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quarta-feira, 27 de abril de 2022

Guerra expõe a força da ala realista do governo - Fernando Exman (Valor Econômico)

 Guerra expõe a força da ala realista do governo


Grupo ideológico dificilmente irá retomar o Itamaraty

Fernando Exman
Valor Econômico, 27/04/2022 

Em 1996, Samuel P. Huntington registrou no livro “O choque de civilizações” o indigesto comentário de um general russo: “A Ucrânia, ou melhor, a Ucrânia oriental voltará em 5, 10 ou 15 anos [para a Rússia]. A Ucrânia ocidental pode ir para o inferno”.

Polêmico, o livro foi produzido a partir de um artigo publicado anos antes pelo intelectual americano com a sua visão do que seria a nova fase das relações internacionais iniciada com o término da Guerra Fria.

A obra divide opiniões. Foi criticada pelos entusiastas da globalização e por aqueles que condenam o que consideram generalizações e preconceito contra muçulmanos contidos no texto. Mas até hoje ela é citada, por outro lado, entre os que temem um deslocamento de poder da “civilização ocidental para civilizações não ocidentais”.

Não é diferente no Brasil, onde a guerra na Ucrânia novamente expôs a rivalidade entre pragmáticos e ideológicos que coabitam o governo Jair Bolsonaro.

É antigo o antagonismo entre os dois grupos. Um momento de grande tensão ocorreu em meio às discussões sobre a possibilidade de o Brasil transferir sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que criaria severas dificuldades comerciais com parceiros árabes.

O agronegócio estava no centro das preocupações do governo, assim como hoje - a Rússia é importante fornecedora de fertilizantes. Pouco antes de Bolsonaro viajar para Israel, um proeminente representante dos militares chegou a bradar, com o dedo apontado para o rosto de um elemento da ala ideológica, que os interesses do Brasil estavam sendo colocados em risco por causa de uma “molecagem”.

O presidente, como se sabe, recuou: anunciou apenas a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, dando fim a uma crise que o próprio governo criou. Com o passar do tempo, a ala ideológica foi acumulando desgastes. Até que perdeu o controle do Itamaraty e parte considerável da influência que tinha no Palácio do Planalto.

Sinais desse processo também foram vistos no início da sangrenta operação militar conduzida pela Rússia.

Bolsonaro chegou a ser criticado pelo ex-chanceler Ernesto Araújo. Sob a ótica do embaixador, a posição correta do país, compatível com valores morais e interesses materiais brasileiros, seria um apoio à Ucrânia e um alinhamento às grandes democracias ocidentais. A neutralidade representaria, na prática, uma preferência pela Rússia. Mais do mesmo: a política externa inaugural do governo Bolsonaro defendia a importância de o Brasil alinhar-se ao “Ocidente”.

No atual momento em que a guerra na Ucrânia completa dois meses, vale, portanto, passar os olhos pelas páginas de “O choque de civilizações”.

De acordo com a teoria de Huntington, os Estados são e continuarão a ser os atores mais importantes nos assuntos mundiais. Porém, seus interesses, associações e conflitos devem ser cada vez mais moldados por fatores culturais e civilizacionais.

Neste contexto, a Ucrânia é um caso a ser observado. Maior e mais importante ex-república soviética - excluindo, claro, a própria Rússia -, a Ucrânia é descrita por Huntington como um país rachado, com duas culturas distintas. A fratura entre o Ocidente e a civilização ortodoxa, diz o cientista político, ocorre através do coração da Ucrânia: em uma linha a leste da capital, Kiev, a qual estaria posicionada do “lado ocidental”.

Em sua história, a Ucrânia ocidental foi parte da Polônia, da Lituânia e do Império AustroHúngaro. Uma grande parcela da população pertence à Igreja Uniata, que pratica ritos ortodoxos, mas, ao mesmo tempo, reconhece a autoridade do papa. Em geral, aponta o autor, os ucranianos ocidentais buscam falar sua própria língua e têm adotado um comportamento nacionalista. Por outro lado, escreve, as pessoas da Ucrânia oriental são predominantemente ortodoxas e falam russo. Não teriam, segundo esta teoria, problemas em ver Moscou como o núcleo de um bloco ortodoxo.

A consolidação desse bloco seria justamente o objetivo russo. Já em 1996 o livro apontava que a situação entre Ucrânia e Rússia estava suficientemente madura para a eclosão de um “surto” de competição por segurança entre os dois países.

