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quarta-feira, 6 de março de 2024

Taxação dos super ricos? Podem até fazer, mas não vai servir para quase nada - Entrevista com o economista francês Gabriel Zucman

Comentário preliminar de Maurício David, economista, ex-funcionário do BNDES: 

 Citação do dia sobre a proposta (demagógica e utilizada oportunisticamente pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad como cortina de fumaça pelas críticas dentro do próprio PT e até pelo ex-candidato presidencial e Vice-presidente do PDT Ciro Gomes sobre a política econômica do governo Lula) :

“Não tem a mais remota possibilidade de prosperar”.

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel foi taxativo com relação à proposta  apresentada pelo economista francês Gabriel Zucman e endossada pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad usando de certa demagogia como forma de atenuar as críticas que êle Haddad vem recebendo de setores da esquerda do próprio PT : “Não tem a mais remota possibilidade de prosperar”.

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segunda-feira, 4 de março de 2024

Entrevista | Gabriel Zucman: Taxar ricos pode funcionar mesmo sem consenso 


Por Marcelo Osakabe / Valor Econômico

Cobrança de 2% sobre fortunas pode render R$ 250 bilhões, estima economista francês

Um imposto global sobre os bilionários pode ser efetivo mesmo que não exista consenso global sobre o tema. Essa é a aposta do economista francês Gabriel Zucman, diretor do Observatório Fiscal da União Europeia, para quem mesmo a ausência dos Estados Unidos, país que abriga perto de um terço dos cerca de 2,7 mil bilionários do mundo, não impede que o novo tributo seja eficiente.

Convidado pelo governo brasileiro para apresentar sua proposta de taxar as grandes fortunas globais em 2% aos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20, na semana passada, Zucman estima que a medida pode render US$ 250 bilhões por ano, metade do que se estima que as nações desenvolvidas precisarão para enfrentar mudanças climáticas.

A proposta chega ao G20 em um momento em que os “dois pilares” propostos pela OCDE para combater a evasão tributária global, que envolvem o imposto corporativo mínimo sobre multinacionais de 15% e o imposto sobre serviços e produtos digitais, sofrem revezes e questionamentos. O economista não vê perigo em sobrepor as agendas e argumenta não ser necessário que a grande maioria adote o imposto para que ele seja efetivo. “Basta que um número suficiente de países implemente a regra, e acredito que já chegamos a ele”, diz, em entrevista ao Valor.

Aos 37 anos, o francês se firmou como uma das vozes que advogam contra a crescente concentração de riqueza global — em sua avaliação, um dos fatores por trás não apenas de crises econômicas, mas também do enfraquecimento dos regimes democráticos. Protegido de Thomas Piketty, com quem colaborou em alguns trabalhos, inclusive o famoso “O Capital no Século XXI”, ele também ganhou fama por usar uma vasta gama de dados, incluindo vazamentos como os “Panama Papers”, para elucidar os caminhos pelos quais grandes corporações transnacionais e bilionários se esquivam dos fiscos.

Com dados, ele mostra, por exemplo, que a adoção de mecanismos de compartilhamento automático de informações bancárias entre países reduziu a evasão tributária de grandes em empresas a um terço do que era dez anos atrás. Apesar disso, a perda de receita tributária devido a essas práticas apenas deixou de crescer, estagnando em cerca de 10% do total declarado em imposto corporativo no mundo todo.

Sobre os 2.756 bilionários encontrados em sua pesquisa — dos quais 105 habitam a América Latina —, Zucman mostrou que o planejamento tributário permite que a imposto efetivo pago por essa elite caia a uma faixa entre zero e 0,5%. É sobre esse grupo que o imposto global pretende cair, ao menos num primeiro momento, diz.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Como foi a abordagem do governo brasileiro para que participasse do G20?

Gabriel Zucman: Ao assumir a presidência do G20, o Brasil queria tornar a desigualdade e a progressividade fiscal prioridades na agenda. Nos contactaram para saber se estaríamos interessados em trabalhar em conjunto para avançar com ideias ambiciosas, olhando o futuro da cooperação tributária internacional e a luta comum contra a desigualdade.

Depois dessa apresentação, continuarão a trabalhar juntos?

Zucman: Sim. A presidência do G20 nos encarregou de elaborar um relatório sobre aspectos práticos de imposto mínimo coordenado sobre super-ricos, bem como resumir estudos existentes e simular diferentes planos possíveis para esse tributo. Vamos começar a trabalhar nesse relatório imediatamente e a ideia é entregar o resultado nos próximos meses, durante a chefia do Brasil no G20.

Como foi a aceitação da proposta no encontro?

Zucman: Duas coisas me chamaram a atenção. Uma é o número de países — alguns muito importantes — que disseram apoiar fortemente a proposta, como Brasil e França. A [secretária do Tesouro dos EUA, Janet] Yellen afirmou que existe algo parecido, embora não tenha sido aprovado. A segunda é que muitos outros países expressaram apoio à proposta de criar novos acordos internacionais focados na questão da progressividade fiscal, tributação dos ricos e combate à desigualdade. O Brasil foi especialmente elogiado por colocar essas questões na agenda do G20. É preciso deixar claro também que as discussões estão em um estágio muito inicial, começaram, literalmente, esta semana [passada]. Há necessidade de uma discussão internacional inclusiva, para aprofundar detalhes.

Por que 2%?

Zucman: Decidimos por propor 2% apenas para ter um ponto de partida para o debate. Ele pode ser considerado baixo, já que muitos países cobram mais de seus ricos. Ao mesmo tempo, o fato é que o planejamento tributário faz com que a carga efetiva seja menor em muitos casos. Por isso, uma taxa de 2% já faria diferença se levarmos em consideração a regressividade efetiva dos nossos sistemas tributários atuais. Com 2%, você pode compensar muito ou, em alguns países, toda essa regressividade. Claro, não é suficiente para tornar o sistema tributário global progressivo. Mas isto também é algo a debater. Existem bons argumentos para adotar taxas mais altas.

Que outros aspectos importantes precisam ser definidos?

Zucman: O destino das receitas é algo em aberto. É preciso uma necessidade discussão internacional e inclusiva. Basicamente, há duas maneiras de abordar isso. Uma é pensar que uma determinada pessoa que construiu uma enorme fortuna vivendo em um país por 60, 70 anos, se beneficiou dos e serviços públicos desse país. Por isso, seria legítimo que ao menos parte dessa arrecadação fique nesse mesmo país. Outra linha argumenta que bilionários acumulam riqueza na forma de participações em empresas que tem negócios em todo o mundo, emitem carbono e contribuem para a mudança climática. Sob essa perspectiva, você pode favorecer uma distribuição muito mais ampla das receitas entre os países. Mesmo a barra sobre os cerca de 3 mil bilionários pode ser baixada. Em um primeiro estágio, é conveniente focar nesse grupo porque ele é pequeno e sua riqueza é relativamente fácil de mensurar.

