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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 3 de setembro de 2023

Um perfil do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Flávia Tavares, Luciana Lima, Andrea Freitas (Folha de S. Paulo)

 Folha de S. Paulo, 1 de setembro de 2023

COMO HADDAD ENTENDE A ECONOMIA

Por Flávia Tavares, Luciana Lima e Andrea Freitas

Num discurso na última segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava se explicando, de novo, sobre a decisão do governo de buscar receitas na taxação de rendimentos de capital no exterior (offshore) e dos chamados fundos exclusivos – coisa de ricos e super-ricos. Ele rechaçava a comparação com o herói fora-da-lei inglês. “Eu vejo muitas vezes, na imprensa, ser tratado como uma espécie de ‘ação Robin Hood’, uma revanche”, reclamou o ministro. “Não é, absolutamente, nada disso.”

Ao seu lado, no palco montado no Salão Oeste do Planalto, Lula o observava, ladeado por Alckmin e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. “Aqui não tem nenhum sentimento que não seja o de justiça social”, disse Haddad, apontando com as mãos o próprio peito. Essas palavras encerraram o discurso. Lira apertou suas mãos. Lula foi efusivo e o convidou para tirar um retrato. Lira ouviu algo que os petistas comentaram e também sorriu. Alckmin, permanentemente risonho há pelo menos um ano, cumprimentou o amigo, que serviu de ponte entre o ex-tucano e o presidente petista. Haddad transitava, confortavelmente, entre expoentes de tudo que é tensão política e econômica das últimas décadas.

O mesmo comportamento que lhe garante essa aceitação política o obriga a, com imensa frequência, ter de explicar quem é. Como pensa. Isso já é atávico da missão de conduzir a economia de um país. Mas, possivelmente, num país com menos barulho antidemocrático, a economia pautasse quase exclusivamente o noticiário e essas concepções já estivessem mais claras. Não só isso. Haddad insiste em não se deixar enquadrar. “Tenho problemas com rótulos. Eles não ajudam a encontrar soluções”, começou ele sua enésima explicação sobre si mesmo no programa Reconversa. Era dia 11 de agosto, uma sexta-feira, e o Brasil estava em polvorosa com a operação da Polícia Federal num endereço do general Mauro Lourena Cid, em Niterói. Naquele mesmo dia, o governo federal, ofuscado pelo escândalo das joias, lançava os termos do novo PAC, no Rio — a versão do programa prevê R$ 1,68 trilhão de investimentos numa mescla de recursos da União e de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs). “Perguntei ao Lula por que ele tinha reserva em convidar economista ‘padrão’ para a Fazenda”, ele seguiu na entrevista. “E ele me disse que é porque eles são mais fieis à escola de pensamento deles do que ao governo. ‘E eu [Lula], às vezes, preciso tomar decisões que não cabem na caixinha. Então, prefiro alguém com senso prático.’” Pragmatismo: check. Lealdade: check. Não caber numa caixinha: check. A trajetória pública e partidária de Haddad indicava que ele conseguiria o emprego.

Mas havia muito mais em jogo. Lula assumia um país debilitado economicamente; tendo sido eleito sob uma frente ampla ao mesmo tempo em que seria cobrado a atender às demandas à esquerda; e precisando reconfigurar a relação do Executivo com o Legislativo. Haddad segue sua autoavaliação. Declara-se uma pessoa de esquerda, progressista. “Mas eu não acredito em Estado que deve, que não se importa com a dívida.” E, candidamente, afirmou que não consegue entender quem na esquerda defenda essa política. Seguindo seu perfil flexível, ressaltou que é evidente que há situações históricas em que o déficit se justifica, como numa pandemia, numa guerra. Mas, neste momento do Brasil pós-pandêmico, é preciso corrigir os abusos do governo anterior na busca pela reeleição e dar prumo às contas públicas. “Quando Lula me convidou para ser ministro da Fazenda, no Egito, decidi aceitar, porque eu estava com o diagnóstico do que precisava ser dito e feito para o Brasil. E qualquer coisa que saia desse roteiro vai colocar em risco o terceiro mandato do político mais importante da história deste país.”

Haddad é um ministro da Fazenda peculiar. É formado em Direito, mestre em Economia, doutor em Filosofia. E a própria insistência em não se encaixar numa única escola econômica o torna, para alguns, especialmente em tempos de simplificações sob medida para redes sociais, uma incógnita. Sua formação à esquerda seria preponderante demais para classificá-lo como liberal? E seu zelo fiscal o desqualificaria automaticamente como um representante da esquerda? “Quem tem uma postura dogmática em relação a uma escola de pensamento e não sai daquele quadrado nem quando as evidências demonstram, tem pouca sensibilidade. Não tenho nada contra a escola de pensamento econômico, transito por todas.” Ele já buscava se justificar em dezembro.

Agora, com oito meses corridos de ministério, algumas ideias do economista Haddad estão mais palpáveis. Para avaliá-las melhor, vale percorrer o trânsito que ele tem feito entre escolas. E suas aplicações em sua vida pública.

O marxista crítico

Haddad conta que despertou para temas econômicos a partir da militância estudantil e da presidência do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP. Esse relato está nos agradecimentos de sua tese de mestrado em Economia, defendida no dia 19 de outubro de 1990, e intitulada “O debate sobre o caráter socioeconômico do sistema soviético”. Trata-se de um sobrevoo crítico sobre teorias para tentar determinar o modelo econômico da União Soviética no cerne do processo da Perestroika, iniciado em 1985. E uma tentativa de apontar que nenhuma delas definia integralmente o sistema naquele momento de transição. Numa análise instantânea, estava impressa ali a pulsão haddadiana de questionar os enquadramentos clássicos, pré-estabelecidos. Nos agradecimentos, Haddad menciona, entre outros, Alexandre Schwartsman, que viria a ser presidente do Banco Central, é voz corrente do liberalismo e hoje é duro crítico da condução do ministro. Para o Haddad que se graduava no mestrado, Schwartsman foi descrito como “amigo”, testemunho da convivência acadêmica, próxima e respeitosa, com o contraditório.

O DNA dessa faceta de Haddad está mesmo na crítica. Embora sua formação seja marxista, foram os frankfurtianos Theodore Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin os autores que mais o influenciaram. A economista Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia e Administração da USP e amiga de Haddad há mais de 30 anos, editou com ele por alguns anos, no fim da década de 1990, a revista Praga, de estudos do marxismo. A publicação, criada pelo filósofo Paulo Arantes (orientador do doutorado de Haddad) e que chegou a divulgar textos inéditos de Che Guevara, Antonio Candido e Caio Prado Jr., era não uma defesa do socialismo, mas já um momento posterior, crítico do capitalismo, dado por vencedor em seu formato mais perigoso, o neoliberalismo. Leda explica que o marxismo de Haddad não é “de cartilha”. “É aberto, marchando sempre com a democracia, mas preservando muito do que Marx detectou com imensa precisão sobre o funcionamento do capitalismo e desligado do autoritarismo aplicado pelo stalinismo.”

