O terceiro grande personagem
das eleições brasileiras: o ausente
Reflexões sobre a abstenção e
os votos brancos e nulos em 2014
Paulo Roberto de Almeida
“Está decidido: a
decisão dos indecisos será decisiva.”
Ruitemberg Pereira
(20/10/2014)
Resultados do primeiro turno das eleições
presidenciais no Brasil:
1o. Dilma
Rousseff, PT: 41,59% do total dos votos
2o. Aécio
Neves, PSDB: 33,55%
3o.
Marina Silva, PSB: 21.32%
4o.
Abstenção: 19,39%
5o.
Brancos e nulos: 7,77%
6o.
Demais candidatos: 3,55%
Fonte: TSE, votos totalizados em 6/10/2014, 11:10hs
Estes foram os resultados
nominais por candidato no primeiro turno das eleições presidenciais, em 5 de
outubro de 2014. Observe-se que, se agregarmos aos ausentes os que votaram nulo
ou branco, essa “categoria” assume a
terceira posição no escrutínio, com 27,16% dos votos potenciais, acima,
portanto, da terceira candidata, que ficou perto de ser superada pelos que
preferiram ou optaram pela abstenção. Cabe, portanto fazer uma reflexão sobre
esses números, sobretudo sobre esse terceiro grande “personagem” do cenário
político-eleitoral.
Registre-se, em primeiro
lugar, que a taxa de abstenção não pode, e não deve, ser considerada uma
anomalia, pois ela equivaleria, de certo modo, ao abstencionismo regular em
sistemas eleitorais que facultam ao eleitor o direito de votar ou de abster-se.
Com efeito, muitos países que consideram efetivamente ser o voto um direito,
uma decisão de livre escolha de cada cidadão, e não uma obrigação, exibem uma
taxa regular e constante de abstencionismo, que pode ir até a 30% do
eleitorado, dependendo das circunstâncias ou das disputas em curso. Em
democracias consolidadas, o voto local – em muitos casos para juiz de cantão,
para xerife de aldeia, para conselheiro da cidade – apresenta maior importância
do que votos provinciais ou estaduais, em federações, ou até no caso de
eleições nacionais. Em democracias em construção, a fragmentação partidária e a
indefinição das plataformas eleitorais – para não dizer a demagogia de muitos
candidatos – também podem afastar uma parcela razoável de eleitores dos pleitos
regulares a que são chamados. Não devemos, portanto, esperar, uma redução
significativa do absenteísmo eleitoral nos países que mantêm a normalidade do
jogo democrático. No caso do Brasil é diferente, e sabemos porque.
No nosso caso, o voto é
compulsório, e não apenas sujeita o inadimplente ao pagamento de uma multa,
pelo não exercício desse “dever cívico”, como praticamente o impede de usufruir
de diversos outros serviços, e até obrigações do Estado que lhe obriga a
comparecer às urnas a cada dois anos, mesmo contra a sua vontade, e na ausência
de opções eletivas mais interessantes. Ou seja, o voto de protesto fica
limitado ao nulo, ou ao branco, mas ainda assim o número de ausentes pode ser
elevado. No primeiro turno das eleições, registrou-se esse tipo de
“manifestação” por parte de 27% do corpo eleitoral, uma proporção bem alta,
como se constata.
No segundo turno, em 26 de
outubro, eliminados os não competitivos e os chamados “nanicos” – que talvez
“poluíssem” o ambiente aos olhos de muitos eleitores – as abstenções tendem a
diminuir. Ainda assim, conforme registram algumas pesquisas eleitorais, cerca
de 6% dos eleitores estavam indecisos quanto a um ou outro dos dois candidatos
restantes, e cerca de 5% deles se pronunciavam pelo voto nulo ou branco. É
possível que essas proporções se reduzam ainda, mas deveremos provavelmente
contar com um décimo do eleitorado, pelo menos, excluindo-se do escrutínio, e
deixando pairar uma grande dúvida sobre o vencedor final, que provavelmente o
será por uma margem inferior a esses 10% de indecisos ou “nihilistas”. Trata-se,
portanto, de um personagem estratégico, para qualquer um dos candidatos, e
todos se esforçarão para conquistar, se não todos, pelo menos uma boa parte
desses eleitores indecisos, absenteístas, ou opostos a qualquer uma das duas
escolhas.
Os que votam nulo ou
branco, e assim o declaram, já têm uma posição firmada, seja quanto aos candidatos
ou quanto ao processo político-eleitoral de uma forma geral. Eles são
indiferentes – no sentido negativo – ao que se passa no mundo da política, ou
são especialmente preocupados, justamente, com o cenário político do país e –
já num sentido positivo – desejam expressar essa contrariedade negando seu voto
a um sistema ou a candidatos aos quais eles se opõem resolutamente (podendo ser
tanto de “direita”, ainda que tal categoria seja muito difusa no Brasil, ou
mais provavelmente de esquerda, uma condição que, sim, costuma rejeitar a
“democracia burguesa” e todos aqueles que são “coniventes com o capital”). No
primeiro caso, se trata de uma expressão de enfado, ou até de horror, com a
política, vista como coisa suja, ou, então, como incapaz, na prática, de mudar
alguma coisa em sua vida; no segundo caso, se trata de militantismo, e até de
fundamentalismo político: a rejeição é consciente e deliberada.