A partir dessa constatação, três cenários foram desenhados. No primeiro, o Ocidente apoiaria claramente a Ucrânia em sua defesa. Pelo menos por enquanto, os principais países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ainda o fazem de forma indireta.

Outra possibilidade, considerada a mais provável pelo autor e que pode estar equivocada, é que a Ucrânia permanecerá, sim, rachada do ponto de vista civilizacional. Mas com seu atual território mantido na íntegra, independente e cooperando de forma estreita com a Rússia. Difícil.

O cenário intermediário seria a cisão da Ucrânia seguindo sua linha de fratura civilizacional. A entidade oriental poderia fundir-se com a Rússia. É sobre isso que falava aquele general citado pelo autor e, de fato, recentes movimentos do exército russo têm se concentrado na parte oriental da Ucrânia - sua área de maior influência cultural.

É preciso aguardar. Enquanto isso, um integrante da ala pragmática do governo explica a transição na política externa e os votos do país na ONU. “O Brasil votou de acordo com aquilo que são os nossos parâmetros, que também são os parâmetros do sistema internacional - o respeito à soberania dos países, a não intervenção e a solução pacífica dos conflitos. O Brasil tem que ser pragmático e também tem que ser flexível nesta situação toda”, diz a fonte.

“Estamos nos dirigindo a um momento que o mundo vai ficar dividido nesses dois polos: o polo democrático e o polo autoritário. Talvez a gente enverede por uma nova Guerra Fria. Tem gente que diz que a Guerra Fria não acabou, que ela sempre continuou. O Brasil é um país continental, democrático, e nós temos negócios com o outro lado. A gente tem que saber como se equilibrar. Nós não podemos queimar pontes.

Vez ou outra circulam informações de que podem ocorrer novas mudanças no Itamaraty até o fim do ano. No Palácio, essas notícias são relativizadas. Outras áreas do governo as classificam de especulações. O que se descarta por todos os lados, contudo, é a reconquista da pasta pela ala ideológica.


Fernando Exman é chefe da redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Trabalhou nas redações de “Investnews”, “Gazeta Mercantil”, “Jornal do Brasil”, “Reuters” e “Veja”. Entrou no Valor em 2011, e desde 2013 é coordenador digital
E-mail: fernando.exman@valor.com.br

https://valor.globo.com/politica/coluna/guerra-expoe-a-forca-da-ala-realista-do-governo.ghtml

quarta-feira, 20 de abril de 2022

A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais - Paulo Roberto de Almeida

 Um paper para subsidiar uma palestra-debate, no dia 21/04/2022, 16hs

 
“A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais”, com sumário, anexo e bibliografia. Divulgado preliminarmente na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/77013457/A_guerra_da_Ucrânia_e_as_sanções_econômicas_multilaterais_2022_).

Palestra no Instagram: Transmissão via Instagram (21/04/2022; 16:00-17:06; link:

A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas multilaterais 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para palestra-debate, em 21/04/2022, com membros do Instituto Direito e Inovação, dirigido pelo Prof. Vladimir Aras (www.idinstituto.com.br), via Instagram.  

 

Sumário: 

1. Introdução: dos motivos das guerras e suas consequências

2. O custo econômico das guerras e as sanções materiais que delas decorrem

3. A agressão da Rússia contra a Ucrânia e a postura do Brasil a esse respeito

4. O paradoxo das sanções econômicas contra a Rússia

Anexo: Tabela cronológica das sanções econômicas multilaterais: Liga das Nações e Conselho de Segurança das Nações Unidas

Bibliografia de referência 

 

1. Introdução: dos motivos das guerras e suas consequências

Como diria um filósofo brasileiro, mais para a via do humorismo sarcástico, o Barão de Itararé, “as consequências sempre vêm depois”. No caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, elas vieram quase simultaneamente, e praticamente no mesmo ritmo da invasão das tropas agressoras, ordenadas pelo déspota neoczarista Vladimir Putin. Não foi por falta de aviso: tanto o presidente Joe Biden, dos EUA, quanto diferentes líderes da União Europeia haviam alertado, por diferentes meios, diversas vezes e de maneira insistente, que se Putin concretizasse aquilo que ela anunciava que NÃO iria fazer, mas que já estava transparente em seu planejamento pré-invasão, os países ocidentais responderiam com fortes sanções ao agressor. Putin preferiu apostar na relativa inação das sanções anunciadas, ou viu nesses anúncios uma repetição das reações moderadas adotadas quando da invasão-surpresa da península da Crimeia, em 2014, e insistiu nessa postura mesmo quando o presidente americano praticamente anunciou a invasão algumas semanas antes que ela efetivamente ocorresse. Pois então, as consequências chegaram, e elas são relevantes.