Talvez decorra dessa leitura a proposta que Haddad lhe contou ter feito a Lula. Em nome de garantir que esse governo seja bem-sucedido o suficiente na economia, “ele disse ao presidente que faria o papel de ‘patinho feio’ para a esquerda, se precisasse, para manter o fascismo afastado”, relata a professora. Na prática, isso se revela no fato de que ele encampou o arcabouço fiscal. Para ela, é mais por Haddad entender que essa era uma imposição política, de décadas de um discurso pró-austeridade, do que fruto de convicção. “Uma coisa é reconhecer a trajetória de dívidas paralisantes. Outra é achar que se não fizer superávit primário não existe país”, diz Leda. “Tenho certeza de que ele concorda que, existindo Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF) e regra de ouro, o arcabouço é uma camisa de força que não precisaríamos estar vestindo. Mas, como ministro, ele não pode dizer isso.”

Como ministro, publicamente, o que ele diz é que o arcabouço, que formulou em conjunto com Simone Tebet, ministra do Planejamento, é um avanço. “Nós estudamos 29 países para construir o texto, que depois foi aperfeiçoado no Congresso. Ali, tem um teto móvel, que é uma regra de gasto mais inteligente e uma vantagem sobre a antiga LRF. E tem uma coisa resgatada da LRF, que é a meta de resultado primário. Juntamos as duas coisas. Foi isso que comoveu as agências de risco”, ele defendeu na entrevista ao Reconversa. O presidente Lula sancionou na quinta-feira, com vetos (que devem cair), o texto do arcabouço — entregue ao Congresso meses antes do prometido na PEC da Transição. Na apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2024, Haddad e Simone estavam lado a lado, celebrando esses dois ajustes aprovados pelos parlamentares. Junto com a reforma tributária, essas medidas, que mostram o compromisso fiscal do governo, foram essenciais para o início do processo de corte de juros, iniciado — tardiamente, na visão do próprio Haddad — na última reunião do Copom. Essa agenda do governo foi reconhecida pela agência de classificação de risco Fitch e pela S&P Global Ratings.

O fiscalista

Pode ser que o rigor fiscal de Haddad seja uma imposição política, como diz Leda. Mas há pistas de que venha também de experiências passadas. Num plano mais pessoal, Haddad costuma dizer que aprendeu mais economia na 25 de Março do que na academia. Ele trabalhou na loja do pai, Khalil Haddad, que emigrou do Líbano em 1947 e se estabeleceu como comerciante no coração de São Paulo. “O pai dele é imigrante, ele tem essa vivência de gente que chegou aqui sem muito dinheiro. Tem um conservadorismo financeiro aí. Ele já trabalhou em balcão e fechou caixa no final do dia. Viu o que acontece quando você fica sem crédito. É claro que a economia de um país é diferente da de uma loja, mas, em situações de crise, muitas vezes, as diferenças diminuem bem”, diz Samuel Pessôa, pesquisador do FGV/IBRE e chefe de pesquisa econômica da Julius Baer. Pessôa foi colega de Haddad no colégio e também no mestrado na USP.

Já na administração pública, um outro episódio, quiçá traumático, reforçou o zelo de Haddad por um caixa bem administrado. No dia seguinte à chegada de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, em 2001, vencia um boleto de uma dívida muitíssimo mal negociada pelo antecessor, Celso Pitta. Haddad era, junto com Leda Paulani, parte da equipe do secretário de Finanças, João Sayad. A fatura era de um valor próximo a R$ 1 bilhão. Nos cofres, havia coisa de R$ 2 milhões. A situação era tão crítica que nem a conta de luz a prefeitura podia pagar. Ficou evidente ali como uma situação de dívida sufoca o orçamento e as ações sociais que ele poderia patrocinar. Quando mais tarde assumiu ele próprio a prefeitura da cidade, uma de suas prioridades foi renegociar essa dívida com a União. E ele conseguiu — com o custo de popularidade que prioridades desse tipo costumam carregar. Reduziu de R$ 79 bilhões para R$ 29 bilhões. “Com muita conversa, como é de seu estilo”, relembra Leda, que foi também sua secretária de Orçamento e Planejamento. Novamente, a administração da economia de uma cidade é bem diferente da de um país, em que se tem as políticas fiscal, monetária e cambial para trabalhar. Ainda assim, há pistas deixadas por essas escolhas.

Para Pessôa, um liberal, a heterodoxia brasileira tem uma interpretação excessivamente otimista da contribuição do britânico John Maynard Keynes. Keynes jamais afirmou que o gasto público tem uma capacidade muito grande de alavancar o crescimento e, no limite, se autofinanciar. Já Haddad teria uma visão mais conservadora em relação à política fiscal, uma preocupação com a estabilidade e solidez do setor público, necessárias para a entrega de políticas públicas. “Minha impressão é de que o Haddad é uma pessoa que tem uma preocupação fiscal genuína. Acho que por isso é chamado de ‘o mais tucano dos petistas’”, afirma. Já Leda Paulani, da escola oposta à de Pessôa, define o amigo como um “otimista” mesmo, mas também um iluminista puro, para quem a razão sempre prevalece. Em comum, Leda e Samuel — assim como todos os próximos de Haddad — têm uma coisa: todos o chamam de Fernando.

Essa flexibilidade (ou trânsito, para ficar nos termos do ministro) ficou evidente no período em que Haddad lecionou no Insper, escola de negócios e administração próxima do liberalismo. O ministro foi convidado, em 2016, a ajudar a montar o mestrado em Gestão Pública. Licenciou-se da USP e, curiosamente, aproximou-se de Sandro Cabral, coordenador do curso, da mesmíssima forma que havia cercado Leda Paulani. A amiga ele abordou numa cafeteria perguntando sobre sua tese de doutorado a respeito do conceito de dinheiro. O novo amigo, em sua sala, também convidando para um café para discutir o livro Capitalismo de Laços, de Sérgio Lazzarini. A curiosidade intelectual de Haddad é traço fundamental do ministro difícil de enquadrar. É o que rende algumas soluções além-rótulos. Cabral dá o exemplo das Parcerias Público-Privadas, um dos temas das aulas de Haddad no Insper. “O embrião do texto da lei das PPPs é dele. Foi inspirado na taxa do lixo em São Paulo, uma solução engenhosa pra garantir o serviço público, respeitando a lei de concessões.” Haddad era, então, membro da equipe de Guido Mantega no Ministério do Planejamento do governo Lula 1. Chegou a confidenciar para o amigo que a primeira versão do texto era mais “anglo-saxã” do que a que emplacou. Ou seja, mais liberal.

