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quarta-feira, 20 de abril de 2016

Ideologia: A Historia do Brasil do PT - Luiz Felipe Ponde

A história do Brasil do PT
Luiz Felipe Pondé
Folha de São Paulo, 18/04/2016

A "batalha do impeachment" é a ponta do iceberg de um problema maior, problema este que transcende em muito o cenário mais imediato da crise política brasileira e que independe do destino do impeachment e de sua personagem tragicômica Dilma.

Mesmo após o teatro do impeachment, a história do Brasil narrada pelo PT continuará a ser escrita e ensinada em sala de aula. Seus filhos e netos continuarão a ser educados por professores que ensinarão esta história. Esta história foi criada pelo PT e pelos grupos que orbitaram ao redor do processo que criou o PT ao longo e após a ditadura. Este processo continuará a existir.

A "inteligência" brasileira é escrava da esquerda e nada disso vai mudar em breve. Quem ousar nesse mundo da "inteligência" romper com a esquerda, perde "networking".

Ao afirmar que a "história não perdoa as violências contra a democracia", José Eduardo Cardozo tem razão num sentido muito preciso.

O sentido verdadeiro da fala dos petistas sobre a história não perdoar os golpes contra a democracia é que quem escreve os livros de história no Brasil, e quem ensina História em sala de aula, e quem discorre sobre política e sociedade em sala de aula, contará a história que o PT está escrevendo.

Se você não acredita no que digo é porque você é mal informado.

O PT e associados são os únicos agentes na construção de uma cultura sobre o Brasil. Só a esquerda tem uma "teoria do Brasil" e uma historiografia.

Esta construção passa por uma sólida rede de pesquisadores (as vezes, mesmo financiada por grandes bancos nacionais), professores universitários, professores e coordenadores de escolas, psicanalistas, funcionários públicos qualificados, agentes culturais, artistas, jornalistas, cineastas, produtores de audiovisual, diretores e atores de teatro, sindicatos, padres, afora, claro, os jovens que no futuro exercerão essas profissões. O domínio cultural absoluto da esquerda no Brasil deverá durar, no mínimo, mais 50 anos.

Erra quem pensa que o PT desaparecerá.

O do Lula, provavelmente, sim, mas o PT como "agenda socialista do Brasil" só cresce. O materialismo dialético marxista, mesmo que aguado e vagabundo, com pitadas de Adorno, Foucault e Bourdieu, continuará formando aqueles que produzem educação, arte e cultura no país.

Basta ver a adesão da camada "letrada" do país ao combate ao impeachment ao longo dos últimos meses.

Ao lado dessa articulada rede de agentes produtores de pensamento e ação política organizada, que caracteriza a esquerda brasileira, inexiste praticamente opção "liberal" (não vou entrar muito no mérito do conceito aqui, nem usar termos malditos como "direita" que deixam a esquerda com água na boca).

Nos últimos meses apareceram movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL que parecem mais próximos de uma opção liberal, a favor de um Brasil menos estatal e vitimista.

Ser liberal significa crer mais no mercado (sem ter que achá-lo um "deus") e menos em agentes públicos.

Significa investir mais na autonomia econômica do sujeito e menos na dependência dele para com paternalismos estatais.

Iniciativas como fóruns da liberdade, todas muitos importantes para quem acha o socialismo um atraso, são essencialmente incipientes.

E a elite econômica brasileira é mesquinha quando se trata de financiar o trabalho das ideias. Pensa como "merceeiro", como diria Marx. Quer que a esquerda acabe por um passe de mágica.

O pensamento liberal no Brasil não tem raiz na camada intelectual, artística ou acadêmica. E sem essa raiz, ele será uma coisa de domingo a tarde.

A única saída é se as forças econômicas produtivas que acreditam na opção liberal financiarem jovens dispostos a produzir uma teoria e uma historiografia do Brasil que rompa com a matriz marxista, absolutamente hegemônica entre nós. Institutos liberais devem pagar jovens para que eles dediquem suas vidas a pensar o país. Sem isso, nada feito.

Sem essa ação, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série.

A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha

Clique no link abaixo para ler o texto completo:

Luiz Felipe Ponde: A história do Brasil do PT
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/04/1761876-a-historia-do-brasil-do-pt.shtml

segunda-feira, 31 de março de 2014

1964: Esquerda tinha ditaduras como modelo - Marco Antonio Villa (OESP)