Sanções econômicas e, de forma geral, os custos econômicos das guerras, em suas diversas formas, são especialmente significativos, para quaisquer economias envolvidas, pequenas, médias ou grandes. Tais questões devem, ou deveriam, fazer parte do cálculo econômico – em homens, em materiais, em recursos financeiros – dos dirigentes de um país, ao decidir empreender uma aventura militar, não importando muito o cálculo econômico para a parte agressora, uma vez que a intenção é a de, em primeiro lugar, vencer a capacidade de resistência do alvo visado, destruir sua vontade de se defender, em segundo lugar, e lograr, em terceiro lugar, os objetivos estabelecidos no planejamento iniciais. Independentemente, porém, de tais cálculos, o fato é que o custo econômico de qualquer guerra dever ser sempre confrontado à obtenção dos mesmos objetivos estratégicos por outras vias, se disponíveis. É por isso que os mais importantes estrategistas e teóricos da Arte da Guerra – de Sun Tzu a Clausewitz, sempre consideraram a guerra a continuidade da política por outros meios. 

As guerras são travadas por diferentes motivos, inclusive econômicos, visando conquista e dominação de novos territórios e seus recursos econômicos, vingança por algum diferendo político do passado, por motivos defensivos ou preventivos, ou por mais prosaicos motivos pessoais, de interesse restrito às lideranças, ou ao líder exclusivo, da potência agressora. Talvez se possa enquadrar neste último caso a famosa guerra de Troia, embora não seja nada provável que os gregos tenham cercado a fortaleza de seus vizinhos gregos, na Ásia Menor, durante dez anos contínuos, apenas devido ao rapto de Helena, a mulher do rei Menelau, da Lacedemônia (Esparta), por Paris. O mais provável é que a Helena não tenha tido nada a ver com o longo conflito, e que motivos mais propriamente econômicos tenham impulsionado Menelau e seus compatriotas gregos a se vingar de um antigo entreposto grego, fruto da expansão colonial dos desbravadores marítimos da península que projetou bases bem além do Helesponto e na direção das colunas de Hércules, criando com isso novos competidores no dinâmico comércio mediterrâneo, já explorado por fenícios e outros povos. O fato é que os gregos cercaram a cidade-fortaleza de Troia durante dez anos, sem sucesso, até que a astúcia de Ulisses permitiu romper as portas da cidade-murada, que foi então totalmente saqueada pelos ardilosos combatentes. 

Um dos primeiros exemplos históricos de sanções econômicas está relatado na história da guerra do Peloponeso, por Tucídides: ele se refere ao banimento de mercadores da cidade-porto de Megara de comerciar com Atenas, em 432 AC, o que foi um dos vários exemplos de iniciativas infelizes da grande cidade-Estado democrática que lhe acarretaram reveses diplomáticos que contribuíram para a vitória final de Esparta naquela longa guerra. Aliás, independentemente da especulação despropositada que fazem, atualmente, alguns acadêmicos americanos afetados pela paranoia dos generais do Pentágono, como Graham Allison, proclamando uma nova guerra do Peloponeso, desta vez entre a Esparta-China e a Atenas-EUA, o fato é que erros diplomáticos e sanções econômicas podem, realmente, produzir resultados catastróficos para partes em conflito. Em qualquer hipótese, considero esse livro, Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap? (2015), um dos maiores desserviços à causa da globalização contemporânea (ver a versão brasileira: Allison, 2020). Pretendo dedicar uma resenha-artigo para discutir o tremendo equívoco conceitual e histórico desse acadêmico – mais conhecido pela sua análise da crise dos mísseis soviéticos em Cuba em 1962, The Essence of Decision(1971) – na avaliação das relações atuais entre os dois gigantes econômicos da contemporaneidade, que ele imagina que pode levar a uma nova guerra entre impérios.

 

2. O custo econômico das guerras e as sanções materiais que delas decorrem

Todas as guerras possuem, acarretam, exigem custos econômicos, para todas as partes em conflito, as agressoras e as agredidas. Esses custos podem ser identificados em três conjuntos de encargos ou perdas: pela mobilização inicial em função da estratégia militar, ou seja, o desvio de recursos orçamentários e outros para fins unicamente destrutivos, o que implica a retirada de capital humano das tarefas produtivas para as finalidades destrutivas; o “consumo” de meios militares para o ataque ou a defesa de bens, equipamentos, população e patrimônio social ou natural, ou seja, no curso das atividades militares; o “resultado” final ou intermediário dessas operações, em termos de destruição, eliminação ou impedimento parcial ou temporário dos recursos materiais e humanos, bens materiais destruídos, vidas perdidas ou levadas a tratamento hospitalar e possível incapacitação temporária ou permanente. 