A esquerda, diz Cabral, abraçou as PPPs como instrumento de investimentos em infraestrutura e até gestão de prisões. “Basta ver os governos da Bahia, o Wellington Dias no Piauí”, aponta. O próprio ProUni, na visão dele, é nada mais que um sistema de voucher, “mais liberal impossível”. Isso quer dizer que Haddad é, então, um liberal? “Ele sabe que é importante fazer reserva, ter colchão para intempéries. Tem compromissos de afeto com a esquerda, seu grupo de referência, que evita desagradar. Mas admitia que concordava com Alckmin em 70% das pautas.” Os outros 30%, talvez mais na seara dos costumes, é que os mantinham em partidos diferentes. E, embora formalmente isso permaneça, eles estão mais próximos do que nunca, numa ponte construída pelo próprio Haddad. Dependendo da lente, dá para dizer até que Alckmin anda à esquerda de Haddad, hoje. Cabral tenta resumir se Haddad é liberal ou de esquerda, afinal. “Ele tem mais preocupações sociais do que a esquerda pensa. E mais convicções de como conciliar mecanismos de mercado na gestão pública do que os liberais pensam.”

A gestão como ministro mostra que Haddad tem capacidade de lidar com os dilemas econômicos sem tanta rigidez, incorporando dimensões que muitos petistas tachariam de neoliberais. “Isso é um dos aspectos positivos politicamente”, analisa o cientista político José Álvaro Moisés, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP — e um dos avaliadores da tese de mestrado de Haddad. Eles foram contemporâneos de PT no comecinho do partido. Moisés deixou a legenda em 1989, quando já ocupava cargos diretivos, mas lembra do rapaz que fazia oposição à corrente dominante no partido, pela esquerda. “Mais do que essa abertura, Haddad amadureceu as visões do PT sobre desigualdades. Faz um tremendo esforço para enfrentá-las, insiste na tese central do Lula. Mas, para isso, vai precisar de tempo para dizer de onde vão sair os recursos.”

O político

Para enfrentar o desafio descrito por Moisés, e garantir o trânsito entre o fiscalista e o marxista crítico, o ministro precisa primordialmente de dinheiro e apoio político. Só isso. Tudo isso. E, aí, a tendência a recorrer a mecanismos que se encaixam mais no protecionismo da esquerda é imensa. O governo tem estudado, por exemplo, um imposto de importação mínimo de 20% para encomendas internacionais. Como não quer reduzir os gastos, precisa aumentar a arrecadação. Nada mais impopular. Mas naquele discurso de segunda-feira, o do Robin Hood, Haddad mostrou suas cartas nessa frente. Ao falar da sua “profunda consideração” pelo Congresso e da espera por “parceria” e “respeito”, o ministro reivindicou o reconhecimento de que sabe articular. No primeiro semestre, Haddad não poupou esforços para fazer aquele meio de campo com deputados, senadores, prefeitos e governadores. Resultado: apesar das rusgas do Planalto com o Centrão de Lira, o governo conseguiu aprovar toda pauta.

Esse empenho tornou Haddad um favorito do Congresso. Com mais prestígio entre deputados e senadores do que a chamada “cozinha” do Planalto, que tem os ministros Alexandre Padilha e Rui Costa na dianteira. Os líderes de partidos do Centrão na Câmara o têm em alta conta. Chegam a pintá-lo como um “ministro da Fazenda articulador”. E se tem uma coisa que não dá para poupar na administração pública é atenção para parlamentar “carente”. “Ele passa o celular e pede pra ligar a qualquer momento. Ele está sempre disposto a receber relatores de matéria de interesse do governo em seu gabinete. Tem deputado que nunca havia pisado na Fazenda”, disse um interlocutor de Lira. O telefone de Rui Costa, da Casa Civil, por exemplo, tem deputado que não tem.

Para sua equipe, Haddad deu ordem direta de atender bem os parlamentares. A orientação passada no início do ano para o ex-secretário executivo Gabriel Galípolo — hoje diretor de Política Monetária do Banco Central — é a mesma repassada a seu substituto, Dario Durigan. “Essa não era a imagem que a classe política, principalmente representantes do Centrão, tinham dele”, derrete-se o representante do Lirismo. Mais que atender o telefone, Haddad tem se mostrado sensível às questões dos deputados. Ele sabe que, sem emendas, ninguém se reelege e se mostra disposto a acomodar algumas demandas nas destinações orçamentárias.

Só que o suspense em torno da troca de ministros não ajuda essa articulação. Lula tem esticado a corda. Lira e seus aliados consideram que a demora na distribuição de cargos para os partidos não se trata de “batidas de cabeça” dentro do governo, mas de método. “Ganhar tempo” seria a palavra de ordem de Lula. Sem essa retaguarda, dizem os parlamentares, de nada valerá o esforço de Haddad. Para pressionar o governo, a Câmara pode colocar em votação a reforma administrativa, gestada por Paulo Guedes. Tudo que o governo não quer.

Fazer caber esse apetite por emendas e a gana petista por dinheiro pra investimento vai exigir pragmatismo, lealdade, não caber em caixinha, ser articulador e tudo mais que Haddad tiver a oferecer. Mas ele tem se mantido fiel à própria flexibilidade. Enfrentando a voz corrente em seu partido, seguiu defendendo déficit zero nas contas do governo para 2024. Déficit zero é, resumidamente, a equivalência entre receitas e despesas primárias. O Estado não gasta mais do que recebe. A presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, advoga abertamente que seja admitida a variação prevista no próprio arcabouço, que pode chegar a 0,25 ponto percentual sobre a receita. Para Gleisi, isso permitiria mais investimentos do Estado. Haddad discorda. Ele ecoa Simone, que garante que as estimativas da Receita estão conservadoras demais e a conta vai fechar. E está endossado por Lula. “O governo não vai mudar e vai tentar aprovar os projetos tributários”, disse o deputado petista Carlos Zarattini, coordenador do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO), ao Meio. Esses “projetos tributários” são os que miram no aumento da receita.