Não há muito a fazer em
relação a esses “eleitores”, a não ser relembrar-lhes que o seu protesto, tanto
quanto a indiferença dos ausentes, fará diminuir o número de votos válidos, e
portanto o quociente eleitoral de cada um dos candidatos majoritários, o que
pode resultar, eventualmente, na eleição daquele candidato que o ausente, ou
“nihilista”, mais recusa. Este é o caso típico do militante de esquerda, que
pretende protestar contra o candidato de esquerda que restou, que aos seus
olhos já é “neoliberal”, mas que acaba elegendo, por sua recusa, o candidato de
“direita” (o que certamente lhe deixará ainda mais frustrado do que a eventual eleição
do “neoliberal” de esquerda). Eles se situam na faixa de 5%, segundo as
pesquisas, e poderiam, realmente, fazer a diferença.
Podem ter de ficar nesse
dilema os 1.612 mil eleitores de Luciana Genro (PSOL), os 91 mil de Zé Maria
(PSTU), os 47,8 mil de Mauro Iasi (PCB) e os 12 mil de Rui Pimenta (PCO).
Alguns tenderão a “suportar” a candidata considerada de esquerda, ainda que muitos,
se forem coerentes com seus propósitos, podem mesmo anular os seus votos. Mas,
todos eles reunidos fazem apenas 1, 7% dos votos válidos no primeiro turno, o
que dificilmente será decisivo na balança final. Na outra vertente, existem os
votos de “direita” (1,24% do total) e os do candidato ecologista (0,61%), o que
resulta em totalização algo similar (1,85%), mas, a maior parte deles já se
posicionou em favor do candidato oposicionista, sendo pouco suscetíveis de
adotarem a postura inversa, mas tampouco se deve excluir um aumento do
abstencionismo desse lado.
Mais importantes,
portanto, são os ainda indecisos, e os ausentes por escolha própria e
definitiva, e aí cabe uma reflexão sobre quem são esses “não-eleitores”. Haverá
entre eles, provavelmente, um núcleo “duro” de absenteístas, em relação aos
quais nenhuma mensagem eleitoral será suscetível de fazê-los mover-se para as
urnas no domingo 26 de outubro. Restam, nesse caso, os verdadeiros indecisos,
entre os quais podem também estar “flutuantes” nos dois campos, uma margem
difícil de estimar, mas que pode ser sujeita a mensagens eleitorais bem
posicionadas. Não por outra razão, os publicitários da candidatura oficial
insistiram tanto na propaganda negativa contra seu oponente, na ideia de que
sempre conseguiriam subtrair votos que, se não forem para o continuísmo,
poderão faltar, de modo crucial, para o candidato opositor. Não por outra
razão, os militantes da causa oficial se esmeram – até o limite da imoralidade
e da pura mentira – em produzir o maior número possível de “informações”
negativas sobre esse candidato, mensagens que superam em muito, e até
exageradamente, o número de “informações” positivas e de propostas de governo
em favor da candidata oficial.
Existe ainda um outro tipo
de eleitor “flutuante”, mas “fiel”, cujo volume é importante, e se trata dos
“governistas” por vocação ou por necessidade. Não por outra razão o partido no
poder vem construindo, desde 2003, um imenso curral eleitoral, constituído pelo
Bolsa Família, cujos objetivos oficiais podem até ser legítimos e meritórios,
mas que vem sendo utilizado, sem qualquer sombra de dúvida, para perpetuar um
novo tipo de coronelismo eleitoral. O terrorismo eleitoral exercido sobre esses
eleitores “desinformados” – e este é um fato, não uma suposição – já se tornou
explícito em diferentes episódios, e aparece de modo constante na propaganda
oficial e nas declarações eleitorais da candidata continuísta. Trata-se de
número expressivo de eleitores, que anteriormente estavam submetidos àquelas formas
de cooptação eleitoral classicamente retratadas por Vitor Nunes Leal, em Coronelismo, Enxada e Voto. Uma simples
verificação das alianças traçadas pelo partido no poder com os representantes
residuais dessas práticas e com os modernos coronéis do mandonismo local poderá
confirmar facilmente o uso que se faz desse tipo de expediente de cooptação de
votos.
Existem ainda muitos
imponderáveis em torno dos ausentes “efetivos” no segundo turno eleitoral,
inclusive motivos prosaicos como um feriado na terça-feira seguinte e uma
desilusão em relação à má qualidade dos debates eleitorais televisivos. Em todo
caso, o número expressivo dos abstencionistas no primeiro turno – quase um
quinto do eleitorado – incita a que os dois candidatos promovam mensagens atrativas
para capturar pelo menos uma parte desses indecisos e ausentes potenciais. Como
expressou de maneira feliz um ex-aluno meu de mestrado, “a decisão dos
indecisos será decisiva”. Parece que será assim. Que eles sejam poucos, e que
eles votem com plena consciência da importância do seu voto neste segundo
turno.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 21 de outubro de 2014