Os dois pilares do tributo mínimo global estão sob forte desconfiança. Não existe risco de perder o foco e acabar prejudicando outras medidas em implementação?

Zucman: Houve um progresso importante nos últimos anos. O Pilar 2 está sendo implementado em cerca de 35 países neste ano e poderá alcançar muitos dos 140 países que assinaram o acordo da OCDE adiante. Talvez alguns deles não ratifiquem o acordo, como é o caso dos EUA no momento. Mas isto não é problema. Você não precisa, necessariamente, de implementação global para o imposto mínimo. O texto do imposto contém um princípio muito importante, o de que países participantes terão direito de tributar multinacionais localizadas em nações que não ratificaram o acordo, para assegurar que a tributação alcance esses 15%. Basta que um número suficiente de países implemente a regra, e acredito que já chegamos a ele. A mesma lógica pode ser aplicada aos super-ricos.

Os mecanismos em implementação têm tido problemas também, como o fato de que empresas continuam migrando seus lucros para pagarem menos impostos e também de que estão sendo criados novas brechas, às vezes dentro da própria sistema tributário doméstico. Como combater essa tendência?

Zucman: O que acredito que está faltando é, na essência, uma debate mais aberto sobre essas políticas. São detalhes que vêm sendo discutidos em fóruns altamente técnicos, pouco inclusivos, e isso abriu as portas para brechas e isenções aparecerem. Mas é possível corrigir isso e vejo alguns caminhos. A alíquota de 15%, é claramente muito baixa. A maioria dos países tem alíquotas bastante baixas, mas é difícil argumentar por que empresas multinacionais deveriam ser autorizadas a pagar muito menos que firmas pequenas ou médias. Existe um problema com isenções concedidas, que muitas vezes fazem com que a taxa efetiva acabe menor que 15%. Outro problema diz respeito ao tratamento dos créditos tributários para a pesquisa e desenvolvimento. Algumas vezes isto não é entendido como redução da carga tributária, mesmo que economicamente seja algo equivalente.

Me parece que está advogando por uma espécie de governança global sobre o tema.

Zucman: Eu acredito, de fato, que é precisamos de novos acordos tributários em âmbito multilateral. A forma como a globalização foi regulada na década de 1980 simplesmente não funcionou. Muito se falou sobre mobilidade de capitais e de comércio, mas houve silêncio em relação ao tratamento ou a necessidade de progressividade tributária. E digo que não funcionou porque ajudou a fomentar a desigualdade global.

O retrocesso da globalização, uma fragmentação maior do mundo, não torna a implementação destas propostas mais difícil?

Zucman: Não acredito que este ambiente seja mais desafiador que no passado. O que realmente importa é ter vontade política de alguns países, uma “coalizão de dispostos”. A razão pela qual acredito que isto é possível é que existe uma demanda popular avassaladora por tais políticas praticamente em quase todos os países. No Brasil, nos Estados Unidos ou na França, se você perguntar se as pessoas acreditam que seus ricos pagam impostos o suficiente, a grande maioria dirá que não. Vejo apoio maciço nesta direção, e o fato de que não é preciso unanimidade joga nessa direção. Nem EUA nem China ratificaram o imposto mínimo sobre multinacionais, mas ainda assim ele está caminhando. Claro que a política pode interferir. O governo de Joe Biden é mais simpático à proposta. Se Trump ganhar, claramente isso mudará. Mas, novamente, a ausência dos EUA não é motivo para inação.

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domingo, 3 de setembro de 2023

Um perfil do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Flávia Tavares, Luciana Lima, Andrea Freitas (Folha de S. Paulo)

 Folha de S. Paulo, 1 de setembro de 2023

COMO HADDAD ENTENDE A ECONOMIA

Por Flávia Tavares, Luciana Lima e Andrea Freitas

Num discurso na última segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava se explicando, de novo, sobre a decisão do governo de buscar receitas na taxação de rendimentos de capital no exterior (offshore) e dos chamados fundos exclusivos – coisa de ricos e super-ricos. Ele rechaçava a comparação com o herói fora-da-lei inglês. “Eu vejo muitas vezes, na imprensa, ser tratado como uma espécie de ‘ação Robin Hood’, uma revanche”, reclamou o ministro. “Não é, absolutamente, nada disso.”

Ao seu lado, no palco montado no Salão Oeste do Planalto, Lula o observava, ladeado por Alckmin e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. “Aqui não tem nenhum sentimento que não seja o de justiça social”, disse Haddad, apontando com as mãos o próprio peito. Essas palavras encerraram o discurso. Lira apertou suas mãos. Lula foi efusivo e o convidou para tirar um retrato. Lira ouviu algo que os petistas comentaram e também sorriu. Alckmin, permanentemente risonho há pelo menos um ano, cumprimentou o amigo, que serviu de ponte entre o ex-tucano e o presidente petista. Haddad transitava, confortavelmente, entre expoentes de tudo que é tensão política e econômica das últimas décadas.

O mesmo comportamento que lhe garante essa aceitação política o obriga a, com imensa frequência, ter de explicar quem é. Como pensa. Isso já é atávico da missão de conduzir a economia de um país. Mas, possivelmente, num país com menos barulho antidemocrático, a economia pautasse quase exclusivamente o noticiário e essas concepções já estivessem mais claras. Não só isso. Haddad insiste em não se deixar enquadrar. “Tenho problemas com rótulos. Eles não ajudam a encontrar soluções”, começou ele sua enésima explicação sobre si mesmo no programa Reconversa. Era dia 11 de agosto, uma sexta-feira, e o Brasil estava em polvorosa com a operação da Polícia Federal num endereço do general Mauro Lourena Cid, em Niterói. Naquele mesmo dia, o governo federal, ofuscado pelo escândalo das joias, lançava os termos do novo PAC, no Rio — a versão do programa prevê R$ 1,68 trilhão de investimentos numa mescla de recursos da União e de concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs). “Perguntei ao Lula por que ele tinha reserva em convidar economista ‘padrão’ para a Fazenda”, ele seguiu na entrevista. “E ele me disse que é porque eles são mais fieis à escola de pensamento deles do que ao governo. ‘E eu [Lula], às vezes, preciso tomar decisões que não cabem na caixinha. Então, prefiro alguém com senso prático.’” Pragmatismo: check. Lealdade: check. Não caber numa caixinha: check. A trajetória pública e partidária de Haddad indicava que ele conseguiria o emprego.

