismo ibérico, ao ensejo do absolutismo da dinastia dos Áustrias, com Carlos V e Filipe II, que encontraram no pensamento contra-reformista a ideologia de que precisavam para a perpetuação no poder. O conluio entre poder absoluto da realeza e burocracia eclesiástica foi a resultante dessa simbiose entre religião e política, com os resultados muito bem conhecidos no Império espanhol, notadamente no México. Sofremos também no Brasil as conseqüências dessa mistura, no absolutismo piegas de dona Maria I, que levou ao patíbulo a Tiradentes e que perseguiu com mão de ferro os demais conjurados mineiros.

A pretensão hegemônica do líder carismático veio a ser sistematizada por Jean-Jacques Rousseau, que efetivou a síntese do pensamento totalitário no seu opúsculo intitulado O Contrato social (1763). O Legislador, para ele, seria o salvador, porquanto imporia a unanimidade e eliminaria o dissenso, condições da felicidade geral. Na América Latina, em perversa síntese juntou-se a tradição patrimonialista ibérica com o pensamento de Rousseau, o que produziu um reforço à idéia do poder total, que se manifestou no feroz patrimonialismo que tomou conta dos países hispano-americanos após as guerras da Independência. No Brasil, essa variável se concretizou, depois de proclamada a República positivista, com a eliminação dos que se manifestassem contra. Canudos e a saga do Contestado são expressão desse modelo.

No século XX, a concepção do poder total deixou de ser uma religião revelada para se transformar em ideologia, “a religião totalitária”. Ora, é desse teor o pano de fundo de crenças em que se alicerça o populismo. Chávez considerou-se, numa primeira etapa, o enviado de Cristo para apregoar, nas Américas, a Teologia da Libertação. Já num segundo momento, premido pela doença, apelou para um coquetel ideológico em que foram misturados elementos do cristianismo evangélico (praticado pela avó) e da santeria afro-caribenha. É sabido, como nos conta Beatriz Lecumberri na sua obra intitulada: La revolución sentimental (Caracas: Puntocero, 2012) que, na cerimônia com os paleros (assim chamados os chefes dos terreiros de santeria), o cadáver do Libertador Simón Bolívar foi exumado num ritual rigorosamente planejado, com a finalidade de que o líder doente pudesse se apropriar da imortalidade do herói. A resultante desse processo, num contexto fortemente patrimonialista como o venezuelano, é a radicalização do exército dos seguidores de Chávez (hoje estimado em perto de 120 mil camponeses e líderes sindicais armados nas denominadas “Milícias Bolivarianas”) que, certamente, farão muito barulho, causarão inúmeras mortes e dificultarão ao máximo a volta do país ao leito da normalidade democrática.

No Brasil não ficamos imunes a esse fenômeno de maluquice coletiva. Já estamos pagando a conta da era lulopetista, com a inflação que chegou, com a Petrobrás sendo cada dia mais descapitalizada, com a gastança federal da pupila do líder carismático (que levou a Roma imensa comitiva que se hospedou em hotéis de primeira “para facilitar os trabalhos”, segundo a alegação oficial) e com a nossa infraestrutura em frangalhos, depois de a petralhada ter torrado em políticas sociais sem rumo o caixa que tinha sido feito por FHC e que pagaria os investimentos que não foram feitos. Isso sem falar no “mar de lama” patrocinado desde a alta cúpula para pagar fidelidades no Congresso (no nosso “Presidencialismo de coalizão”). Para não mencionar o estalinismo da direção petista, que enfileira as suas baterias contra todo e qualquer um que se opuser ao projeto de hegemonia partidária, desde os Ministros do Supremo, até os jornalistas, blogueiros e empresas de mídia que não se afinem com a pretensão oligárquica. Para piorar as coisas, num momento em que o Brasil se atrapalha com montes de obras atrasadas para os eventos esportivos previstos, o líder carismático faz deslanchar antecipadamente a campanha presidencial, com o corriqueiro clima de palanque que já tomou conta do país e que impede uma administração transparente do dinheiro público.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Burocratas da Franca e do Brasil: uni-vos! (e como!) - Ricardo Velez-Rodriguez

Um artigo de 2002, ou seja, ainda antes da inauguração da década dos companheiros, tão colbertistas (mesmo sem saber o que é isso, como Monsieur Jourdain) quanto os franceses, e que revela que os burocratas dos dois países ainda vão conseguir afundar as respectivas economias...
Vale a pena ler por inteiro...
Paulo Roberto de Almeida

