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domingo, 3 de novembro de 2013

O ambiente infernal de negocios no Brasil: o purgatorio dos empresarios(ou pior...)

Transcrevo integralmente (mas ele também já tinha transcrito) postagem de meu amigo de causas racionais Orlando Tambosi, com matéria da Veja.com sobre o péssimo ambiente de negócios no Brasil, o que é amplamente conhecido e não deve surpreender mais a ninguém.
O que surpreende, na verdade, é a passividade dos empresários e de toda a classe capitalista ante esse quadro de horrores. Tenham absoluta certeza de que a situação real, nas práticas cotidianas numa infinidade de setores que dependem, de alguma forma, de regulação ou intervenção estatais, o quadro é muito "mais pior" -- como diría um energúmeno que já exerceu altos cargos -- do que qualquer descrição ou classificação de agências internacionais.
Aliás, a classificação média citada abaixo -- lugar 116 numa escala mundial -- não reflete todas as ruindades perpetradas pelo Estado, e particularmente por este governo anticapitalista e armado de uma política econômica esquizofrênica, contra os setores produtivos do Brasil.
Com efeito, se desagregarmos os diversos elementos do indicador do Banco Mundial, e separarmos, de um lado, o que seria microeconômico -- ou seja dependente exclusivamente das empresas -- e de outro o lado macroeconômico, portanto vinculado ao governo ou ao Estado, a classificação do Brasil melhoraria razoavelmente no primeiro caso -- com um ranking próximo de 80 -- e pioraria substancialmente no outro, jogando o Brasil acima da posição 150, demonstrando cabalmente todas as perversidades de que é capaz esse governicho contra os interesses de TODOS os brasileiros, e não só contra os empresários, que os companheiros só querem tosquiar em seu benefício de "nova classe".
Não sei porque os empresários não se revoltam contra um governo que os está levando à bancarrota, ou apenas os protege temporariamente da concorrência estrangeira, obrigando-nos a pagar mais caro e comprometendo gravemente o futuro do Brasil e dos brasileiros. Os empresários, pelo menos os que não são covardes, precisariam começar por suspender TODO e qualquer financiamento partidário e depois se organizar para lutar, e eu digo LUTAR, contra uma estrutura tributária e procedimentos dirigistas não só extorsivos e injustos, mas profundamente irracionais, no limite do fascismo (o que eu acredito que já está plenamente conformado entre nós). Muitos pensam que podem lograr uma "relação cooperativa" com os companheiros ignaros, que só querem monopolizar o poder e continuar sua obra de extorsão fiscal e de imposição de regras abusivas e irracionais.
Está na hora de iniciar o que eu chamo de "fronda empresarial".
Aux armes, bourgeois et capitalistes, soyez braves, pour une fois...
Paulo Roberto de Almeida

Brasil patrimonialista e burocrático sufoca os empreendedores

Veja.com, 2/11/2013

Não chega a ser novidade, num país que ainda está longe de ser capitalista. Aqui, o Estado atrapalha tanto para abrir quanto para fechar uma empresa. Na década petista, obviamente, a coisa só piorou:

Há quatro anos, o empresário Caito Maia, dono da marca Chilli Beans, foi surpreendido por uma mudança nos trâmites burocráticos para a importação de mercadorias. Uma carga de 100 000 óculos procedente da China, onde são fabricados, ficou retida nos Estados Unidos durante três meses. Para evitar o desabastecimento, ele trabalha hoje com grande quantidade de produtos em estoque no Brasil. “É um pesadelo, porque preciso investir na compra dos produtos muito antes de receber o dinheiro das vendas”, conta Maia. A Chilli Beans nasceu em 1997 como uma barraca em feiras de roupas em São Paulo e hoje está em 580 lojas e quiosques no Brasil e em outros quatro países, incluindo os Estados Unidos. A marca não morreu pelo caminho, como ocorre com a maior parte dos negócios abertos no Brasil, mas sua trajetória teria sido ainda mais virtuosa se não fosse submetida a operar em um dos mercados mais hostis ao empreendedorismo no planeta. Barreiras às importações, burocracia e sistema tributário kafkianos, imprevisibilidade na execução de prazos e incertezas jurídicas são alguns dos obstáculos que devem ser superados, cotidianamente, pelos empresários.
O descompasso do ambiente de negócios brasileiro fica explícito no cotejo internacional. Enquanto outros países se esforçam para incentivar os investimentos, reduzindo a tributação e a burocracia, no Brasil o avanço nesse sentido é lento, como revelou a mais recente edição do estudo Doing Business (“fazendo negócios”), do Banco Mundial, divulgada na semana passada. Entre 189 economias analisadas, o Brasil aparece em uma modesta 116ª posição. O país é particularmente mal avaliado em aspectos como tributação e facilidade para abrir um negócio. Desde 2005, quando o ranking passou a ser divulgado, o avanço brasileiro foi insignificante. Já países como a Coreia do Sul e o Peru ganharam diversas posições no ranking. “Os governos ao redor do mundo estão cada vez mais conscientes dos benefícios trazidos por um ambiente regulatório que facilite os negócios”, afirma a economista Rita Ramalho, uma das autoras do estudo. Os sul-coreanos, por exemplo, reduziram o imposto sobre o lucro das empresas. No Peru, desde 2005, o número de dias necessários para abrir uma empresa caiu de 102 para 25. No México, os processos de insolvência demoram menos de dois anos para ser resolvidos, e 67% do dinheiro dos credores é recuperado. No Brasil, os trâmites se arrastam por quatro anos, e a taxa de recuperação dos recursos é de 20%. (Veja).