Mas havia muito mais em jogo. Lula assumia um país debilitado economicamente; tendo sido eleito sob uma frente ampla ao mesmo tempo em que seria cobrado a atender às demandas à esquerda; e precisando reconfigurar a relação do Executivo com o Legislativo. Haddad segue sua autoavaliação. Declara-se uma pessoa de esquerda, progressista. “Mas eu não acredito em Estado que deve, que não se importa com a dívida.” E, candidamente, afirmou que não consegue entender quem na esquerda defenda essa política. Seguindo seu perfil flexível, ressaltou que é evidente que há situações históricas em que o déficit se justifica, como numa pandemia, numa guerra. Mas, neste momento do Brasil pós-pandêmico, é preciso corrigir os abusos do governo anterior na busca pela reeleição e dar prumo às contas públicas. “Quando Lula me convidou para ser ministro da Fazenda, no Egito, decidi aceitar, porque eu estava com o diagnóstico do que precisava ser dito e feito para o Brasil. E qualquer coisa que saia desse roteiro vai colocar em risco o terceiro mandato do político mais importante da história deste país.”

Haddad é um ministro da Fazenda peculiar. É formado em Direito, mestre em Economia, doutor em Filosofia. E a própria insistência em não se encaixar numa única escola econômica o torna, para alguns, especialmente em tempos de simplificações sob medida para redes sociais, uma incógnita. Sua formação à esquerda seria preponderante demais para classificá-lo como liberal? E seu zelo fiscal o desqualificaria automaticamente como um representante da esquerda? “Quem tem uma postura dogmática em relação a uma escola de pensamento e não sai daquele quadrado nem quando as evidências demonstram, tem pouca sensibilidade. Não tenho nada contra a escola de pensamento econômico, transito por todas.” Ele já buscava se justificar em dezembro.

Agora, com oito meses corridos de ministério, algumas ideias do economista Haddad estão mais palpáveis. Para avaliá-las melhor, vale percorrer o trânsito que ele tem feito entre escolas. E suas aplicações em sua vida pública.

O marxista crítico

Haddad conta que despertou para temas econômicos a partir da militância estudantil e da presidência do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP. Esse relato está nos agradecimentos de sua tese de mestrado em Economia, defendida no dia 19 de outubro de 1990, e intitulada “O debate sobre o caráter socioeconômico do sistema soviético”. Trata-se de um sobrevoo crítico sobre teorias para tentar determinar o modelo econômico da União Soviética no cerne do processo da Perestroika, iniciado em 1985. E uma tentativa de apontar que nenhuma delas definia integralmente o sistema naquele momento de transição. Numa análise instantânea, estava impressa ali a pulsão haddadiana de questionar os enquadramentos clássicos, pré-estabelecidos. Nos agradecimentos, Haddad menciona, entre outros, Alexandre Schwartsman, que viria a ser presidente do Banco Central, é voz corrente do liberalismo e hoje é duro crítico da condução do ministro. Para o Haddad que se graduava no mestrado, Schwartsman foi descrito como “amigo”, testemunho da convivência acadêmica, próxima e respeitosa, com o contraditório.

O DNA dessa faceta de Haddad está mesmo na crítica. Embora sua formação seja marxista, foram os frankfurtianos Theodore Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin os autores que mais o influenciaram. A economista Leda Paulani, professora da Faculdade de Economia e Administração da USP e amiga de Haddad há mais de 30 anos, editou com ele por alguns anos, no fim da década de 1990, a revista Praga, de estudos do marxismo. A publicação, criada pelo filósofo Paulo Arantes (orientador do doutorado de Haddad) e que chegou a divulgar textos inéditos de Che Guevara, Antonio Candido e Caio Prado Jr., era não uma defesa do socialismo, mas já um momento posterior, crítico do capitalismo, dado por vencedor em seu formato mais perigoso, o neoliberalismo. Leda explica que o marxismo de Haddad não é “de cartilha”. “É aberto, marchando sempre com a democracia, mas preservando muito do que Marx detectou com imensa precisão sobre o funcionamento do capitalismo e desligado do autoritarismo aplicado pelo stalinismo.”

Talvez decorra dessa leitura a proposta que Haddad lhe contou ter feito a Lula. Em nome de garantir que esse governo seja bem-sucedido o suficiente na economia, “ele disse ao presidente que faria o papel de ‘patinho feio’ para a esquerda, se precisasse, para manter o fascismo afastado”, relata a professora. Na prática, isso se revela no fato de que ele encampou o arcabouço fiscal. Para ela, é mais por Haddad entender que essa era uma imposição política, de décadas de um discurso pró-austeridade, do que fruto de convicção. “Uma coisa é reconhecer a trajetória de dívidas paralisantes. Outra é achar que se não fizer superávit primário não existe país”, diz Leda. “Tenho certeza de que ele concorda que, existindo Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF) e regra de ouro, o arcabouço é uma camisa de força que não precisaríamos estar vestindo. Mas, como ministro, ele não pode dizer isso.”

Como ministro, publicamente, o que ele diz é que o arcabouço, que formulou em conjunto com Simone Tebet, ministra do Planejamento, é um avanço. “Nós estudamos 29 países para construir o texto, que depois foi aperfeiçoado no Congresso. Ali, tem um teto móvel, que é uma regra de gasto mais inteligente e uma vantagem sobre a antiga LRF. E tem uma coisa resgatada da LRF, que é a meta de resultado primário. Juntamos as duas coisas. Foi isso que comoveu as agências de risco”, ele defendeu na entrevista ao Reconversa. O presidente Lula sancionou na quinta-feira, com vetos (que devem cair), o texto do arcabouço — entregue ao Congresso meses antes do prometido na PEC da Transição. Na apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2024, Haddad e Simone estavam lado a lado, celebrando esses dois ajustes aprovados pelos parlamentares. Junto com a reforma tributária, essas medidas, que mostram o compromisso fiscal do governo, foram essenciais para o início do processo de corte de juros, iniciado — tardiamente, na visão do próprio Haddad — na última reunião do Copom. Essa agenda do governo foi reconhecida pela agência de classificação de risco Fitch e pela S&P Global Ratings.

O fiscalista

Pode ser que o rigor fiscal de Haddad seja uma imposição política, como diz Leda. Mas há pistas de que venha também de experiências passadas. Num plano mais pessoal, Haddad costuma dizer que aprendeu mais economia na 25 de Março do que na academia. Ele trabalhou na loja do pai, Khalil Haddad, que emigrou do Líbano em 1947 e se estabeleceu como comerciante no coração de São Paulo. “O pai dele é imigrante, ele tem essa vivência de gente que chegou aqui sem muito dinheiro. Tem um conservadorismo financeiro aí. Ele já trabalhou em balcão e fechou caixa no final do dia. Viu o que acontece quando você fica sem crédito. É claro que a economia de um país é diferente da de uma loja, mas, em situações de crise, muitas vezes, as diferenças diminuem bem”, diz Samuel Pessôa, pesquisador do FGV/IBRE e chefe de pesquisa econômica da Julius Baer. Pessôa foi colega de Haddad no colégio e também no mestrado na USP.

