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sábado, 10 de setembro de 2011

O antiamericanismo da esquerda brasileira e o Onze de Setembro - Paulo Roberto de Almeida

O artigo abaixo, sobre o antiamericanismo da esquerda brasileira em relação ao Onze de Setembro, foi escrito há mais tempo e incorporado, apenas parcialmente, a este artigo: 


“Onze de Setembro, dez anos: recepção no mundo, reações no Brasil”, Revista Espaço Acadêmico, dossiê especial Onze de Setembro (ano 11, n. 124, setembro de 2011, p. 21-26; ISSN: 1519-6186, link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14042/7731). Relação de Originais n. 2290 
 
publicado em formato resumido, podendo, portanto conter passagens de um e outro, mas com cortes.
Reproduzo agora essa seção de forma integral, mas que é apenas um subconjunto de um ensaio maior.



O antiamericanismo da esquerda brasileira e o Onze de Setembro

Paulo Roberto de Almeida

Como reagiu a esquerda brasileira aos atentados de onze de Setembro de 2001? Pelo menos uma parte da militância não hesitou em condenar os próprios Estados Unidos, pelo que foi identificado a uma “reação lógica” de grupos “oprimidos pelo imperialismo americano”. Vejamos alguns exemplos.
No próprio dia dos atentados, o deputado estadual Roque Grazziotin (PT-RS), disse que considerava o atentado a “consequência do processo de dominação” norte-americana no mundo (O Estado de São Paulo, 12/09/2001). Outro deputado do PT gaúcho, Edson Portilho, disse que, “por coerência”, lamentava que “milhares de vidas tenham sido ceifadas” nos Estados Unidos, mas comparou o atentado a outros episódios em que o governo norte-americano foi responsável: “São as mesmas cenas que o mundo repudiou no Vietnã e no Oriente Médio e que foram patrocinadas pelos Estados Unidos”, afirmou. Por sua vez, a então deputada estadual (depois federal) Luciana Genro (PT-RS e, posteriormente, PSOL) disse que “essa tragédia é de responsabilidade do governo norte-americano, porque os Estados Unidos promovem o terrorismo de Estado no mundo inteiro” (OESP, 12/09/2001).
O Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, filiado à CUT, distribuiu uma nota com o seguinte título: “Atentados em Nova York: trabalhadores continuarão combatendo o imperialismo”. Os sindicalistas afirmavam que, “numa consulta a lideranças políticas e sindicais”, concluíram que “a unanimidade das lideranças condena esse tipo de iniciativa, cuja grande massa de vítimas são inocentes [sic]. No entanto, também há um consenso de que a política externa dos Estados Unidos é um agente provocador de tal reação”. O presidente estadual do PT-RS, Silvino Heck, disse que respeitava “as posições dos movimentos sociais” e concordava que o episódio “nos obriga a repensar a política americana”, mas considerava “injustificável qualquer ato de terrorismo”. Ainda assim, ele condenou antecipadamente a decisão americana de retaliar o atentado, que já apontava para o papel do regime talibã no Afeganistão (OESP, 12/09/2001).
O deputado (depois senador) Aloízio Mercadante (PT-SP), então secretário de Relações Internacionais do partido, tentou minimizar os atos terroristas, afirmando que não se deveria “exagerar na dimensão do episódio. Qualquer terremoto ou furacão na Flórida faz mais vítimas e provoca estragos muito maiores” (Jornal da Tarde, 18.09.01). Trata-se de um tipo de afirmação – no mínimo insensível e, no limite, eticamente inaceitável – que revela um desprezo dificilmente admissível em face da perda de vidas humanas, quando elas resultam de algum tipo de “enfrentamento político” que possa colocar num dos lados da balança o tradicional “opressor imperialista”.
Essas reações da esquerda brasileira aos atentados de 2001 conformam o padrão típico do anti-imperialismo primário e no mais das vezes ignorante (para não dizer moralmente abjeto) que caracteriza a esquerda comunista em geral e a latino-americana em especial quando o que está em jogo é o “império”. Na ocasião elas espelhavam – e provavelmente ainda refletem – o ódio instintivo que esses grupos de “antiamericanos profissionais” mantêm em relação à grande potência imperial, capitalista e arrogante, que simboliza tudo o que esses grupos consideram negativo no plano político mundial.
Os exemplos mais frequentes, atualmente, de terrorismo político, são de extração basicamente islâmica. Ele é totalmente negativo e se situa no terreno do niilismo político e da negação de qualquer norma civilizada. Isso não parece ter sido compreendido pela esquerda, em parte porque os fundamentalistas também deblateram contra a dominação ocidental e o imperialismo americano, tradicionais demônios ideológicos da esquerda. Com isso elas acabam sendo coniventes com os piores crimes já cometidos contra civis de que se tem notícia e que não se resumem aos bárbaros atentados de setembro de 2001.
A esquerda parece ter deixado de lado imperativos morais que se colocam acima e além das conveniências políticas. Ela não parece ter refletido sobre o terrorismo especificamente islâmico e não consta que de seus meios tenha emergido uma condenação in totum desse tipo de “luta política”. Na verdade, é difícil atribuir-se a classificação de “luta política” a ações armadas cujo único objetivo é precisamente esse: infundir o terror, com base numa distinção étnica ou religiosa que nos remete aos piores momentos das guerras de religião, das cruzadas de reconquista ou do genocídio hitlerista.
A denúncia dos “crimes americanos” é atávica nesses grupos, que também passam sob silêncio os atentados aos direitos humanos que se cometem em várias ditaduras do Terceiro Mundo. No próprio Brasil, aliás, o sentimento antiamericano parece ser disseminado, na imprensa e nos meios acadêmicos em geral, por razões por vezes primárias, mas geralmente contraditórias. De fato, as mesmas pesquisas que indicam uma rejeição muito forte aos EUA e a seus dirigentes (pelo menos aos republicanos conservadores) – e que podem ou não corresponder aos estereótipos geralmente mantidos contra a potência imperial, por mais equivocados que sejam – também confirmam uma aceitação acrítica de produtos, modismos e outros símbolos culturais da sociedade americana: ainda que odiando os EUA, terroristas e esquerdistas do mundo inteiro não rejeitam os gadgets e os meios de comunicação inventados pela potência imperial.

[Brasília, 4/09/2011]
Publicado, sob o título de “Antiamericanismo primário”, no jornal Notícias do Dia (Florianópolis, ano 6, n. 1715, Fim de Semana, 10 e 11 de Setembro de 2011, p. 19; www.NDonline.com.br). Relação de Publicados n. 1051.


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