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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

As fraudes do FIES e do ProUni, obras do PT (Veja)

 O PT dilapidou recursos públicos — dos pobres, pois são os que mais pagam impostos no Brasil — para enganar jovens estudantes com a ilusão de um diploma do ensino “superior” (qualquer diploma, mesmo de Faculdades Tabajara) e para dar mais dinheiro ainda a quem já é rico, que foi o que mais o partido fez na presidência, sabendo que parte desse dinheiro voltaria para o partido.

Desde o início me pronunciei contrariamente à demagogia, mas não sabia que ela também tinha provocado uma FRAUDE BILIONÁRIA. 

Paulo Roberto de Almeida

Copio do blog do Orlando Tambosi, 25/02/2021


Dois escândalos do FIES e a farsa da "universidade para todos"


Era óbvio e previsível que muitas faculdades seriam abertas apenas com a intenção de receber recursos do Ministério da Educação, sem qualquer preocupação com a qualidade do ensino. Coluna de Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:


A revista “Veja” noticiou nesta semana uma fraude de R$ 1 bilhão no FIES, o programa criado para financiar graduações de alunos carentes em universidades privadas. Segundo a revista, auditores da CGU (Controladoria-Geral da União) identificaram fortes indícios de que recursos do Fundo de Financiamento Estudantil foram desviados para lobistas, servidores e um grupo de instituições de ensino. A Polícia Federal já abriu inquérito.

Há dois escândalos aí.

O primeiro escândalo:

Vamos ao primeiro, o escândalo da fraude, detalhado pela reportagem de “Veja”. O caso teve pouca repercussão e nem chegou a chocar e surpreender, dada a frequência com que a corrupção anda de mãos dadas com o dinheiro público no nosso país. Deveria, sim, causar muita indignação, porque cada real roubado da educação representa um prejuízo muito maior lá na frente – mas, enfim, estamos no Brasil.

Pois bem, mais de R$ 1 bilhão teria sido repassado de forma ilegal para instituições impedidas de participar do FIES por terem dívidas gigantescas junto à Receita Federal e ao Tesouro Nacional. Sempre segundo a revista, a fraude envolveu a ação de lobistas, a falsificação de documentos e a cumplicidade de servidores do MEC: no final do processo, 30% dos valores repassados às universidades pelo Ministério voltavam para Brasília, na forma de propina.

O absurdo não para aí. Suspeita-se que 20 universidades de pequeno e médio porte inventaram estudantes-fantasmas para vitaminar o aporte de recursos públicos: a “Veja” cita o caso de duas faculdades abertas em 2012 em Mato Grosso, que em cinco anos receberam mais de R$ 20 milhões do FIES.

A revista conclui a matéria com uma declaração do ex-ministro da Educação Cristovam Buarque que merece reflexão: “Socialmente, o FIES foi ótimo, economicamente tem sido um desastre, do ponto de vista pedagógico o resultado não é o esperado e, sem dúvida, é maravilhoso para os donos das faculdades”.

Por fim, a reportagem informa, en passant, que o FIES acumula atualmente um prejuízo de... R$ 13 bilhões, provocado pela inadimplência dos alunos que solicitaram o financiamento e, depois de formados, não tiveram condições de pagar a dívida.

É isso mesmo. O valor da inadimplência no FIES é 13 vezes maior que o surrupiado pela corrupção: R$ 13 bilhões. E chegamos assim ao segundo escândalo.

O segundo escândalo:

Este é um escândalo a céu aberto: desde a criação do FIES, a inadimplência só faz aumentar, mas sempre se fez de conta que o problema não existe. Talvez porque não pegue bem chamar a atenção para um fato desagradável: o que essa inadimplência bilionária revela é o equívoco estrutural e conceitual do programa – que, contrariamente às aparências, longe de reduzir a desigualdade, apenas alimenta e reproduz uma dinâmica social perversa e excludente.

