O Mercosul, já em péssimo estado, sofre mais uma fratura com a decisão do governo uruguaio, anunciada em Genebra, de participar da negociação de um acordo sobre comércio internacional de serviços proposto em 2012 pelos Estados Unidos. Brasil e Argentina permanecem, no bloco regional, como os dois países mais refratários a negociações ambiciosas com parceiros do mundo rico, especialmente quando as discussões envolvem concessões nas áreas de serviços e de investimentos. Além disso, o governo brasileiro tem calibrado sua diplomacia econômica pelos padrões altamente protecionistas da era Kirchner e nada, por enquanto, indica uma alteração nesse comportamento.
O Paraguai foi o primeiro sócio do Mercosul a entrar na discussão do Acordo sobre Comércio de Serviços (Trade in Services Agreement - Tisa). Antes, os governos uruguaio e paraguaio - este suspenso das deliberações do Mercosul - já se haviam ligado como observadores à Aliança do Pacífico, um grupo comercial instituído em junho de 2012 pelo Chile, Peru, Colômbia e México. Um quinto sócio, Costa Rica, poderá acrescentar-se ao bloco até o fim deste ano. Todos os participantes da Aliança têm acordos de livre-comércio com os Estados Unidos.
O Uruguai já se havia antecipado aos parceiros do Mercosul ao formalizar, no fim de 2003, um acordo sobre regras de investimento com os Estados Unidos. Esse pacto foi anunciado em Miami pouco antes do encerramento de uma reunião sobre a Área de Livre-Comércio das Américas (Alca), empreendimento enterrado pouco depois, principalmente, por iniciativa dos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Néstor Kirchner.
Liquidada a Alca, as autoridades americanas avançaram em negociações bilaterais com vários governos do hemisfério. Mais países da região ganharam acesso preferencial ao mercado dos Estados Unidos - alguns já dispunham desse benefício - e concederam aos americanos, em troca, vantagens para concorrer com os brasileiros na América do Sul. Estes foram os grandes perdedores, em consequência da aliança do petismo com o kirchnerismo, até porque os chineses começavam a invadir a região e logo ocuparam espaços importantes.
O maior custo foi para o Brasil, porque o protecionismo argentino distorceu também o comércio no interior do bloco. A distorção continua, porque o governo argentino se acostumou a impor sua vontade às autoridades de Brasília. Parte do empresariado brasileiro, empenhada politicamente em agradar ao governo, passou a tratar com rapapés até o principal articulador das regras de comércio da Casa Rosada, o truculento secretário Guillermo Moreno.
A proposta americana de um acordo sobre comércio de serviços foi apenas uma das iniciativas adotadas para compensar parcialmente a paralisia da Rodada Doha de negociações comerciais. A última grande economia a aderir à nova discussão foi a chinesa. As primeiras ofertas de concessões já foram apresentadas pelos governos dos Estados Unidos e do Japão.
Nos últimos dez anos, Brasília preferiu intensificar os contatos com economias emergentes e em desenvolvimento, algumas com escasso potencial de comércio, sempre respeitando as limitações típicas de uma união aduaneira, no caso, o Mercosul. Mas o bloco, emperrado e fracassado até c0mo zona de livre-comércio, é apenas uma caricatura de união aduaneira. Além de participar das magras iniciativas conjuntas dos sócios do Mercosul, o governo brasileiro decidiu também apostar nas negociações multilaterais da Rodada Doha, enquanto outros países compunham um enorme número de pactos bilaterais e inter-regionais entre economias de todo o mundo.
Se a Organização Mundial do Comércio conseguir na reunião ministerial de Bali, em dezembro, criar as bases para um relançamento da rodada, o Brasil entrará de novo na cena das grandes negociações. Por enquanto, permanece no fundo do palco, em posição modesta, juntamente com a Argentina, assistindo de longe à proliferação de acordos parciais e à negociação do pacto sobre serviços. O mundo avança sem esperar o Brasil.
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