Na fábula, na legenda, ou na história (cada um aceite como quiser), São Jorge, de lança em punho, matava valentemente o dragão, que ameaçava comer a donzela mandada para aplacar a sua fome (ou seja lá o que for...).
Na figuração econômica, sobretudo brasileira, o dragão ficou simbolizando a inflação. Num passado não muito distante (digamos, 18 anos, mais ou menos), o vice-presidente guindado à presidência por um desses golpes do acaso (corrupção), que hoje pareceriam contos da Carochinha, achou que era São Jorge, mas mesmo atrapalhado, permitiu que os bravos guerreiros comandados pelo então ministro da Fazenda FHC (mas o mérito cabe todo à sua equipe de economistas, não a ele, sequer ao presidente, que não permitiu um ajuste real nas contas públicas), dessem um golpe certeiro na inflação. Ele foi dado, e durante o restante dos anos 1990 ela permaneceu em patamares civilizados, chegando mesmo, antes da crise de 1998, a meros 2% (se estou bem lembrado), patamar jamais alcançado antes ou depois. Se ela subiu em 2002 -- e por isso deu vazão à acusação desonesta de "herança maldita" por um provocador de inflação -- foi justamente porque o partido de oposição, vulgo dos trabalhadores, sempre sacrificou os trabalhadores, no seu pacto perverso com a CUT dos patrões, a FIESP, todos engajados em produzir inflação, ao anunciar planos mirabolantes de "mudar tudo isso que está aí". Ainda bem que não o fizeram, e a inflação, depois de recrudescer na campanha eleitoral, voltou a patamares civilizados com um presidente de BC que acreditava no tripé macroeconômico definido em 1999. Isso é história.
Mas, o governo dos companheiros perdeu a mão quando a atual presidente ascendeu à Casa Civil, bloqueando um ajuste mais forte, um superávit primário mais robusto, e dando início ao período de gastança que abalaria um dos pés do tripé, o equilíbrio fiscal. O segundo tripé, as metas da inflação, começou a ser desacreditado quando o atual ministro da Fazenda, ainda no governo anterior, se opôs ao rebaixamento da meta, num momento em que era possível fazê-lo, pois a de 2005 tinha ficado até abaixo da meta. Mas desde 2005 que não apenas a meta é mantida em 4,5% (mais de três vezes a média mundial) mas também o espaço de variação é muito grande, de 2%, exagerados. Finalmente, o terceiro pé, câmbio, vem sendo desacreditado desde muito tempo pelo ministro trapalhão (escolha qualquer um deles) que diz que o câmbio flutua, desde que seja pertinho de 2 reais por dólar.
Em qualquer país sério, executor monetário que prometesse cumprir metas e não cumprisse, seria chamado ao parlamento, e eventualmente demitido. O presidente do BC prometeu, em 2011, que entregaria a inflação dentro da meta em 2012. Não apenas não o fez, como diz que não sabe quando o fará.
Por isso a população está legitimamente preocupada, como indicam os dois artigos a seguir.
Eu já estou ao abrigo da inflação brasileira (não tanto, pois ainda pago contas no Brasil, para familiares), mas me preocupa que a estabilização monetária, tão duramente conquistada em 1994, e o tripé macroeconômico, tão dramaticamente introduzido em 1999 seja tão canhestramente sabotados, aparentemente de forma consciente, por gente que não sabe o que está destruindo.
Paulo Roberto de Almeida
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Milhões de brasileiros sensatos estão compreensivelmente inquietos com o
monstro adormecido há mais de 18 anos (Imagem: Gunilla Riddare)
Nocauteado pelo Plano Real em 1995, o dragão que atormentou o Brasil
por quase meio século voltou a entreabrir os olhos neste janeiro: o
índice de 0,86% é o maior dos últimos dez anos ─ e elevou para 6,15% a
taxa anual. Os números seriam ainda mais perturbadores se os prefeitos
Fernando Haddad e Eduardo Paes não tivessem adiado, a pedido de Dilma
Rousseff, o aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo e no
Rio. Mas os governantes do Brasil Maravilha seguem contemplando o
horizonte com a expressão beatífica de um Gilberto Carvalho quando vê
Lula a menos de cinco metros de diostância. A coisa vai bem demais,
recitam as flores da inépcia. Se melhorar, estraga.