O FIES é um programa complementar ao PROUNI – Programa Universidade para Todos, cujo objetivo está explícito no próprio nome: garantir acesso ao ensino superior a todos os brasileiros, independente do mérito, do esforço ou da vocação. Mas o que, à primeira vista, parece muito bonito, bem intencionado e justo do ponto de vista do papel redistributivo do Estado – usar recursos públicos para ampliar o acesso de estudantes carentes ao ensino superior, reduzindo o fosso que separa os mais pobres das universidades – na prática não funciona.

O principal efeito do PROUNI foi, sobretudo nos governos do PT, estimular a criação de centenas de “Uni-esquinas” Brasil afora, instituições caça-níqueis que oferecem cursos de péssima qualidade e distribuem diplomas a rodo sem qualificar ninguém – sem falar no terreno fértil aberto para esquemas de corrupção como o apontado pela reportagem de “Veja”.

Ora, desde sempre era óbvio e previsível que muitas faculdades seriam abertas apenas com a intenção de receber recursos do Ministério da Educação, sem qualquer preocupação com a qualidade do ensino.

Mas talvez a intenção de alguns envolvidos na gestão do programa fosse esta mesmo: não a melhoria e democratização do ensino superior, mas a conquista demagógica de mais votos em troca de diplomas e ilusões. Na prática, recursos acabaram sendo redistribuídos, sim, mas dos pobres – a imensa maioria dos contribuintes – para os ricos – aqueles empresários, políticos e burocratas mal intencionados, sempre dispostos a encontrar uma forma de levar vantagem e usar o sistema a seu favor.

No sistema de educação de qualquer país próspero, como a Coreia do Sul, existe um sistema de seleção que faz com que cheguem à universidade apenas os alunos mais preparados

Mas, mesmo que contasse com a honestidade de todos (não contam) e fossem programas à prova de desvios e de corrupção (não são), o FIES e o PROUNI jamais teriam como dar certo, porque partem de uma premissa errada. Em nenhum país do mundo se cogita garantir, com recursos públicos, universidade para todos – não por maldade ou por aversão aos pobres, mas porque o mercado não absorve esse batalhão de recém-formados que as universidades despejam todos os semestres na vida real – aliás, cada vez mais despreparados.

No sistema de educação de qualquer país próspero, como a Coreia do Sul, existem um afunilamento natural e um sistema de seleção que fazem com que cheguem à universidade apenas os alunos mais preparados, e em quantidade adequada às demandas e a capacidade de absorção do mercado. Se é injusto (e é) que essa competição seja desigual, o caminho é lutar por uma educação básica universal e de qualidade, que mitigue essa diferença de preparo e busque garantir oportunidades iguais para todos os estudantes que quiserem disputar uma vaga, independentemente da sua classe social.

Só quem não tem a mínima noção de como a economia funciona no mundo real pode acreditar que a solução para a educação é uma intervenção do Estado que garanta vagas e diplomas para todos, com o pretexto de proteger os pobres e oprimidos. O resultado dessa intervenção é a mediocrização da qualidade do ensino superior – inevitável, em função das sequelas trazidas do ensino básico ruim.

Somente na utopia de uma sociedade planificada seria possível imaginar que é função do Estado financiar bolsas de ensino superior para toda a população do país. Mas a História demonstra que sociedades planificadas sempre terminam em desastre.

No Brasil, em vez de atacar o problema no ponto de partida – a educação básica – tenta-se resolvê-lo na linha de chegada – garantindo a distribuição de diplomas por meio de cotas e programas de financiamento (na verdade, dinheiro a fundo perdido, já que a inadimplência, como vimos, é bilionária).

“Ain, mas tem que ter vaga para todos sim! Nenhum direito a menos!” Se o objetivo for apenas ter um diploma debaixo do braço, tudo bem: que se abram mais Uni-esquinas e se criem vagas para todos no ensino superior, financiadas com o dinheiro do contribuinte.