Já na administração pública, um outro episódio, quiçá traumático, reforçou o zelo de Haddad por um caixa bem administrado. No dia seguinte à chegada de Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo, em 2001, vencia um boleto de uma dívida muitíssimo mal negociada pelo antecessor, Celso Pitta. Haddad era, junto com Leda Paulani, parte da equipe do secretário de Finanças, João Sayad. A fatura era de um valor próximo a R$ 1 bilhão. Nos cofres, havia coisa de R$ 2 milhões. A situação era tão crítica que nem a conta de luz a prefeitura podia pagar. Ficou evidente ali como uma situação de dívida sufoca o orçamento e as ações sociais que ele poderia patrocinar. Quando mais tarde assumiu ele próprio a prefeitura da cidade, uma de suas prioridades foi renegociar essa dívida com a União. E ele conseguiu — com o custo de popularidade que prioridades desse tipo costumam carregar. Reduziu de R$ 79 bilhões para R$ 29 bilhões. “Com muita conversa, como é de seu estilo”, relembra Leda, que foi também sua secretária de Orçamento e Planejamento. Novamente, a administração da economia de uma cidade é bem diferente da de um país, em que se tem as políticas fiscal, monetária e cambial para trabalhar. Ainda assim, há pistas deixadas por essas escolhas.

Para Pessôa, um liberal, a heterodoxia brasileira tem uma interpretação excessivamente otimista da contribuição do britânico John Maynard Keynes. Keynes jamais afirmou que o gasto público tem uma capacidade muito grande de alavancar o crescimento e, no limite, se autofinanciar. Já Haddad teria uma visão mais conservadora em relação à política fiscal, uma preocupação com a estabilidade e solidez do setor público, necessárias para a entrega de políticas públicas. “Minha impressão é de que o Haddad é uma pessoa que tem uma preocupação fiscal genuína. Acho que por isso é chamado de ‘o mais tucano dos petistas’”, afirma. Já Leda Paulani, da escola oposta à de Pessôa, define o amigo como um “otimista” mesmo, mas também um iluminista puro, para quem a razão sempre prevalece. Em comum, Leda e Samuel — assim como todos os próximos de Haddad — têm uma coisa: todos o chamam de Fernando.

Essa flexibilidade (ou trânsito, para ficar nos termos do ministro) ficou evidente no período em que Haddad lecionou no Insper, escola de negócios e administração próxima do liberalismo. O ministro foi convidado, em 2016, a ajudar a montar o mestrado em Gestão Pública. Licenciou-se da USP e, curiosamente, aproximou-se de Sandro Cabral, coordenador do curso, da mesmíssima forma que havia cercado Leda Paulani. A amiga ele abordou numa cafeteria perguntando sobre sua tese de doutorado a respeito do conceito de dinheiro. O novo amigo, em sua sala, também convidando para um café para discutir o livro Capitalismo de Laços, de Sérgio Lazzarini. A curiosidade intelectual de Haddad é traço fundamental do ministro difícil de enquadrar. É o que rende algumas soluções além-rótulos. Cabral dá o exemplo das Parcerias Público-Privadas, um dos temas das aulas de Haddad no Insper. “O embrião do texto da lei das PPPs é dele. Foi inspirado na taxa do lixo em São Paulo, uma solução engenhosa pra garantir o serviço público, respeitando a lei de concessões.” Haddad era, então, membro da equipe de Guido Mantega no Ministério do Planejamento do governo Lula 1. Chegou a confidenciar para o amigo que a primeira versão do texto era mais “anglo-saxã” do que a que emplacou. Ou seja, mais liberal.

A esquerda, diz Cabral, abraçou as PPPs como instrumento de investimentos em infraestrutura e até gestão de prisões. “Basta ver os governos da Bahia, o Wellington Dias no Piauí”, aponta. O próprio ProUni, na visão dele, é nada mais que um sistema de voucher, “mais liberal impossível”. Isso quer dizer que Haddad é, então, um liberal? “Ele sabe que é importante fazer reserva, ter colchão para intempéries. Tem compromissos de afeto com a esquerda, seu grupo de referência, que evita desagradar. Mas admitia que concordava com Alckmin em 70% das pautas.” Os outros 30%, talvez mais na seara dos costumes, é que os mantinham em partidos diferentes. E, embora formalmente isso permaneça, eles estão mais próximos do que nunca, numa ponte construída pelo próprio Haddad. Dependendo da lente, dá para dizer até que Alckmin anda à esquerda de Haddad, hoje. Cabral tenta resumir se Haddad é liberal ou de esquerda, afinal. “Ele tem mais preocupações sociais do que a esquerda pensa. E mais convicções de como conciliar mecanismos de mercado na gestão pública do que os liberais pensam.”

A gestão como ministro mostra que Haddad tem capacidade de lidar com os dilemas econômicos sem tanta rigidez, incorporando dimensões que muitos petistas tachariam de neoliberais. “Isso é um dos aspectos positivos politicamente”, analisa o cientista político José Álvaro Moisés, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP — e um dos avaliadores da tese de mestrado de Haddad. Eles foram contemporâneos de PT no comecinho do partido. Moisés deixou a legenda em 1989, quando já ocupava cargos diretivos, mas lembra do rapaz que fazia oposição à corrente dominante no partido, pela esquerda. “Mais do que essa abertura, Haddad amadureceu as visões do PT sobre desigualdades. Faz um tremendo esforço para enfrentá-las, insiste na tese central do Lula. Mas, para isso, vai precisar de tempo para dizer de onde vão sair os recursos.”

O político

Para enfrentar o desafio descrito por Moisés, e garantir o trânsito entre o fiscalista e o marxista crítico, o ministro precisa primordialmente de dinheiro e apoio político. Só isso. Tudo isso. E, aí, a tendência a recorrer a mecanismos que se encaixam mais no protecionismo da esquerda é imensa. O governo tem estudado, por exemplo, um imposto de importação mínimo de 20% para encomendas internacionais. Como não quer reduzir os gastos, precisa aumentar a arrecadação. Nada mais impopular. Mas naquele discurso de segunda-feira, o do Robin Hood, Haddad mostrou suas cartas nessa frente. Ao falar da sua “profunda consideração” pelo Congresso e da espera por “parceria” e “respeito”, o ministro reivindicou o reconhecimento de que sabe articular. No primeiro semestre, Haddad não poupou esforços para fazer aquele meio de campo com deputados, senadores, prefeitos e governadores. Resultado: apesar das rusgas do Planalto com o Centrão de Lira, o governo conseguiu aprovar toda pauta.

