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sábado, 17 de outubro de 2020

A ONU é indispensável - Sérgio Amaral (Veja)

A ONU é indispensável

 Sérgio Amaral, ex-embaixador do Brasil em Washington

A organização que teve papel imprescindível na promoção da paz mundial chega aos 75 anos sob várias críticas, mas tentando se adaptar aos novos tempos e se manter relevante

Revista Veja, 16/10/2020

CRIADA EM 1945 no cenário pós-guerra, a Organização das Nações Unidas cumpriu com o seu papel, dando à sociedade internacional a valiosa contribuição de promover a visão de um mundo mais democrático e justo e comprometendo-se com a busca incessante da paz entre os povos. Empenhou-se pela descolonização, pelo desenvolvimento e, por meio de seus organismos especializados, estimulou a cooperação entre os Estados nas mais diferentes áreas de interesse da humanidade - saúde e educação, ciência e cultura, comércio e indústria, entre tantas outras. Mais recentemente, voltou-se para a proteção do meio ambiente e para o combate às mudanças climáticas. A família da ONU, ampliada pelas instituições de Bretton WoodsFundo Monetário Internacional e Banco Mundial- , compõe o mais amplo acervo de normas, políticas e procedimentos internacionais da história moderna. Seu impulso ao direito internacional não tem paralelo. Sem a flexibilização das regras nacionais, que os organismos da ONU ajudaram a implementar, a globalização econômica simplesmente não teria ocorrido e, se tivesse, seria caótica.

Não obstante conquistas inegáveis, subsiste a crítica quanto à sua eficácia. Alguns arguem que lhe falta poder para ser realmente eficiente, sem se lembrar de que a ONU adota sanções legítimas, porque endossadas pela comunidade das nações. Outros, ao contrário, a acusam de exorbitar de suas competências, como seria o caso da Unesco ou mesmo da Organização Mundial do Comércio, por suas engrenagens para a resolução de controvérsias. Muitos a condenam ainda por inoperância, por não ter encontrado saída para as grandes tragédias humanitárias.

A organização internacional mais longeva de que se tem notícia foi o fruto de uma ourivesaria política forjada ao longo de décadas. Ela concilia a representatividade com o equilíbrio de poder. As grandes potências jamais aceitariam participar de uma instituição em que a acentuada disparidade de peso econômico e de recursos políticos não fosse levada em conta. Essa é justamente a razão de ser do Conselho de Segurança, no qual têm assento as nações mais poderosas. Por isso mesmo, é tão difícil reformá-lo. Mas os países mais pobres ou de menor poder relativo tampouco aceitariam participar de uma instituição, que se propõe a ser multilateral e universal, sem que ela lhes oferecesse espaço para manifestar sua voz e ser ouvidos.

No decorrer do tempo, as críticas à ONU foram se multiplicando. E as reivindicações também deram um salto. Mas o impulso militante e contestatório do Grupo dos 77 (uma coalizão de nações em desenvolvimento), por exemplo, foi-se atenuando, pouco a pouco, assim como sua própria relevância. Na Organização Mundial de Comércio, em que a decisão em princípio deveria ser tomada segundo a regra de um voto por país, o que funciona, na realidade, é um processo de formação de consensos, no qual, até certo ponto, as preocupações e aspirações legítimas de cada um dos membros acabam sendo consideradas. Olhando em perspectiva, a ONU soube atualizar-se e incorporar demandas novas e angustiantes da sociedade internacional, como as questões dos refugiados, da imigração e da mudança climática, desafios realmente difíceis de solucionar, mas que começam a ser regulados, após rodadas de negociação por vezes longas, porém sem a imposição da força.

É certo que a organização poderia fazer mais. Mas os que assim pensam se esquecem de que a ONU não é um ente autônomo, que paira acima da vontade de seus Estados-membros. Ao contrário, ela é apenas o palco da grande política mundial. Expressa e decide o que os seus membros querem, sobretudo os mais poderosos. Se existem limites congênitos para a sua ação, uma visão realista, e talvez mais justa, reconheceria que é crucial contar com uma estrutura capaz de atenuar divergências ou promover a negociação, antes que os conflitos virem confrontos graves, por vezes militares, e difíceis de conter. Há alguns anos, ganhou tração a iniciativa de vários países para uma reforma da ONU, de modo a ajustá-la às transformações e ameaças do mundo globalizado. No caso do Brasil, a demanda por uma reformulação estava centrada na ampliação do Conselho de Segurança e em uma maior democratização do processo decisório, demandas que não lograram transpor as diversas instâncias da organização.

As crises simultâneas por que estamos passando tornaram inevitável a reforma das regras internacionais. O mundo precisa de mais multilateralismo, em vez de menos. Não há como combater uma pandemia que já contaminou mais de 30 milhões de pessoas em quase 200 países e provocou tragédias humanas e expressivas perdas econômicas sem uma estreita colaboração entre os sistemas nacionais de saúde, sob a égide da OMS. Da mesma forma, a redução das emissões de gás de efeito estufa não ocorrerá de modo efetivo enquanto os esforços de alguns beneficiem os que fizeram pouco ou nada. Só uma disciplina multilateral trará equidade. É uma ilusão supor que a recuperação da economia mundial será alcançada apenas pelo receituário do equilíbrio fiscal, sem levar em consideração a necessidade de um esforço conjugado para reduzir a desigualdade e conter o protecionismo.