Enquanto isso, Haddad vai colhendo críticas, mas também resultados. Aumentou sua aceitação no mercado. O crescimento da economia no segundo trimestre superou as expectativas. Ao celebrar, comedidamente, o resultado, Haddad transitou. “Há ainda, com naturalidade, muitos questionamentos sobre como vai ser o ano de 2024.” Repisou o quanto precisa das medidas enviadas ao Congresso. E, então, repetiu a trinca que tem norteado suas explicações. “Só com crescimento podemos alcançar um equilíbrio fiscal, social e ambiental. Com o crescimento, tudo fica mais fácil.”

Crescimento não é trivial de produzir. O governo não depende só do ministro da Fazenda. Governo de frente ampla, que inclui esquerda desenvolvimentista, liberais salpicados e o Centrão fisiológico não tem como ser elementar na condução. O trabalho, para Fernando Haddad, só começou.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Fernando Henrique Cardoso: entrevista abrangente a Perfil - Jorge Fontevecchia (Argentina)

 EX PRESIDENTE DE BRASIL

Fernando Henrique Cardoso: "Hay momentos históricos que requieren que se actúe activamente hacia la igualdad"

Pocos políticos en el mundo tienen el orgullo de haber creado una moneda. El Plan Real constituyó un cambio cultural en Brasil y una transformación modernizadora. Hoy, a punto de cumplir los 90 años, expresa su mirada sobre Jair Bolsonaro: lo ve más en un centroderecha aspiracional de ciertos sectores medios que en un populismo. Sostiene que los gobiernos del mundo deben estar atentos a la creciente inequidad. Para él, el desafío es crecer en un contexto de políticos de centro, que sepan comprender las necesidades de las mayorías.

Perfil, 27/02/2021, 09:15

—¿Se puede pensar que el coronavirus es un evento de tal magnitud de nivel global que puede cambiar algo el funcionamiento y la dinámica de la política y la economía mundial?

—Hay mucho que cambiar. A despecho y quizás también en consecuencia de ese proceso de globalización, los países de todo el mundo están englobados en la misma economía, aun los que son de orientación más socialista. Todos están vinculados por el mercado global. Pero la pobreza es distinta en varios países, la situación política también. El desafío es cambiar, crear, desarrollar. Últimamente parece que la sociedad está menos volcada hacia los problemas de los pueblos. Leo el diario, observo las fotos y veo que en muchos países hay una situación tan mala como en muchos lugares de Brasil y de Latinoamérica. Hay mucho que cambiar, mucho que hacer. Ese es el sentido de por qué Nelson Mandela creó ese grupo de Elders para librarnos de asuntos que vayan más allá del interés político particular. Hay muchas otras organizaciones del mundo que se ocupan de mejorar las condiciones de vida. El desafío es grande.

—En un reportaje anterior, en 2017, usted dijo que había un populismo cuyo objetivo era volver al pasado. Se refería a los casos de Estados Unidos y de Francia. ¿Esa definición también cabría para el gobierno de Jair Bolsonaro?

—El autoritarismo es un rasgo. Pero hay libertad de prensa. La gente se va a dormir sin miedo. Cuando había un gobierno que era realmente de derecha o autoritario era distinto, se percibiría el miedo. Eso no existe aquí. En este momento hay niveles de libertad más grandes, no solamente acá sino que en todas partes. Sin embargo, eso no nos deja tranquilos. Aquí en Brasil había un político que se llamó Otavio Mangabeira que solía decir que la democracia es como una planta que debe ser regada todos los días. Hay que cuidar siempre a la democracia, la libertad, la salud de las personas, del pueblo, la educación. Eso nunca se dará de forma automática. Es algo que siempre debe ser preservado. Tenemos libertad. Hay que impedir que los gobiernos se vuelquen solamente a sus intereses de poder. Fui presidente durante muchos años. Los acuerdos no son fáciles, pero creo que el compromiso de las buenas intenciones y mantener las reglas del juego es muy importante. Por suerte para nosotros, en Brasil y en América Latina ya es parte de nuestra cultura. Ojalá no me equivoque. No se pueden decir nunca estas cosas de manera taxativa. No hay que dormirse pensando que las cosas ya están hechas. Son temas que deben cuidarse particularmente.

—Usted también nos dijo en su momento que la Constitución del 88 dibujaba para Brasil un futuro socialdemócrata. ¿Qué quedó de ese proyecto de refundación de Brasil teniendo en cuenta estos años de Bolsonaro?

—Fui partícipe de esta Constitución. Fui uno de los redactores de la Constitución. Formamos el PSDB, Partido de la Socialdemocracia. Fue el final de un proceso de transformaciones para el cual el tiempo pasaba políticamente. ¿Qué significa ser un régimen socialdemócrata? Para empezar, normalmente en la socialdemocracia se convive con las reglas de mercado. Pero no es eso lo que la distingue de otros países, sino la preocupación por los que menos tienen o por los desheredados. En sociedades organizadas, como en Europa, son partidos que presionan al gobierno y cuando llegan al poder tienen una visión más arraigada en los intereses populares. En países como los nuestros hay todavía mucho espacio para la democracia demagógica. Gente que habla pero no hace. Aun así convencen. No caracterizaría el presidente actual de Brasil como un demagogo, no es una persona que habla a las masas, no tiene esa capacidad personal o esa orientación política. No me gusta mucho calificar a los gobiernos, pero de todas maneras me parece el de Jair Bolsonaro es de centroderecha. Mantiene las reglas del juego. La gente se puede expresar, puede hablar, no tiene medio. Pero tiene menos preocupación por el área social, algo sumamente necesario para un país como el nuestro. También cree demasiado en las fuerzas del mercado. Que el mercado por sí mismo es capaz de recuperar la energía acaso perdida. Chile tiene mucha inversión privada, sin embargo, es un país que depende mucho de la conducción económica. Y en ese contexto el ahorro público ocupa un lugar importante. Y es algo que cuidan los gobiernos socialdemócratas. El populismo es para mí más de derecha. En el pasado se lo vinculaba a las izquierdas, porque la base estaba en la inclusión de las personas. Ahora que está en el poder, no se preocupa tanto por la inclusión. Se preocupa más por la orientación económica, que tiene que ver con beneficiar a los que son dueños del poder, quienes tienen el dinero. No creo que se pueda definir de forma igual al populismo en todas partes. Se habla con mucha libertad del tema, sin demasiado rigor. Y no se puede comparar a Getúlio Vargas con João Goulart o con Juan Perón en la región, donde se dio la discusión sobre si realmente algunos de ellos fueron gobiernos autoritarios.

"A Bolsonaro le preocupa más vencer que convencer."

—¿A Lula también lo colocaría dentro del populismo?

