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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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domingo, 13 de julho de 2025

Uma reflexão introspectiva sobre o problemático caso da Rússia e suas consequências para o Ocidente, incluindo aí a diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão introspectiva sobre o problemático caso da Rússia e suas consequências para o Ocidente, incluindo aí a diplomacia brasileira

Paulo Roberto de Almeida 


From anton_gerashchenko_en:

(E eu concordo inteiramente com o presidente da Finlândia nessa entrevista sobre a tragédia atual da Ucrânia; PRA.)


“I wanted to share with you several quotes from the interview of President Alexander Stubb of Finland to Peter Hartcher from The Sydney Morning Herald.


Ukraine is very grateful to the people and leadership of Finland for standing firmly with Ukrainians! 🇫🇮🇺🇦


◾️ "Within the next five to 10 years, two things will hold true with Russia. One is that they will not revert into a peaceful liberal democracy. And second, they will continue a military build-up."


Esta é a primeira e a mais patente e realística constatação, aliás, a única conclusão possível: a Rússia não vai se tornar, sob Putin, uma democracia liberal pacífica; não há nenhuma chance de que isso ocorra no futuro previsível, com Putin ou sem ele. 

Ela vai continuar na sua senda militarista, exatamente como ocorreu com as potências fascistas agressivas e expansionistas dos anos 1930. 

A segunda conclusão é de que, sob Putin (e talvez mesmo depois dele), a Rússia vai continuar a ser uma autocracia militarista, mesmo ao preço do bem-estar do seu povo e da estagnação econômica do país, na verdade um império nunca acabado e nunca realizado inteiramente em seu potencial produtivo, uma cleptocracia vivendo à custa de seus imensos recursos naturais. 

Não sei se isso é uma maldição eterna, mas parece ser o resultado de um império construído à base de violências inauditas e de uma selvageria vinda de épocas passadas, de puro despotismo oriental, bem mais do que o suposto modelo chinês rascunhado por Max Weber e descrito por Karl Wittfogel, que se revelou inovador e até avançado nas suas formas de organização estatal, marcadas por uma burocracia relativamente eficiente.

Esta introspecção tem relevantes consequências — aparentemente não realizadas até aqui — para a diplomacia corporativa do Brasil, à qual eu servi zelosamente durante 44 anos (menos vários anos de ostracismo sob o chamado lulopetismo diplomático): eu nunca constatei qualquer reflexão crítica de diplomatas proeminentes a propósito da primeira configuração do BRIC proposto ardilosamente, quase em segredo operacional, nos anos imediatamente posteriores à suposta posta em marcha da assim chamada “diplomacia ativa e altiva” — uma espécie de congratulação pro domo sua — em torno de 2005-2006, uma transfiguração de uma simples proposta de plataforma de investimentos rentáveis para fundos financeiros institucionais em um projeto de bloco institucional de caráter diplomático, entre quatro Estados soberanos (duas autocracias e duas democracias de relativamente baixa qualidade), sem qualquer convergência política-estratégica, a não ser uma possível desconfiança de uma suposta “hegemonia ocidental” indesejável, mas com um quase indisfarçável oportunismo midiático.

Todos se dobraram às ordens vindas de cima, incorporando acriticamente essa nova configuração totalmente artificial, e até bizarra (dadas as notórias diferenças entre os quatro), sem que estudos técnicos mais abalizados pudessem coonestar ou abonar essa proposta tirada do bolso do colete, sem maiores reflexões sobre suas implicações estratégicas para a doutrina diplomática brasileira ou para seu projeto de segurança nacional, ou para as políticas de caráter relevante para o desenvolvimento do país no cenário geopolítico mundial. 

Nunca houve, da parte do Itamaraty, uma “Informação ao Presidente da República” — como feito, por exemplo, para o acordo binacional Brasil-Paraguai sobre a construção da usina de Itaipu, para o acordo tripartite Brasil-Argentina-Paraguai de 1979 sobre as cotas da nova usina em construção, ou para os tratados de 1988 de integração com a Argentina, e quadrilateral de 1991 sobre o Mercosul, todos eles de enormes consequências estratégicas para o Brasil — para o caso do BRIC em sua primeira conformação; não, tudo foi decidido e aprovado praticamente a duas cabeças exclusivamente, o chanceler “ativo e altivo” e o então presidente em seu primeiro mandato.