Esquerda tinha ditaduras como modelo

O Estado de S.Paulo, 28 de março de 2014
Marco Antonio Villa

Durante a ditadura, a oposição de esquerda transformou a experiência dos países socialistas em referência de democracia. A ditadura do proletariado foi exaltada como o ápice da liberdade humana e serviu como contraponto ao regime militar. A falácia tinha uma longa história. Desde os anos 1930 brasileiros escreveram libelos em defesa do sistema que libertava o homem da opressão capitalista.
Tudo começou com URSS, Um Novo Mundo, de Caio Prado Júnior, publicado em 1934, resultado de uma viagem de dois meses do autor pela União Soviética. Resolveu escrevê-lo, segundo informa na apresentação, devido ao sucesso das palestras que teria feito em São Paulo descrevendo a viagem. À época já se sabia do massacre de milhões de camponeses (a coletivização forçada do campo, 1929-1933) e a repressão a todas os não bolcheviques.
Prado Júnior justificou a violência, que segundo ele "está nas mãos das classes mais democráticas, a começar pelo proletariado, que delas precisam para destruir a sociedade burguesa e construir a sociedade socialista". A feroz ditadura foi assim retratada: "O regime soviético representa a mais perfeita comunhão de governados e governantes". O autor regressou à União Soviética 27 anos depois. Publicou seu relato com o título O Mundo do Socialismo. Logo de início escreveu que estava "convencido dessa transformação (socialista), e que a humanidade toda marcha para ela".
Em 1960, Caio Prado não poderia ignorar a repressão soviética. A invasão da Hungria e os campos de concentração stalinistas estavam na memória. Mas o historiador exaltava "o que ocorre no terreno da liberdade de expressão do pensamento, oral e escrito", acrescentando: "Nada há nos países capitalistas que mesmo de longe se compare com o que a respeito ocorre na União Soviética". E continua escamoteando a ditadura: "Os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo. Tem-se neles a mais total liberdade de movimentos, e não há sinais de restrições além das ordinárias e normais que se encontram em qualquer outro lugar."
Seguindo pelo mesmo caminho está Jorge Amado, Prêmio Stalin da Paz de 1951. Isso mesmo: o tirano que ordenou o massacre de milhões de soviéticos dava seu nome a um prêmio "da paz". Antes de visitar a União Soviética e publicar um livro relatando as maravilhas do socialismo - o que ocorreu em 1951 -, Amado escreveu uma laudatória biografia de Luís Carlos Prestes. A União Soviética foi retratada da seguinte forma: "Pátria dos trabalhadores do mundo, pátria da ciência, da arte, da cultura, da beleza e da liberdade. Pátria da justiça humana, sonho dos poetas que os operários e os camponeses fizeram realidade magnífica".
A partir dos anos 1970, o foco foi saindo da União Soviética e se dirigindo a outros países socialistas. Em parte devido aos diversos rachas na esquerda brasileira. Cada agrupamento foi escolhendo a sua "referência", o país-modelo. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) optou pela Albânia. O país mais atrasado da Europa virou a meca dos antigos maoistas, como pode ser visto no livro O Socialismo na Albânia, de Jaime Sautchuk. O jornalista visitou o país e não viu nenhuma repressão. Apresentou um retrato róseo. Ao visitar um apartamento escolhido pelo governo, notou que não havia gás de cozinha. O fogão funcionava graças à lenha ou ao carvão. Isso foi registrado como algo absolutamente natural.
O culto da personalidade de Enver Hoxha, o tirano albanês, segundo Sautchuk, não era incentivado pelo governo. Era de forma natural que a divinização do líder começava nos jardins de infância onde era chamado de "titio Enver". As condenações à morte de dirigentes que se opuseram ao ditador foram justificadas por razões de Estado. Assim como a censura à imprensa.
Com o desgaste dos modelos soviético, chinês e albanês, Cuba passou a ocupar o lugar. Teve papel central neste processo o livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que visitou o país em 1977. Quando perguntado sobre os presos políticos, o ditador Fidel Castro respondeu que "deve haver uns 2 mil ou 3 mil". Tudo isso foi dito naturalmente - e aceito pelo entrevistador.
Um dos piores momentos do livro é quando Morais perguntou para um jornalista se em Cuba existia liberdade de imprensa. A resposta foi uma gargalhada: "Claro que não. Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês". Outro jornalista completou: "Liberdade de imprensa para atacar um governo voltado para o proletariado? Isso nós não temos. E nos orgulhamos muito de não ter". O silêncio de Morais, para o leitor, é sinal de concordância. O pior é que vivíamos sob o tacão da censura.
O mais estranho é que essa literatura era consumida como um instrumento de combate do regime militar. Causa perplexidade como os valores democráticos resistiram aos golpes do poder (a direita) e de seus opositores (a esquerda).
HISTORIADOR, É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE 'DITADURA À BRASILEIRA. 1964-1985. A DEMOCRACIA GOLPEADA À ESQUERDA E À DIREITA' (LEYA). 

sábado, 2 de novembro de 2013

Esquerda Caviar: a praga que frequenta nossas faculdades, e o governo -resenha do livro de Rodrigo Constantino

Reproduzo, do blog de Rodrigo Constantino, esta matéria sobre seu mais recente livro, que infelizmente ainda não li.
Antes de sair do Brasil, ainda participei do lançamento em Brasília, de seu livro precedente: Privatize Já!, que recomendo obviamente.
Paulo Roberto de Almeida


02/11/2013
 às 9:35 \ Cultura

O bico do tentilhão: resenha de “Esquerda Caviar”