(...)


Ler a íntegra neste link: 

https://www.academia.edu/77013457/A_guerra_da_Ucrânia_e_as_sanções_econômicas_multilaterais_2022_


sábado, 19 de março de 2022

Avançamos moralmente desde os embates de nossos ancestrais na luta pela sobrevivência? - Paulo Roberto de Almeida

 Avançamos moralmente desde os embates de nossos ancestrais na luta pela sobrevivência?

Paulo Roberto de Almeida

Certamente, ou pelo menos um pouco. Desde o Iluminismo, aliás desde Buda, Jesus e, antes deles, desde Confúcio, a civilização criou anteparos morais à capacidade humana de destruir, de matar e de instilar ódio. 

Pessoas e sociedades dignas conseguem controlar os demônios de nossa natureza. Algumas não, daí o horror quando vemos um ditador insano como o Putin ordenar massacres, atrocidades e destruição de cidades inteiras. 

Pensávamos que tudo isso tinha ficado para trás, no século XX, quando tiranos como Stalin e Hitler comandaram matanças indiscriminadas ou seletivas. 

Pensávamos que atos bárbaros já tivessem sido contidos pelo sentido moral da comunidade internacional depois do Holocausto nazista e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Não, ainda não conseguimos conter os instintos mais primitivos de certos dirigentes que já deveriam ter sido afastados do convívio normal com as democracias e com os governos que respeitam os direitos humanos e as liberdades. 

Ainda não avançamos moralmente tanto quanto fosse possível, desejável e necessário.

Vamos conseguir, a despeito de todos aqueles que acham justificativas para apoiar desumanidades como essas perpetradas por um monstro imoral como o Putin. 

Sim, depois de Hitler e de Stalin, ele é o novo monstro imoral da nossa civilização ainda pouco civilizada. 

Mas conseguiremos!

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19/03/2022

quinta-feira, 3 de março de 2022

Sinais contraditórios do Brasil sobre a guerra na Ucrânia preocupam diplomatas - Matéria do Estadão, cita Paulo Roberto de Almeida

Sinais contraditórios do Brasil sobre a guerra na Ucrânia preocupam diplomatas

Camila Turtelli e Matheus Lara 

O Estado de S. Paulo, 03 de março de 2022 | 05h00 

https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/sinais-contraditorios-do-brasil-sobre-a-guerra-na-ucrania-preocupam-diplomatas/

(...)

ORIGENS. O diplomata Paulo Roberto de Almeida colocou a política externa bolsonarista como o final trágico de uma trajetória iniciada por um “aparelhamento lulopetista” no Itamaraty: “Com o PT, a ‘pizza diplomática’ até que resistiu bem: só tinha umas fatias de cubanices e bolivarianices”.

ORIGENS 2. “Desde 2019, a ‘pizza’ foi contaminada por um molho bolsonarista inaceitáveis para os princípios de nossa tradição”, escreveu Almeida, no Facebook.

(...)

A matéria no clipping-resumo desta quinta-feira, 3/03/2022: 

Sinais contraditórios do Brasil - Após o Brasil dizer “sim”, ontem, junto a outros 140 países, à resolução da ONU condenando os ataques russos à Ucrânia, sinais contraditórios da política externa do País sobre o conflito mais uma vez foram tema de discussões acaloradas em grupos de diplomatas. Da “neutralidade” citada por Bolsonaro ao “equilíbrio” expresso por Carlos França e as críticas contundentes de Hamilton Mourão, a leitura é de que a falta de rumo pode isolar ainda mais o Brasil. Diplomatas têm demonstrado preocupação sobre como a falta de clareza do Estado brasileiro sobre os ataques têm repercutido internacionalmente e contribuindo para piorar a imagem já desgastada da política externa do País. O diplomata Paulo Roberto de Almeida colocou a política externa bolsonarista como o final trágico de uma trajetória iniciada por um “aparelhamento lulopetista” no Itamaraty: “Com o PT, a ‘pizza diplomática’ até que resistiu bem: só tinha umas fatias de cubanices e bolivarianices”. “Desde 2019, a ‘pizza’ foi contaminada por um molho bolsonarista inaceitável para os princípios de nossa tradição”, escreveu Almeida, no Facebook. Ganharam destaque entre membros do corpo diplomático brasileiro printscreens de jornais internacionais que, apesar do voto contra a Rússia na ONU, ainda veem o Brasil como simpático à causa russa. O britânico Daily Mail, por exemplo, destacou ontem as contradições do Brasil e visão “favorável” de Jair Bolsonaro sobre Vladimir Putin.

