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sábado, 7 de setembro de 2013

Reflexoes ao leu: sobre a dia da Independencia - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao léu: sobre a dia da Independência

Paulo Roberto de Almeida

Não consigo me lembrar de um dia da Independência no qual o Brasil tenha amanhecido tão dividido e tão temeroso. O medo se espalhou em todas as partes, indistintamente: os poderosos de plantão manifestam temor em relação a possíveis manifestações da massa contra eles, nos desfiles e discursos patrióticos (tanto que os dois chefes do poder legislativo, minúsculas, sequer compareceram ao ato oficial presidido pela chefe de Estado); temor também da população em geral, de que vândalos e outros arruaceiros promovessem violência nessa ocasião, colocando em risco a vida ou a integridade física de inocentes, sobretudo mulheres e crianças; temor, talvez, dos oportunistas de sempre, dos aproveitadores e mentirosos contumazes, de que o castelo de cartas fantasioso que vêm construindo na última década possa ser derrocado a partir de manifestações especificamente dirigidas contra eles, responsáveis que são pelo descalabro registrado no país nos dias que correm; enfim, temor em todas as partes, menos, provavelmente, da parte dos vândalos e arruaceiros, talvez os anarquistas idiotas e niilistas inconscientes, que se aproveitam desse clima para tirar algum proveito material, ou simplesmente pelo prazer de destruir as instituições burguesas e o sistema capitalista. Temores cruzados, múltiplos, autoalimentados e retroalimentados.
De fato, não consigo me lembrar de um Sete de Setembro como este; talvez durante as ditaduras que vivemos, na era Vargas e durante o regime militar, esse clima de temor e de divisão do país, mesmo contrabalançado por fortes doses de publicidade governamental, algo do ambiente atual pairasse sobre os encontros e manifestações oficiais em torno da data da independência do país. Eu que não sou nada patriota – e teria palavras fortes contra o patriotismo rastaquera exibido por muitos – e menos ainda ufanista das nossas coisas, por considerar-me um simples indivíduo, se possível universal, não vejo precedentes para o clima atual de divisão e de perplexidade no país. Gostaria de ter um simples fator explicativo para esse ambiente de temores recíprocos, mas não acho apenas um, mas vários, múltiplos, talvez dificilmente identificáveis e menos ainda obstáveis com base em alguma ação cirúrgica numa direção determinada. Não existe, e não creio que consigamos identificar todas as causas do malaise atual e encontrar respostas adequadas para vencer esse estado no futuro previsível. Sinto muito: gostaria de ser mais otimista, neste texto reflexivo, mas simplesmente não consigo.
O que é a independência de um país? No sentido estrito, liberar-se de mestres estrangeiros e estabelecer o seu próprio sistema de governo, se possível democrático, aberto a todos os cidadãos – alguns continuam súditos daquilo que um historiador, aliás marxista, chamou de “ideologia do colonialismo” – e propenso a facilitar a todos eles as condições pelas quais cada um sai em busca de sua felicidade pessoal, exercendo seus talentos, mobilizando seu gênio criativo, empregando seu tempo em criar prosperidade individual, ou simplesmente se colocando ao serviço de alguma outra causa – ou emprego – que lhe dispense faculdades de empreendedorismo, mas que lhe garanta, da mesma forma, um meio de vida adequado e satisfatório.
Toda independência se concentra, numa primeira etapa, na criação de um Estado, geralmente nacional – em alguns casos multinacional, ou compósito – que passa então a representar os cidadãos em face dos outros Estados da comunidade internacional e assume os encargos da defesa externa, da segurança doméstica, das grandes obras coletivas – infraestrutura de grande porte, por exemplo – e também se desempenha na criação de um ambiente aberto ao exercício dos talentos individuais, que passarão, por sua vez, a cuidar da produção, do abastecimento, da oferta de bens e serviços (inclusive coletivos) dos mais variados tipos, segundo regras de transparência e de abertura total ¡a competição de todos aqueles que pretendem se lançar em atividades econômicas privadas. Estes são os deveres primários de todo e qualquer Estado, aos quais talvez se pudesse acrescentar tarefas de “equalização de oportunidades sociais”, consistindo em geral no provimento da educação fundamental em bases universais – obrigatórias, pelo menos nos ciclos elementares – e de condições sanitárias mínimas, para que todos possam ser resguardados das epidemias e das endemias mais comuns que atingem a raça humana. Creio que este é, sumariamente, o sentido da independência de um povo.
O Estado brasileiro no plural, o que emergiu da independência, os que se lhe seguiram nas várias mudanças de sistemas e de regimes políticos que tivemos ao longo dos quase dois séculos que nos separam da separação da metrópole, e o Estado atual, que convive com uma democracia de fachada e de baixa qualidade – dificilmente cumpriu as tarefas acima, e talvez venha até sendo o responsável pela erosão atual de algumas instituições já criadas e cuja eficácia e proficiência estão sendo nitidamente diminuídas na sua forma e na sua substância. Não é difícil reconhecer isso na situação de insegurança que atinge todos os cidadãos honestos, nas péssimas condições da infraestrutura – sobretudo comunicações e energia – e nos serviços coletivos que supostamente estariam a cargo do Estado, notadamente saúde e educação.
