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domingo, 28 de julho de 2013

Um debate sobre os protestos e o contexto politico-economico no Brasil- Mansueto Almeida e Paulo R. Almeida

Um debate indireto entre dois Almeidas, que não são parentes, mas partilham das mesmas preocupações quanto ao futuro do Brasil, existe um, otimista quero dizer...
Meu comentário está no final.
Paulo Roberto de Almeida

Protestos e melhoria de políticas públicas: “o buraco é mais embaixo”?

O sociólogo Alberto Carlos Almeida, colunista do Valor Econômico, escreveu um interessante e polêmico artigo na última sexta-feira no jornal Valor (clique aqui para ler).
O artigo tem o mérito de lembrar que: (i) o Brasil desde sua redemocratização vem mudando para melhor; (ii) reformas são lentas e parte da nossa raiva “contra tudo que está ai” são escolhas da sociedade. Como destaca em um trecho do seu artigo: “….as instituições que existem são assim justamente porque têm acumulado em seu interior um saber prático, muitas vezes secular. Abolir esse edifício de um momento para outro pode resultar mais em prejuízos do que em benefícios.”, e (iii)a resposta política imediata às demandas das ruas pode resultar em uma herança fiscal maldita.
O que não gostei do artigo e até me surpreendeu foi a posição elitista que o sociólogo tem das manifestações e a sensação que ele transmite de que os jovens estão sendo injustos em não reconhecer as melhorias institucionais pelas quais passou a  democracia brasileira. E ainda acusa parte da “elite” de fomentar a demanda (irresponsável?) das ruas. Destaco dois trechos do artigo:
“Em qualquer onda de protestos, a turba que vai às ruas é absolutamente desinformada das minúcias e tecnicalidades que envolvem as decisões políticas. No caso do Brasil, as ruas têm sido ocupadas por jovens que têm pouca ou nenhuma experiência de vida, sequer são capazes de se sustentar economicamente. São pessoas completamente ignorantes de como se toca uma empresa, um negócio ou a administração pública. Ainda assim, têm o direito – isso é a democracia – de exigir mudanças imediatas da situação atual. Todavia, uma coisa é ter o direito de se manifestar; outra é se sentir no direito de ter suas reivindicações atendidas com rapidez. Temos um ditado que expressa bem a cautela que devemos ter quando se trata de mudanças: calma, que o buraco é mais embaixo.”
E mais à frente a visão elitista de que quem protesta não conhece a realidade aparece novamente na frase:
“As mudanças que nossos manifestantes pleiteiam já vêm ocorrendo há décadas. Eles não sabem disso. Falta-lhes qualquer tipo de sofisticação intelectual para compreender e ver que não se muda um país da noite para o dia e que coisas como o combate à corrupção e melhoria dos serviços públicos levam décadas.”
É nessa interpretação um pouco arrogante, que não acredito que tenha sido intencional (nós estudiosos entendemos a realidade das mudanças complexas, vocês jovens não entendem o mundo), que o sociólogo escorrega. Os jovens de fato não conhecem as tecnicalidades envolvidas no processo de escolhas de políticas públicas mas têm a sensação que “algo está errado” .
E aqui entro em outro artigo do valor do meu colega Marcus Melo, professor da Univ. Federal de Pernambuco (clique aqui). Marcus consegue com maior sucesso explicar que Brasil e Chile padecem de um bem e um mal comum: são economias com o melhor desempenho institucional na América Latina, mas em ambas os serviços públicos têm a pior avaliação. Ao invés de apelar para o argumento que “os jovens não conhecem as tecnicalidades de políticas públicas” Marcus reconhece a demanda legitima dos jovens nas ruas e mostra que parte da frustração com a qualidade dos serviços públicos é legítima e o culpado é o governo (às vezes o federal e, outros casos, o estadual e municipal). Como coloca Marcus Melo:
“…Mas, como explicar o dinamismo de várias economias na região – vide Colômbia, Peru e México – que supostamente seriam afetadas pelo mesmo ambiente externo desfavorável? As razões da desordem devem ser buscadas nas próprias políticas de governo e no modo de gerenciamento de sua coalizão. Como explicar o declínio relativo da parcela federal no financiamento da atenção à saúde na última década, senão por decisões de política pública? Como explicar o escárnio oficial quanto às reformas institucionais e microeconômicas, preteridas em nome de uma licença para gastar? Ou o ataque contra o Ministério Público? Etc…”
Tudo isso não será solucionado por uma reforma política e, nesse caso, o governo federal foi irresponsável ao extremo ao propor uma agenda que ele sabe que é um engodo para dar respostas às demandas das ruas.
Assim, mais irresponsável que “o comportamento de parte da elite” que fomenta a raiva das ruas contra o governo é a tentativa equivocada da elite governamental de surfar nos protestos legítimos das ruas para aprovar uma agenda própria não relacionada as demandas das ruas.