A emergência da China está provocando deslocamentos tectônicos, que não podem ser entendidos em toda a sua dimensão somente à luz da chamada guerra comercial ou da disputa tecnológica. Elas são apenas a ponta visível de um iceberg profundo. Como diz com propriedade Emmanuel Macron, presidente da França, o conflito hegemônico entre as duas superpotências não deve contaminar ou prejudicar o esforço coletivo em trabalhar nos foros multilaterais em prol de bens comuns, tais como a oferta de boa saúde e educação, o combate à mudança climática e os direitos humanos. As eleições presidenciais nos Estados Unidos tendem a lançar luzes novas sobre a reforma na ONU, que não pode ser considerada apenas sob o ângulo de implicações orçamentárias ou da crescente presença da China. O Brasil participou dos debates que levaram à proposta de uma Liga das Nações, ao fim da I Guerra Mundial. Teve papel ativo na fundação da ONU, em 1945. Possui credenciais e a pretensão legítima de ser um relevante ator mundial. Mas não pode, sob o pretexto das idéias confusas e obscuras do globalismo, furtar-se a dar uma contribuição construtiva para o fortalecimento das Nações Unidas.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

A nova diplomacia brasileira - Sergio Amaral (FSP)


SERGIO AMARAL
Uma diplomacia de modestos resultados
Folha de S. Paulo, 29/05/2016

José Serra, ao tomar posse como ministro das Relações Exteriores, definiu dez diretrizes para a política externa. Além de sinalizar um novo rumo para o Itamaraty, tais diretrizes buscam estimular uma reflexão interna na chancelaria e um debate com a sociedade que não passe pela difamação das pessoas ou pela rotulagem de suas ideias. Gramsci, o grande pensador político italiano, dizia que a pequena política é a dos homens; a grande, a das ideias.
A China tem dado uma demonstração da firmeza com que defende seus interesses e da indiferença pela qualificação de suas políticas. Não se trata apenas da frase famosa de Deng Xiaoping, de que não importa a cor do gato, se matar o rato.
O presidente chinês, Xi Jinping, em visita recente ao Brasil, declarou que a China não seria o que é se não fosse a liberalização e a abertura da economia. E olhem que ele é insuspeito de desvios neoliberais.
Os governos do PT, sobretudo no início, formularam algumas propostas generosas ou legítimas no plano externo. Como opor-se a uma campanha contra a fome em escala mundial? Como questionar a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ou a busca de resultado equitativo para a
Rodada de Doha? Como criticar a prioridade atribuída ao Mercosul e à integração sul-americana?
O problema é que essas prioridades resultaram em nada, ou quase nada. A campanha do Fome Zero foi lançada de improviso. Por solicitação do Itamaraty, ajudei a formular um projeto que consistia numa variante da taxa Tobin (imposto sobre movimentações financeiras) para alimentar um fundo, a ser gerido pela Unicef, com o objetivo de promover a nutrição de crianças.
O projeto foi aprovado, mas nunca mais se ouviu falar dele. O resultado do Fome Zero foi, de fato, zero.
O Brasil organizou a mais ampla e dispendiosa campanha diplomática de sua história para conquistar um lugar no Conselho de Segurança. Dobrou o número de embaixadas na África e as expandiu no Caribe. O resultado foi igualmente zero. Hoje estamos tão distantes, quanto antes, do Conselho de Segurança.
O Itamaraty empreendeu exaustivas negociações para a conclusão da Rodada de Doha. O acordo não foi, nem será concluído. Seria incorreto criticar a diplomacia do PT por mais esse fracasso. Mas a sua responsabilidade está em não ter negociado, em paralelo, acordos bilaterais e regionais de comércio, como fez a maioria dos países.
Por fim, a mais importante das prioridades, o fortalecimento do Mercosul, foi uma frustração. Em vez de avançar, o Mercosul retrocedeu. Em termos relativos, a participação do bloco no comércio exterior brasileiro regrediu.
A integração sul-americana transformou-se em fragmentação, pela atuação da Aliança Bolivariana e pela concorrência de um novo bloco, a Aliança para o Pacífico.
A Aliança Bolivariana, apoiada ao início pela diplomacia de Lula, é a mais forte evidência dos desacertos da política externa.
A benevolência para com o cerco da refinaria da Petrobras na Bolívia é injustificável. O tratamento preferencial dado à Venezuela, especialmente à adesão do país
ao Mercosul, sem cumprimento dos requisitos prévios, beira a irresponsabilidade.
As palavras certamente contam na diplomacia, mas não bastam. Em quaisquer dos planos em que seja exercido -o político, o cultural, o econômico-, o discurso tem que se traduzir em ações e resultados. Caso contrário, a política externa será apenas uma retórica vazia, ainda que bem-intencionada.
SERGIO AMARAL diplomata, foi secretário de Comunicação da Presidência da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (governo FHC)