Mas qual será o resultado concreto disso? Um exército de desempregados, jovens sem nenhuma qualificação que podem ostentar seu diploma em selfies no Instagram, mas que não encontram emprego nem foram capacitados para competir no mercado. Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o índice de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos já está em 30% (índice muito superior ao do do país, que era de 13,3% na época da pesquisa). E vai piorar.

Não adianta tentar enxugar gelo na linha de chegada: não há cotas nem bolsas que consertem o mal que foi causado no ensino básico. O PROUNI e o FIES podem até criar a ilusão de que uma injustiça histórica e social está sendo reparada, mas na prática o modelo apenas reproduz uma estrutura geradora de desigualdade, mal maquiada pelo discurso de que será distribuindo diplomas universitários que se corrigirá o problema da educação no Brasil. Universidade para todos é uma ilusão. O uso político dessa ideia deveria ser um escândalo.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Por uma Fronda Empresarial - Entrevista com Paulo Roberto de Almeida (eu mesmo...)

E sem pagar direitos autorais.
No final do ano passado, o jornalista encarregado da revista da Federação das Indústrias do Estado de Sergipe (FIES), solicitou-me uma entrevista sobre temas da atualidade econômica brasileira. Indiquei minha preferência por uma entrevista por escrito, ou seja, e-mail, pois sei que essas gravações e transcrições nem sempre são confiáveis.
Não obstante o cuidado e o envio de uma versão editada, com pedido de fotos, tenho certeza de que ainda assim a matéria saiu com algumas imperfeições de edição, trechos suprimidos e cortes sem sentido.
Por exemplo, numa pergunta sobre os padrões de crescimento do Brasil, cortaram toda a primeira parte da frase, que diz isto: " Esse padrão de crescimento inclusivo foi obtido, na verdade, à custa do aumento constante da carga tributária, por um lado, e favorecido pela bonança do crescimento da economia mundial no período 2002-2008 e, durante todo esses anos e até hoje, pela excepcional demanda da China e de alguns outros emergentes pelos nossos produtos de exportação (na verdade, sobretudo primários, que alcançaram picos de valorização jamais vistos nas últimas décadas dos mercados mundiais)".
Em todo caso, dou aqui a indicação para a versão publicada e transcrevo no seguimento o meu arquivo, que acredito estar mais completo e mais correto sobre o que eu pretendia dizer (e disse, mas nem todos os empresários sergipanos poderão ler na íntegra essa entrevista).
Minha proposta de fronda empresarial me parece ser a única maneira de o Brasil romper não apenas o marasmo econômico atual, mas também a vergonha de seu sistema político, mas não tenho nenhuma ilusão de que tal processo venha a ocorrer no Brasil any time soon, ou ever...
Fica a proposta e sobretudo minhas ideias sobre a conjuntura de relativo declínio econômico, para não mencionar outros motivos de frustração com a nossa situação de erosão moral da atualidade.
Paulo Roberto de Almeida


1086. “O Brasil enfrenta a possibilidade real de estacionar no baixo crescimento”, entrevista concedida à revista FIES em Notícias (Aracaju: SE, Federação das Indústrias do Estado de Sergipe; ano 9, n. 56. Novembro-dezembro 2012, p. 6-11; link: http://www3.fies.org.br/fies/revista_fies_em_noticias.html; revista em pdf: http://www3.fies.org.br/fies/textos/Informativo_FIES/Informativo_FIES_n_56.pdf). Relação de Originais n. 2450.

 
Política econômica e política externa do Brasil
Entrevista para a revista da Federação das Indústrias do Estado de Sergipe

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata de carreira,
Professor de Economia Política no
Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Respostas a questões colocadas por:
Luís Paulo Dias Miranda (luis.paulo@fies.org.br)
Núcleo de Informações Econômicas – NIE, FIES
Publicado, com fotos do entrevistado e sob a chamada de capa de título
“O Brasil enfrenta a possibilidade real de estacionar no baixo crescimento”,
na revista FIES em Notícias (Aracaju: SE, Federação das Indústrias do Estado de Sergipe; ano 9, n. 56. Novembro-dezembro 2012, p. 6-11; link: http://www3.fies.org.br/fies/revista_fies_em_noticias.html; revista em pdf: http://www3.fies.org.br/fies/textos/Informativo_FIES/Informativo_FIES_n_56.pdf). Relação de Publicados n. 1086.