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Transcrevo o teor do que escrevi anteriormente sobre o assunto, e que está no meu livro mais recente: Apogeu e demolição da política externa (Appris, 2021):

Minha recollection de quase duas décadas de demolição diplomática 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Um texto que vai causar pruridos nos petistas e trazer desconforto a certas “almas cândidas”, como diria Raymond Aron, inclusive vários colegas diplomatas.

 

O Itamaraty começou a ser destruído, como instituição, na era Lula, a despeito da excelente projeção externa do Brasil e do crescimento extraordinário de nosso prestígio internacional.

Alguns “servos” da ditadura cubana controlavam a diplomacia, como certo apparatchik do PT e alguns colaboradores voluntários (sobre cujo caráter não preciso me expressar). Mas a “pizza diplomática” do Itamaraty até que resistiu bem: só tinha uma ou duas fatias de cubanices e de bolivarianices, mas era o Itamaraty “normal”: multilateralismo, regionalismo, desenvolvimentismo, unctadianismo, terceiro-mundismo, anti-imperialismo e antiamericanismo moderado, ou seja, tudo igual ao que sempre fomos, desde o final dos anos 1950, quando começa a famosa PEI, ainda antes do Afonso Arinos e do San Tiago Dantas, e outros ideólogos do período, como Araújo Castro.

Mas, a diplomacia partidária e paralela do PT introduziu elementos clandestinos e deformadores do processo decisório, que foi totalmente invertido: a base tinha de atender aos objetivos da cúpula, como no “centralismo democrático” dos neobolcheviques.

 

Por isso escrevi, em 2014, o livro “Nunca Antes na diplomacia…”, que tinha justamente um capítulo sobre o processo decisório, um outro sobre a miopia do “Sul Global” e mais um contendo meu minority report, como um contrarianista, o que sempre fui.

 

Mas, quando a editora quis fazer uma 2a edição, em 2019, eu me opus, pois disse que o “nunca antes” era exatamente o desgoverno horroroso e a diplomacia aloprado do Bozo e do patético ex-chanceler acidental. Preferi escrever toda uma série de quatro obras digitais sobre o alucinante “bolsolavismo diplomático”, começando pelo “Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty” (2019), chegando até “O Itamaraty Sequestrado, 2018-2021”, que resume a destruição demencial do ex-chanceler acidental e desequilibrado.

A essa altura, a “pizza diplomática” já tinha sido, toda ela, contaminada por um horroroso “molho bolsolavista”, intragável e inaceitável para os padrões usuais e os valores e princípios de nossa política externa tradicional. Não preciso dizer que os “pizzaiolos” eram os delirantes fanáticos daquela franja lunática submissa à extrema-direita americana, “dirigidos” por um inepto e ignorante chefe de desgoverno.

Acabei escrevendo e publicando, em 2021, Apogeu e demolição da política externa; mas nem preciso dizer que o lulopetismo diplomático acabou entrando no apogeu, e que a demolição é inteiramente obra do Bozo e dos integrantes da franja lunática.

 

Agora, só me falta escrever uma espécie de “história sincera” do Itamaraty, relatando minha visão de quatro décadas de política externa e de diplomacia brasileira. Comecei em 1978, sendo fichado pelo SNI como “diplomata subversivo”, por me opor à ditadura militar, e terminei, no final de 2021, como “diplomata dissidente”, ou uma espécie de refuznik da atual demência bozófila na política externa, a despeito das tentativas de meus colegas diplomatas de preservar um mínimo de dignidade para o Itamaraty.

 

Se o tirano Putin pode ser condenado, pelo menos moralmente, por “crimes de guerra” e “contra a humanidade”, Bozo, seus generais amestrados e os aspones lunáticos devem ser processados e condenados, pelo menos moralmente, por crimes contra a diplomacia e contra a política externa do Brasil. 

A história não os absolverá, e eu não os deixarei impunes no “meu” tribunal pessoal da dignidade moral.

Continuarei expressando meu pensamento e minhas opiniões e argumentos no meu quilombo de resistência intelectual, mesmo sozinho.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4092: 2 março 2022, 2 p.