O SOCIALISMO NA FRANÇA E NO BRASIL: UMA ANÁLISE FEITA EM 2002 

Ricrdo Vélez-Rodríguez

Blog Rocinante,  15/02/2013

Em Agosto de 2002 escrevi esta análise acerca das semelhanças entre os socialismos francês e brasileiro. Depois de ver o desempenho do governo Hollande, que não consegue fazer despegar o avião da economia francesa, e depois de ver, por outro lado, o tamanho do "pibinho" com que o terceiro governo petista nos brinda, acho que a minha análise tem plena atualidade.
O que é que a França tem de comum com o Brasil? Poderiamos dizer que, em primeiro lugar, a estrutura centralizada do Estado. Em segundo lugar, poder-se-ia afirmar, validamente, que os nossos marxistas são tão estatizantes e dogmáticos quanto os comunistas franceses. Estalinistas mesmo. Com uma diferença: na França, e talvez em Portugal e na Espanha, esses dinossauros ficaram confinados no PC. No Brasil, mimetizam-se em tudo quanto é partido de esquerda, do PT ao PC do B, ocupando sofregamente o segundo escalão dos Ministérios, quando não a direção das Universidades Federais e as Secretarias Estaduais ou Municipais, nos lugares onde há governantes favoráveis.
 (...)

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Anatomia da decadencia instittucional brasileira - Ricardo Velez-Rodriguez

Uma das melhores análises, que já li, sobre as razões, as formas e o processo de nossa erosão institucional, começada sob o lulo-petismo e continuada desde então com cada vez maior violência verbal pelos quadrilheiros e mafiosos que tentam dominar a República e fazer do crime político (e até do crime comum) uma coisa comum, uma simples banalidade da vida.
Nunca antes neste país bandidos disfarçados de políticos haviam perpetrado tantos assaltos à normalidade democrática. Também nunca antes neste país, a sociedade assiste tão inerme a esses assaltos constantes à moralidade e à honestidade republicana.
Até quando o Brasil vai suportar tanta corrupção, tanta desfaçatez, tanta falta de vergonha no trato da coisa pública?
Paulo Roberto de Almeida

DENGUE PATRIMONIALISTA
Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, 9/02/2013

A posse de Renan Calheiros como presidente do Senado, mais do que um episódio regular da vida política brasileira, está a indicar a entropia das nossas Instituições. Não apenas pelos paradoxais discursos pronunciados ao ensejo da posse pelo próprio Calheiros e por figuras que, décadas atrás, foram esconjuradas da cúpula do governo por práticas não republicanas, como o senador Collor de Melo, que do alto da tribuna fez sérias acusações contra o Procurador Geral da República, pressupondo que as ações públicas deste estivessem motivadas, apenas, por baixos interesses de proveito pessoal. O fato de Renan Calheiros se apresentar como paladino da ética, num momento em que está sendo questionado pelo Ministério Público, em denúncia que foi apresentada pela Procuradoria ao Supremo por prática de atos contrários à dignidade republicana é, no mínimo, um acinte aos cidadãos que ainda acreditamos que é possível viver num país civilizado. De outro lado, a posse, na presidência da Câmara, do deputado Enrique Alves, cuja proposta governativa se centra na manutenção de práticas clientelistas que atrelam o Congresso ao Executivo (como as emendas parlamentares), completa o quadro de desmoralização do Legislativo.

As coisas não seriam tão graves se correspondessem, apenas, a uma crise ética e política do Congresso. Acontece que a doença é mais radical. Os sintomas da decomposição inserem-se no contexto mais amplo de uma maré negra que aponta para a desmoralização total das Instituições Republicanas, num fatídico balé que tem como regente o ex-presidente Lula.

Os próximos alvos, nessa empreitada de morte cívica, serão a cabeça do Judiciário e do Ministério Público, na retomada do processo de desmoralização já iniciado pelo lulopetismo contra o Presidente do Supremo e contra o Procurador Geral da República. Alvo já anunciado dos ataques da petralhada será também a Imprensa, que passará a ser acusada pela instabilidade política, numa manobra leninista de acusação, pela militância, das próprias culpas. Afinal, quem mais tem trabalhado em prol da instabilidade é o próprio lulopetismo, que tem buscado de forma incessante colocar a República, exclusivamente, a serviço de Lula e dos interesses partidários.

Em paralela, eficaz e deletéria ação, o crime organizado vai cumprindo o seu papel de amedrontar os cidadãos, mediante uma prática que, no século passado, Pablo Escobar pôs em funcionamento na decomposição colombiana: o assassinato sistemático de policiais e a realização rigorosamente programada de atos de terrorismo que têm como finalidade fragilizar ainda mais a psique coletiva, como está acontecendo, de vários meses para cá, em São Paulo e no interior de Estados outrora pacíficos como Santa Catarina. Afinal, se se trata de colocar o Brasil a serviço de interesses particulares, o crime organizado aproveita a brecha e pratica a sua própria demolição das Instituições.