—No creo. Lula tiene otra formación, Lula viene de un sindicato. Su partido nació muy vinculado a la clase obrera. Lo conocí cuando era un representante de los trabajadores. Aunque su partido en el poder tuvo elementos comunes con otros, tuvo una característica: su interés por las mayorías. Lo cual no quiere decir que haya tenido una visión socialista. No creo que jamás haya sido su perspectiva. Tampoco lo definiría como populista. Era un partido que aceptaba las reglas de la libertad.

—¿Jair Bolsonaro intentó imitar a Donald Trump en la gestión de la crisis sanitaria?

—Creo que no es el mismo fenómeno. Bolsonaro se erigió en base a una retórica muy anti PT, contra el partido de Lula. En algún momento se agotó un modelo. Bolsonaro se aprovechó de eso para reprogramar en función de los que tienen más plata. No fue enunciado así, pero en el fondo se trató de eso. Organizar el Estado de esa manera, siempre dentro del juego democrático. No es un populista tradicional. No tiene un apego real a las masas. La visión de Bolsonaro corresponde a los intereses de las clases dominantes, pero no es que él pertenezca a esas clases. Es un capitán del ejército que más bien tiene una actitud suburbana. Yo lo siento más bien perdido en el mundo del poder, en ese laberinto. Y no solo habla de modo directo al pueblo. No creo que tenga la misma capacidad de imantación que tuvieron los líderes populistas tradicionales. Es parte de su bagaje personal, aunque está claro que a él le gustaría ser un mito. Cosa que, para su desgracia, no es. Es un hombre más bien sencillo, común, que dice lo que le da la gana con mucha libertad de expresión. Su modo de hablar no tiene mucho que ver con las capas dominantes tradicionales, más bien se parece al de las capas medias en ascensión. Pero no creo que se caracterice por el populismo. El populismo está siempre presente en la región nuestra. Tiene una tradición y un arraigo. Se precisa de alguien que por su capacidad expresiva engañe al pueblo. No creo que sea el caso de Bolsonaro. Es verdad que no tiene una vinculación partidista definida en serio. Nació como un anti PT, dentro de las reglas convencionales.

Jorge Fontevecchia entrevista a Fernando Cardozo-Pablo Cuarterolo 20210204
LULA. "Viene de un sindicato. Su partido nació muy vinculado a la clase obrera. Su partido en el poder tuvo elementos comunes con otros partidos: su interés por las mayorías". FOTO: Pablo Cuarterolo.

—Habló de la capacidad de imantar de los populistas. Néstor Kirchner no tenía ese don. Pero Cristina, sí. Hugo Chávez tenía esa capacidad. ¿Hay algo análogo al flautista de Hamelin en un populista, que con el sonido puede llevar a las masas?

—No solamente eso. Son líderes que no tienen mucho arraigo a las organizaciones partidistas, más bien a la propia. Algunos no tienen partido. Pero Juan Perón sí tuvo partido. Getúlio Vargas tuvo en cierto momento un partido. No tiene que ser solamente eso. Pero la política populista encierra una cierta capacidad de engañar a las masas. Tienen la sensación de que son ellos los portadores del poder y cuando hablan se dirigen directamente a las masas. Bolsonaro no llega a tanto. No creo que se pueda caracterizar como un populista. Hay algo en su persona que le funciona como límite para representar personalmente a las mayorías. Los líderes populistas son capaces de simbolizar. Simbolizan a la patria a través de sí mismos. Son como banderas. No es el caso. Aquí estamos frente a un político más tradicional. El populista siente que representa a la masa, en contra de los partidos existentes. No hay una lucha del presidente contra el sistema de partidos. Hay un respeto por el esquema tradicional.

—Las recientes elecciones de medio término dieron malos resultados tanto a Bolsonaro como al PT. ¿Qué indica de cara a 2022, cuando habrá elección presidencial?

—En Brasil la gente se orienta más por personas que por partidos. Alguien tiene que simbolizar, lo que no significa que los partidos no tienen peso. Uno de los problemas de la democracia brasileña es que los partidos dan la impresión de que son débiles. En general lo son, pero son importantes para la campaña electoral y son muy importantes en el Congreso. El presidente tiene una base partidista en el Congreso y simultáneamente reclama la representación del pueblo. Busca ese contacto directo sin la participación de los agentes tradicionales. Bolsonaro instintivamente busca apoyo. En este momento hizo una gran alianza en el Congreso con las fuerzas que existen allí. Hay de todo, pero hay fuerzas que quieren saquear. Hay algo en la organización que lleva a que quien ocupe el gobierno no busque otra cosa que no sea beneficiarse con el poder. Bolsonaro parecería tener una visión de otra naturaleza. Yo no lo conozco siquiera, pero su modo de actuar es el de una persona de las clases medias que quiere el bien de su pueblo y no sabe cómo lograrlo. Es mucho más una falta de adaptación de su persona a la situación política de Brasil. Está acostumbrado a liderar, pero lo hace dando órdenes a los sargentos o a los soldados. No es un hombre acostumbrado a convencer. Etimológicamente, convencer es vencer juntos. Es un político tradicional que no se percata de la importancia de los partidos tradicionales del juego democracia. Sí sabe la importancia de los medios de comunicación. Los utiliza. Habla con los periodistas. Es un sistema que usa para expresar sus ideas. No tiene el estilo de los populistas de derecha de Europa, que sí tienen la capacidad de convencer. Y de esa manera atraen. Bolsonaro no actúa así. Cuando yo tenía un problema, tomaba el teléfono y hablaba con mis colegas, con otros políticos de la región. Y de afuera también. Yo no veo que él tenga esa intimidad con el poder de los demás países. Lo que tenía por Trump era una admiración un poco ingenua. Los países tienen intereses. Puede haber vínculos personales, pero a sabiendas de que los países tienen intereses. Bolsonaro actuaba como un fan de Trump. Pero no se daba cuenta de que es el presidente de los Estados Unidos y defendía los intereses de ese país. Da la sensación de que a Bolsonaro le gustaría más tratar con personas del estilo de Donald Trump que del de Joe Biden. En mis tiempos de presidente yo me llevaba bien con Bill Clinton. Conocí a los Bush, al padre y al hijo, a quienes respetaba porque eran presidentes. Pero no me sentía tan a gusto con ellos como con Clinton, porque mi inclinación quizás sea más para los demócratas que para los republicanos. Cuando uno es presidente, el interés es el de país. Lo mismo me pasó con Argentina. Tuve una buena relación con Carlos Menem, con Raúl Alfonsín y con otros muchos. Sabíamos que cuando nos sentábamos a una mesa a conversar lo hacíamos con unos objetivos. Ojalá nos pudiéramos poner de acuerdo, tener coincidencias. Por suerte tenemos más coincidencias que conflictos. Lo mismo con otros países de la región. Pero no es necesariamente lo que sucede en las relaciones internacionales. Uno sabe que representa unos intereses.