Esse empenho tornou Haddad um favorito do Congresso. Com mais prestígio entre deputados e senadores do que a chamada “cozinha” do Planalto, que tem os ministros Alexandre Padilha e Rui Costa na dianteira. Os líderes de partidos do Centrão na Câmara o têm em alta conta. Chegam a pintá-lo como um “ministro da Fazenda articulador”. E se tem uma coisa que não dá para poupar na administração pública é atenção para parlamentar “carente”. “Ele passa o celular e pede pra ligar a qualquer momento. Ele está sempre disposto a receber relatores de matéria de interesse do governo em seu gabinete. Tem deputado que nunca havia pisado na Fazenda”, disse um interlocutor de Lira. O telefone de Rui Costa, da Casa Civil, por exemplo, tem deputado que não tem.

Para sua equipe, Haddad deu ordem direta de atender bem os parlamentares. A orientação passada no início do ano para o ex-secretário executivo Gabriel Galípolo — hoje diretor de Política Monetária do Banco Central — é a mesma repassada a seu substituto, Dario Durigan. “Essa não era a imagem que a classe política, principalmente representantes do Centrão, tinham dele”, derrete-se o representante do Lirismo. Mais que atender o telefone, Haddad tem se mostrado sensível às questões dos deputados. Ele sabe que, sem emendas, ninguém se reelege e se mostra disposto a acomodar algumas demandas nas destinações orçamentárias.

Só que o suspense em torno da troca de ministros não ajuda essa articulação. Lula tem esticado a corda. Lira e seus aliados consideram que a demora na distribuição de cargos para os partidos não se trata de “batidas de cabeça” dentro do governo, mas de método. “Ganhar tempo” seria a palavra de ordem de Lula. Sem essa retaguarda, dizem os parlamentares, de nada valerá o esforço de Haddad. Para pressionar o governo, a Câmara pode colocar em votação a reforma administrativa, gestada por Paulo Guedes. Tudo que o governo não quer.

Fazer caber esse apetite por emendas e a gana petista por dinheiro pra investimento vai exigir pragmatismo, lealdade, não caber em caixinha, ser articulador e tudo mais que Haddad tiver a oferecer. Mas ele tem se mantido fiel à própria flexibilidade. Enfrentando a voz corrente em seu partido, seguiu defendendo déficit zero nas contas do governo para 2024. Déficit zero é, resumidamente, a equivalência entre receitas e despesas primárias. O Estado não gasta mais do que recebe. A presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, advoga abertamente que seja admitida a variação prevista no próprio arcabouço, que pode chegar a 0,25 ponto percentual sobre a receita. Para Gleisi, isso permitiria mais investimentos do Estado. Haddad discorda. Ele ecoa Simone, que garante que as estimativas da Receita estão conservadoras demais e a conta vai fechar. E está endossado por Lula. “O governo não vai mudar e vai tentar aprovar os projetos tributários”, disse o deputado petista Carlos Zarattini, coordenador do governo na Comissão Mista de Orçamento (CMO), ao Meio. Esses “projetos tributários” são os que miram no aumento da receita.

Enquanto isso, Haddad vai colhendo críticas, mas também resultados. Aumentou sua aceitação no mercado. O crescimento da economia no segundo trimestre superou as expectativas. Ao celebrar, comedidamente, o resultado, Haddad transitou. “Há ainda, com naturalidade, muitos questionamentos sobre como vai ser o ano de 2024.” Repisou o quanto precisa das medidas enviadas ao Congresso. E, então, repetiu a trinca que tem norteado suas explicações. “Só com crescimento podemos alcançar um equilíbrio fiscal, social e ambiental. Com o crescimento, tudo fica mais fácil.”

Crescimento não é trivial de produzir. O governo não depende só do ministro da Fazenda. Governo de frente ampla, que inclui esquerda desenvolvimentista, liberais salpicados e o Centrão fisiológico não tem como ser elementar na condução. O trabalho, para Fernando Haddad, só começou.

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Augusto Heleno e Celso Amorim: diplomacias de Bolsonaro e Haddad (O Globo)

Ministeriáveis de Bolsonaro e Haddad analisam desafios para a política externa do próximo presidente

General Augusto Heleno e embaixador Celso Amorim veem com preocupação crise humanitária e imigratória na Venezuela

Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) disputam segundo turno da eleição presidencial Foto: Mauro Pimentel/AFP//Marcos Alves/Agência O Globo

'Bolsonaro repudia frontalmente o governo Maduro'