O lulopetismo age, no tecido social brasileiro, como aqueles aracnídeos altamente peçonhentos que inoculam nas suas vítimas o fatal veneno que, aos poucos, lhes paralisa os membros, reduzindo-as totalmente à inação e à morte. Na caminhada de séculos do Patrimonialismo brasileiro, nessa dança macabra de privatização de tudo para obedecer às instâncias familisticas de um clientelismo rastacuera, o lulopetismo não tem paralelo nos itens de cinismo e eficácia. O homem do chapéu está conseguindo cooptar todo mundo, criando um consenso fatídico ao redor da desmoralização das instituições republicanas. É o capítulo que antecede à morte cívica e ao império de um desolador peronismo à brasileira, como já previu Fernando Henrique Cardoso. “Nunca antes na história deste país” tinha se apresentado alguém, como Lula, dotado de tão grande carisma, arguto e excelente articulador, pondo tudo a serviço de uma era de domínio unipessoal e da companheirada.

Não cometamos a injustiça histórica de comparar esse quadro do avanço patrimonialista com o do getulismo ou com o do regime de 64. Nestes dois momentos da nossa história, ergueu-se proposta de modernização autoritária, para esconjurar forças dissolventes arregimentadas pelo totalitarismo de plantão e para dotar o país das instituições sociais e da infraestrutura que lhe garantiriam entrar no mundo da industrialização. Nunca concordei com esse viés autoritário. Teria sido possível, sim, modernizar o Brasil, preservando os institutos do governo representativo e do respeito aos direitos individuais. Teríamos dado um passo bem à frente do tradicional patrimonialismo modernizador na América Latina. Mas não há dúvida quanto ao fato de que, tanto no getulismo quanto no regime militar, o país se modernizou. Ora, isso não aconteceu na década lulopetista. Tudo aquilo que parecia programado para efetivamente democratizar e modernizar de vez a nossa vida política terminou desaguando no mais deslavado clientelismo, num projeto de cooptação amplo, geral e irrestrito da sociedade pelo Executivo hipertrofiado, sem a mínima racionalidade para com a política econômica e sem o cuidado necessário para com a manutenção sadia das nossas contas públicas iniciado com o Plano Real. Estão aí os processos de cooptação dos institutos de pesquisa, como o IPEA e o IBGE, que gozavam outrora de grande credibilidade, e que a petralhada no poder conseguiu desprestigiar, por tê-los colocado a serviço da propaganda governamental.

Estão aí, também, os índices de crescimento econômico que despencam, junto com a credibilidade de estatais como a Petrobrás. Está aí a inflação que volta a assombrar os nossos lares, com remarcação geral de preços e com endividamento crescente dos cidadãos. Está aí a sombria tendência à desindustrialização, que preocupa cada vez mais os nossos empreendedores. Estão aí os crescentes índices de queda da competitividade dos nossos produtos, afetada pela instabilidade jurídica e pelo gasto público descontrolado que não moderniza a infraestrutura. Está aí, enfim, a gastança do dinheiro público sem nenhum controle, efetivada pelos sindicatos (desonerados, por Lula, da obrigação de prestar contas ao TCU), e pelo próprio governo federal, nessa corrida maluca das políticas sociais, erradamente concebidas sem contrapartida dos beneficiários e sem a devida transparência, do PAC e das obras preparatórias para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, que já vai superando, aceleradamente, os limites previstos, fazendo desembestar o dragão inflacionário. Os obscuros episódios da Delta e da intermediação do meliante Cachoeira foram empurrados para baixo do tapete pela espertice lulista, ao ensejo do encerramento da correspondente CPI, que foi estimulada pelo ex-presidente Lula unicamente para deitar uma cortina de fumaça sobre o mensalão, mas que terminou abrindo mais um flanco na já fraca credibilidade do governo.

Dadas as repetidas investidas do desgoverno de Dilma e do lulismo em ação contra a transparência e contra a sadia gestão da economia, poderíamos terminar este quadro sombrio com mais uma imagem tomada de empréstimo à entomologia. O Brasil é, hoje, vítima da terceira epidemia da dengue patrimonalista, que se seguiu às duas outras sofridas durante os governos de Lula. Conseguirá o corpo social da Nação agüentar toda essa carga negativa?

domingo, 28 de outubro de 2012

Os neobolcheviques e o Mensalao - Ricardo Velez-Rodriguez


Um dos mais lúcidos artigos que já li sobre o assalto criminoso ao Estado de Direito por um bando de celerados, abrigado num partido de vocação totalitária, supostamente neobolchevique, mas na verdade apenas fraudador, mentiroso, no limite da criminalidade, na qual não hesitam em cair os chefes, chefinhos, chefetes e chefões, certos de que ficariam impunes, como aliás ficarão muitos que não entraram nesse estarrecedor processo do Mensalão.
Não há nenhuma dúvida de que o que foi revelado, até aqui, ao abrigo da Ação Penal 470, é apenas a pequena ponta de um imenso iceberg de roubalheiras, patifarias e vários outros crimes, cometidos por um bando de profissionais da fraude e da mistificação, vários deles treinados por um serviço de espionagem estrangeiro, totalitário, stalinista, para acobertar seus muitos crimes contra a democracia.
Independentemente do que ocorra com os mafiosos não perseguidos, no momento, cabe aos homens de bem denunciar a tentativa totalitária, que no entanto ainda conta com muitos outros atores atuando de forma clandestina no próprio aparelho de Estado.
A população, em geral, pode não saber disso, e se deixar enganar pela propaganda mentirosa dos gramscianos-stalinistas, mas quem conhece a súcia de bárbaros, como vários dos que me lêem, amigos ou inimigos (não importa) não pode ficar calado.
Paulo Roberto de Almeida 