"El centro político tiene que estar atento a las necesidades de las mayorías."

—En la Argentina se habla mucho del lawfare. En Brasil también se habló en algunos círculos del PT a partir de la condena que impidió que Lula fuera candidato a presidente. ¿Cuál es su propia visión del lawfare, del Lava Jato, de la acción de Sergio Moro?

—No tengo relación personal con Lula. Lo conocí cuando era un líder obrero en San Pablo. Pero nunca tuve cercanía política con él, nunca, ni con el PT. Muchos amigos míos se fueron al PT, pero no fue mi decisión. En mi caso fue lo contrario. Pero en general la Justicia se basa en hechos. Es muy poco probable que se condene a alguien sin que exista algo que lleve a tal condenación. No quiero avanzar en cómo fueron los hechos, porque respeto a sus partidarios, a quienes les gustaría cancelar el pasado pensando que Lula no hizo nada. No creo que sea así. No me gusta su condición actual. Lo conocí como un hombre libre, como un presidente. Preferiría que la situación sea otra. Pero no creo que la Justicia haya actuado en su contra. Ojalá estuviera engañado, pero creo que la Justicia actuó en base a elementos. El sistema de Justicia en Brasil es bastante abierto. Es posible apelar en varios tribunales. Todavía hay decisiones de la Corte que pueden afectar al proceso contra Lula. Seguramente él se apoye en esto para avanzar. No tengo ningún placer personal en que alguien que se dedicó a la política vaya preso. Pero cuando se transgrede la ley no queda otra alternativa.

—¿Fue justo el impeachment a Dilma Rousseff?

—El impeachment es algo que está en la Constitución. Nunca fui partidario del impeachment. Voy a dar otro ejemplo. El presidente era Fernando Collor de Mello, yo no era senador entonces. Un impeachment implica un trauma para el país. Consiste en sacar a alguien que fue elegido por el pueblo y nombrar al vicepresidente, que también fue elegido, pero del que el pueblo tiene un conocimiento menor. La gente no se percata al votar a un vicepresidente de que eventualmente puede ser presidente. Pero cuando se hace el juicio en el Congreso, es preciso tener una cierta base, un elemento constitucional para argumentar. Con Dilma me da mucha lástima, porque no tengo nada personal contra ella, pero el Congreso se convenció con razones efectivas. También es cierto que actuaron fuerzas reaccionarias, de derecha, para ir en contra de alguien que tiene una posición distinta. Pero hay hechos. Cuando se llega a una decisión tan rotunda tomada por el Congreso, no es que se actúa de acuerdo a un rumor, o a un deseo. Evidentemente hay cosas que están fuera de la ley. En muy difícil que en la dinámica del Congreso se forme una mayoría con el único fin de cambiar a quien está en el poder. Si fuera posible evitar el impeachment es mejor. Porque eso deja una marca fuerte en la población. La gente queda con una marca. Habitualmente los presidentes cometen errores.

Jorge Fontevecchia entrevista a Fernando Cardozo-Pablo Cuarterolo 20210204
BOLSONARO. "Es un hombre más bien sencillo, común. Su modo de hablar no tiene mucho que ver con las capas dominantes tradicionales. Se parece al de las capas medias en ascensión". FOTO: Pablo Cuarterolo.

—¿El cambio tanto de presidente del Senado como de Diputados aleja la posibilidad de un impeachment sobre Jair Bolsonaro?

—No voté por Bolsonaro. Todo el mundo lo sabe. Pero no creo que haya razones objetivas para un impeachment. Sí hay un sentimiento que se agudiza en la población y se genera una pérdida de condiciones objetivas para gobernar. Sé que hay movimientos que van hacia un impeachment. Pero, como le dije al comienzo, creo que es un camino arriesgado. Deja marcas fuertes. Si las dejó en el caso de Dilma, también podría suceder aquí. No veo de qué manera se puede decir que objetivamente Bolsonaro está incapacitado para regir su poder.

"En Brasil la gente se orienta más por personas que por partidos."

—¿Cómo evalúa usted la economía del ministro Paulo Guedes. En la Argentina se lo ve como el último Chicago Boy.

—No discrepo con cómo se lo ve en la Argentina. Es una persona que tiene una cierta obsesión por los mercados, que no creo que sea justificable en el caso brasileño. Está claro que existe el mercado, que la economía es de mercado. Pero también están las personas que entran en el mercado. Son sectores muy influenciados por lo que hace el gobierno, por las acciones concretas. Creo que los Chicago Boys no son realistas. Defienden de tal modo la economía de mercado que los transforma en víctimas de sí mismos. La realidad impone otro tipo de actividades. Nuestro ministro de Hacienda me parece una persona poco preparada políticamente, que cree demasiado en sus axiomas, en sus dogmas. Gobernar un país como el nuestro requiere un poco más de sensibilidad hacia la gente, hacia el pueblo. No basta con mirar el mercado. Es obvio que no se lo puede perder de vista. Fui ministro de Finanzas en una época de inflación. Y en un contexto así hay que mirar el gasto para controlarla. El futuro no depende solo del mercado. También se debe a la integración del pueblo en un sentimiento. Pero no lo conozco. Me baso en lo que veo y en lo que fui escuchando.

—En el reportaje de 2017 Mauricio Macri era presidente en la Argentina. Usted me decía que le parecía importante priorizar la inversión sobre el consumo. ¿A qué atribuye el fracaso de su gestión económica? ¿Guarda algún vínculo con lo que decía sobre Paulo Guedes?

—Fue una familia de problemas. Me da mucha pena lo que pasó en la Argentina, porque me considero un argentinófilo. Es algo que sabe mucha gente. Creo esencial que exista una relación con Argentina. Y que el progreso de Argentina es importante para nosotros. Creo que algunos presidentes argentinos no se dieron cuenta de que se requiere que no haya una actitud únicamente hiperconectada a los mercados. Conozco bien a Macri. Y creo que se dejó llevar por una óptica más parecida a la que se da aquí. Es cierto que hay que estar atentos a los procesos que se producen en el mundo. Pero en el contexto de una recesión, la Nación también debe estar presente. Como ministro y presidente respeté las necesidades del mercado. Pero hay momentos que requieren otro tipo de acciones. Estar atentos a lo que la gente requiere con un cierto equilibrio. No se trata de ser solo economicistas. Sé que las reglas económicas son importantes, dediqué mucho tiempo a estudiarlas. Pero también sé que lo más importante de todo es la vida. Cuando se actúa en política con una idea preconcebida sobre las cosas, no funciona.