O general Augusto Heleno concede entrevista - Daniel Marenco 11-09-2018 / Agência O Globo
Na campanha de Jair Bolsonaro, o general da reserva Augusto Heleno Pereira, que foi comandante militar da Amazônia, chefiou a missão de paz do Brasil no Haiti, e é cotado para assumir o Ministério da Defesa, considera que o país será fortemente impactado pela crise humanitária no país vizinho. "A situação tende a se agravar cada vez mais, com reflexos evidentes e nefastos para o Brasil, porque nós estamos recebendo venezuelanos", disse. Ele avalia que as propostas de fechamento de fronteira, para conter a onda de refugiados, são utópicas e não condizem com a tradição brasileira de solidariedade aos imigrantes.
O que é preciso mudar na atual política externa brasileira?
Acho que o viés ideológico que foi impresso, de maneira absolutamente evidente no Itamaraty, nos últimos 15 anos, foi muito prejudicial ao Brasil. Nós temos de mudar isso e buscar uma posição diferente em relação ao contexto internacional. Sempre tivemos uma diplomacia extremamente atuante e um quadro diplomático da melhor qualidade, que foi impregnado de pouco pragmatismo e muita ideologia.
Recentemente, Jair Bolsonaro disse que o Brasil deveria sair da ONU. Isso não vai contra a tradição diplomática brasileira a favor do multilateralismo?
Não, não. Isso foi totalmente desmentido pelo Bolsonaro. Ele cometeu um ato falho e reconheceu que se expressou mal.
Ele teria se confundido por causa do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que defendeu que o ex-presidente Lula pudesse se candidatar?
Não é que ele se confundiu. Ele se expressou mal, ao dizer "vamos sair da ONU". Já aquela comissão é formada por alguns desempregados internacionais, que querem ganhar notoriedade e vivem de fazer proselitismo marxista. Essa comissão não pode interferir nos assuntos internos do Brasil que, por outro lado, tem uma tradição na ONU muito grande. O Brasil abre anualmente a reunião da Assembleia-Geral. Segundo a História, foi até cogitado para ser um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, com direito a veto e tudo.
Como um governo Bolsonaro agiria em relação à Venezuela?
Quero deixar claro que esta é minha opinião, e não a de Bolsonaro, que repudia frontalmente o governo Maduro (Nicolás Maduro, presidente do país vizinho), e que resolverá a questão quando tiver nomeado seu chanceler. O problema da Venezuela, mais do que político, é humanitário. Temos um povo passando fome, vendo seu país ser destroçado e que é incapaz de reagir, porque foram criadas milícias de repressão a qualquer tipo de reação. Os meios democráticos são completamente sufocados por ações do governo, em prol da sua permanência no poder. A situação tende a se agravar cada vez mais, com reflexos evidentes e nefastos para o Brasil, porque nós estamos recebendo venezuelanos.
Há quem defenda, dentro do próprio partido de Bolsonaro, o PSL, o fechamento da fronteira em Roraima.
O fechamento da fronteira, além de ser uma utopia, está fora dos padrões que o Brasil sempre adotou em relação aos refugiados. Não faz parte da tradição brasileira fechar uma fronteira numa situação dessas. Afinal de contas, eles [os imigrantes venezuelanos] são os menos culpados. Só que, para nós, é pesado. Roraima é um estado que poderia ser muito rico, poderia estar em uma situação muito boa economicamente, mas foi subtraído. Parte de seu território passou por demarcações duvidosas de terras indígenas e hoje é um estado pobre. Há uma tentativa de deslocar esse pessoal para São Paulo e Rio de Janeiro. Porém, é claro que a situação do Brasil não nos permite fazer esse gesto humanitário sem que haja alguma consequência também para nós.
Bolsonaro costuma demonstrar uma postura crítica em relação à China. Por que isso, se os chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil?
O Bolsonaro é muito claro. Pretendemos manter essa relação comercial com a China, até pela grandiosidade do país no mercado mundial. O que a gente não pode é vender o Brasil para a China. Há um interesse muito grande em manter esse relacionamento, mas não podemos aceitar, de repente, que eles saiam comprando um pedaço do Brasil e isso chegue a comprometer esse relacionamento. As relações internacionais são sempre para atender aos interesses dos dois lados.
E os Estados Unidos?
Nossas relações são boas, mas podem melhorar. Há, por parte do pessoal da esquerda mais radical, um preconceito, uma prevenção enorme com relação aos EUA e não há necessidade disso. É a maior potência do mundo, está perto do Brasil e temos ligações históricas. Mas existe preconceito impregnado por doutrinas ideológicas. Também queremos manter boas relações com outros países, como os da Comunidade Árabe, Israel, Europa...Também temos uma forte aproximação e, felizmente, nenhum contencioso, na América do Sul. No entanto, há problemas com alguns que precisam ser divididos com os vizinhos, como o monitoramento das fronteiras.

'Nós não queremos um Vietnã na nossa fronteira'

O ex-ministro Celso Amorim na sede do Sindicato dos Metalurgicos, no ABC paulista - Edilson Dantas / Agência O Globo
Na campanha de Fernando Haddad, o embaixador Celso Amorim, ex-chanceler do ex-presidente Lula e ex-ministro da Defesa de Dilma, critica o discurso que prega uma ação militar contra o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro. Um intervenção militar ou um golpe, na visão do representante, causaria ainda mais radicalização. O petista afirma que os governos do PT "nunca deram apoio irrestrito" ao governo venezuelano e nega a visão de que a política externa do partido seja marcada pela ideologia. Para ele, a solução da crise passa por retirar o país vizinho do isolamento.
Bolsonaro e sua equipe dizem que a política externa do PT é muito ideologizada.
Não é verdade. Nós nunca demos apoio irrestrito ao governo venezuelano, por exemplo. Muito pelo contrário. Na época do Chávez (Hugo Chávez, ex-presidente do país), éramos bastante abertos ao diálogo. Criamos um grupo de amigos com a participação dos Estados Unidos, para tentarmos resolver o problema. Aliás, não preciso dizer o quanto eram boas as relações entre o ex-presidente Lula e o então presidente americano George W. Bush. Não há nada de ideológico. O Brasil sempre trabalhou pelo interesse nacional. Negociamos acordos comerciais de interesse do agronegócio e da indústria brasileira. Criamos uma parceria estratégica com a União Europeia que não existia. O que há de ideológico nisso? O que há de ideológico em você vender mais ônibus? A Arábia Saudita é de esquerda, por acaso? Só porque é um país em desenvolvimento? Tudo isso é uma tolice que não tem cabimento nenhum. A nossa política era de defesa do interesse brasileiro.
A que o senhor atribui essas críticas?
Essas coisas são inventadas e é muito difícil você derrubar histórias inventadas. Dizem que o Brasil vai ser uma Venezuela. Gente, estivemos doze anos no poder e não viramos Venezuela! Por que agora, em que o nosso candidato é justamente um professor? O que é isso, gente? São invenções. Invenções puras. Mas somos, sim, a favor de soluções pelo diálogo e não de intervenção. Nós não queremos um Vietnã na nossa fronteira. Também não vejo nada de ideológico em ter relações com a África. Isso é o reconhecimento, primeiro, da nossa identidade. O brasileiro gosta de olhar no espelho e imaginar que está vendo um europeu. Mas não é.
O que é preciso fazer em relação à Venezuela?
A crise na Venezuela é, indiscutivelmente, um problema sério, que não se resolve com intervenção militar ou golpe, pois isso radicalizaria ainda mais as posições. Não dá para isolar a Venezuela. Também não podemos nos esquecer que temos grandes interesses, com destaque para Roraima, que depende da energia da Venezuela.
É possível esperar que a política externa de Fernando Haddad repita a dos governos petistas anteriores?
O mundo mudou desde então. Não havia o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), nem o atual conflito entre EUA e Rússia, ou a guerra comercial entre americanos e chineses, ou o acirramento dos problemas entre Arábia Saudita e Irã e o namoro entre EUA e Coreia do Norte. Eu diria que a política externa de um governo Haddad continuará se pautando por uma diretriz de independência, integração sul-americana, aproximação com a África, fortalecimento do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e boas relações com EUA e União Europeia.
O senhor tem conversado com personalidades internacionais a respeito da situação política do Brasil. Qual a sua percepção?
O mundo inteiro está assustado com o que se passa no Brasil. Assustado com a possibilidade de haver a vitória de um candidato que fez afirmações de machismo, xenofobia, racismo, violência. E não estou falando da Venezuela, nem de Cuba. Eu estou falando da França, da Alemanha, dos EUA. Os grandes jornais nesses países todos refletem isso. Os governos ficam quietos, porque eles não querem perder a oportunidade de fazer negócios, e isso é diferente. E não estou falando de jornais de esquerda. Estou falando do Le Monde (francês), do New York Times, do The Economist, e do Washington Post, que dois dias atrás botou uma charge em que o losango da bandeira brasileira se transforma uma suástica.
O multilateralismo está em crise. O presidente Donald Trump tem colocado a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a própria ONU em xeque. Como proceder ante esse impasse?
O multilateralismo é algo que o Brasil sempre defendeu. Talvez não na época do auge do governo militar, porque não se falava muito nisso. E o Brasil estava meio sob amarras ali, se isolava, era a Ilha da Fantasia naquela época. Os governos que eu me lembro de ter servido mais de perto, como do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sempre defenderam o multilateralismo. Então, quando ocorre essa decisão do Comitê de Direitos Humanos e a gente ouve afirmações do tipo: o Brasil não vai se curvar à ONU, isso é absolutamente assustador. Eu acho isso assustador, mas provavelmente isso não é nada diante do que virá com esse candidato, se ele por acaso vencer mesmo. Porque ele já disse que vai tirar o Brasil da ONU. Provavelmente ele não sabe onde fica a ONU, nem o que é a ONU. Mas, enfim, é muito temerário.