sábado, 7 de setembro de 2013

Reflexoes ao leu: sobre a dia da Independencia - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao léu: sobre a dia da Independência

Paulo Roberto de Almeida

Não consigo me lembrar de um dia da Independência no qual o Brasil tenha amanhecido tão dividido e tão temeroso. O medo se espalhou em todas as partes, indistintamente: os poderosos de plantão manifestam temor em relação a possíveis manifestações da massa contra eles, nos desfiles e discursos patrióticos (tanto que os dois chefes do poder legislativo, minúsculas, sequer compareceram ao ato oficial presidido pela chefe de Estado); temor também da população em geral, de que vândalos e outros arruaceiros promovessem violência nessa ocasião, colocando em risco a vida ou a integridade física de inocentes, sobretudo mulheres e crianças; temor, talvez, dos oportunistas de sempre, dos aproveitadores e mentirosos contumazes, de que o castelo de cartas fantasioso que vêm construindo na última década possa ser derrocado a partir de manifestações especificamente dirigidas contra eles, responsáveis que são pelo descalabro registrado no país nos dias que correm; enfim, temor em todas as partes, menos, provavelmente, da parte dos vândalos e arruaceiros, talvez os anarquistas idiotas e niilistas inconscientes, que se aproveitam desse clima para tirar algum proveito material, ou simplesmente pelo prazer de destruir as instituições burguesas e o sistema capitalista. Temores cruzados, múltiplos, autoalimentados e retroalimentados.
De fato, não consigo me lembrar de um Sete de Setembro como este; talvez durante as ditaduras que vivemos, na era Vargas e durante o regime militar, esse clima de temor e de divisão do país, mesmo contrabalançado por fortes doses de publicidade governamental, algo do ambiente atual pairasse sobre os encontros e manifestações oficiais em torno da data da independência do país. Eu que não sou nada patriota – e teria palavras fortes contra o patriotismo rastaquera exibido por muitos – e menos ainda ufanista das nossas coisas, por considerar-me um simples indivíduo, se possível universal, não vejo precedentes para o clima atual de divisão e de perplexidade no país. Gostaria de ter um simples fator explicativo para esse ambiente de temores recíprocos, mas não acho apenas um, mas vários, múltiplos, talvez dificilmente identificáveis e menos ainda obstáveis com base em alguma ação cirúrgica numa direção determinada. Não existe, e não creio que consigamos identificar todas as causas do malaise atual e encontrar respostas adequadas para vencer esse estado no futuro previsível. Sinto muito: gostaria de ser mais otimista, neste texto reflexivo, mas simplesmente não consigo.
O que é a independência de um país? No sentido estrito, liberar-se de mestres estrangeiros e estabelecer o seu próprio sistema de governo, se possível democrático, aberto a todos os cidadãos – alguns continuam súditos daquilo que um historiador, aliás marxista, chamou de “ideologia do colonialismo” – e propenso a facilitar a todos eles as condições pelas quais cada um sai em busca de sua felicidade pessoal, exercendo seus talentos, mobilizando seu gênio criativo, empregando seu tempo em criar prosperidade individual, ou simplesmente se colocando ao serviço de alguma outra causa – ou emprego – que lhe dispense faculdades de empreendedorismo, mas que lhe garanta, da mesma forma, um meio de vida adequado e satisfatório.
Toda independência se concentra, numa primeira etapa, na criação de um Estado, geralmente nacional – em alguns casos multinacional, ou compósito – que passa então a representar os cidadãos em face dos outros Estados da comunidade internacional e assume os encargos da defesa externa, da segurança doméstica, das grandes obras coletivas – infraestrutura de grande porte, por exemplo – e também se desempenha na criação de um ambiente aberto ao exercício dos talentos individuais, que passarão, por sua vez, a cuidar da produção, do abastecimento, da oferta de bens e serviços (inclusive coletivos) dos mais variados tipos, segundo regras de transparência e de abertura total ¡a competição de todos aqueles que pretendem se lançar em atividades econômicas privadas. Estes são os deveres primários de todo e qualquer Estado, aos quais talvez se pudesse acrescentar tarefas de “equalização de oportunidades sociais”, consistindo em geral no provimento da educação fundamental em bases universais – obrigatórias, pelo menos nos ciclos elementares – e de condições sanitárias mínimas, para que todos possam ser resguardados das epidemias e das endemias mais comuns que atingem a raça humana. Creio que este é, sumariamente, o sentido da independência de um povo.
O Estado brasileiro no plural, o que emergiu da independência, os que se lhe seguiram nas várias mudanças de sistemas e de regimes políticos que tivemos ao longo dos quase dois séculos que nos separam da separação da metrópole, e o Estado atual, que convive com uma democracia de fachada e de baixa qualidade – dificilmente cumpriu as tarefas acima, e talvez venha até sendo o responsável pela erosão atual de algumas instituições já criadas e cuja eficácia e proficiência estão sendo nitidamente diminuídas na sua forma e na sua substância. Não é difícil reconhecer isso na situação de insegurança que atinge todos os cidadãos honestos, nas péssimas condições da infraestrutura – sobretudo comunicações e energia – e nos serviços coletivos que supostamente estariam a cargo do Estado, notadamente saúde e educação.