2 Respostas

  1. em 27/07/2013 às 1:27 PM | Resposta
    Rodrigo Medeiros
    Mansueto,
    Troquei algumas poucas linhas no Face com o Alberto ontem mesmo e disse que ele foi muito conservador no artigo. “Revolução” pode ter muitos significados… Renovação e mudança, por exemplo. Não dá para se afirmar que algo teria acontecido independente de uma revolução. Penso que esse é um argumento contrafactual e, portanto, inválido no artigo dele.
    Enfim, Alberto é um sociólogo sério, competente e buscou mostrar que ocorreram avanços nos últimos anos no Brasil. O problema é que o fator tempo costuma ser complicado para muitas ciências e a impaciência social é elevadíssima.
    Recomendo esse artigo:
    Abraço,

  2. O papel dos representantes do povo é o de justamente traduzir o “sentimento de que há algo malfeito” em ações públicas, passando SEU domínio dos tecnicismos e legalismos.
    Não entender isso é parecer que passou os últimos 12 anos fora e chegou para uma visita rápida ao País, passando pelo novo Maracanã (com direito ao Teleférico do Alemão, de longe) e voltando ao aeroporto.
    Não quero crer que essa tenha sido a motivação do sociólogo.


  3. Seu comentário está aguardando moderação.

    Independente dos reforços institucionais e da consolidação da democracia, o que ninguém nega, o fato é que o Brasil, por força da maioria predominante na Constituinte — social-democrática e distributivista — também consolidou uma mentalidade economicamente perversa, antiprodutivista e dilapidadora das possibilidades de acumulação, segundo a qual seria possível melhorar a vida de todos mediante medidas políticas determinadas legislativamente e a despeito de qualquer avaliação técnica quanto aos custos reais, mediatos e imediatos dessas medidas adotadas numa euforia geral e inconsciente. Parece também evidente que os agentes públicos dessas mudanças, por estarem no centro dessas medidas superestruturais — legisladores, burocratas e funcionários públicos de maneira geral, o que compreende TODO o judiciário e não apenas a sua cúpula — conseguem se apropriar de uma parte crescentemente importante das riquezas sociais regularmente aumentadas em favor do Estado, por meio de uma máquina de extração particularmente eficaz. Os politicos que estão no cimo desse sistema constituem em seu favor uma fração importante de clientela eleitoral — os assistidos por uma parte da riqueza apropriada pelo Estado — o que lhes garante condições ideais de continuidade e de preservação desse sistema, que a longo prazo é suicidário para o conjunto da sociedade.

Um naufragio cientificamente estudado - Carlos Haag (Pesquisa Fapesp)

O império no fundo do mar

Documentos da Royal Society mostram debate entre Estado e ciência a partir de naufrágio no Brasil
Carlos Haag
Revista Pesquisa Fapesp, edição 209, Julho 2013


© NATIONAL LIBRARY OF AUSTRALIA
O quadro Death of a ship, H.M.S. Thetis de Owen Stanley (sem data), a única imagem conhecida do navio
O quadro Death of a ship, H.M.S. Thetis de Owen Stanley (sem data), a única imagem conhecida do navio
Após ter lido a versão em inglês da matéria Uma incômoda pitada de magia(edição 199 de Pesquisa FAPESP), Keith Moore, diretor dos arquivos da Royal Society, enviou uma mensagem avisando que havia se deparado com documentos sobre o debate iniciado na instituição após o naufrágio da fragata inglesa HMS Thetis em 1830 em Cabo Frio. Para Moore, não se tratava apenas de um caso curioso ocorrido que calhara acontecer no Brasil, mas de um evento que levantava questões importantes sobre o desenvolvimento da ciência da época.
Com uma tripulação de 300 homens e armada com 46 canhões, a Thetis voltava para a Inglaterra com US$ 810 mil, em valores da época. Para Moore, era um caso que levantava questões importantes sobre o desenvolvimento da ciência. No desastre, não se perdia apenas o tesouro, mas a crença no funcionamento da rede imperial inglesa, vista como infalível, e se colocava em xeque a capacidade dos ingleses de agir a distância. Era urgente descobrir o que acontecera e a ciência foi chamada a intervir, para entender as causas do naufrágio e, depois, recuperar a fortuna enterrada no fundo do mar. Esse processo está registrado nos documentos das discussões na Royal Society. Para Moore, o grande interesse científico que houve pelo desastre da HMS Thetis está relacionado ao início do movimento de união entre Estado e ciência a partir da questão marítima. Incipiente em início do século XIX, essa ligação seria a base para  a expansão imperial britânica do século XX.
A história do naufrágio é conhecida, mas a documentação só foi explorada por dois pesquisadores, ambos da Universidade de Londres: Felix Driver, do Royal Holloway, e Luciana Martins, do Birkbeck, autora de O Rio de Janeiro dos viajantes: o olhar britânico (2001). A dupla pesquisou o tema em Shipwreck and salvage in the tropics: the case of the HMS Thetis, 1830-1854, no Journal of Historical Geography. “O estudo da Thetis revela o que acontecia quando a rede de poder e conhecimento se quebrava e de que maneira a ciência foi chamada a reparar e recompor essa estrutura que mantinha em funcionamento o império inglês”, fala Luciana Martins. A pesquisadora brasileira doutorou-se em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e há 17 anos está radicada em Londres, onde trabalha no Departamento de Estudos Ibero-Americanos no Birkbeck. “O interesse pela Thetis vem do encontro com as pinturas a óleo do resgate do tesouro de John Christian Sketchy no National Maritime Museum, em Londres, com lembranças da minha adolescência, quando passava férias em Arraial do Cabo, onde o naufrágio se tornara parte das lendas locais”, conta. Mais tarde viu que as lembranças do passado tinham uma importância para a história da ciência e, com Felix, foi aos arquivos, incluindo-se o Brasil, onde quase não há material.