sábado, 7 de setembro de 2013

Governar e' aumentar impostos: prefeito companheiro de SP

Haddad “reinventa a roda” e anuncia mais um inevitável aumento de imposto
02/08/2013 - Redacao Midia@Mais
No Brasil, tomar de quem trabalha para, supostamente, compensar as mazelas de quem não trabalha virou senso comum.
Demorou mas vai sair: o aumento do IPTU paulistano. Isto mesmo: para ajudar a custear o desconto na passagem de quem está circulando, aumenta-se o imposto de quem está em casa, parado, e cometeu o “crime” de comprar sua casinha para não ter de dormir ao relento.
O prefeito petista alega que a “lei” manda reajustar: esquece, contudo, que a lei manda também garantir saúde e educação à população, mas isto é outra história. O fato é que é fácil ser governante no Brasil: basta fazer média com os “movimentos sociais” e aumentar a arrecadação tomando de quem não tem como se defender.
De todos os tributos, o IPTU é possivelmente um dos mais injustos e odiosos: punitivo a quem simplesmente adquiriu e manteve uma propriedade. Em nome da “justiça social”, agride mais uma vez a classe média. Mas você certamente não verá editoriais indignados a respeito. No Brasil, tomar de quem trabalha para, supostamente, compensar as mazelas de quem não trabalha virou senso comum.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

O dragao da maldade e os guerreiros atrapalhados...

Na fábula, na legenda, ou na história (cada um aceite como quiser), São Jorge, de lança em punho, matava valentemente o dragão, que ameaçava comer a donzela mandada para aplacar a sua fome (ou seja lá o que for...). 
Na figuração econômica, sobretudo brasileira, o dragão ficou simbolizando a inflação. Num passado não muito distante (digamos, 18 anos, mais ou menos), o vice-presidente guindado à presidência por um desses golpes do acaso (corrupção), que hoje pareceriam contos da Carochinha, achou que era São Jorge, mas mesmo atrapalhado, permitiu que os bravos guerreiros comandados pelo então ministro da Fazenda FHC (mas o mérito cabe todo à sua equipe de economistas, não a ele, sequer ao presidente, que não permitiu um ajuste real nas contas públicas), dessem um golpe certeiro na inflação. Ele foi dado, e durante o restante dos anos 1990 ela permaneceu em patamares civilizados, chegando mesmo, antes da crise de 1998, a meros 2% (se estou bem lembrado), patamar jamais alcançado antes ou depois. Se ela subiu em 2002 -- e por isso deu vazão à acusação desonesta de "herança maldita" por um provocador de inflação -- foi justamente porque o partido de oposição, vulgo dos trabalhadores, sempre sacrificou os trabalhadores, no seu pacto perverso com a CUT dos patrões, a FIESP, todos engajados em produzir inflação, ao anunciar planos mirabolantes de "mudar tudo isso que está aí". Ainda bem que não o fizeram, e a inflação, depois de recrudescer na campanha eleitoral, voltou a patamares civilizados com um presidente de BC que acreditava no tripé macroeconômico definido em 1999. Isso é história.
Mas, o governo dos companheiros perdeu a mão quando a atual presidente ascendeu à Casa Civil, bloqueando um ajuste mais forte, um superávit primário mais robusto, e dando início ao período de gastança que abalaria um dos pés do tripé, o equilíbrio fiscal. O segundo tripé, as metas da inflação, começou a ser desacreditado quando o atual ministro da Fazenda, ainda no governo anterior, se opôs ao rebaixamento da meta, num momento em que era possível fazê-lo, pois a de 2005 tinha ficado até abaixo da meta. Mas desde 2005 que não apenas a meta é mantida em 4,5% (mais de três vezes a média mundial) mas também o espaço de variação é muito grande, de 2%, exagerados. Finalmente, o terceiro pé, câmbio, vem sendo desacreditado desde muito tempo pelo ministro trapalhão (escolha qualquer um deles) que diz que o câmbio flutua, desde que seja pertinho de 2 reais por dólar.
Em qualquer país sério, executor monetário que prometesse cumprir metas e não cumprisse, seria chamado ao parlamento, e eventualmente demitido. O presidente do BC prometeu, em 2011, que entregaria a inflação dentro da meta em 2012. Não apenas não o fez, como diz que não sabe quando o fará.
Por isso a população está legitimamente preocupada, como indicam os dois artigos a seguir.
Eu já estou ao abrigo da inflação brasileira (não tanto, pois ainda pago contas no Brasil, para familiares), mas me preocupa que a estabilização monetária, tão duramente conquistada em 1994, e o tripé macroeconômico, tão dramaticamente introduzido em 1999 seja tão canhestramente sabotados, aparentemente de forma consciente, por gente que não sabe o que está destruindo.
Paulo Roberto de Almeida 
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Augusto Nunes, 09/02/2013
às 8:31 \ Direto ao Ponto