À falta de reações por parte das lideranças políticas da nação, e da própria diplomacia profissional, a aventura do BRIC, BRICS e agora BRICS+ continuou sua marcha em zigue-zague (mais zague do que zigue por parte das duas autocracias dominantes, no plano mundial e do próprio bloco), com cada vez novas implicações geoestratégicas para o Brasil como um todo, sem que, em qualquer momento, fossem questionados os fundamentos, a rationale e os objetivos maiores do novo grupo, ou bloco diplomático.

De memória “bibliográfica”, todas as publicações elaboradas sobre o novo grupo-bloco, com implicações da mais alta relevância para os destinos fo País, foram aparecendo de forma inquestionavelmente positiva, como se a aventura fosse um dado, uma configuração diplomática e um projeto inquestionavelmente positivos para o Brasil, sem maiores questionamentos por parte da sociedade brasileira, em primeiro lugar do próprio Itamaraty, sempre submisso a quaisquer tipos de ordens superiores. Ao contrário, a ideia contou com uma recepção praticamente entusiástica por parte da academia, assim como do jornalismo complacente com a “genialidade” da trouvaille, cuja sigla sempre foi saudada com uma aquiescência muito favorável.

O mundo foi sendo transformado pelas assim chamadas “forças profundas” da economia e da política mundiais, e o barco do BRICS foi navegando em águas aparentemente tranquilas, com muito assédio ao novo grupo por parte do mal chamado “Sul Global” (uma outra entidade fantasma criada por acadêmicos e jornalistas apressados), até que irromperam as demonstrações práticas do novo imperialismo russo, primeiro na Georgia, depois na Moldova, em seguida na península da Crimeia e no Donbas, e finalmente na Ucrânia como um todo, a partir de 2022. Mas já a partir de 2014, com a invasão e a anexação ilegais, por Putin (mais do que pela Rússia), da península ucraniana da Crimeia (historicamente russa, por ações anteriores do imperialismo grão-russo czarista), a geopolítica mundial foi transformada de forma irreversível, sobretudo por força da ruptura violenta da Carta da ONU e das sanções racionalmente adotadas por parte de diversas nações “ocidentais” (entre as quais não se incluiu o Brasil, já no terceiro mandato lulopetista).

O processo de ruptura com o Direito internacional conspurcado desde o início por Putin se agravou com a Operação Militar Especial de 2022, agora já secundado pela “aliança sem limites” com a RPC de Xi Jinping, na aparente indiferença dos demais três membros do BRICS, assim como do chamado Sul Global e também da comunidade acadêmica entusiasta da ideia e do projeto do BRICS.

Pode-se dizer que o BRICS+ é um resultado e uma consequência direta da aventura militar de 2022, forçado pelas duas autocracias aos demais três membros do bloco, talvez complacentes ou simpáticos em face do sucesso aparente do bloco, assediado por muitos representantes do indefinível Sul Global, ou dessa ideia questionável do “mundo pós-ocidental”.

A terrível realidade da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, que se transmutou de guerra de conquista (frustrada pela resistência ucraniana) em guerra de pura destruição de vidas e patrimônio da nação brutalmente atacada por Putin, começou a emitir alguns sinais de desconfiança sobre esse novo bloco visivelmente contrário à chamada “hegemonia ocidental” e sobre sua ideia indefinida de uma “nova ordem global multipolar”, visivelmente nas antípodas da atual ordem onusiana, já declarada perempta e incompetente pelo presidente brasileiro em seu terceiro mandato (mas ainda solidamente comprometido com a sua ideia de uma nova ordem mundial “mais inclusiva e democrática”).

Assim estamos em 2025, num cenário conturbado por diversos conflitos em diferentes regiões do planeta, mas novamente confrontado a um presidente americano visivelmente imperialista em suas pretensões megalomaníacas de “fazer a Ameaça grande novamente”, ainda que à custa de ações unilaterais abusivas e muito agressivas, contra aliados e concorrentes tidos como adversários. 

A diplomacia presidencial brasileira, ainda mais personalista neste terceiro mandato do que nos dois anteriores, segue comprometida com o projeto iniciado em 2005, aparentemente disposta a continuar com as alianças feitas num passado bem diferente do atual, independentemente das mudanças estratégicas que já ocorreram no cenário geopolítico.

De minha parte, observo que a diplomacia profissional continua calada e obediente aos dogmas da hierarquia e da disciplina, mesmo se alguns sinais de inquietação possam ser fracamente percebidos. No que concerne, continuarei atento a novos desdobramentos desse cenário, postando ideias e reflexões em meu tradicional “quilombo de resistência intelectual” que é o Diplomatizzando, e já pensando em fazer uma nova edição do meu livro A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira (2022), editado antes do BRICS+. 

Vale!

Paulo Roberto Almeida

São Paulo, 13/07/2025