Mesmo aquela larga fração da população que se beneficiou, nas últimas décadas, com generosas políticas distributivas, se ressente da má qualidade dos serviços coletivos e da insegurança geral que atinge a todos, especialmente os mais humildes. Pode-se até argumentar que, no contexto mais amplo da América Latina, ou em confronto com outros continentes – como a África, por exemplo – ainda mais atingidos pela erosão de ineficiência estatal que atinge quase todos os Estados contemporâneos, o Brasil não é dos piores exemplos de deterioração de qualidade de sua governança, anda que isto não sirva de consolo, pois existem alguns outros exemplos que demonstram que é possível, sim, atingir patamares mais elevados de prosperidade de bem estar.
O Estado brasileiro falhou, portanto, embora essa conversa de Estado seja muito enganosa. O Estado é uma entidade impessoal, quase abstrata em suas manifestações concretas, a não ser quando encarnado por governos reais, liderados por determinados homens, como indivíduos ou grupos (partidos e suas coalizões), que dão um sentido específico à ação do Estado. Os responsáveis pela má situação de um país, de uma nação devem, assim, ser apontados, devidamente: são as lideranças que falham, são as elites incompetentes, algumas até criminosas, que não cumprem o mandato em prol da prosperidade e da felicidade individual que todo povo imagina estar elaborando no momento de sua independência.
Como as comunidades humanas são sempre complexas e diversificadas, o mandato é primeiramente negociados através de um contrato coletivo – a Constituição – que deveria resumir os grandes objetivos nacionais e definir, de maneira ampla, os meios e mecanismos para que eles possam ser atingidos. Um povo, como o nosso, que já teve sete constituições, e oito moedas, não pode considerar especialmente bem dotado de qualidades “constitucionais”, ou de simples educação política (na verdade de educação, tout court). Examinando a nossa Constituição – que foi objeto de uma análise sistemática de minha parte recentemente: “A Constituição brasileira contra o Brasil”, em fase de publicação – pode-se constatar como ela é totalmente inadequada para cumprir o mandato que esbocei anteriormente. Ela pretende atribuir ao Estado uma série inacreditável de tarefas que este simplesmente não consegue cumprir, nos limites (parcos) de nossa riqueza nacional: pretenderam criar um oásis de felicidade nacional antes de dispormos de recursos suficientes.
Por outro lado, os governantes de plantão, vários, mas especialmente os atuais, são singularmente incompetentes para mudar esse estado de coisas: eles estão apenas interessados em se perpetuar no poder, e vão utilizar-se de todos os meios para tentar conseguir esse objetivo monopólico (o que aliás combina bem com o espírito autoritário, quando não totalitário, de vários dos integrantes do partido no poder). Não creio que a situação mude de maneira significativa no futuro imediato. Minhas previsões, já externadas em diversos trabalhos publicados, é a de que o Brasil foi conduzido a um impasse de baixo crescimento, e de malversação do Estado, o que torna difícil lograr grandes progressos sociais e políticos no curto e médio prazo. Outros povos enfrentaram decadências semelhantes ou similares: não estamos fazendo nada de extraordinário, ao recuarmos um pouco, ou talvez muito, bem mais no plano mental, na verdade, do que no plano propriamente material.
Desculpo-me por ser pessimista no dia da Independência, mas estou tentando ser apenas realista. Repito: nunca encontrei o país tão temeroso, e tão dividido num dia da Pátria. Pode ser temporário, ou passageiro, mas a sensação que tenho é a de certo desalento na população, ao ver que a situação não caminha para o melhor, sobretudo no âmbito estatal, justamente. Quando vemos quadrilheiros sendo saudados como salvadores do povo e heróis da pátria, é porque perdemos o sentido da realidade; quando vemos mentirosos declarados se perpetuando é porque perdemos nossa capacidade de indignação, e de reação. Quando vemos tantos medíocres encarregados do Estado, é porque os homens de valor se desinteressaram da coisa pública.
A responsabilidade maior está com a elite, não todas as elites – porque existem elites de diversos tipos, algumas até mafiosas – mas com as elites vinculadas ao mundo produtivo, os criadores de riqueza e supostamente os financiadores de alguns bandidos que os representam no poder. São estes que deveriam empreender as tarefas de regeneração do país, mas que no momento estão muito ocupados tentando extrair mais algumas vantagens do Estado (que recursos que lhes foram previamente extorquidos, por sinal). Se eles não assumem sua responsabilidade, não teremos condições de superar o estado atual (que não é apenas de letargia, mas de recuo visível em várias areas). Por isso venho defendendo a ideia de uma fronda empresarial, uma conquista do Estado pelos empreendedores, os únicos interessados (ao que parece) na prosperidade geral do país num sentido economicamente racional, previsível, aberto e competitivo.
Acontecerá isto? Não tenho certeza, mas gostaria de acreditar...
Bom dia da independência a todos...


