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sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Augusto Heleno e Celso Amorim: diplomacias de Bolsonaro e Haddad (O Globo)

Ministeriáveis de Bolsonaro e Haddad analisam desafios para a política externa do próximo presidente

General Augusto Heleno e embaixador Celso Amorim veem com preocupação crise humanitária e imigratória na Venezuela

Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) disputam segundo turno da eleição presidencial Foto: Mauro Pimentel/AFP//Marcos Alves/Agência O Globo

'Bolsonaro repudia frontalmente o governo Maduro'

O general Augusto Heleno concede entrevista - Daniel Marenco 11-09-2018 / Agência O Globo
Na campanha de Jair Bolsonaro, o general da reserva Augusto Heleno Pereira, que foi comandante militar da Amazônia, chefiou a missão de paz do Brasil no Haiti, e é cotado para assumir o Ministério da Defesa, considera que o país será fortemente impactado pela crise humanitária no país vizinho. "A situação tende a se agravar cada vez mais, com reflexos evidentes e nefastos para o Brasil, porque nós estamos recebendo venezuelanos", disse. Ele avalia que as propostas de fechamento de fronteira, para conter a onda de refugiados, são utópicas e não condizem com a tradição brasileira de solidariedade aos imigrantes.
O que é preciso mudar na atual política externa brasileira?
Acho que o viés ideológico que foi impresso, de maneira absolutamente evidente no Itamaraty, nos últimos 15 anos, foi muito prejudicial ao Brasil. Nós temos de mudar isso e buscar uma posição diferente em relação ao contexto internacional. Sempre tivemos uma diplomacia extremamente atuante e um quadro diplomático da melhor qualidade, que foi impregnado de pouco pragmatismo e muita ideologia.
Recentemente, Jair Bolsonaro disse que o Brasil deveria sair da ONU. Isso não vai contra a tradição diplomática brasileira a favor do multilateralismo?
Não, não. Isso foi totalmente desmentido pelo Bolsonaro. Ele cometeu um ato falho e reconheceu que se expressou mal.
Ele teria se confundido por causa do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que defendeu que o ex-presidente Lula pudesse se candidatar?
Não é que ele se confundiu. Ele se expressou mal, ao dizer "vamos sair da ONU". Já aquela comissão é formada por alguns desempregados internacionais, que querem ganhar notoriedade e vivem de fazer proselitismo marxista. Essa comissão não pode interferir nos assuntos internos do Brasil que, por outro lado, tem uma tradição na ONU muito grande. O Brasil abre anualmente a reunião da Assembleia-Geral. Segundo a História, foi até cogitado para ser um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, com direito a veto e tudo.
Como um governo Bolsonaro agiria em relação à Venezuela?
Quero deixar claro que esta é minha opinião, e não a de Bolsonaro, que repudia frontalmente o governo Maduro (Nicolás Maduro, presidente do país vizinho), e que resolverá a questão quando tiver nomeado seu chanceler. O problema da Venezuela, mais do que político, é humanitário. Temos um povo passando fome, vendo seu país ser destroçado e que é incapaz de reagir, porque foram criadas milícias de repressão a qualquer tipo de reação. Os meios democráticos são completamente sufocados por ações do governo, em prol da sua permanência no poder. A situação tende a se agravar cada vez mais, com reflexos evidentes e nefastos para o Brasil, porque nós estamos recebendo venezuelanos.
Há quem defenda, dentro do próprio partido de Bolsonaro, o PSL, o fechamento da fronteira em Roraima.
O fechamento da fronteira, além de ser uma utopia, está fora dos padrões que o Brasil sempre adotou em relação aos refugiados. Não faz parte da tradição brasileira fechar uma fronteira numa situação dessas. Afinal de contas, eles [os imigrantes venezuelanos] são os menos culpados. Só que, para nós, é pesado. Roraima é um estado que poderia ser muito rico, poderia estar em uma situação muito boa economicamente, mas foi subtraído. Parte de seu território passou por demarcações duvidosas de terras indígenas e hoje é um estado pobre. Há uma tentativa de deslocar esse pessoal para São Paulo e Rio de Janeiro. Porém, é claro que a situação do Brasil não nos permite fazer esse gesto humanitário sem que haja alguma consequência também para nós.
Bolsonaro costuma demonstrar uma postura crítica em relação à China. Por que isso, se os chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil?
O Bolsonaro é muito claro. Pretendemos manter essa relação comercial com a China, até pela grandiosidade do país no mercado mundial. O que a gente não pode é vender o Brasil para a China. Há um interesse muito grande em manter esse relacionamento, mas não podemos aceitar, de repente, que eles saiam comprando um pedaço do Brasil e isso chegue a comprometer esse relacionamento. As relações internacionais são sempre para atender aos interesses dos dois lados.
E os Estados Unidos?
Nossas relações são boas, mas podem melhorar. Há, por parte do pessoal da esquerda mais radical, um preconceito, uma prevenção enorme com relação aos EUA e não há necessidade disso. É a maior potência do mundo, está perto do Brasil e temos ligações históricas. Mas existe preconceito impregnado por doutrinas ideológicas. Também queremos manter boas relações com outros países, como os da Comunidade Árabe, Israel, Europa...Também temos uma forte aproximação e, felizmente, nenhum contencioso, na América do Sul. No entanto, há problemas com alguns que precisam ser divididos com os vizinhos, como o monitoramento das fronteiras.