Ricardo Vélez-Rodriguez
Rocinante, sábado, 27 de outubro de 2012
  
Levei uma grata surpresa com o julgamento do Mensalão pelo STF. A nossa vida democrática parece ter reencontrado a vitalidade que parecia fenecida na crise em que o Executivo, sobranceiro à lei, tentou comprar definitivamente o apoio do Legislativo, mediante a prática da corrupção sistemática, ao ensejo do episódio que o denunciante do esquema, Roberto Jefferson, denominou de “Mensalão”. O nome pegou, para desespero de Lula, Dirceu et caterva. Foram julgados e condenados, se não todos, pelo menos alguns dos responsáveis mais representativos do sinistro esquema. A História se encarregará de julgar os que escaparam, a começar pelo chefe que, pelo teor das investigações e depoimentos, “tudo sabia”.

Era de Oliveira Vianna a previsão de que a redenção das instituições republicanas viria, no Brasil, pela mão do Judiciário. Vítimas da “política alimentar” (nome dado pelo sociólogo fluminense ao esquema de clientelismo e corrupção que se apossou da vida pública desde tempos que se remontam à derrubada do Império), as instituições democráticas acordariam da catalepsia em que a privatização patrimonialista do poder pelas oligarquias as fez mergulhar. A independência do Poder Judiciário, pensava Oliveira Vianna emInstituições Políticas Brasileiras (1949), garantiria no Brasil as liberdades civis dos cidadãos; asseguradas estas, o país poderia pensar na conquista das liberdades políticas.

Ora, os pareceres dos juízes do Supremo Tribunal Federal colocaram na pauta da política nacional dois princípios fundamentais: em primeiro lugar, todos devem respeitar, sem exceções, a lei e o marco arquetípico dela, a Constituição. Em segundo lugar, os que governam não podem agir utilizando a máquina do Estado em benefício próprio. Dois princípios de ética pública que, meridianos, voltaram a presidir o espaço republicano, a partir dos pareceres dos Magistrados da nossa Suprema Corte. Que a sociedade respirou aliviada com a ação patriótica do STF, o deixam claro as opiniões dos leitores na mídia eletrônica e impressa, bem como as espontâneas manifestações de aplauso dos cidadãos quando encontram um dos nossos Magistrados, em que pese a cerrada política armada pela petralhada, de denuncismo de “golpe da magistratura e da imprensa”.

No esquema do Mensalão marcaram encontro dois vícios da política brasileira: o tradicional “complexo de clã” e a ausência de espírito público, bases do Patrimonialismo. Esses dois vícios, entrelaçados como as caras da mesma moeda, fazem com que os atores políticos ajam única e exclusivamente em benefício próprio, privatizando as instituições em seu benefício e no das suas respectivas clientelas. Nisso, o PT e coligados mostraram-se eficientes “como nunca antes na história deste país”. A esses dois vícios vieram-se juntar duas tendências da cultura política moderna: o jacobinismo (inspirado na filosofia política de Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII), segundo o qual a organização da política, nos Estados, deve-se pautar pelo princípio da unanimidade dos cidadãos ao redor da “vontade geral” (identificada com o Legislador e imposta pelos seus seguidores, os “puros”), sendo excluída, a ferro e fogo, qualquer oposição ou dissidência. O segundo princípio negativo diz relação ao “messianismo político” (pensado no início do século XIX por Henri-Claude de Saint-Simon, e continuado pelo seu discípulo Augusto Comte). Ora, na nossa organização republicana juntaram-se, com o correr dos séculos, numa síntese perversa, esses dois princípios, bem como os vícios balizadores do Patrimonialismo. O jacobinismo e o messianismo político reforçaram-se dramaticamente, na contemporaneidade, com a tendência cientificista do marxismo (inspiradora dos ideólogos petistas), que passou a pensar a política em termos de hegemonia partidária, à maneira gramsciana.

Na história republicana terminou se consolidando, à sombra da cultura política emergente das variáveis mencionadas, um modelo identificado mais com a prática do despotismo do que com o moderno republicanismo. Castilhismo, getulismo, tecnocratismo autoritário, lulopetismo, eis os resultados desse amálgama nada republicano. Como dizia Tocqueville, se referindo à França de 1848, a face da República viu-se desfigurada pelas práticas despóticas das lideranças. No Brasil, a Res Publica, virou Coisa nossa, num esquema verdadeiramente mafioso de minorias encarrapitadas no poder, que fazem o que bem entendem, de costas para a Nação, fragilmente representada num Legislativo que se contempla a si próprio e zela quase que exclusivamente pela manutenção dos seus privilégios. Com um agravante, atualmente: se nos momentos anteriores havia autoritarismo republicano, este se equilibrava com uma proposta tecnocrática bem-sucedida (como nos momentos getuliano e do ciclo militar ou com um respeito quase sagrado ao tesouro público, no castilhismo). Restou-nos o assalto desavergonhado aos cofres da Nação, numa atabalhoada política clientelista que jogou pela borda a necessária eficiência e que entregou as agências reguladoras do Estado aos companheiros, em meio ao mais descarado compadrio sindical.