—Usted escribió: “No habrá democracia si sigue existiendo la desigualdad. Hay que establecer consensos. Los países deben crecer para distribuir mejor. Confío en la energía de las nuevas generaciones para ir por ese camino. Ellos tienen un horizonte. Deben luchar por terminar con la pobreza y la desigualdad”. ¿Con el coronavirus se agotó el ciclo del neoliberalismo y el crecimiento del futuro va a tener que contemplar estrategias igualadoras?

—La crisis actual del coronavirus desnuda la realidad. Vivo en un barrio de clase media alta de San Pablo. Hay unas escaleras. Miro desde mi ventana y veo que hay una persona que vive allí. Y si usted va hacia el centro de San Pablo verá que hay más personas que se encuentran en esa situación. Eso no está bien. No es un buen augurio para el futuro del país. El país va mejor cuando la gente encuentra trabajo. Aquí hay un 14% de la población sin empleo. Sé que la economía capitalista es cíclica. Y en un momento negativo hay que cuidar de la gente. La economía no sale a flote sola, sin ayudas. Por suerte, tenemos empresarios que ponen sus ahorros y toman crédito para que vayan al sector productivo. Eso es fundamental. Pero en un contexto de desigualdad todo queda muy pequeño. Aquí se disminuyó la desigualdad. Si uno mira el pasado, con la esclavitud que hubo en Brasil, el contexto era de una desigualdad brutal. En la época de mis bisabuelos había esclavitud. Es algo que se desarrolló durante muchos años. Creo que se llegó a una situación en la que se acepta la desigualdad como algo natural. Es algo que a la larga perjudica. Si uno va a los Estados Unidos o a Europa, son capitalismos, con niveles de desigualdad, sí, pero no tienen los niveles de pobreza que tenemos aquí. Esta pobreza es un peso muerto que impide un crecimiento más igualitario. Si uno va a Buenos Aires, hay menos pobreza que aquí. Aquí la pobreza pesa. Y pesa mucho. Por eso, no basta mirar solo a los mercados. Hay que mirar también la realidad de las personas. Hay que hacer políticas activas al respecto. No solo se trata de enfatizar en la educación, que sin dudas es muy importante. También hay que generar políticas de estímulo a la creación de empleo. Los gobiernos a veces las llevan adelante con cierta vergüenza, porque sus ministros tienen la teoría de que no debe ser así. Hay momentos que requieren que se actúe activamente hacia la igualdad. La igualdad no brota por sí misma, no es una flor de la naturaleza. Hay que trabajar mucho hacia una sociedad más igualitaria. Sin eso no se va más hacia adelante.

"La gente no se percata al votar a un vicepresidente de que eventualmente puede ser presidente."

—Pocos presidentes tienen el honor de haber inventado una de las diez monedas más importantes del planeta, como usted con el real. ¿Cómo será la recuperación económica del mundo después del coronavirus? ¿Una famosa V, una U, una L?

—Mi trabajo, aun cuando se desarrolló en el ámbito académico, fue siempre con un sesgo hacia el realismo. Anhelaría que la recuperación sea en forma de V, pero es poco probable. Probablemente se trate de una U. En la situación en la que estamos, no se pasa a la prosperidad así nomás. Se necesitan esfuerzos. No solo de los empresarios. También es clave la acción gubernamental. Los políticos tienen mucha dificultad para comprender su rol en situaciones como esta. Piensan que todo se puede resolver con cuestiones ideológicas. Y no es así. Se precisa tener un cierto conocimiento de la realidad. Como nadie tiene todo el conocimiento, es necesario formar equipos. Menciona al Plan Real. Era una situación particularmente compleja. Y lo que decidí fue llamar a los que sabían. No tuve miedo de convocar a los conocedores. El Plan Real no es una obra mía, sino de un equipo. Y siempre subrayé que era así. Que éramos muchos. Mi tarea en ese contexto fue la de explicar. Tanto al Congreso como al mismo gobierno y al pueblo; la tarea fue explicar qué era lo que se debía hacer. Estamos en una situación comparable a la del pasado. No hay inflación ahora. Pero sí hay mucho desempleo. Hay que buscar entonces a personas que sean competentes y juntarlas

—¿Sería necesario algo tan grande como un Plan Real que cambió la inflación, un nuevo plan antidesempleo?

—Sería importante un plan de recuperación del crecimiento, de más capitalización en el país y de mayor empleo. Y ese es un problema complicado porque estamos frente a un cambio tecnológico muy fuerte. En países como Brasil, con mucha población, será muy complejo ofrecer empleo para tanta gente. Una opción es la agricultura. La agricultura brasileña, como la Argentina, vende bien. China es uno de los mercados. El problema es el sector industrial. La tecnología. Ahí costará tener una recuperación. Es un problema llegar a mejores niveles de creatividad. Se necesita el esfuerzo de la universidad. Se necesita un plan intensivo que no solo se plantee la recuperación de la economía, sino que ofrezca oportunidades de trabajo a la gente. Y que nos lleve a una situación de menos desigualdad.

"Pese a que la economía es global, hay mucho por hacer en materia de pobreza."

—Usted fue en el siglo XX uno de los principales intelectuales que vieron la teoría de la dependencia latinoamericana, junto al argentino Raúl Prebisch. Tanto en Brasil como en Argentina hay una reprimarización de las exportaciones sobre materias primas. ¿Hoy usted pensaría distinto respecto de la importancia que tiene la producción de materias primas en relación con lo industrial?