Uma nova resenha de Esquerda Caviar feita por André Assi Barreto no site “O bico do tentilhão”:
Antes de analisar o mais recente livro de Constantino, vale saudar o trabalho da editora Record (maior grupo editorial do país). Ao que parece, o público conservador (que é mais vasto do que imaginam muitos) tem agora uma editora disposta a lhe servir de bons livros: o também recente sucesso de vendas ‘O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota’ de Olavo de Carvalho, além de títulos essenciais para os interessados pelo debate político: ‘Fascismo de Esquerda’ de Jonah Goldberg e ‘O País dos Petralhas I e II’ de Reinaldo Azevedo. Também deve ser exaltada a figura de Carlos Andreazza nessa guinada à direita dos últimos títulos da Record.
O mais recente e sem dúvida melhor livro de Rodrigo, Esquerda Caviar, segue um estilo que MUITO me agrada: a precisão documental que muitas vezes só encontro em autores americanos ao elencar fatos de diversas ordens. Rodrigo faz um raio-X praticamente completo do esquerdista caviar: origens, postura, exemplos, justificativa, quem são, onde estão e tudo mais que há direito. Aquele espécime que adora o socialismo, desde que para os outros…
O estilo dessa obra de Constantino segue o de suas outras: claro e objetivo. É leitura extremamente informativa, para ser esgotado com rapidez, já que a prosa flui com naturalidade.
Vale comentar dois aspectos acerca da obra de Constantino, adendos ou coisas que podem passar desapercebidas ao leitor mais desatento:
A primeira é certa incapacidade (ou seria desonestidade?) de alguns de observarem o real problema exposto. Não espere que um esquerdista admita que comete uma contradição logo de cara, tampouco que ele se importe em cometê-la (como já tive a oportunidade de comentar, devido ao horizonte dialético da mentalidade esquerdista, uma contradição não é vista como um pecado intelectual irrepreensível, mas até mesmo como combustível para que se siga em frente, propagando e agindo sob a tutela do erro).
Muitos esquerdistas, por motivos diversos, não veem problema em defender o socialismo e servir-se dos recursos abastados que o capitalismo lhe proveu ou que apenas ele pode prover (“ser de esquerda não é fazer voto de pobreza” disse Sakamoto certa vez). Contudo, resta a pergunta: como o sujeito, dado seu referencial teórico (o socialismo), pode condenar o acúmulo de riqueza, pois segundo ele, “a ‘mais-valia’ é roubo” e condenar o método pelo qual qualquer um pode chegar à riqueza (o capitalismo de livre mercado) e deleitar-se com vinhos caros, viagens chiques e produtos eletrônicos oriundos de empresas “exploradoras” que “destroem o meio ambiente”?
Para quem conhece alguns desse tipo, como eu, Esquerda caviar é uma metralhadora, elenca praticamente TODOS os que incorrem nessa contradição sem piedade: dos ídolos tradicionais da esquerda, como Fidel e Che (com seus Adidas e Rolex) aos novos meninos de apartamento que consideram ser de esquerda como o novo cool, como Wagner Moura e Leonardo di Caprio.
Nunca espere que um esquerdista reconheça sua contradição; é da natureza de seu raciocínio que não o faça, é da natureza de seu raciocínio que ao chegar numa conclusão contraditória, não reveja as premissas e abandone o argumento caso confirme-se o caráter contraditório da ideia. Contudo, para mentalidades sãs, a obra de Constantino segue sendo um manual de consulta dessa impostura de diversas celebridades, heróis e políticos esquerdistas.
A segunda seria se essa condição, do esquerdista caviar, representa apenas um cinismo consciente, como indicamos acima, ou uma consequência imediata e inevitável da postura socialista, sendo o exemplo maior disso o relato da elite formada pelos porcos, logo a após a revolução ocorrida na Animal Farm, como relata George Orwell. Não apenas “todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”, mas dentro do esquema socialista, é preciso que uns sejam “mais iguais” que outros, servindo-se das benesses capitalistas, enquanto deseja “o básico para todos” para os demais mortais.
A despeito desses dois detalhes, Esquerda Caviar segue sendo tanto um compêndio documental dos “filhos de Marx numa eterna transa promíscua com a Coca Cola”, quanto um manual para infernizar aquele seu amigo (ainda é seu amigo?) melancia, relativista cultural, natureba xiita ou simpatizante do islamismo militante (todas variantes do esquerdismo caviar, pois nenhum outro sistema político-econômico fez e pode fazer mais pelo ambiente e pela cultura). Não perca tempo, compre e leia (se morar em alguma cidade da rota de divulgação da obra, vá pegar um autógrafo)!
André Assi Barreto comigo no lançamento

domingo, 8 de setembro de 2013

Cruzada anti-idiotas; entrevista com Olavo de Carvalho - Marco Rodrigo Almeida (FSP)