Ecoam ainda nos ouvidos da Nação as graves palavras com que um dos Ministros do STF caracterizava, dias atrás, o mal que tomou conta do Brasil: "Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e ao arrepio do direito, um estranho e pernicioso sodalício, constituído por dirigentes unidos por um comum desígnio, um vínculo associativo estável que buscava eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecido: cometer crimes, qualquer tipo de crime, agindo nos subterrâneos do poder como conspiradores, para, assim, vulnerar, transgredir e lesionar a paz pública". Gravíssima situação que a nossa Suprema Corte encarou com patriotismo e coragem. Esperamos que essa benfazeja reação dê início a um saneamento generalizado das instituições republicanas.

terça-feira, 10 de julho de 2012

A porcaria da nossa politica nacional - Ricardo Vélez-Rodríguez,


Lulismo, malufismo, patrimonialismo

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ, coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas 'Paulino Soares de Sousa', da UFJF. E-mail: rive2001@gmail.com
O Estado de S.Paulo, 9/07/2012
"Lula malufou" ou "Maluf lulou"? Eu responderia: ambas as coisas, mas Lula age como diretor da orquestra. Porque tanto Lula quanto Maluf são encarnações da cultura política patrimonialista, aquela identificada por Oliveira Vianna (em Instituições Políticas Brasileiras) como "política alimentar" e que Max Weber chamara de patrimonialismo, ou seja, aquela forma de organização política em que o Estado emerge como hipertrofia de um poder patriarcal original, que alarga a sua dominação doméstica sobre territórios, pessoas e coisas extrapatrimoniais, administrando tudo como se fosse sua propriedade. Era o que John Locke (1632-1704), na sua juventude, quando viajou pela França na época de Luís XIV, identificou como "o mal francês", na pequena obra intitulada De Morbo Gallico, fazendo referência ao absolutismo do rei que falava de si mesmo: "L'État c'est moi".
O Partido dos Trabalhadores, como demonstrou Antônio Paim na obra Para Entender o PT (Londrina: Instituto Humanidades, 2002), constitui, na História republicana contemporânea, a mais completa encarnação do patrimonialismo. Lula tem conduzido o seu partido nessa direção, afastando-o, ciosamente, dos extremos reformista-modernizador e revolucionário e conservando-o no patamar da estratégia de privatização do poder para enriquecimento próprio e dos seus confrades.
É o que o PT tem feito ao longo destes dez anos: ocupar a máquina do Estado como se fosse sua propriedade particular, tentando cooptar os outros partidos. O mensalão seria apenas expediente tático dessa estratégia. E a aproximação com as tradicionais lideranças patrimonialistas (Sarney, Maluf, etc., identificados por Lula como "pessoas especiais") constituiria uma decorrência natural dela. Nesse sentido, o ex-presidente da República prestou um grande serviço para o esclarecimento da natureza alimentar da política petista, tendo posto a nu a sua índole nitidamente patrimonialista e cooptativa. Nessa negociação de apoios cooptados entrou a própria Igreja Católica (mãe do PT, no início dos anos 1980, juntamente com o novo movimento sindical), quando pareceu afastar-se do pragmatismo lulista, que ameaçou, pela boca do ministro Gilberto Carvalho, privilegiar os evangélicos. Brizola, na sua retórica dos pampas, identificou a tendência às cooptações amplas do lulismo com aquela frase que ficou famosa: "O PT é a esquerda que a direita gosta". Trocado em miúdos, Lula tem disposição para cooptar todo mundo que apareça no cenário político, não importando a ideologia.
Lula é animado, nessa estratégia patrimonialista, pelo modelo ético identificado com o princípio de "levar vantagem em tudo", que se aproxima do imperativo comportamental totalitário ao acreditar que, nessa empreitada, "os fins justificam os meios". Essa constitui, a meu ver, a variante destrutiva do lulopetismo, que ignora qualquer outro imperativo ético, bem como a natureza das instituições republicanas, em função da estratégia dominante de conquista do poder para benefício exclusivo da agremiação partidária. Tudo deve ser cooptado: partidos da base aliada, oposição, imprensa, bem como os outros Poderes. O que resta de toda essa força centrípeta é o mar de lama a transbordar no recipiente da História republicana contemporânea. Infeliz pragmatismo que está conduzindo o Brasil à entropia da vida política e social, aproximando-nos lastimavelmente do caudilhismo peronista e do chavismo.
Octavio Paz caracterizou a feição cooptativa e punitiva do Estado patrimonial mexicano na sua clássica obra intitulada O Ogro Filantrópico (1983). Lula está deixando registrada, nos anais dessa modalidade de Estado, uma narrativa que poderíamos intitular O Ogro Pilantrópico, tamanha a desfaçatez com que o guru e os seus seguidores aceitam qualquer tipo de malfeitos, conquanto praticados em benefício da agremiação partidária e dos seus filhotes, e ameaçam, com a mais decidida perseguição, aqueles que ousarem contrapor-se ao projeto de dominação em andamento: a imprensa livre, a oposição e os empresários independentes.
A economia vai mal justamente porque, nesse terreno, impera também a cooptação, mediante a seleção prévia dos empresários amigos que serão guindados às alturas graças às benesses dos empréstimos oficiais subsidiados via BNDES. É a velha prática lusitana do pombalismo em matéria econômica, que constitui o nosso colbertismo tupiniquim. O caso Cachoeira-Delta está a revelar a extensão dessa prática deletéria na economia brasileira. De nada adiantam as articulações do PT e da base aliada para obedecer às ordens da liderança petista no sentido de criar obstáculos ao comparecimento da cúpula da empresa em questão à CPI.
A sociedade brasileira já pressente, na inflação que regressa, o tamanho do rombo. Os excedentes obtidos a partir da valorização das commodities que exportamos foram utilizados pelo governo para encher os bolsos dos companheiros ou cooptar os "movimentos sociais", deixando de fazer o dever de casa no que tange às obras de infraestrutura, que potencializariam o nosso desempenho comercial no mundo globalizado.
Especialistas calculam que o montante a ser aplicado nessas obras de infraestrutura deveria situar-se na faixa dos R$ 800 bilhões, mais ou menos a cifra que, ao longo dos governos petistas, foi despejada pelo ralo da corrupção e da cooptação. Resultados indesejáveis num mundo em grave crise financeira, que não perdoa cochilos das lideranças. Aproximamo-nos, nesse desleixo, da preguiça macunaímica do herói sem nenhum caráter que acordava, na narrativa de Mário de Andrade, pronunciando o bom-dia das sociedades sugadas pelo mostrengo patrimonialista: "Ai que preguiça!".