Paulo Roberto de Almeida

Hartford, 2511: 7 de Setembro de 2013, 4 p.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Por uma Fronda Empresarial - Entrevista com Paulo Roberto de Almeida (eu mesmo...)

E sem pagar direitos autorais.
No final do ano passado, o jornalista encarregado da revista da Federação das Indústrias do Estado de Sergipe (FIES), solicitou-me uma entrevista sobre temas da atualidade econômica brasileira. Indiquei minha preferência por uma entrevista por escrito, ou seja, e-mail, pois sei que essas gravações e transcrições nem sempre são confiáveis.
Não obstante o cuidado e o envio de uma versão editada, com pedido de fotos, tenho certeza de que ainda assim a matéria saiu com algumas imperfeições de edição, trechos suprimidos e cortes sem sentido.
Por exemplo, numa pergunta sobre os padrões de crescimento do Brasil, cortaram toda a primeira parte da frase, que diz isto: " Esse padrão de crescimento inclusivo foi obtido, na verdade, à custa do aumento constante da carga tributária, por um lado, e favorecido pela bonança do crescimento da economia mundial no período 2002-2008 e, durante todo esses anos e até hoje, pela excepcional demanda da China e de alguns outros emergentes pelos nossos produtos de exportação (na verdade, sobretudo primários, que alcançaram picos de valorização jamais vistos nas últimas décadas dos mercados mundiais)".
Em todo caso, dou aqui a indicação para a versão publicada e transcrevo no seguimento o meu arquivo, que acredito estar mais completo e mais correto sobre o que eu pretendia dizer (e disse, mas nem todos os empresários sergipanos poderão ler na íntegra essa entrevista).
Minha proposta de fronda empresarial me parece ser a única maneira de o Brasil romper não apenas o marasmo econômico atual, mas também a vergonha de seu sistema político, mas não tenho nenhuma ilusão de que tal processo venha a ocorrer no Brasil any time soon, ou ever...
Fica a proposta e sobretudo minhas ideias sobre a conjuntura de relativo declínio econômico, para não mencionar outros motivos de frustração com a nossa situação de erosão moral da atualidade.
Paulo Roberto de Almeida