1) Qual análise o senhor faz sobre a atual Política Externa brasileira?

PRA: A política externa brasileira atual apresenta uma combinação de duas grandes vertentes fundamentais: de um lado, as posturas políticas do partido no poder, o PT; de outro, as posições tradicionais da diplomacia profissional brasileira. Em determinados temas – como nos casos das negociações comerciais multilaterais, as questões de paz e segurança no sistema global, as relações bilaterais, em geral – predominam as posições historicamente conhecidas da diplomacia brasileira; em outros, em contrapartida, se destacam mais claramente as posições políticas do PT, como nos exemplos a seguir: relações Sul-Sul; apoio a regimes progressistas, ou de esquerda, da região e de outros continentes; visão mais política do que comercial do processo de integração; aliança com grandes parceiros não hegemônicos; menor ênfase nos direitos humanos e na democracia.
A atual política externa herdou alguns traços, mas não todos, da diplomacia presidencial extremamente ativa do presidente Lula, que se lançou em diversas iniciativas no plano externo, trazendo aumento da presença brasileira no exterior, certo prestígio para si próprio e para o Brasil, embora com alguns sucessos e vários fracassos nesses empreendimentos. Dos três grandes temas prioritários de sua presidência, nenhum deles logrou sucesso ou resultados concretos, não necessariamente por deficiências do instrumento diplomático, mas talvez por inconsistência dos objetivos proclamados em relação aos meios efetivamente disponíveis. Foram eles: a conquista de uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, um tema que não parece perto de encontrar qualquer tipo de solução, em vista dos bloqueios existentes para uma reforma da Carta e a aceitação, por todos os parceiros – mas em especial os cinco membros permanentes – de uma modalidade de ampliação desse órgão central no processo decisório multilateral; a conclusão bem sucedida da rodada Doha de negociações comerciais multilaterais da OMC, que tampouco parece encaminhar-se para um acordo factível, tendo em vista a distância entre as pretensões dos diversos protagonistas, seja como demandantes de maior abertura comercial nos mercados visados, seja como desmantelamento de protecionismos setoriais ainda muito fortes; finalmente, o reforço e a ampliação do Mercosul, tema que, na verdade, caminhou no sentido inverso, o do aumento das salvaguardas e restrições comerciais dentro do bloco, especialmente a partir da Argentina, e uma diluição das normas comerciais mais importantes do bloco para acomodar o ingresso de novos parceiros (Venezuela, Equador e Bolívia) que não se mostram dispostos a adotar a política comercial comum.
Independente dessas frustrações relativas, o Brasil logrou constituir novos foros de interesse do partido no poder, como o IBAS (com África do Sul e Índia) e o Brics (com os mesmos, mais China e Rússia), além da constituição de grupos regionais exclusivos (como a Unasul), supostamente feitos para evitar a presença dos Estados Unidos nas deliberações regionais.

2) Haveria riscos e lacunas no nosso atual modelo de desenvolvimento capazes de impactar negativamente um maior dinamismo futuro da economia?