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Faraos, mullahs, mandarins, etc. - Ricardo Velez Rodriguez

Um interessante artigo de um colega acadêmico liberal, sobre as revoltas em curso em países muçulmanos (e se a sorte ajudar, na China). Partilho amplamente da visão do professor.
Tanto é assim que, seis dias antes da publicação desse artigo, abaixo transcrito, eu escrevia (e postava neste blog dois dias depois), este meu artigo:

Reflexões ao léu, 2: sobre as revoltas nos países islâmicos
QUINTA-FEIRA, 24 DE FEVEREIRO DE 2011

A conferir nossos pontos de vista, portanto.
Paulo Roberto de Almeida

Faraós, califas, mulás, sovietes e mandarins
RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ
O Estado de S.Paulo, 26 de fevereiro de 2011

A revolta que assombra os países islâmicos coloca uma questão: as respectivas sociedades, em que pese a diversidade delas, na Tunísia, no Egito, na Argélia, no Iêmen, no Irã, na Líbia, no Marrocos, no Bahrein, etc., buscam uma coisa: melhores condições de vida, liberdade e participação. Tudo isso comunicado, em rede, pelas pessoas, driblando controles policiais e censuras. Um primeiro capítulo dessa onda libertária ocorreu no final do século passado, quando desabaram as ditaduras da União Soviética e do Leste Europeu e quando os cubanos fugiram em massa para Miami, no episódio conhecido como os "Marielitos", na época do governo Reagan. Terremoto semelhante ocorreu na China, com a ocupação da Praza da Paz Celestial pelos estudantes, primeiro, e, depois, pelos tanques.

Uma conclusão salta à vista: o que os revoltosos de ontem e de hoje procuram é o que sempre foi apregoado pelas democracias liberais: liberdade de ir e vir, liberdade para empreender negócios, liberdade de pensamento e expressão, liberdade para as mulheres e para as minorias, controle da sociedade civil sobre o aparelho do Estado, conquista do conforto como expressão do desenvolvimento econômico, tolerância, pluralismo, enfim, tudo aquilo que as elites corruptas dos países sacudidos pela onda de insatisfação negam aos seus cidadãos.

Palmas para o liberalismo que consegue, em pleno século 21, seduzir com os seus ideais as grandes massas dos países que ficaram por fora das reformas ensejadas no Ocidente pelos seguidores de Locke, Tocqueville e Adam Smith. Os ideais liberais superaram a prova da História, não ocorrendo assim com os ideais totalitários de Marx e quejandos.