1086. “O Brasil enfrenta a possibilidade real de estacionar no baixo crescimento”, entrevista concedida à revista FIES em Notícias (Aracaju: SE, Federação das Indústrias do Estado de Sergipe; ano 9, n. 56. Novembro-dezembro 2012, p. 6-11; link: http://www3.fies.org.br/fies/revista_fies_em_noticias.html; revista em pdf: http://www3.fies.org.br/fies/textos/Informativo_FIES/Informativo_FIES_n_56.pdf). Relação de Originais n. 2450.

 
Política econômica e política externa do Brasil
Entrevista para a revista da Federação das Indústrias do Estado de Sergipe

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira,
Professor de Economia Política no
Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Respostas a questões colocadas por:
Luís Paulo Dias Miranda (luis.paulo@fies.org.br)
Núcleo de Informações Econômicas – NIE, FIES
Publicado, com fotos do entrevistado e sob a chamada de capa de título
“O Brasil enfrenta a possibilidade real de estacionar no baixo crescimento”,
na revista FIES em Notícias (Aracaju: SE, Federação das Indústrias do Estado de Sergipe; ano 9, n. 56. Novembro-dezembro 2012, p. 6-11; link: http://www3.fies.org.br/fies/revista_fies_em_noticias.html; revista em pdf: http://www3.fies.org.br/fies/textos/Informativo_FIES/Informativo_FIES_n_56.pdf). Relação de Publicados n. 1086.

1) Qual análise o senhor faz sobre a atual Política Externa brasileira?

PRA: A política externa brasileira atual apresenta uma combinação de duas grandes vertentes fundamentais: de um lado, as posturas políticas do partido no poder, o PT; de outro, as posições tradicionais da diplomacia profissional brasileira. Em determinados temas – como nos casos das negociações comerciais multilaterais, as questões de paz e segurança no sistema global, as relações bilaterais, em geral – predominam as posições historicamente conhecidas da diplomacia brasileira; em outros, em contrapartida, se destacam mais claramente as posições políticas do PT, como nos exemplos a seguir: relações Sul-Sul; apoio a regimes progressistas, ou de esquerda, da região e de outros continentes; visão mais política do que comercial do processo de integração; aliança com grandes parceiros não hegemônicos; menor ênfase nos direitos humanos e na democracia.
A atual política externa herdou alguns traços, mas não todos, da diplomacia presidencial extremamente ativa do presidente Lula, que se lançou em diversas iniciativas no plano externo, trazendo aumento da presença brasileira no exterior, certo prestígio para si próprio e para o Brasil, embora com alguns sucessos e vários fracassos nesses empreendimentos. Dos três grandes temas prioritários de sua presidência, nenhum deles logrou sucesso ou resultados concretos, não necessariamente por deficiências do instrumento diplomático, mas talvez por inconsistência dos objetivos proclamados em relação aos meios efetivamente disponíveis. Foram eles: a conquista de uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, um tema que não parece perto de encontrar qualquer tipo de solução, em vista dos bloqueios existentes para uma reforma da Carta e a aceitação, por todos os parceiros – mas em especial os cinco membros permanentes – de uma modalidade de ampliação desse órgão central no processo decisório multilateral; a conclusão bem sucedida da rodada Doha de negociações comerciais multilaterais da OMC, que tampouco parece encaminhar-se para um acordo factível, tendo em vista a distância entre as pretensões dos diversos protagonistas, seja como demandantes de maior abertura comercial nos mercados visados, seja como desmantelamento de protecionismos setoriais ainda muito fortes; finalmente, o reforço e a ampliação do Mercosul, tema que, na verdade, caminhou no sentido inverso, o do aumento das salvaguardas e restrições comerciais dentro do bloco, especialmente a partir da Argentina, e uma diluição das normas comerciais mais importantes do bloco para acomodar o ingresso de novos parceiros (Venezuela, Equador e Bolívia) que não se mostram dispostos a adotar a política comercial comum.
Independente dessas frustrações relativas, o Brasil logrou constituir novos foros de interesse do partido no poder, como o IBAS (com África do Sul e Índia) e o Brics (com os mesmos, mais China e Rússia), além da constituição de grupos regionais exclusivos (como a Unasul), supostamente feitos para evitar a presença dos Estados Unidos nas deliberações regionais.