PRA: Se algum “modelo” existe na atual política econômica brasileira – o que é altamente duvidoso – ele é uma combinação de velhas receitas estatizantes, dirigistas e protecionistas, que parecem remeter o Brasil de volta a etapas históricas ultrapassadas de seu itinerário de desenvolvimento, como nos anos 1960 a 1980, quando o Estado representava uma parte considerável do PIB, comandava muitas empresas estatais, várias monopólicos (como continua a ser, de fato, a Petrobras) e intervinha, de modo muito pronunciado, nos planos empresariais de companhias privadas. O Estado continua a comandar parte substancial do mercado de créditos, pratica várias formas de subsídios e incentivos para setores considerados estratégicos e pretende insular a indústria das pressões competitivas externas, introduzindo diversas medidas protecionistas que estão fadadas ao fracasso ou vão, justamente, comprometer a competitividade futura de diversos setores da economia brasileira.
O Brasil possui dois enormes problemas estruturais, para poder empreender um processo de crescimento sustentado de sua economia: ganhos de produtividade, por um lado, o que é dificultado pela ausência de investimentos em infraestrutura, um ambiente regulatório hostil aos negócios privados, e uma oferta insuficiente, e notoriamente deficiente, de capital humano, fruto de décadas de negligência com o sistema educacional, em todos os níveis, mas especialmente no básico e no técnico-profissional; alavancas de competitividade, por outro lado, o que seria dado por uma tributação menos extorsiva e altamente burocratizada, pela existência de enormes barreiras à entrada de novos competidores, pelo protecionismo renitente e diversos outros fatores macro e microeconômicos que dificultam a vida das empresas.
Ou seja, não existe um modelo de desenvolvimento que se empenhe na resolução desses problemas estruturais e o governo parece ter abandonado completamente a ideia de reformas ambiciosas (nos planos da educação, do emprego, da estrutura fiscal, da privatização e do próprio Estado), em troca de pequenas medidas setoriais e improvisadas, que tornam o ambiente de negócios ainda mais imprevisível e sujeito aos humores dos governantes. As medidas nunca são universais ou horizontais, apenas setoriais, limitadas, temporárias, sem qualquer visão de longo prazo.
Um modelo de desenvolvimento credível deveria partir de pelo menos cinco premissas indispensáveis: 1) um ambiente macroeconômico estável e favorável aos negócios (com contas públicas ajustadas, juros baixos, inflação moderada, câmbio de mercado, confiança na estabilidade das regras, maior poupança e investimento); 2) uma microeconomia competitiva, aberta aos negócios, sem todos esses carteis que se traduzem em altos preços para empresas e consumidores; 3) governança de qualidade, com justiça célere, legislação moderna, com menor arbítrio do Estado na seleção de setores favorecido; 4) alta qualidade dos recursos humanos, não o atual sistema que envergonha o Brasil nos exames mundiais de avaliação do desempenho dos estudantes; 5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos diretos estrangeiros, não as reações protecionistas e a paranoia do domínio estrangeiro que prevalece ainda nos espíritos e nas decisões dos governantes.

3) Na última década, o Brasil cresceu com um padrão de crescimento inclusivo que foi muito importante para o desenvolvimento de um robusto mercado consumidor. No entanto, precisaremos fazer escolhas para continuarmos com esse padrão. Na sua visão qual será o principal desafio?

PRA: Esse padrão de crescimento inclusivo foi obtido, na verdade, à custa do aumento constante da carga tributária, por um lado, e favorecido pela bonança do crescimento da economia mundial no período 2002-2008 e, durante todo esses anos e até hoje, pela excepcional demanda da China e de alguns outros emergentes pelos nossos produtos de exportação (na verdade, sobretudo primários, que alcançaram picos de valorização jamais vistos nas últimas décadas dos mercados mundiais). Em outros termos, o Brasil distribuiu, por um lado, o estoque de riqueza acumulado em outros setores da sociedade – com cargas fiscais proporcionalmente mais altas sobre a classe média e os empresários – e os ganhos advindos de uma demanda externa sobre os quais o governo e o Brasil não foram em nada responsáveis. Numa segunda fase, ocorreu também um extraordinário impulso dado pelo governo – e estímulos concomitantes dados ao setor financeiro privado – ao crédito ao consumidor, uma alavanca que é notoriamente insuficiente na ausência de impulsos correspondentes do lado da oferta, ou seja, do investimento produtivo. Com uma proporção de consumo-poupança claramente negativa – na faixa de 83-17% –, o Brasil carece de maiores estímulos à poupança e ao investimento privados, que só podem vir se o governo, o Estado, deixar de ser um despoupador líquido, que absorve quase dois quintos da riqueza produzida pela sociedade, para investir uma fração mínima dessa carga fiscal claramente extorsiva.
A primeira tarefa da classe empresarial seria a de conter a voracidade tributária do Estado, seu caráter nitidamente predatório sobre a riqueza social, e contribuir para a discussão de um novo pacto social que não seja demagogicamente distributivista, como ocorre hoje, mas que seja orientado para o investimento – basicamente privado – e para a criação de empregos, não para a montagem de programas assistencialistas, que até podem custar pouco no plano das despesas, mas que representam enorme impacto no mercado de trabalho e no plano da psicologia social. O Brasil está criando um Estado assistencialista claramente negativo do ponto de vista de suas perspectivas futuras de crescimento sustentável e de desenvolvimento social, pois esse Estado passará a absorver frações crescentes da riqueza social, tornando a atividade empresarial ainda mais difícil do que já é atualmente nas condições de tributação extorsiva e de um governo que faz caridade com o chapéu alheio, ou seja, o do setor privado.

