Coisas Internacionais, 21 Feb 2014 06:39 AM PST
Não é a primeira vez que reflito nesse blog sobre o conceito e a abrangência da suposta liderança brasileira na região da América do Sul. E reiteradamente constato que essa liderança propalada em discursos raramente se converte em política, em ações estratégicas, em momentos de crise como o que vive agora a Venezuela.
O Brasil se eximiu de ter um papel ativo e público na solução da crise das papeleras, amarga disputa entre Argentina e Uruguai que ameaçou seriamente a unidade do MERCOSUL.
Quando a Colômbia atacou acampamento das FARC em território equatoriano e matou um membro do secretariado da narco-guerrilha Raúl Reys, novamente, nossa diplomacia ficou a reboque da dupla Kirchner- Chávez.
Foram duas oportunidade de liderar, de oferecer bons-ofícios e tentar impelir estratégias nacionais para a região, sem imposição imperial, mas construindo com habilidade o consenso ao se mostrar verdadeiramente engajado.
É sempre difícil pros decisores políticos separar seus interesses de governo (partidário-eleitorais) dos interesses de Estado (de longo prazo e supostamente suprapartidários) principalmente quando a simpatia e antipatia ideológica são tão aparentes como no atual partido no poder no Brasil. Só a simpatia ideológica explica por que o Brasil é neutro diante das FARC que tentam derrubar um regime para impor uma ditadura socialista e na busca desse propósito traficam drogas que inundam as ruas brasileiras e armas ilegais que nos matam e é agora completamente defensor do regime bolivariano que enfrenta ampla contestação de uma fatia significativa da população da Venezuela.
Sobre a Venezuela é preciso resistir a vontade de demonizar os lados em disputa. É verdade que Maduro foi democraticamente eleito, ainda que pipoquem denuncias de fraudes eleitorais, mas também é verdade que sua eleição transformada pelos marketeiros brasileiros em referendo sobre o Chável, recém-falecido (o que é claro tem forte carga emocional) foi bem apertada com cerca de 200 mil votos de diferença.
Isso quer dizer que não são protestos de uma “minoria fascista”, “branca” e “racista” que não suportaria um Estado mestiço e indígena, como li na opinião de um professor da UnB, que pela ingenuidade da afirmação não deve ser (assim espero) membro do iPol ou do iRel.
Hoje, 21 de fevereiro de 2014, até as 10h não havia no site do Itamaraty nenhuma nota referente a virulência das manifestações e da repressão na Venezuela, alguns dias atrás uma nota da CELALC havia sido publicada mas foi retirada. Notas oficiais são em conteúdo sempre cheia de platitudes e diplomatiquês, mas a ausência delas é um indicativo muito interessante de que falta consenso sobre o assunto no governo.
E antes que venham com a balela de que qualquer manifestação contrariaria a não-intervenção, o Brasil emitiu com rapidez nota externando preocupação com a violência e pedindo refreamento por parte do governo e opositores e diálogo para alcançar a paz social na Ucrânia.
Ora, se o governo brasileiro quer mesmo ter papel de liderança no continente não pode se omitir, não pode deixar de condenar a violência dos manifestantes e dos agentes do governo, deveria fazer gestões para que o opositor preso responda processo em liberdade, o que acalmaria um pouco as ruas e pediria comedimento por parte do regime na resposta as manifestações e mais articularia uma missão da UNASUL ou MERCOSUL até a Venezuela para avaliar melhor a situação e para ajudar na negociação do fim da crise. Ações práticas demonstram liderança.
Inevitável é o questionamento de quanto da ação vacilante do governo deriva da simpatia ideológica e o quanto deriva de um quadro de análise política sobre a mensagem que isso passaria aos manifestantes nacionais, que prometem infernizar o governo durante a Copa do Mundo FIFA Brasil 2014.
Pode um líder ser tão vacilante? Cabeças devem estar fervendo no belo palácio dos arcos atormentadas por essas questões, como diria o Barão do Rio Branco, Política Externa é projetar uma certa imagem de Brasil e nesse caso é uma parcial a favor de regimes de mesma matiz ideológica e vacilante quanto a própria capacidade de intermediar crises regionais. É esse um quadro acurado?
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Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
Venezuela e a questao da lideranca brasileira - Blog Coisas Internacionais
terça-feira, 2 de abril de 2013
Esquizofrenias dos socialismos do seculo 21 (ou do 19...)
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Bolivarianismo fazendo escola (sempre tem quem queira aprender...)
Trechos da coluna de Cesar Maia
Folha de S.Paulo, Sábado, 14/08/2010
1. O populismo autoritário na América Latina tem como expressão maior o presidente Chávez da Venezuela. Seu discípulo mais obediente é o presidente Morales da Bolívia. Em outros países inscritos na rede -dita- bolivariana, o Poder Legislativo procura reagir e evitar que a democracia seja totalmente pisoteada. O Brasil é um caso perigosamente intermediário. As tentativas sub-reptícias quando descobertas produzem recuos cínicos do tipo "não era essa a intenção", "não havia lido".
2. São quatro os vetores onde se testa a blindagem da sociedade e do Congresso. O primeiro trata de valores, quanto à vida, a família e as drogas, surpreendidos num tal Plano Nacional de Direitos Humanos. O segundo aponta contra a liberdade de imprensa. O terceiro se direciona às instituições políticas, e a proposta de uma constituinte exclusiva para a reforma política é o caso mais flagrante.
3. O quarto é o mais comum. O presidente atropela o Congresso Nacional assinando tratados, convênios e contratos internacionais. Na semana passada ele declarou que havia assinado, em sua passagem de horas por Caracas a caminho de Bogotá, 28 acordos de cooperação em diversas áreas. Um mês antes assinou com Cuba linhas de crédito de US$ 1 bilhão. Um pouco mais atrás avançou com Bolívia e Paraguai revisões dos contratos do gás e Itaipu. Tem perdoado dividas a bel-prazer e justifica pela pobreza dos países beneficiados.
4. Não se trata de mérito, mas de restrições constitucionais que não dão ao presidente liberdade para decidir sem aprovação do Congresso. Se o Senado for ao STF questionar invasão de competência, esses acordos se tornam inválidos. A Constituição diz em seu artigo 49: "É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional". Em seu artigo 52, ela diz: "Compete privativamente ao Senado Federal: (...) IV- designar os embaixadores. V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados (...) e dos municípios".
5. A bem da verdade, o Senado tem sido omisso. Nas sabatinas com embaixadores, estes têm o tempo de cinco minutos para suas exposições e o rito de escolha é sumário. Não é sem razão que outro dia o presidente afirmou que para ele um senador vale três governadores. Assim explicou os acordos que reduziram à metade os candidatos de seu partido a governador, em relação a 2006.