'Nós não queremos um Vietnã na nossa fronteira'

O ex-ministro Celso Amorim na sede do Sindicato dos Metalurgicos, no ABC paulista - Edilson Dantas / Agência O Globo
Na campanha de Fernando Haddad, o embaixador Celso Amorim, ex-chanceler do ex-presidente Lula e ex-ministro da Defesa de Dilma, critica o discurso que prega uma ação militar contra o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro. Um intervenção militar ou um golpe, na visão do representante, causaria ainda mais radicalização. O petista afirma que os governos do PT "nunca deram apoio irrestrito" ao governo venezuelano e nega a visão de que a política externa do partido seja marcada pela ideologia. Para ele, a solução da crise passa por retirar o país vizinho do isolamento.
Bolsonaro e sua equipe dizem que a política externa do PT é muito ideologizada.
Não é verdade. Nós nunca demos apoio irrestrito ao governo venezuelano, por exemplo. Muito pelo contrário. Na época do Chávez (Hugo Chávez, ex-presidente do país), éramos bastante abertos ao diálogo. Criamos um grupo de amigos com a participação dos Estados Unidos, para tentarmos resolver o problema. Aliás, não preciso dizer o quanto eram boas as relações entre o ex-presidente Lula e o então presidente americano George W. Bush. Não há nada de ideológico. O Brasil sempre trabalhou pelo interesse nacional. Negociamos acordos comerciais de interesse do agronegócio e da indústria brasileira. Criamos uma parceria estratégica com a União Europeia que não existia. O que há de ideológico nisso? O que há de ideológico em você vender mais ônibus? A Arábia Saudita é de esquerda, por acaso? Só porque é um país em desenvolvimento? Tudo isso é uma tolice que não tem cabimento nenhum. A nossa política era de defesa do interesse brasileiro.
A que o senhor atribui essas críticas?
Essas coisas são inventadas e é muito difícil você derrubar histórias inventadas. Dizem que o Brasil vai ser uma Venezuela. Gente, estivemos doze anos no poder e não viramos Venezuela! Por que agora, em que o nosso candidato é justamente um professor? O que é isso, gente? São invenções. Invenções puras. Mas somos, sim, a favor de soluções pelo diálogo e não de intervenção. Nós não queremos um Vietnã na nossa fronteira. Também não vejo nada de ideológico em ter relações com a África. Isso é o reconhecimento, primeiro, da nossa identidade. O brasileiro gosta de olhar no espelho e imaginar que está vendo um europeu. Mas não é.
O que é preciso fazer em relação à Venezuela?
A crise na Venezuela é, indiscutivelmente, um problema sério, que não se resolve com intervenção militar ou golpe, pois isso radicalizaria ainda mais as posições. Não dá para isolar a Venezuela. Também não podemos nos esquecer que temos grandes interesses, com destaque para Roraima, que depende da energia da Venezuela.
É possível esperar que a política externa de Fernando Haddad repita a dos governos petistas anteriores?
O mundo mudou desde então. Não havia o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), nem o atual conflito entre EUA e Rússia, ou a guerra comercial entre americanos e chineses, ou o acirramento dos problemas entre Arábia Saudita e Irã e o namoro entre EUA e Coreia do Norte. Eu diria que a política externa de um governo Haddad continuará se pautando por uma diretriz de independência, integração sul-americana, aproximação com a África, fortalecimento do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e boas relações com EUA e União Europeia.
O senhor tem conversado com personalidades internacionais a respeito da situação política do Brasil. Qual a sua percepção?
O mundo inteiro está assustado com o que se passa no Brasil. Assustado com a possibilidade de haver a vitória de um candidato que fez afirmações de machismo, xenofobia, racismo, violência. E não estou falando da Venezuela, nem de Cuba. Eu estou falando da França, da Alemanha, dos EUA. Os grandes jornais nesses países todos refletem isso. Os governos ficam quietos, porque eles não querem perder a oportunidade de fazer negócios, e isso é diferente. E não estou falando de jornais de esquerda. Estou falando do Le Monde (francês), do New York Times, do The Economist, e do Washington Post, que dois dias atrás botou uma charge em que o losango da bandeira brasileira se transforma uma suástica.
O multilateralismo está em crise. O presidente Donald Trump tem colocado a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a própria ONU em xeque. Como proceder ante esse impasse?
O multilateralismo é algo que o Brasil sempre defendeu. Talvez não na época do auge do governo militar, porque não se falava muito nisso. E o Brasil estava meio sob amarras ali, se isolava, era a Ilha da Fantasia naquela época. Os governos que eu me lembro de ter servido mais de perto, como do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sempre defenderam o multilateralismo. Então, quando ocorre essa decisão do Comitê de Direitos Humanos e a gente ouve afirmações do tipo: o Brasil não vai se curvar à ONU, isso é absolutamente assustador. Eu acho isso assustador, mas provavelmente isso não é nada diante do que virá com esse candidato, se ele por acaso vencer mesmo. Porque ele já disse que vai tirar o Brasil da ONU. Provavelmente ele não sabe onde fica a ONU, nem o que é a ONU. Mas, enfim, é muito temerário.