4) Com a reeleição de Obama seria viável ao Brasil assinar um contrato de livre comércio com os EUA?

PRA: Isso não depende de Obama, ainda que ele possa propor algo do gênero ao governo brasileiro; a competência constitucional para negociar acordos comerciais, no sistema americano, pertence ao Congresso, que delega poderes para tal ao Executivo, mas sob condições estritas de reciprocidade e de ganhos reais de acesso a mercados. Nas condições atuais – que não tem exatamente a ver com a crise econômica, mas sim com atitudes políticas e postura de abertura – eu não vejo nenhuma disposição real, de uma parte ou de outra, para o início de tal tipo de negociações, notoriamente delicadas e difíceis em se tratando de dois grandes países cujas economias são bem mais baseadas nos respectivos mercados internos do que no comércio exterior. Mais recentemente, o que se tem observado, sobretudo no Brasil, são posturas bem mais protecionistas do que de abertura comercial, o que torna qualquer exercício nessa área altamente aleatório.
Não se deve esquecer, tampouco, que foi exatamente a atual maioria governante no Brasil, o governo do PT, que se esforçou para implodir a Alca, o projeto americano de uma área hemisférica de livre comércio, sob a alegação ridícula de que se tratava bem mais de um projeto de “anexação” (dixit Lula) do que de integração comercial. Como consequência dessa sabotagem deliberada, os EUA assinaram diversos acordos bilaterais de livre comércio com parceiros deste hemisfério (Chile, Colômbia, Peru, toda a América central e todo o Caribe) e com diversos outros países em outros continentes, ficando de fora, justamente, os membros do Mercosul e os ditos “bolivarianos”. Ou seja, não foram os EUA que não quiseram fazer livre comércio, foi o Brasil que se recusou a sequer considerar a hipótese. Não creio que a disposição tenha mudado significativamente nos últimos tempos.
Em resumo, enquanto os países da vasta bacia do Pacífico asiático (incluindo aqui alguns parceiros latino-americanos dessa costa) se dispõem a constituir uma ampla rede de integração produtiva, de livre fluxo de comércio, investimentos, tecnologia nessa grande região – que deve desbancar a preeminência que teve o Atlântico norte nos últimos cinco séculos – vários latino-americanos, entre eles o Brasil e a Argentina, se retraem em comportamentos protecionistas incompatíveis com o processo de globalização e com os requerimentos de uma economia moderna.

5) Esta em processo de construção um gigantesco bloco comercial na Ásia. O Brasil e o Mercosul poderiam se encaixar nesse bloco?