Na quinta-feira, Dilma Rousseff mandou a inflação passear para
encontrar-se a sós com o senador amazonense Alfredo Nascimento. Demitido
do Ministério dos Transportes depois de pilhado pela imprensa em cenas
de corrupção explícita, Nascimento apareceu no Planalto caprichando na
pose de presidente do PR. Na sexta-feira foi a vez de Carlos Lupi,
apeado do Ministério do Trabalho também por ter aterrissado ruidosamente
no noticiário político-policial. No papel de comandante do PDT, Lupi
enfim reviu a chefe que lhe inspirou espalhafatosas declarações de amor.
“A presidenta quis trocar ideias com nossos aliados”, fantasiou
Gilberto Carvalho. Quem passou a vida trocando favores não tem ideias
para trocar. Nas duas audiências, só se tratou do contrato de aluguel
que deverá garantir o apoio do PR e do PDT à candidatura de Dilma a um
segundo mandato. A trinca não perdeu tempo com assuntos desagradáveis ─
as razões do despejo da dupla, por exemplo. Ninguém infiltrou na pauta
temas incômodos ─ a inflação de janeiro, por exemplo. Dilma, Nascimento e
Lupi examinaram exclusivamente questões ligadas à eleição de 2014. O
passado e o presente ficaram fora da pauta que só tratou do futuro.
No lugar da presidente ocupada com dois casos de polícia, irrompeu no
picadeiro o inevitável Guido Mantega. O que tinha a dizer sobre o
índice divulgado pelo IBGE? “A projeção é de que janeiro foi o pico”,
reincidiu a usina de vigarices. Depois de atravessar 2012 enxergando um
pibão até ser atropelado pelo pibinho, depois de recorrer a trapaças de
envergonhar qualquer 171 para esconder crateras nas contas públicas,
Mantega recomeçou a sequência de previsões cretinas. A tapeação não pode
parar.
“Eu não tenho projeção até dezembro, mas nos próximos meses a
inflação vai para baixo”, mentiu outra vez. Até o aprendiz de
ilusionista disfarçado de ministro da Fazenda sabe que a taxa de janeiro
seria mais alarmante se o o preço da gasolina subisse no começo do ano,
como queria Graça Foster, presidente da Petrobras. O próximo índice já
refletirá os efeitos desse aumento.
Ainda no primeiro semestre, queiram ou não os prefeitos companheiros,
paulistanos e cariocas estarão pagando mais caro para embarcar em
ônibus, trens urbanos e metrôs. O crescimento da demanda (estimulado
pelo governo) e a redução da oferta (decorrente da retração da atividade
industrial) ameaçam reprisar a parceria historicamente perversa. E a
curva ascendente dos preços dos alimentos começa a causar estragos
sobretudo nos bolsos da classe média (velha ou nova).
Como registra o
comentário de 1 minuto para o site de VEJA,
milhões de brasileiros sensatos estão compreensivelmente inquietos com
os sinais emitidos pelo monstro adormecido há mais de 18 anos. Os
encarregados de impedir que desperte não perdem o sono por tão pouco.
Dilma e Mantega estão brincando com o perigo. Podem acabar engolidos
pelo bicho que acordaram.