Folha de S.Paulo, 08/09/2013 - 03h10

Cruzada anti-idiotas | Entrevista com Olavo de Carvalho

MARCO RODRIGO ALMEIDA

RESUMO Novo livro de Olavo de Carvalho, que reúne ensaios publicados em jornais e revistas, tornou-se um best-seller quase instantâneo. Em entrevista, o filósofo radicado nos EUA analisa criticamente tanto a esquerda brasileira como uma parte da "direita nascente", que ele diz serem formadas e formadoras de idiotas.
*
O mínimo que todo mundo precisa saber para não ser um idiota não é tão mínimo assim. Ao menos na visão de Olavo de Carvalho, ela engloba quase 200 textos, espalhados por 616 páginas. Abarca uma miríade de temas --como história, democracia, religião, ciência, linguagem, educação, guerra (mas não só). Todo esse material, publicado originalmente pelo filósofo em jornais e revistas entre 1997 e 2013, é agora reunido em "O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota" [Record; 616 págs.; R$ 51,90].

Felipe Moura Brasil foi responsável pela seleção do material. "E agora o reparto com você, leitor, na esperança de que também se afaste da condição de bichinho e se eleve à altura dos anjos", escreve o jornalista na empolgada apresentação do volume.
Apontar um idiota, reconhece o livro, é tarefa fácil. Mais difícil é não sê-lo, nem fazer papel de um. Na nada modesta cruzada de livrar o leitor de toda forma de idiotice, o volume elege como alvo principal o pensamento de esquerda que considera hegemônico no país.
Dispara contra políticos e intelectuais (também sobra munição para a "direita nascente"), artistas, o MST, o movimento gay e as recentes manifestações no país. O autor destas parcas linhas também leva seu quinhão de farpas.

Olavo de Carvalho é um dos principais representantes do pensamento conservador no Brasil. Publicou diversos livros ("O Imbecil Coletivo", "O Futuro do Pensamento Brasileiro") e criou o site Mídia sem Máscaras (www.midiasemmascara.org).
Seus textos e aulas on-line têm conquistado um público fiel ao longo dos anos. O novo livro vendeu em apenas uma semana, segundo a editora Record, 10 mil exemplares. Dos Estados Unidos, onde vive desde 2005, Olavo de Carvalho concedeu à Folha a seguinte entrevista por e-mail.
*
Folha - O título do livro é um tanto provocativo, até mesmo para atrair o leitor. Mas não seria pouco filosófico chamar de "idiota" quem não compartilha certas ideias?
Olavo de Carvalho - Ninguém é ali chamado de idiota por "não compartilhar certas ideias", e sim por pretender julgar o que não conhece, por ignorar informações elementares indispensáveis e obrigatórias na sua própria área de estudo ou de atuação intelectual.
Nesse sentido, creio ter demonstrado meticulosamente, neste e em outros livros, que alguns dos principais líderes intelectuais da esquerda brasileira, assim como uns quantos da direita nascente, são realmente idiotas e fabricantes de idiotas.

O sr. comenta que a normalidade democrática é a concorrência "efetiva, livre, aberta, legal e ordenada" entre direita e esquerda. Mas também que todo esquerdista é "mau, sem exceção". Como é possível equilibrar esses dois aspectos?
Depende do que você chama de esquerda. Há uma esquerda que aceita concorrer democraticamente com a direita, sair do poder quando perde as eleições e continuar disputando cargos normalmente sem quebrar as regras do jogo. O Partido Trabalhista inglês é assim. Nosso antigo PTB era assim. Disputavam o poder, mas sabiam que, sem uma oposição de direita, perderiam sua razão de ser.
Há uma segunda esquerda que deseja suprimir a direita pela matança dos seus representantes reais ou imaginários. Esta governa Cuba, a China, a Coreia do Norte etc., assim como governou a URSS e os países satélites.
Há uma terceira esquerda que, aliada da segunda, diverge dela em estratégia: pretende conquistar primeiro a hegemonia, de modo que, nos termos de Antonio Gramsci, o seu partido se torne "um poder onipresente e invisível, como um mandamento divino ou um imperativo categórico"; e, em seguida, tendo controlado a sociedade por completo, apossar-se do Estado quando já não haja nem mesmo a possibilidade remota de uma oposição de direita. Só aí virá um toque de violência, para dar acabamento à obra-prima.
A existência da primeira esquerda é essencial ao processo democrático. A segunda e a terceira devem ser expulsas da política e dos canais de cultura porque sua essência mesma é a supressão de todas as oposições pela violência ou pela fraude e porque se infiltram na primeira esquerda, corrompendo-a e prostituindo-a.
Ninguém pode apoiar esse tipo de esquerda por "boa intenção". Você já viu algum militante dessa esquerda sonhar em implantar o socialismo e depois ir para casa e viver como um humilde operário do paraíso socialista? Eu nunca vi.
Cada militante se imagina um futuro primeiro-ministro ou chefe da polícia política. Quando matam, é para conquistar o direito de matar mais, de matar legalmente. São porcos selvagens -sem ofensa aos mimosos animais.