2) Haveria riscos e lacunas no nosso atual modelo de desenvolvimento capazes de impactar negativamente um maior dinamismo futuro da economia?

PRA: Se algum “modelo” existe na atual política econômica brasileira – o que é altamente duvidoso – ele é uma combinação de velhas receitas estatizantes, dirigistas e protecionistas, que parecem remeter o Brasil de volta a etapas históricas ultrapassadas de seu itinerário de desenvolvimento, como nos anos 1960 a 1980, quando o Estado representava uma parte considerável do PIB, comandava muitas empresas estatais, várias monopólicos (como continua a ser, de fato, a Petrobras) e intervinha, de modo muito pronunciado, nos planos empresariais de companhias privadas. O Estado continua a comandar parte substancial do mercado de créditos, pratica várias formas de subsídios e incentivos para setores considerados estratégicos e pretende insular a indústria das pressões competitivas externas, introduzindo diversas medidas protecionistas que estão fadadas ao fracasso ou vão, justamente, comprometer a competitividade futura de diversos setores da economia brasileira.
O Brasil possui dois enormes problemas estruturais, para poder empreender um processo de crescimento sustentado de sua economia: ganhos de produtividade, por um lado, o que é dificultado pela ausência de investimentos em infraestrutura, um ambiente regulatório hostil aos negócios privados, e uma oferta insuficiente, e notoriamente deficiente, de capital humano, fruto de décadas de negligência com o sistema educacional, em todos os níveis, mas especialmente no básico e no técnico-profissional; alavancas de competitividade, por outro lado, o que seria dado por uma tributação menos extorsiva e altamente burocratizada, pela existência de enormes barreiras à entrada de novos competidores, pelo protecionismo renitente e diversos outros fatores macro e microeconômicos que dificultam a vida das empresas.
Ou seja, não existe um modelo de desenvolvimento que se empenhe na resolução desses problemas estruturais e o governo parece ter abandonado completamente a ideia de reformas ambiciosas (nos planos da educação, do emprego, da estrutura fiscal, da privatização e do próprio Estado), em troca de pequenas medidas setoriais e improvisadas, que tornam o ambiente de negócios ainda mais imprevisível e sujeito aos humores dos governantes. As medidas nunca são universais ou horizontais, apenas setoriais, limitadas, temporárias, sem qualquer visão de longo prazo.
Um modelo de desenvolvimento credível deveria partir de pelo menos cinco premissas indispensáveis: 1) um ambiente macroeconômico estável e favorável aos negócios (com contas públicas ajustadas, juros baixos, inflação moderada, câmbio de mercado, confiança na estabilidade das regras, maior poupança e investimento); 2) uma microeconomia competitiva, aberta aos negócios, sem todos esses carteis que se traduzem em altos preços para empresas e consumidores; 3) governança de qualidade, com justiça célere, legislação moderna, com menor arbítrio do Estado na seleção de setores favorecido; 4) alta qualidade dos recursos humanos, não o atual sistema que envergonha o Brasil nos exames mundiais de avaliação do desempenho dos estudantes; 5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos diretos estrangeiros, não as reações protecionistas e a paranoia do domínio estrangeiro que prevalece ainda nos espíritos e nas decisões dos governantes.

3) Na última década, o Brasil cresceu com um padrão de crescimento inclusivo que foi muito importante para o desenvolvimento de um robusto mercado consumidor. No entanto, precisaremos fazer escolhas para continuarmos com esse padrão. Na sua visão qual será o principal desafio?