Mesmo aquela larga fração da população que se beneficiou, nas últimas décadas, com generosas políticas distributivas, se ressente da má qualidade dos serviços coletivos e da insegurança geral que atinge a todos, especialmente os mais humildes. Pode-se até argumentar que, no contexto mais amplo da América Latina, ou em confronto com outros continentes – como a África, por exemplo – ainda mais atingidos pela erosão de ineficiência estatal que atinge quase todos os Estados contemporâneos, o Brasil não é dos piores exemplos de deterioração de qualidade de sua governança, anda que isto não sirva de consolo, pois existem alguns outros exemplos que demonstram que é possível, sim, atingir patamares mais elevados de prosperidade de bem estar.
O Estado brasileiro falhou, portanto, embora essa conversa de Estado seja muito enganosa. O Estado é uma entidade impessoal, quase abstrata em suas manifestações concretas, a não ser quando encarnado por governos reais, liderados por determinados homens, como indivíduos ou grupos (partidos e suas coalizões), que dão um sentido específico à ação do Estado. Os responsáveis pela má situação de um país, de uma nação devem, assim, ser apontados, devidamente: são as lideranças que falham, são as elites incompetentes, algumas até criminosas, que não cumprem o mandato em prol da prosperidade e da felicidade individual que todo povo imagina estar elaborando no momento de sua independência.
Como as comunidades humanas são sempre complexas e diversificadas, o mandato é primeiramente negociados através de um contrato coletivo – a Constituição – que deveria resumir os grandes objetivos nacionais e definir, de maneira ampla, os meios e mecanismos para que eles possam ser atingidos. Um povo, como o nosso, que já teve sete constituições, e oito moedas, não pode considerar especialmente bem dotado de qualidades “constitucionais”, ou de simples educação política (na verdade de educação, tout court). Examinando a nossa Constituição – que foi objeto de uma análise sistemática de minha parte recentemente: “A Constituição brasileira contra o Brasil”, em fase de publicação – pode-se constatar como ela é totalmente inadequada para cumprir o mandato que esbocei anteriormente. Ela pretende atribuir ao Estado uma série inacreditável de tarefas que este simplesmente não consegue cumprir, nos limites (parcos) de nossa riqueza nacional: pretenderam criar um oásis de felicidade nacional antes de dispormos de recursos suficientes.
Por outro lado, os governantes de plantão, vários, mas especialmente os atuais, são singularmente incompetentes para mudar esse estado de coisas: eles estão apenas interessados em se perpetuar no poder, e vão utilizar-se de todos os meios para tentar conseguir esse objetivo monopólico (o que aliás combina bem com o espírito autoritário, quando não totalitário, de vários dos integrantes do partido no poder). Não creio que a situação mude de maneira significativa no futuro imediato. Minhas previsões, já externadas em diversos trabalhos publicados, é a de que o Brasil foi conduzido a um impasse de baixo crescimento, e de malversação do Estado, o que torna difícil lograr grandes progressos sociais e políticos no curto e médio prazo. Outros povos enfrentaram decadências semelhantes ou similares: não estamos fazendo nada de extraordinário, ao recuarmos um pouco, ou talvez muito, bem mais no plano mental, na verdade, do que no plano propriamente material.
Desculpo-me por ser pessimista no dia da Independência, mas estou tentando ser apenas realista. Repito: nunca encontrei o país tão temeroso, e tão dividido num dia da Pátria. Pode ser temporário, ou passageiro, mas a sensação que tenho é a de certo desalento na população, ao ver que a situação não caminha para o melhor, sobretudo no âmbito estatal, justamente. Quando vemos quadrilheiros sendo saudados como salvadores do povo e heróis da pátria, é porque perdemos o sentido da realidade; quando vemos mentirosos declarados se perpetuando é porque perdemos nossa capacidade de indignação, e de reação. Quando vemos tantos medíocres encarregados do Estado, é porque os homens de valor se desinteressaram da coisa pública.
A responsabilidade maior está com a elite, não todas as elites – porque existem elites de diversos tipos, algumas até mafiosas – mas com as elites vinculadas ao mundo produtivo, os criadores de riqueza e supostamente os financiadores de alguns bandidos que os representam no poder. São estes que deveriam empreender as tarefas de regeneração do país, mas que no momento estão muito ocupados tentando extrair mais algumas vantagens do Estado (que recursos que lhes foram previamente extorquidos, por sinal). Se eles não assumem sua responsabilidade, não teremos condições de superar o estado atual (que não é apenas de letargia, mas de recuo visível em várias areas). Por isso venho defendendo a ideia de uma fronda empresarial, uma conquista do Estado pelos empreendedores, os únicos interessados (ao que parece) na prosperidade geral do país num sentido economicamente racional, previsível, aberto e competitivo.
Acontecerá isto? Não tenho certeza, mas gostaria de acreditar...
Bom dia da independência a todos...


Paulo Roberto de Almeida

Hartford, 2511: 7 de Setembro de 2013, 4 p.

Um comentário:

Gil Rikardo disse...

Para mim o dia sete foi um dia de trabalho normal como os demais dias da semana, apesar de sábado e feriado. Atendi clientes que, assim como eu, ignoravam o sábado, o feriado e o sete de setembro, pois envoltos em tarefas do dia a dia não sobrou tempo para outras "preocupações". É esse Brasil que me seduz e embriaga, o Brasil da responsabilidade, da crença no trabalho individual, não importando que atividade, que tarefa, que dia, que semana, porque tudo é necessário oara se construir meios de sobrevivência. Esse foi meu dia em homenagem a independência do Brasil. E quanto à nossa elite, segundo li em algum blog da vida, é INFAME!

Boa sorte para nós, professor é tudo que nos resta!