O sr. argumenta que o brasileiro é maciçamente conservador, mas desprovido de representação política. Por que não temos políticos e partidos que tomem tal bandeira?
Já está respondido na pergunta anterior. O método da "ocupação de espaços" realizou no Brasil o ideal gramsciano de fazer com que todo mundo nas classes falantes seja de esquerda mesmo sem sabê-lo, de modo que toda ideia que pareça "de direita" já seja vista, instintivamente, sob uma ótica deformante e caluniosa, com chances mínimas ou nulas de argumentar em defesa própria.
Suas próprias perguntas ilustram o sucesso dessa operação no Brasil. Você pode não ser um militante de esquerda, mas raciocina como se fosse, porque na atmosfera mental criada pela hegemonia esquerdista isso é a única maneira "normal" de pensar, às vezes a única maneira conhecida.
Por isso, você, ao formular as perguntas, fala em nome dos meus críticos de esquerda, como se eles, e não o público que gosta do que escrevo, fossem os juízes abalizados aos quais devo satisfações.

Suas ideias podem ser consideradas de direita?
Algumas sim, outras não. Nem tudo no mundo cabe numa dessas categorias. Você não viu a turma da direita enfezada cair de paus e pedras em cima de mim quando afirmei que homossexualismo não é doença nem "antinatural"? É ridículo tomar uma posição ideológica primeiro e depois julgar tudo com base nela por mero automatismo, embora no Brasil de hoje isso seja obrigatório.

Em quais pontos suas ideias podem ser classificadas de direita e em quais não?
Não tenho a menor ideia, nem me interessa. O coeficiente de esquerdismo ou direitismo está antes nos olhos do observador e varia conforme as épocas e os lugares.
Só gente muito estúpida --isto é, a esquerda brasileira praticamente inteira-- imagina que direita e esquerda são categorias metafísicas imutáveis, a chave suprema para a catalogação de todos os pensamentos.
Outros, principalmente na direita, dizem que direita e esquerda não existem mais, o que é também uma bobagem, porque basta uma corrente se autodefinir como "de esquerda" para que todos os que se opõem a ela passem a ser julgados como se fossem a "direita", querendo ou não. A esquerda define-se a si mesma e define seu adversário, por menos que este se encaixe objetivamente na definição.
Nos EUA, alinho-me nitidamente à direita, porque ela existe como agente histórico, é definida e é autoconsciente, mas no Brasil essas coisas são uma confusão dos diabos na qual prefiro não me meter. O sr. Lula não foi, na mesma semana, homenageado no Fórum Econômico de Davos por sua adesão ao capitalismo e no Foro de São Paulo por sua fidelidade ao comunismo?
A última moda na esquerda nacional é cultuar o russo Alexandre Duguin, que é o suprassumo do reacionarismo, enquanto na "direita liberal" muitos adoram abortismo e casamento gay, pontos essenciais da estratégia esquerdista. Prefiro manter distância da direita brasileira, seja isso lá o que for.

No capítulo sobre o golpe de 64, o senhor diz que Castelo Branco foi "um grande presidente", e Médici, "o melhor administrador que já tivemos". Comenta ainda que está na hora de repensar o governo militar. Qual é sua opinião hoje?
No Brasil de hoje não se pode louvar um mérito específico e limitado sem que imediatamente a plateia idiota transforme isso numa adesão completa e incondicional. Neste país, as pessoas, mesmo com algo que chamam de "formação universitária", só sabem louvar ou condenar em bloco, perderam totalmente o senso das comparações, das proporções e das nuances. Isso é efeito de 30 anos de deseducação.
Os méritos dos governos militares no campo econômico, administrativo e das obras públicas são óbvios e, comparativamente, bem superiores a tudo o que veio depois. Ao mesmo tempo, esses governos destruíram a classe política, infantilizaram os eleitores e, por timidez caipira de entrar na guerra ideológica ostensiva, preferiram matar comunistas no porão (embora em doses incomparavelmente menores do que os próprios comunistas matavam em Cuba ou no Camboja) em vez de mover uma campanha de esclarecimento popular sobre os horrores do comunismo. Tudo isso foi uma miséria.
Foi o que eu sempre disse, mas, hoje em dia, se você reconhece uma pontinha de mérito em alguém, já o transformam em devoto partidário dele. Não distinguem nem mesmo entre aplaudir um governo enquanto ele está no poder e tentar avaliá-lo com algum senso de objetividade histórica depois de extinto, mesmo se você, como foi o meu caso, o combateu enquanto durou. O fanatismo idiota tornou-se obrigatório. É disso que o meu livro fala.

O sr. é bastante crítico ao movimento gay. Não acredita que ele foi o responsável por conquistas importantes?
No começo, quando lutava apenas contra a discriminação e a violência anti-homossexual, esse movimento parecia bom e necessário. Mas isso foi só a fachada, a camuflagem do que viria depois: um projeto de dominação total que proíbe críticas e não descansará enquanto não banir a religião da face da Terra ou criar em lugar dela uma pseudorreligião biônica, dócil às suas exigências.