—Trabajé con Prebisch. ¿Qué hizo? Se fue a Europa para acelerar el concepto de integración comercial. Era necesario para Argentina. También para otros países, como el nuestro. Prebisch sabía que había mucha desigualdad en el intercambio y luchaba para que hubiera una situación más favorable. Hoy cambió la situación. Brasil era un país mucho menos industrializado de lo que es hoy. Tuvo mucho menos competencia específica. Hemos progresado. No tanto como ciertos países de Asia, Europa o Estados Unidos. Sin embargo, creo que llegó el momento de organizar un poco más nuestro sistema de vida. La exportación de mercancías primarias es importante. También para Argentina, que tiene productos como el trigo, además del ganado vacuno. Hay compradores como China, una gran importadora, como los Estados Unidos o Europa mismo. No es necesario destruir esa base de riqueza. Pero es necesario comprender que no resulta suficiente, que no basta para dar empleo a la gente. Para eso se necesita el sector terciario: la salud pública, la educación. Eso es lo que produce empleo. Hay que mirarlo en simultáneo con el intercambio, con el comercio. Es muy importante no perderlo de vista. Hoy en día está todo muy integrado. En la época de Perón, por ejemplo, el ideal era que todo lo que se consumiera en Argentina fuera producido en el país. Pero ahora no es más así. Se requieren políticas que comprendan cómo es la situación del mundo. Que se entienda cómo es la realidad que enfrentamos. Si no, le quitaremos oportunidades a mucha gente. No soy pesimista. Estoy por cumplir 90 años. Vi muchos cambios en la región, muy profundos. El cambio depende de contagiar el entusiasmo. Hubo un presidente de Brasil, Juscelino Kubitschek, que llegó con ideas completamente nuevas. Como traer la industria automotriz al país, hacer barcos en Brasil, la creación de Brasilia. Era un sueño, sin dudas. Pero fue un sueño que motivó a las personas. Era un sueño con los pies en la tierra, tenía una base, pero consiguieron motivar. Tener propuestas es lo que hace que los pueblos se lancen a la aventura. El mundo no es el de mi época. Está mucho más globalizado e integrado. Entonces, Brasil y Argentina tienen que sacar ventaja. Ventaja de lo que necesitan Estados Unidos, China y Europa, por hablar de los más visibles. También debemos de trabajar en conjunto con ese mundo. No hay otro modo que no sea la integración mundial. Sabiendo que se necesita sumar a todo eso una dosis importantes de políticas sociales, políticas públicas. Tanto el Estado como el mercado son palancas importantes. Se necesita de ambas.

Jorge Fontevecchia entrevista a Fernando Cardozo-Pablo Cuarterolo 20210204
LAWFARE. "En general, la Justicia se basa en hechos. Es muy poco probable que se condene a alguien sin que exista algo que lleve a tal condenación". FOTO: Pablo Cuarterolo.

—¿China ocupará en la pospandemia un rol de hegemonía mundial? Y si es así, ¿cómo incidirá en la economía de nuestra región?

 —No sé si eso va a pasar. Depende de cómo reaccione Estados Unidos ante eso. No hay que menospreciar la fuerza que tiene Estados Unidos. Ni la de Alemania o Francia. Creo que el desarrollo de China es beneficioso para los países que están en crecimiento. Nos brinda una oportunidad. Para nosotros es necesario convivir con todos ellos. Convivir significa que haya paz, pero también, y esencialmente, que haya intercambio económico. El gobierno actual comenzó con mucho entusiasmo con Estados Unidos, pero las vacunas que utiliza son las Sinovac, que vienen de China. Algunos quisieron instaurar el temor porque son chinas. Y no es así. Hoy China es parte de la dinámica de este mundo que se integró. Si podemos sacarles ventajas a las situaciones, para nosotros debe resultar beneficioso. Tampoco hay que olvidar que Brasil tiene mucha relación con África. Y África puede ser un consumidor importante para nosotros. Hay mucha cercanía con América del Sur. Lo mismo sucede con Oriente Medio. Pensar qué pasa con Siria, con el Líbano. También Japón. Vivimos en un mundo multirracial. No hacer como Trump, que se cerró a los inmigrantes mexicanos. Se trata de pensar que todos estamos integrados.

—Usted fue el fundador en Brasil del Partido Socialdemócrata Brasileño, el PSDB. En la Argentina el presidente Alberto Fernández dijo que era socialdemócrata. ¿Qué significa ser socialdemócrata en el siglo XXI?

—Fui fundador de ese partido. Y aún soy miembro. Los partidos perdieron la fuerza del pasado. No sé si será igual en la Argentina, pero aquí es así. Se perdió el vínculo con la gente. La política parecería ser hoy un asunto de los que mandan. Se dio un movimiento en el mundo, por el que conceptos como el de derecha e izquierda perdieron la fuerza que tuvieron. Todo se volvió hacia el centro. Pero también el centro requiere una reformulación. No puede ser un centro sin vida, un centro neutral. Eso no existe. Tiene que ser un centro atento a las necesidades de las mayorías, de lo que necesita el pueblo. Creo que eso es hoy la socialdemocracia. Hay muchos que se definen como socialdemócratas. Era un concepto con mayor sentido en el pasado: estaban los comunistas, los socialistas, los socialdemócratas y los liberales. Ahora hay muchas más fusiones entre esos pensamientos. Yo creo que debe primar un sentido práctico de las cosas, sin dejar de tener cada uno su ideología y sus creencias. Creo en la libertad, en la democracia. Creo que los gobiernos deben tener una mirada en favor de las mayorías. Pero no estoy muy seguro de si eso realmente se llama socialdemocracia.

"Mi inclinación quizás sea más para los demócratas que para los republicanos."

—¿El peronismo es ese centro con preocupación en lo social?

—Creo que el peronismo se caracterizó por una mala manipulación de las masas, acompañada por un alto nivel de persecuciones internas. Era otra época. En cierto momento había un nivel de fascismo que penetraba también en ciertos sectores del peronismo. También hubo altas dosis de populismo, cierta entrada de la socialdemocracia peronista. Era todo más mezclado y con altas dosis de conflictividad. Había muchos conflictos. No creo tampoco que se pueda hablar de socialdemocracia. Creo que el peronismo fue cambiando. Decir que uno es peronista es tener la misma vocación que tuvo Perón, que fue integradora, a su manera, de las personas que llegaban del campo a la ciudad. Eso fue importante. Y tan real como que persiguió a mucha gente.

—¿Qué opinión tiene de cuando conoció a Cristina y a Néstor Kirchner, y a Alberto Fernández?

—Conocí a Cristina. Conmigo siempre fue muy amable. Estuvo en San Pablo. Pero nunca tuve admiración por ella como líder. También conocí a Mauricio Macri, pero no me acuerdo de haber estado con Alberto Fernández. Argentina es un país más fácil de gobernar que Brasil, quizás ustedes no se den cuenta de ello. Argentina tiene mucha riqueza. Buenos Aires es un reflejo de esa situación. Es algo que viene desde el siglo XIX y es parte de una identidad. Soy partidario de una integración de toda la región sudamericana. Conocí a Hugo Chávez. Era un hombre muy difícil. Pero negocié con él porque era un vecino nuestro. En política no se puede cerrar la nariz. El problema de nuestra región no es que llegue la peste y que la traiga el de al lado. El problema es la falta de crecimiento, la desigualdad. Esos son los problemas.

 

Producción: Pablo Helman, Debora Waizbrot y Adriana Lobalzo.