Três quartos de século, três gerações
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre a passagem do tempo, dedicada a Carmen Lícia Palazzo, que me acompanhou pela maior parte desta trajetória de vida, tendo lido muito mais livros do que eu, sendo bem mais inteligente do que eu, e que me confortou, assim como a todos da família, em todos os momentos de uma vida nômade e repleta de boas surpresas intelectuais.
A demografia histórica tem uma função precisa: medir e analisar dados populacionais ao longo do tempo em comunidades definidas; é ela quem nos diz quais países ou sociedades estão registrando crescimento demográfico e quais já entraram na direção da redução da natalidade e diminuição progressiva da população. Ela faz, digamos, o lado macro da evolução demográfica dos países e, cumulativamente, do mundo, no decorrer do tempo. Ao nível micro, a demografia tem de ser vista pelo tempo de vida de cada indivíduo, o que normalmente se estende por três gerações, ou aproximadamente 75 anos: pais, filhos e netos, mais frequentemente agora bisnetos, mas é bem mais raro, sobretudo nos países de esperança de vida reduzida.
A vida das pessoas é, portanto, medida geralmente pelo ciclo da infância, da maturidade (seguida pela maternidade e paternidade) e pela continuidade dessa geração nos filhos dos seus filhos. A realização pessoal de cada individuo de uma geração se faz pelos estudos na infância e na adolescência, pelo trabalho na vida adulta e depois pela ajuda na administração da família que segue na geração seguinte, filhos já adultos e os netos. Esse é, via de regra, o itinerário de uma vida humana que fica geralmente limitada a três quartos de século, considerando-se uma trajetória “normal”, com boa alimentação e cuidados de saúde.
No que me concerne, pessoalmente, minha infância e adolescência foram ocupadas simultaneamente por estudos e trabalhos, aliás praticamente a vida inteira, pois que nunca deixei de estudar e de dar aulas, mesmo quando profissionalmente dedicado à carreira diplomática já na idade adulta. Mas comecei a dar aulas para preparação de ingresso na universidade, antes mesmo de ingressar eu mesmo nos estudos superiores, dada a minha precocidade nas leituras e nos estudos desde que aprendi a ler, na idade tardia de sete anos (sempre achei que perdi dois ou três anos de leituras, por pertencer a uma família de avós analfabetos, completamente, e de pais saídos da escola primária para começar a trabalhar. Leituras, estudos, docência fizeram parte de minha vida muito mais, provavelmente, do que as mais de quatro décadas voltadas para o desempenho na diplomacia profissional.
Aliás, a diplomacia foi a profissão ideal para quem se destinava a uma carreira puramente acadêmica, voltada para minha primeira profissão, que foi a de professor, continuada ao longo dos anos. A diplomacia é a mais intelectual das profissões na burocracia estatal, pois que obriga e combina atividades de pesquisa, de informação, de reflexão, de produção de soluções e de respostas aos desafios das relações exteriores do país, levando em conta um conhecimento preciso das características e necessidades do seu próprio país.
Entrei agora no quarto final de minha trajetória pessoal, ocupacional (pois que ainda sou professor) e intelectual, uma vez que continuo produzindo trabalhos acadêmicos e livros-síntese de minhas leituras, pesquisas e conhecimentos adquiridos em outros livres e no contato com a realidade, pela mídia, pelas visitas e viagens, participação em encontros e seminários, pela docência, pela convivência com familiares e amigos. Espero continuar produtivo pelo tempo que me resta de trajetória neste planeta confuso, agitado, por vezes calmo, mas atualmente tão agitado quanto em certas épocas passadas. A esses desafios do presente, respondo com algum mergulho no passado, leituras de história e memórias de quem participou da vida ativa em épocas pretéritas e alguma especulação quanto ao futuro.
Nos dois últimos anos, tenho ficado muito preocupado com um certo retorno ao imperialismo brutal de duas ou três gerações atrás, ao expansionismo militarista de tiranos e ditadores arrogantes, aos perigos que pensávamos superados depois do final de uma Guerra Fria que por vezes arriscou os limites de uma nova confrontação global, agora novamente à espreita. Volto minhas reflexões, leituras e pesquisas para os novos perigos que rondam a humanidade, e tento oferecer ao meu país, aos meus colegas diplomatas observações que retiro da experiência profissional passada e das constantes leituras que continuo fazendo, mas agora sem qualquer obrigação de trabalho. Ou seja, apenas devoção intelectual pelo estudo, reflexão e escrita sobre os problemas do país e da humanidade.
Persistirei nesse empenho e dedicação ao conhecimento e sua transmissão racional aos mais jovens, geralmente estudantes, muitos que eu sequer conheço, pois que coloco a quase totalidade de minha produção intelectual à livre disposição dos interessados, dos que me seguem, de eventuais curiosos que frequentam meus canais de informação, de passantes ao acaso, que também demonstram interesse por minhas afinidades de leitura e de escrita.
A todos os que se beneficiaram de minhas aulas, de meus trabalhos, direta ou indiretamente, a todos os meus colegas de trabalho, atuais e aposentados, como é agora o meu caso, minhas melhores saudações e cumprimentos, na certeza de partilharmos do mesmo objetivo básico: fazer do presente mundo, e do seu futuro de curto prazo, um mundo melhor do que aquele que encontramos quando nascemos, aquele que nos foi legado por nossos avós, nossos país. Que as gerações seguintes, meus netos, talvez futuros bisnetos possam encontrar no meu patrimônio intelectual algum motivo de satisfação pessoal, tanto quanto eu tive ao produzir certa massa de conhecimento de considero ser de alguma utilidade para a melhoria do país, talvez de alguma parte da humanidade.
Despeço-me do terceiro quarto de século, e espero ainda contribuir com mais algum conhecimento no tempo que ainda me resta como pessoa ativa e pensante. Salut!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4792, 19 novembro 2024, 3 p.