O que o sr. pensa sobre o projeto da cura gay?
Ninguém pede ajuda a um psicólogo para livrar-se de uma conduta indesejada se é capaz de controlá-la pessoalmente ou se não quer abandoná-la de maneira alguma. Quando alguém vai a uma terapia com o propósito de livrar-se do homossexualismo, é porque não o vivencia como uma tendência natural da sua pessoa, e sim como uma compulsão neurótica que o escraviza.
É bem diferente de alguém que é homossexual porque quer, ou de alguém que deixou de ser homossexual porque quis e teve forças para isso. Proibir o tratamento de uma compulsão é torná-la obrigatória, é fazer de um sintoma neurótico um valor protegido pelo Estado. É uma ideia criada por psicopatas e aplaudida por histéricos.

O sr. apoiou a invasão do Iraque em 2003. Nos anos seguintes, vários abusos e atrocidades dos soldados americanos foram divulgados. Acredita que, no saldo geral, a guerra foi positiva?
Não apoiei a invasão do Iraque. De início fui contra. Foi só depois, quando os americanos começaram a exumar os cadáveres das vítimas de Saddam Hussein e viram que eram mais de 300 mil, que comecei a achar que a guerra era moralmente justificável.
Das tais "atrocidades americanas", a maioria é pura invencionice, e as genuínas, inevitáveis em qualquer guerra, nem de longe se comparam ao que Saddam Hussein fez contra o seu próprio povo em tempo de paz.
A guerra, em si, foi positiva do ponto de vista moral, mas a tentativa de forçar o Iraque a adotar uma democracia de tipo ocidental foi ridícula e suicida. A primeira Guerra do Golfo foi bem-sucedida porque se limitou às metas militares, sem sonhos "neocons" de reformar o mundo.

E como o sr. avalia as recentes manifestações em cidades do Brasil?
Tudo começou como uma tentativa de golpe, planejada pelo Foro de São Paulo [coalizão de partidos de esquerda latino-americanos] e pelo governo federal para fazer um "upgrade" no processo revolucionário nacional, passando da fase de "transição" para a da implantação do socialismo "stricto sensu".
Isso incluía, como foi bem provado, o uso de gente treinada em guerrilha urbana para espalhar a violência e o medo e lançar as culpas na "direita". Aconteceu que os planejadores perderam o controle da coisa quando toda uma massa alheia à esquerda saiu às ruas, e eles decidiram voltar atrás e esperar por uma chance melhor. Isso foi tudo. Não há um só líder da esquerda que não saiba que foi exatamente isso.

domingo, 19 de agosto de 2012

Sergio Vieira de Mello: 19 de agosto de 2003

Uma comemoração trágica, para nós brasileiros, neste dia 19: a morte do diplomata da ONU Sérgio Vieira de Mello, num atentado terrorista contra a sede da ONU em Bagdá. 
Imediatamente após, eu lhe prestava esta homenagem, que também constitui uma reflexão sobre as posturas da esquerda brasileira em face do terrorismo:
O Brasil e o terrorismo:
o atentado contra o escritório da ONU em Bagdá e as reações no Brasil
 Paulo Roberto de Almeida
Espaço  Acadêmico, setembro de 2003
Foi preciso, helàs, a trágica morte de um brasileiro trabalhando numa posição de destaque no plano internacional – a do funcionário da ONU Sérgio Vieira de MelloSérgio Vieira de Mello, em Bagdá, no dia 19 de agosto de 2003 – para despertar no Brasil e nos brasileiros um verdadeiro sentimento de horror, suscitando reações de justa indignação, de nítida rejeição ao ato bárbaro e de sincera comiseração pela perda de uma vida devotada à causa humanitária.
Um atentado que se ouviu no Brasil
Devemos em primeiro lugar lembrar que Sérgio Vieira de Mello não foi o único sacrificado pela fúria suicidária e genocida dos terroristas que explodiram um carro bomba junto ao escritório da ONU em Bagdá: junto com ele pereceram pelo menos 20 outras pessoas, além de muitos outros feridos. Caberia também registrar que a comoção no Brasil deveu-se, em parte, a um erro da imprensa internacional – e brasileira – ao identificar, primeiramente, Sérgio Vieira de Mello como um “diplomata brasileiro”, quando ele, na verdade, era apenas brasileiro e “estava” diplomata pela natureza de suas funções desempenhadas na última fase de sua vida. Filho de pai diplomata cassado pelo regime de 1964, ele viveu muito pouco no Brasil e tornou-se um burocrata internacional praticamente desde o início de sua vida profissional, trabalhando para o escritório de refugiados da ONU, com sede em Genebra. Conheci pessoalmente Sérgio Vieira de Mello em Genebra no final dos anos 1980, e minha esposa chegou a dar aulas de Português e de cultura brasileira a seus dois filhos, que eram franceses mas que ele pretendia “transformar” em brasileiros, ou, pelo menos, mais conhecedores da língua e das coisas do Brasil.
(...)
Para continuar a leitura, clique aqui.
Para outros trabalhos do autor nessa mesma revista, até o n. 96, ver aquihttp://www.espacoacademico.com.br/arquivo/almeida.htm
O conjunto de artigos, até o final de minha colaboração (Setembro de 2011), encontra-se nesta lista sintética:

sábado, 22 de outubro de 2011

Intolerancia academica (alias pouco academica), vinda de quem se mais espera, justamente...