PRA: Dificilmente, a julgar pelo que se assiste como posturas comerciais e de políticas industriais não só do Mercosul, mas do Brasil e sobretudo da Argentina. A medidas adotadas recentemente vão exatamente na direção contrária do que seria indicado e até mesmo necessário para a plena inserção do Brasil nos fluxos dinâmicos da economia mundial, isoladamente ou no contexto do Mercosul. Alguns países latino-americanos, a exemplo do Chile, do Peru, da Colômbia ou do México, já se preparam para participar dessa nova onda, ao firmar uma “Aliança do Pacífico” que tem como objetivos, justamente, não apenas liberalizar o comércio reciprocamente, mas também negociar conjuntamente sua inclusão nessa vasta rede de negócios, de geometria variável, que mobiliza quase todos os parceiros da bacia do Pacífico, e mesmo da Oceania e do Índico. Existem diferentes esquemas de negociações de zonas de comércio preferencial, de acordos de livre comércio, de simples esquemas de facilitação de negócios ou até de constituição de joint-ventures setoriais, destinados a explorar as sinergias que poderão unir economias tão grandes quanto a dos EUA, do China, do Japão e da Índia, outras médias, como Indonésia e Austrália, com outras menores, como os sócios da Asean, a Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong, e outras ainda.
Pelas medidas adotadas no período recente, bem como pela disposição “mental” dos atuais dirigentes brasileiros, vejo como praticamente inviável qualquer ideia ou projeto de associação mais estreita do Brasil e do Mercosul a esse mundo dinâmico em construção. O insulamento industrial, o protecionismo comercial, o dirigismo e o extremo intervencionismo estatal, tal como vemos praticados atualmente no Brasil e na Argentina, são totalmente contrários aos requerimentos de um esforço desse tipo, como o que se vê na região da Ásia Pacífico.

6) Durante a década de 1970, testemunhamos um dirigismo estatal na economia e a década seguinte foi considera a "década perdida". Comparativamente, como o senhor avalia aquele período e o atual?

PRA: Se formos examinar as políticas adotadas antes e agora, bem como os discursos efetuados pelos dirigentes, em cada época, é forçoso constatar uma grande identidade de visão e de propósitos, entre os militares intervencionistas e estatizantes daquela época, ou seja, dos anos 1970, e os atuais dirigentes identificados, basicamente, com as mesmas doutrinas econômicas e as mesmas disposições de governança a partir do Estado, para o Estado, com o Estado. Talvez devamos apenas torcer para que o desregramento fiscal, os controles de capitais, as manipulações cambiais, não nos precipitem no mesmo ambiente inflacionário e de crise fiscal como assistimos na década seguinte, os anos 1980, quando o Brasil retrocedeu absoluta e relativamente.
A sociedade não parece mais aceitar descontroles inflacionários, mas ela vem aceitando, talvez de forma inconsciente, um novo crescimento do ativismo estatal, a mesma tutela sobre os negócios privados, a mesma tolerância com o crescimento desmesurado da máquina pública – com o agravante do aparelhamento do Estado por um partido de claras tendências autoritárias – e um fechamento do país à competição internacional. Tais tendências são claramente preocupantes, e deveriam ser objeto de clara rejeição dos empresários e de seus representantes políticos (na verdade, em grande medida, também comprometidos com esse agigantamento do ogro famélico em que se converteu atualmente o Estado brasileiro). Se a classe empresarial não tomar consciência dessas tendências negativas da atual conjuntura econômica e política brasileira, o país pode estar sendo condenado, não, talvez, a novos desastres como os do passado, mas a uma trajetória de crescimento medíocre, claramente insuficiente para nos elevar a novos padrões de prosperidade coletiva e de bem-estar social.
O que, na verdade, eu preconizo é uma fronda empresarial, que nos retire da atual situação de morosidade no crescimento e de mediocridade na governança, para um regime aberto, competitivo, comprometido com reformas e liberdade dos mercados. O Estado brasileiro, que no passado já foi um indutor do desenvolvimento, tornou-se hoje, claramente, um obstrutor do processo de crescimento sustentado. Os empresários precisariam dar um basta na atual situação e construir uma plataforma de reformas estruturais, de abertura econômica e de liberalização comercial, como condição para a retomada de nossa trajetória histórica de crescimento e de desenvolvimento.

Brasília, 5 de Dezembro de 2012