Nocauteada pelo Plano Real, a inflação avisou de novo que está querendo acordar

Dragão adormecido (Imagem: Gunilla Riddare)
Milhões de brasileiros sensatos estão compreensivelmente inquietos com o monstro adormecido há mais de 18 anos (Imagem: Gunilla Riddare)
Nocauteado pelo Plano Real em 1995, o dragão que atormentou o Brasil por quase meio século voltou a entreabrir os olhos neste janeiro: o índice de 0,86% é o maior dos últimos dez anos ─ e elevou para 6,15% a taxa anual. Os números seriam ainda mais perturbadores se os prefeitos Fernando Haddad e Eduardo Paes não tivessem adiado, a pedido de Dilma Rousseff, o aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo e no Rio. Mas os governantes do Brasil Maravilha seguem contemplando o horizonte com a expressão beatífica de um Gilberto Carvalho quando vê Lula a menos de cinco metros de diostância. A coisa vai bem demais, recitam as flores da inépcia. Se melhorar, estraga.
Na quinta-feira, Dilma Rousseff mandou a inflação passear para encontrar-se a sós com o senador amazonense Alfredo Nascimento. Demitido do Ministério dos Transportes depois de pilhado pela imprensa em cenas de corrupção explícita, Nascimento apareceu no Planalto caprichando na pose de presidente do PR. Na sexta-feira foi a vez de Carlos Lupi, apeado do Ministério do Trabalho também por ter aterrissado ruidosamente no noticiário político-policial. No papel de comandante do PDT, Lupi enfim reviu a chefe que lhe inspirou espalhafatosas declarações de amor.
“A presidenta quis trocar ideias com nossos aliados”, fantasiou Gilberto Carvalho. Quem passou a vida trocando favores não tem ideias para trocar. Nas duas audiências, só se tratou do contrato de aluguel que deverá garantir o apoio do PR e do PDT à candidatura de Dilma a um segundo mandato. A trinca não perdeu tempo com assuntos desagradáveis ─ as razões do despejo da dupla, por exemplo. Ninguém infiltrou na pauta temas incômodos ─ a inflação de janeiro, por exemplo. Dilma, Nascimento e Lupi examinaram exclusivamente questões ligadas à eleição de 2014. O passado e o presente ficaram fora da pauta que só tratou do futuro.
No lugar da presidente ocupada com dois casos de polícia, irrompeu no picadeiro o inevitável Guido Mantega. O que tinha a dizer sobre o índice divulgado pelo IBGE? “A projeção é de que janeiro foi o pico”, reincidiu a usina de vigarices. Depois de atravessar 2012 enxergando um pibão até ser atropelado pelo pibinho, depois de recorrer a trapaças de envergonhar qualquer 171 para esconder crateras nas contas públicas, Mantega recomeçou a sequência de previsões cretinas. A tapeação não pode parar.
“Eu não tenho projeção até dezembro, mas nos próximos meses a inflação vai para baixo”, mentiu outra vez. Até o aprendiz de ilusionista disfarçado de ministro da Fazenda sabe que a taxa de janeiro seria mais alarmante se o o preço da gasolina subisse no começo do ano, como queria Graça Foster, presidente da Petrobras. O próximo índice já refletirá os efeitos desse aumento.
Ainda no primeiro semestre, queiram ou não os prefeitos companheiros, paulistanos e cariocas estarão pagando mais caro para embarcar em ônibus, trens urbanos e metrôs. O crescimento da demanda (estimulado pelo governo) e a redução da oferta (decorrente da retração da atividade industrial) ameaçam reprisar a parceria historicamente perversa. E a curva ascendente dos preços dos alimentos começa a causar estragos sobretudo nos bolsos da classe média (velha ou nova).
Como registra o comentário de 1 minuto para o site de VEJA, milhões de brasileiros sensatos estão compreensivelmente inquietos com os sinais emitidos pelo monstro adormecido há mais de 18 anos. Os encarregados de impedir que desperte não perdem o sono por tão pouco. Dilma e Mantega estão brincando com o perigo. Podem acabar engolidos pelo bicho que acordaram.
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Inflação preocupante

09 de fevereiro de 2013 | 2h 08
Editorial O Estado de S.Paulo
 
Com os preços em disparada, o ano começou mal para as famílias brasileiras e com sinais agourentos para o governo da presidente Dilma Rousseff. Nenhum outro país emergente vem enfrentando, como o Brasil, a combinação de custo de vida em alta e produção estagnada, uma das grandes marcas da economia nacional nos últimos dois anos. As perspectivas de expansão da atividade parecem melhores em 2013 do que no biênio anterior, mas as pressões inflacionárias continuam preocupantes, embora as autoridades apostem, pelo menos oficialmente, numa melhora gradual do quadro. A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passou de 0,79% em dezembro para 0,86% em janeiro e atingiu a maior variação mensal desde abril de 2005, segundo informou na quinta-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta acumulada em 12 meses chegou a 6,15% e continuou a distanciar-se da meta fixada pelas autoridades de 4,5%. Não há ainda sinal, no entanto, de uma política anti-inflacionária mais firme que a adotada a partir de agosto de 2011, quando o Banco Central (BC) passou a reduzir os juros.
A hipótese de um aumento de juros já foi considerada nos mercados, depois de o presidente do BC, Alexandre Tombini, descrever o quadro atual como desconfortável, mas ainda é tratada como improvável. Os dirigentes do BC reafirmaram no fim de janeiro, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a expectativa de uma acomodação dos preços ao longo de 2013. Reiteraram também a disposição de manter a atual política por um "período suficientemente prolongado".
Esse é um jogo de alto risco. A experiência já desmentiu no ano passado algumas das previsões mais importantes do Copom. A inflação, segundo o pessoal do BC, vinha sendo impulsionada principalmente pelos preços internacionais dos produtos agrícolas. A crise global derrubaria esses preços. Oscilaram, de fato, mas voltaram a subir. O governo cumpriria a meta fiscal e isso também ajudaria a conter as pressões inflacionárias. Também essa projeção foi errada. No fim do ano, o Ministério da Fazenda recorreu a uma porção de truques para maquiar o resultado das contas públicas. Além de tudo, outros fatores, além dos preços internacionais das commodities, alimentaram fortemente a inflação. Os fatos, portando, desmentiram tanto o diagnóstico quanto os prognósticos oficiais.
Os fatos continuam desmentindo a avaliação oficial dos técnicos e dirigentes do BC. A alta dos preços das matérias-primas é apenas um dos componentes do quadro. Os números mostram um cenário mais complexo e um problema bem mais grave. Em dezembro, aumentos de preços foram registrados em 70% dos itens componentes do IPCA. Bastaria isso para desmentir a tese de uma inflação associada a uma classe única de fatores. Em janeiro esse indicador de difusão chegou a 75%, denunciando um alastramento ainda mais amplo.
É fácil entender esse quadro quando se levam em conta o alto nível de emprego, a expansão da massa de rendimentos, o rápido aumento do crédito e a expansão do gasto público, apesar das dificuldades orçamentárias em fase de estagnação econômica. Curiosamente, o próprio Copom, em sua última ata, menciona "a maior dispersão" dos aumentos de preços ao consumidor, a "estreita margem de ociosidade no mercado de trabalho", as perspectivas de uma demanda interna ainda robusta e, afinal, a "posição expansionista das contas públicas".
Alguns desses fatores haviam sido apontados em documentos anteriores do Copom. No entanto, as decisões sobre a política monetária foram tomadas, ao longo do ano, como se esses problemas devessem esgotar-se nos meses seguintes, sem deixar marcas no sistema de preços. Esse otimismo, até agora contrariado pelos fatos, parece manter-se. O governo continua confiando em medidas tópicas, destinadas a conter este ou aquele preço (da eletricidade, por exemplo), como remédios contra a inflação. Que um governo com inclinações populistas faça isso é até compreensível. Chocante, mesmo, é a passividade do BC.