No final da primeira década do século 21 encontramos, consolidada pela opinião pública mundial, a modalidade de Estado contratualista estudado pelos liberais doutrinários e por Max Weber. Segundo o pensador alemão e os seus precursores franceses (Benjamin Constant, Guizot, Tocqueville, etc.), ali onde houve uma experiência feudal completa, as respectivas sociedades se diversificaram em ordens diferentes de interesses, que ensejaram o surgimento das classes sociais, sendo o jogo político uma luta entre elas. Esse processo ensejou o moderno parlamentarismo, civilizada arena onde se realiza o confronto entre interesses diversos, abandonando o campo da guerra civil. A alternativa a esse modelo liberal ficou por conta do pensamento de Rousseau, ao longo dos três últimos séculos, que consolidou o ideal da democracia totalitária, alicerçada na unanimidade construída mediante a eliminação da dissidência.

Ora, a luta que observamos presentemente é uma reação de sociedades dominadas por ditaduras, que se constituíram em herdeiras do velho despotismo oriental. O que egípcios, tunisianos, iemenitas, iranianos, chineses dissidentes, etc. buscam é a substituição do modelo do patrimonialismo hidráulico por arquétipos inspirados na prática da representação política e de respeito aos direitos individuais. Ora, isso é possível, inclusive no seio de sociedades diferentes das ocidentais. A Turquia encarna hoje, por exemplo, um regime que se aproxima das modernas democracias.

As ditaduras somente são aceitáveis para aqueles que dominam, jamais para os dominados. Como dizia Talleyrand, a raposa aristocrática, a Napoleão: "Sire, as baionetas servem para muitas coisas, menos para se sentar encima delas." Ou seja: você, governante, quer estabilidade? Construa a livre participação dos seus cidadãos! Essa, aliás, foi a genial lição que o nosso precursor liberal Silvestre Pinheiro Ferreira passou ao seu chefe, Dom João VI, no final da primeira década do século 19, nas suas famosas Cartas sobre a Revolução Brasileira.

Faraós, califas, sovietes, mulás e mandarins jamais conseguiram - nem conseguirão - satisfazer às suas respectivas sociedades, porque está viciado, ab origine, o modelo de patrimonialismo oriental em que se inspiram e que se define como a organização do Estado como se fosse propriedade familiar de uma casta, de um czar ou de uma oligarquia.

Chamou-me a atenção uma reportagem que li num jornal canadense no ano passado: o maior grupo étnico de milionários que busca residência no Canadá é constituído pelas famílias de altos dirigentes chineses. O repórter indagava acerca das razões dessa preferência. O motivo alegado por eles era bem curioso: a China, sim, é uma grande potência econômica e política. Mas ninguém tem certeza de que as conquistas de bem-estar atingidas pela elite - calculada em 400 milhões de pessoas - serão garantidas para as próximas gerações. Assim sendo, os mandarins cuidam para que as suas famílias passem a gozar das benesses do desenvolvimento, não na terrinha (pátria do despotismo hidráulico), mas ali onde estão garantidas, por uma longa tradição liberal, as conquistas dos indivíduos. Ou seja: a China pode ser uma grande potência, mas não é o paraíso, mesmo para as famílias dos seus dirigentes, que preferem um país desenvolvido do Ocidente para ali gozarem as benesses do progresso e do conforto, com a certeza de que esses direitos serão garantidos num clima de liberdade.

A América Latina, na trilha do populismo da última década, abjura justamente o liberalismo e fica presa à manutenção de odiosos privilégios oligárquicos (vide os pactos realistas do partido governante no Brasil com ícones da oligarquia nordestina, que ainda conseguem manter sob censura o mais importante diário do País, justamente por ter sido denunciada nas suas páginas a prática de arcaico patrimonialismo). Nesse ponto, o Brasil consegue ser ainda mais retardatário que o Egito, onde caiu o faraó de plantão, enquanto nós mantemos, felás pagadores de impostos, os privilégios de odiosa nomenclatura em que se converteu a nossa classe política.

COORDENADOR DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA UFJF E-MAIL: RIVE2001@GMAIL.COM

sábado, 4 de setembro de 2010

Totalitarismo em acao - Ricardo Vélez-Rodríguez

Tudo, ou quase tudo, está dito. Eu acrescentaria, talvez, o elemento da associação para delinquir, que parece ser o princípio base da ação de determinados grupos. O que combina com minha hipótese da república mafiosa do Brasil. Infelizmente.
Paulo Roberto de Almeida

TOTALITARISMO EM AÇÃO
Ricardo Vélez-Rodríguez
Blog Rocinante, sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Está sendo implantado pelo atual governo, no Brasil, agressivo modelo de Estado patrimonial, que privatiza ainda mais as instituições republicanas em benefício da militância partidária petista e dos que se acolhem a essa sigla. Essa não seria senão mais uma etapa do nosso arcaico patrimonialismo, não fosse o viés totalitário que assoma por entre as frestas dos acontecimentos ao longo destes oito anos, manifestação que se torna mais translúcida em momentos de pugna eleitoral, como os que estamos vivendo.