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09 de fevereiro de 2013 | 2h 08
Editorial O Estado de S.Paulo
Com os preços em disparada, o ano começou mal para as
famílias brasileiras e com sinais agourentos para o governo da
presidente Dilma Rousseff. Nenhum outro país emergente vem enfrentando,
como o Brasil, a combinação de custo de vida em alta e produção
estagnada, uma das grandes marcas da economia nacional nos últimos dois
anos. As perspectivas de expansão da atividade parecem melhores em 2013
do que no biênio anterior, mas as pressões inflacionárias continuam
preocupantes, embora as autoridades apostem, pelo menos oficialmente,
numa melhora gradual do quadro. A inflação medida pelo Índice de Preços
ao Consumidor Amplo (IPCA) passou de 0,79% em dezembro para 0,86% em
janeiro e atingiu a maior variação mensal desde abril de 2005, segundo
informou na quinta-feira o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A alta acumulada em 12 meses chegou a 6,15% e
continuou a distanciar-se da meta fixada pelas autoridades de 4,5%. Não
há ainda sinal, no entanto, de uma política anti-inflacionária mais
firme que a adotada a partir de agosto de 2011, quando o Banco Central
(BC) passou a reduzir os juros.
A hipótese de um aumento de juros já foi considerada nos mercados,
depois de o presidente do BC, Alexandre Tombini, descrever o quadro
atual como desconfortável, mas ainda é tratada como improvável. Os
dirigentes do BC reafirmaram no fim de janeiro, na ata da última reunião
do Comitê de Política Monetária (Copom), a expectativa de uma
acomodação dos preços ao longo de 2013. Reiteraram também a disposição
de manter a atual política por um "período suficientemente prolongado".
Esse é um jogo de alto risco. A experiência já desmentiu no ano
passado algumas das previsões mais importantes do Copom. A inflação,
segundo o pessoal do BC, vinha sendo impulsionada principalmente pelos
preços internacionais dos produtos agrícolas. A crise global derrubaria
esses preços. Oscilaram, de fato, mas voltaram a subir. O governo
cumpriria a meta fiscal e isso também ajudaria a conter as pressões
inflacionárias. Também essa projeção foi errada. No fim do ano, o
Ministério da Fazenda recorreu a uma porção de truques para maquiar o
resultado das contas públicas. Além de tudo, outros fatores, além dos
preços internacionais das commodities, alimentaram fortemente a
inflação. Os fatos, portando, desmentiram tanto o diagnóstico quanto os
prognósticos oficiais.
Os fatos continuam desmentindo a avaliação oficial dos técnicos e
dirigentes do BC. A alta dos preços das matérias-primas é apenas um dos
componentes do quadro. Os números mostram um cenário mais complexo e um
problema bem mais grave. Em dezembro, aumentos de preços foram
registrados em 70% dos itens componentes do IPCA. Bastaria isso para
desmentir a tese de uma inflação associada a uma classe única de
fatores. Em janeiro esse indicador de difusão chegou a 75%, denunciando
um alastramento ainda mais amplo.
É fácil entender esse quadro quando se levam em conta o alto nível de
emprego, a expansão da massa de rendimentos, o rápido aumento do
crédito e a expansão do gasto público, apesar das dificuldades
orçamentárias em fase de estagnação econômica. Curiosamente, o próprio
Copom, em sua última ata, menciona "a maior dispersão" dos aumentos de
preços ao consumidor, a "estreita margem de ociosidade no mercado de
trabalho", as perspectivas de uma demanda interna ainda robusta e,
afinal, a "posição expansionista das contas públicas".
Alguns desses fatores haviam sido apontados em documentos anteriores
do Copom. No entanto, as decisões sobre a política monetária foram
tomadas, ao longo do ano, como se esses problemas devessem esgotar-se
nos meses seguintes, sem deixar marcas no sistema de preços. Esse
otimismo, até agora contrariado pelos fatos, parece manter-se. O governo
continua confiando em medidas tópicas, destinadas a conter este ou
aquele preço (da eletricidade, por exemplo), como remédios contra a
inflação. Que um governo com inclinações populistas faça isso é até
compreensível. Chocante, mesmo, é a passividade do BC.