PRA: Esse padrão de crescimento inclusivo foi obtido, na verdade, à custa do aumento constante da carga tributária, por um lado, e favorecido pela bonança do crescimento da economia mundial no período 2002-2008 e, durante todo esses anos e até hoje, pela excepcional demanda da China e de alguns outros emergentes pelos nossos produtos de exportação (na verdade, sobretudo primários, que alcançaram picos de valorização jamais vistos nas últimas décadas dos mercados mundiais). Em outros termos, o Brasil distribuiu, por um lado, o estoque de riqueza acumulado em outros setores da sociedade – com cargas fiscais proporcionalmente mais altas sobre a classe média e os empresários – e os ganhos advindos de uma demanda externa sobre os quais o governo e o Brasil não foram em nada responsáveis. Numa segunda fase, ocorreu também um extraordinário impulso dado pelo governo – e estímulos concomitantes dados ao setor financeiro privado – ao crédito ao consumidor, uma alavanca que é notoriamente insuficiente na ausência de impulsos correspondentes do lado da oferta, ou seja, do investimento produtivo. Com uma proporção de consumo-poupança claramente negativa – na faixa de 83-17% –, o Brasil carece de maiores estímulos à poupança e ao investimento privados, que só podem vir se o governo, o Estado, deixar de ser um despoupador líquido, que absorve quase dois quintos da riqueza produzida pela sociedade, para investir uma fração mínima dessa carga fiscal claramente extorsiva.
A primeira tarefa da classe empresarial seria a de conter a voracidade tributária do Estado, seu caráter nitidamente predatório sobre a riqueza social, e contribuir para a discussão de um novo pacto social que não seja demagogicamente distributivista, como ocorre hoje, mas que seja orientado para o investimento – basicamente privado – e para a criação de empregos, não para a montagem de programas assistencialistas, que até podem custar pouco no plano das despesas, mas que representam enorme impacto no mercado de trabalho e no plano da psicologia social. O Brasil está criando um Estado assistencialista claramente negativo do ponto de vista de suas perspectivas futuras de crescimento sustentável e de desenvolvimento social, pois esse Estado passará a absorver frações crescentes da riqueza social, tornando a atividade empresarial ainda mais difícil do que já é atualmente nas condições de tributação extorsiva e de um governo que faz caridade com o chapéu alheio, ou seja, o do setor privado.

4) Com a reeleição de Obama seria viável ao Brasil assinar um contrato de livre comércio com os EUA?

PRA: Isso não depende de Obama, ainda que ele possa propor algo do gênero ao governo brasileiro; a competência constitucional para negociar acordos comerciais, no sistema americano, pertence ao Congresso, que delega poderes para tal ao Executivo, mas sob condições estritas de reciprocidade e de ganhos reais de acesso a mercados. Nas condições atuais – que não tem exatamente a ver com a crise econômica, mas sim com atitudes políticas e postura de abertura – eu não vejo nenhuma disposição real, de uma parte ou de outra, para o início de tal tipo de negociações, notoriamente delicadas e difíceis em se tratando de dois grandes países cujas economias são bem mais baseadas nos respectivos mercados internos do que no comércio exterior. Mais recentemente, o que se tem observado, sobretudo no Brasil, são posturas bem mais protecionistas do que de abertura comercial, o que torna qualquer exercício nessa área altamente aleatório.
Não se deve esquecer, tampouco, que foi exatamente a atual maioria governante no Brasil, o governo do PT, que se esforçou para implodir a Alca, o projeto americano de uma área hemisférica de livre comércio, sob a alegação ridícula de que se tratava bem mais de um projeto de “anexação” (dixit Lula) do que de integração comercial. Como consequência dessa sabotagem deliberada, os EUA assinaram diversos acordos bilaterais de livre comércio com parceiros deste hemisfério (Chile, Colômbia, Peru, toda a América central e todo o Caribe) e com diversos outros países em outros continentes, ficando de fora, justamente, os membros do Mercosul e os ditos “bolivarianos”. Ou seja, não foram os EUA que não quiseram fazer livre comércio, foi o Brasil que se recusou a sequer considerar a hipótese. Não creio que a disposição tenha mudado significativamente nos últimos tempos.
Em resumo, enquanto os países da vasta bacia do Pacífico asiático (incluindo aqui alguns parceiros latino-americanos dessa costa) se dispõem a constituir uma ampla rede de integração produtiva, de livre fluxo de comércio, investimentos, tecnologia nessa grande região – que deve desbancar a preeminência que teve o Atlântico norte nos últimos cinco séculos – vários latino-americanos, entre eles o Brasil e a Argentina, se retraem em comportamentos protecionistas incompatíveis com o processo de globalização e com os requerimentos de uma economia moderna.

5) Esta em processo de construção um gigantesco bloco comercial na Ásia. O Brasil e o Mercosul poderiam se encaixar nesse bloco?