Três aspectos na política do atual governo são preocupantes, porquanto conduzem direto a uma etapa, totalitária, do processo de hegemonia petista: primeiro: a tentativa de Lula de conseguir maioria no Senado, com a finalidade de ver aberta a porta para uma reforma de tipo chavista à Constituição. Segundo: a progressiva tendência policial da militância que, não contente com ter aparelhado ministérios, secretarias e autarquias, monta, a partir desses espaços, políticas de caça às bruxas, colocando todos os cidadãos com a corda no pescoço. Após as repetidas quebras de sigilo dos dados da declaração de imposto de renda, pela Receita Federal, de cidadãos pertencentes à oposição ou próximos dela, todos os brasileiros viramos candidatos a Francenildos. Em terceiro lugar, a costumeira desfaçatez do presidente Lula, pronto para dar cobertura aos contumazes “aloprados”, neste episódio e nos anteriores ocorridos ao ensejo das eleições de 2006, bem como no caso do “mensalão”, rebatizado pela inteligentsia petista como um reles caso de “caixa dois”, que todo mundo pratica.

A imprensa brasileira tem reagido à altura diante desses atentados à democracia. O editorial do Estadão (03-09) foi certeiro ao apontar para onde apontam as responsabilidades da quebra de sigilo: “O crime comum e o crime político se complementam. Agora, destampada a devassa nas declarações de Verônica Serra, vem o presidente Lula falar em bandidagem. Se quiser saber quem é o responsável último por essa degenerescência, basta se olhar no espelho”. E o jornal O Globo, nessa mesma data, não fez por menos, no seu editorial, destacando a causa do clima de liberou-geral implantado no país: "É a impunidade existente no PT que incentiva a militância a agir como delinqüentes espiões. O partido estimula o crime quando dá tratamento de herói a mensaleiros".

Como vários comentaristas têm destacado, caracteriza-se a atual onda de utilização criminosa dos mecanismos do Estado em benefício da candidata oficial, pelo fato de se alicerçar em modelo de comportamento que é caracterizado como de “ética totalitária”, segundo a qual os fins justificam os meios. A pretensão não é nova na história. Após a formulação do modelo de “messianismo político” por Jean-Jacques Rousseau, estabeleceu-se agressiva doutrina que pode ser resumida rapidamente nos seguintes itens:

1 – A finalidade da vida em sociedade consiste em garantir a felicidade dos indivíduos.

2 – Somente será possível atingir a felicidade dos indivíduos em sociedade, se estes renunciarem à defesa dos seus interesses individuais, a fim de que todos se identifiquem com o interesse ou o bem público.

3 – Como os indivíduos tornaram-se egoístas por força do individualismo materialista dominante na sociedade, torna-se necessário que uma minoria de puros, identificados com o bem público (definido por eles próprios), os submeta a um banho catártico que os limpe das impurezas do individualismo.

4 – A comunidade dos indivíduos despidos dos seus interesses individuais constitui a vontade geral.

5 - Nessa comunidade de homens puros vigora a unanimidade, sendo a dissidência considerada como um atentado à felicidade geral, devendo ser rigorosamente eliminada. Como ensinava Rousseau no seu Contrato Social, todos os meios seriam válidos para a elite de puros implantar a unanimidade.

6 – Na organização do Estado deve ser levada em consideração a busca daquele modelo que melhor garanta a unanimidade, mediante a eliminação da oposição. Como conseqüência dessa proposta, a Humanidade viveu, entre 1917 e 1989, o século do totalitarismo, com os milhões de vítimas que causou a implantação da vontade geral por minorias fanáticas, na Rússia, na Ásia e na Europa, ao ensejo das ditaduras nazi-fascista e comunista. A prévia desse filme de horror tinha sido apresentada na Revolução Francesa e no ciclo denominado de Terror Jacobino, com a maquininha infernal de eliminar dissidentes funcionando a pleno vapor, pela França afora.

Neste início de milênio, consolidam-se experiências de populismo que se aproximam, na América Latina e alhures, dessa versão totalitária. Os dois mais importantes rebentos da nova realidade são a revolução bolivariana do presidente Chávez, na Venezuela, e o agressivo fundamentalismo islâmico praticado no Irã por Ahmadinejad e os aiatolás. Totalitarismos e populismos fundamentalistas seriam o reino da paz perpétua, não no sentido liberal que Kant conferiu a esta expressão, mas na acepção literal que o gênio de Königsberg viu inscrita na porta do cemitério da sua cidade, circunstância que o inspirou, aliás, na formulação da pergunta de se não haveria outra paz a que os seres humanos pudéssemos aspirar, diferente da dos túmulos.

É curioso observar a tendência do presidente Lula a confraternizar exatamente com esses regimes, louvando Chávez pelo fato de existir democracia “até demais” na Venezuela e defendendo os interesses nucleares do Irã, com sério risco para a paz mundial e arranhando a imagem da nossa diplomacia.