Juliano, um leitor meu de Curitiba, enviou-me esta mensagem, e tomei a liberdade de consultá-lo antes de postá-la, como exemplo de intolerância intolerante (se me permite a redundância redundante) vinda de quem justamente deveria exibir um gosto pelo contraditório, pelo debate de qualidade, pela exposição de ideias desafiadoras.
Parece que determinados professores -- adivinhem de qual tendência? -- não gostam de expor seus alunos a ideias diferentes das suas e usam do argumento de autoridade -- e não da autoridade do argumento -- para constranger alunos que deveriam estar debatendo questões relevantes, mas que neste exemplo lamentável foram tocados como gado para dentro dos currais de professores fundamentalistas.
Segue o post, com algumas supressões, por trechos desnecessários.
Paulo Roberto de Almeida 



Paulo,

Boa noite. (...) cheguei a uma palestra em Curitiba da organização Ordem Livre. Apesar de duas palestras bem bacanas, o que ficou foi o exemplo de intolerância e autoritarismo de alguns professores esquerdistas que abandonaram as palestras, obrigando seus alunos a voltarem às salas.
Se isso aconteceu em uma faculdade particular de Curitiba, imagino o que não acontece nas federais.

Se[gue] abaixo o e-mail que acabei de enviar para a ouvidoria:

Acabei de sair da palestra ministrada na UniCuritiba, organizada pela Ordem Livre, com o título “O Capitalismo tem Conserto?”. Não sou acadêmico e fui exclusivamente pela palestra, tendo sido este o meu primeiro contato com o Centro Universitário.

Boa parte dos participantes eram alunos e professores. Já cheguei na apresentação bem impressionado com o fato de vocês darem a eles a oportunidade de ter acesso a um tema tão fora do convencional. Do mesmo tamanho da minha impressão positiva foi a minha decepção ao ver o comportamento de alguns professores durante a apresentação.

Por não terem a mesma linha de pensamento defendida nas palestras, empreenderam um boicote à segunda parte da apresentação. Um chegou a deixar a sala durante a primeira parte, sob forma de protesto. Antes do começo da segunda parte vários alunos foram coagidos a voltar à sala de aula porque alguns professores haviam revogado a autorização de participação no evento – imagino que não teriam suas presenças confirmadas.

É lamentável presenciar esse tipo de comportamento e a falta de tolerância em um ambiente que deveria justamente incentivar a busca por novas idéias, a fuga do convencional. Ver isso em uma palestra sobre liberdade ficou ainda mais iconico, mostrando o quanto nossa sociedade precisa evoluir, começando pela academia. Não esperava aplausos, mas também não imaginava que chegariam a esse ponto de totalitarismo. Se ficou alguma lição foi a de como não se portar quando confrontado por posições diferentes.

Abraços,
Juliano 
Quidquid latine dictum sit, altum videtur

sábado, 10 de setembro de 2011

O antiamericanismo da esquerda brasileira e o Onze de Setembro - Paulo Roberto de Almeida

O artigo abaixo, sobre o antiamericanismo da esquerda brasileira em relação ao Onze de Setembro, foi escrito há mais tempo e incorporado, apenas parcialmente, a este artigo: 


“Onze de Setembro, dez anos: recepção no mundo, reações no Brasil”, Revista Espaço Acadêmico, dossiê especial Onze de Setembro (ano 11, n. 124, setembro de 2011, p. 21-26; ISSN: 1519-6186, link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14042/7731). Relação de Originais n. 2290 
 
publicado em formato resumido, podendo, portanto conter passagens de um e outro, mas com cortes.
Reproduzo agora essa seção de forma integral, mas que é apenas um subconjunto de um ensaio maior.