PRA: Dificilmente, a julgar pelo que se assiste como posturas comerciais e de políticas industriais não só do Mercosul, mas do Brasil e sobretudo da Argentina. A medidas adotadas recentemente vão exatamente na direção contrária do que seria indicado e até mesmo necessário para a plena inserção do Brasil nos fluxos dinâmicos da economia mundial, isoladamente ou no contexto do Mercosul. Alguns países latino-americanos, a exemplo do Chile, do Peru, da Colômbia ou do México, já se preparam para participar dessa nova onda, ao firmar uma “Aliança do Pacífico” que tem como objetivos, justamente, não apenas liberalizar o comércio reciprocamente, mas também negociar conjuntamente sua inclusão nessa vasta rede de negócios, de geometria variável, que mobiliza quase todos os parceiros da bacia do Pacífico, e mesmo da Oceania e do Índico. Existem diferentes esquemas de negociações de zonas de comércio preferencial, de acordos de livre comércio, de simples esquemas de facilitação de negócios ou até de constituição de joint-ventures setoriais, destinados a explorar as sinergias que poderão unir economias tão grandes quanto a dos EUA, do China, do Japão e da Índia, outras médias, como Indonésia e Austrália, com outras menores, como os sócios da Asean, a Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong, e outras ainda.
Pelas medidas adotadas no período recente, bem como pela disposição “mental” dos atuais dirigentes brasileiros, vejo como praticamente inviável qualquer ideia ou projeto de associação mais estreita do Brasil e do Mercosul a esse mundo dinâmico em construção. O insulamento industrial, o protecionismo comercial, o dirigismo e o extremo intervencionismo estatal, tal como vemos praticados atualmente no Brasil e na Argentina, são totalmente contrários aos requerimentos de um esforço desse tipo, como o que se vê na região da Ásia Pacífico.

6) Durante a década de 1970, testemunhamos um dirigismo estatal na economia e a década seguinte foi considera a "década perdida". Comparativamente, como o senhor avalia aquele período e o atual?

PRA: Se formos examinar as políticas adotadas antes e agora, bem como os discursos efetuados pelos dirigentes, em cada época, é forçoso constatar uma grande identidade de visão e de propósitos, entre os militares intervencionistas e estatizantes daquela época, ou seja, dos anos 1970, e os atuais dirigentes identificados, basicamente, com as mesmas doutrinas econômicas e as mesmas disposições de governança a partir do Estado, para o Estado, com o Estado. Talvez devamos apenas torcer para que o desregramento fiscal, os controles de capitais, as manipulações cambiais, não nos precipitem no mesmo ambiente inflacionário e de crise fiscal como assistimos na década seguinte, os anos 1980, quando o Brasil retrocedeu absoluta e relativamente.
A sociedade não parece mais aceitar descontroles inflacionários, mas ela vem aceitando, talvez de forma inconsciente, um novo crescimento do ativismo estatal, a mesma tutela sobre os negócios privados, a mesma tolerância com o crescimento desmesurado da máquina pública – com o agravante do aparelhamento do Estado por um partido de claras tendências autoritárias – e um fechamento do país à competição internacional. Tais tendências são claramente preocupantes, e deveriam ser objeto de clara rejeição dos empresários e de seus representantes políticos (na verdade, em grande medida, também comprometidos com esse agigantamento do ogro famélico em que se converteu atualmente o Estado brasileiro). Se a classe empresarial não tomar consciência dessas tendências negativas da atual conjuntura econômica e política brasileira, o país pode estar sendo condenado, não, talvez, a novos desastres como os do passado, mas a uma trajetória de crescimento medíocre, claramente insuficiente para nos elevar a novos padrões de prosperidade coletiva e de bem-estar social.
O que, na verdade, eu preconizo é uma fronda empresarial, que nos retire da atual situação de morosidade no crescimento e de mediocridade na governança, para um regime aberto, competitivo, comprometido com reformas e liberdade dos mercados. O Estado brasileiro, que no passado já foi um indutor do desenvolvimento, tornou-se hoje, claramente, um obstrutor do processo de crescimento sustentado. Os empresários precisariam dar um basta na atual situação e construir uma plataforma de reformas estruturais, de abertura econômica e de liberalização comercial, como condição para a retomada de nossa trajetória histórica de crescimento e de desenvolvimento.

Brasília, 5 de Dezembro de 2012