O antiamericanismo da esquerda brasileira e o Onze de Setembro

Paulo Roberto de Almeida

Como reagiu a esquerda brasileira aos atentados de onze de Setembro de 2001? Pelo menos uma parte da militância não hesitou em condenar os próprios Estados Unidos, pelo que foi identificado a uma “reação lógica” de grupos “oprimidos pelo imperialismo americano”. Vejamos alguns exemplos.
No próprio dia dos atentados, o deputado estadual Roque Grazziotin (PT-RS), disse que considerava o atentado a “consequência do processo de dominação” norte-americana no mundo (O Estado de São Paulo, 12/09/2001). Outro deputado do PT gaúcho, Edson Portilho, disse que, “por coerência”, lamentava que “milhares de vidas tenham sido ceifadas” nos Estados Unidos, mas comparou o atentado a outros episódios em que o governo norte-americano foi responsável: “São as mesmas cenas que o mundo repudiou no Vietnã e no Oriente Médio e que foram patrocinadas pelos Estados Unidos”, afirmou. Por sua vez, a então deputada estadual (depois federal) Luciana Genro (PT-RS e, posteriormente, PSOL) disse que “essa tragédia é de responsabilidade do governo norte-americano, porque os Estados Unidos promovem o terrorismo de Estado no mundo inteiro” (OESP, 12/09/2001).
O Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, filiado à CUT, distribuiu uma nota com o seguinte título: “Atentados em Nova York: trabalhadores continuarão combatendo o imperialismo”. Os sindicalistas afirmavam que, “numa consulta a lideranças políticas e sindicais”, concluíram que “a unanimidade das lideranças condena esse tipo de iniciativa, cuja grande massa de vítimas são inocentes [sic]. No entanto, também há um consenso de que a política externa dos Estados Unidos é um agente provocador de tal reação”. O presidente estadual do PT-RS, Silvino Heck, disse que respeitava “as posições dos movimentos sociais” e concordava que o episódio “nos obriga a repensar a política americana”, mas considerava “injustificável qualquer ato de terrorismo”. Ainda assim, ele condenou antecipadamente a decisão americana de retaliar o atentado, que já apontava para o papel do regime talibã no Afeganistão (OESP, 12/09/2001).
O deputado (depois senador) Aloízio Mercadante (PT-SP), então secretário de Relações Internacionais do partido, tentou minimizar os atos terroristas, afirmando que não se deveria “exagerar na dimensão do episódio. Qualquer terremoto ou furacão na Flórida faz mais vítimas e provoca estragos muito maiores” (Jornal da Tarde, 18.09.01). Trata-se de um tipo de afirmação – no mínimo insensível e, no limite, eticamente inaceitável – que revela um desprezo dificilmente admissível em face da perda de vidas humanas, quando elas resultam de algum tipo de “enfrentamento político” que possa colocar num dos lados da balança o tradicional “opressor imperialista”.
Essas reações da esquerda brasileira aos atentados de 2001 conformam o padrão típico do anti-imperialismo primário e no mais das vezes ignorante (para não dizer moralmente abjeto) que caracteriza a esquerda comunista em geral e a latino-americana em especial quando o que está em jogo é o “império”. Na ocasião elas espelhavam – e provavelmente ainda refletem – o ódio instintivo que esses grupos de “antiamericanos profissionais” mantêm em relação à grande potência imperial, capitalista e arrogante, que simboliza tudo o que esses grupos consideram negativo no plano político mundial.
Os exemplos mais frequentes, atualmente, de terrorismo político, são de extração basicamente islâmica. Ele é totalmente negativo e se situa no terreno do niilismo político e da negação de qualquer norma civilizada. Isso não parece ter sido compreendido pela esquerda, em parte porque os fundamentalistas também deblateram contra a dominação ocidental e o imperialismo americano, tradicionais demônios ideológicos da esquerda. Com isso elas acabam sendo coniventes com os piores crimes já cometidos contra civis de que se tem notícia e que não se resumem aos bárbaros atentados de setembro de 2001.
A esquerda parece ter deixado de lado imperativos morais que se colocam acima e além das conveniências políticas. Ela não parece ter refletido sobre o terrorismo especificamente islâmico e não consta que de seus meios tenha emergido uma condenação in totum desse tipo de “luta política”. Na verdade, é difícil atribuir-se a classificação de “luta política” a ações armadas cujo único objetivo é precisamente esse: infundir o terror, com base numa distinção étnica ou religiosa que nos remete aos piores momentos das guerras de religião, das cruzadas de reconquista ou do genocídio hitlerista.
A denúncia dos “crimes americanos” é atávica nesses grupos, que também passam sob silêncio os atentados aos direitos humanos que se cometem em várias ditaduras do Terceiro Mundo. No próprio Brasil, aliás, o sentimento antiamericano parece ser disseminado, na imprensa e nos meios acadêmicos em geral, por razões por vezes primárias, mas geralmente contraditórias. De fato, as mesmas pesquisas que indicam uma rejeição muito forte aos EUA e a seus dirigentes (pelo menos aos republicanos conservadores) – e que podem ou não corresponder aos estereótipos geralmente mantidos contra a potência imperial, por mais equivocados que sejam – também confirmam uma aceitação acrítica de produtos, modismos e outros símbolos culturais da sociedade americana: ainda que odiando os EUA, terroristas e esquerdistas do mundo inteiro não rejeitam os gadgets e os meios de comunicação inventados pela potência imperial.

[Brasília, 4/09/2011]
Publicado, sob o título de “Antiamericanismo primário”, no jornal Notícias do Dia (Florianópolis, ano 6, n. 1715, Fim de Semana, 10 e 11 de Setembro de 2011, p. 19; www.NDonline.com.br). Relação de Publicados n. 1051.