© ROYAL MUSEUMS GREENWICH
O pintor e marinheiro John Christian Schetky retratou em Salvage of stores and treasure from HMS Thetis at Cape Frio Brazil, de 1833, o resgate do tesouro. Pode-se ver o sino de mergulho à direita
O pintor e marinheiro John Christian Schetky retratou em Salvage of stores and treasure from HMS Thetis at Cape Frio Brazil, de 1833, o resgate do tesouro. Pode-se ver o sino de mergulho à direita
Felizmente, os ingleses demonstraram um interesse muito maior sobre o desastre, como comprovam os documentos que estão na Royal Society, cujos debates começaram poucos meses após o afundamento da fragata. Em abril do ano seguinte ao acidente, o matemático Peter Barlow já perguntava aos fellows da Royal Society, em On the errors in the course of vessels, occasioned by local attraction: with remarks on the recent loss of His Majesty’s Ship Thetis: “Como entender um navio deixando o porto, com todos os auspícios de uma boa vaigem, arrebentar-se num rochedo distante não mais do que 70 milhas do seu ponto de partida e que se suponha estar milhas a leste?”.
A fragata naufragara em águas tidas como calmas e conhecidas dos marujos britânicos. Saindo do Rio, o capitão da Thetis estabeleceu erradamente a posição da embarcação em relação a Cabo Frio. Esse engano depois seria atribuído às “atrações locais” magnéticas que teriam afetado a bússola do navio, cujo casco era em boa parte feito de ferro, e levado o comandante ao erro (seja como for, na corte marcial, o capitão foi considerado culpado pelo naufráugio). O vento forte, que aumentou a velocidade do navio, só apressou a tragédia. Em pouco tempo, gritos da gávea avisaram da presença de rochas. O mastro projetado na proa se chocou com a ilha de Cabo Frio e o impacto fez cair os três mastros principais, matando marinheiros e destruindo escaleres. A fragata não afundou, mas o mar jogou o costado contra as rochas. O casco foi se arrebentando e o navio foi sugado para dentro de uma enseada, onde continuou sendo arremessado contra as pedras. Os ingleses escalaram para a terra até que a Thetis cedeu e afundou, deixando um saldo de 30 mortos.
O capitão mandou emissários ao Rio para avisar ao comandante da esquadra inglesa na América do Sul. A carga foi dada como perdida. Num relato submetido à Royal Society em março de 1833, cujo sumário sobreviveu, o capitão Thomas Dickinson, que se voluntariou para recuperar o tesouro, deu sua versão dos fatos. “Segundo ele, houve grande consternação no Rio quando se soube da perda da Thetis com uma carga de US$ 810 mil e o capitão lembra de sua determinação ao ver que ninguém parecia disposto a ir em frente para recuperar a propriedade assim perdida. Ele estava convencido de que os obstáculos e dificuldades eram formidáveis, mas poderiam ser superados com o emprego de meios que imaginou seriam praticáveis naquela ocasião”, diz o document hoje na instituição inglesa.

© ROYAL MUSEUMS GREENWICH
O capitão Dickinson. Na outra página, um desenho do sino de mergulho feito por seu rival, capitão De Roos
O capitão Dickinson
Dickinson construiu dois sinos de mergulho a partir de tanques de água que tirou de um navio, reforçando-os e colocando janelas de vidro para iluminar o interior, onde havia tochas. Preparou também uma bomba de ar para fornecer oxigênio, que foi impermeabilizada com alcatrão. “Isso deu a ele muito trabalho em face do atraso do trabalho nativo”, observa o document da Royal Society. A Thetis estava afundada no centro da enseada. Dickinson planejou colocar cabos de um penhasco a outro para descer com o sino. “O capitão conta que passou muitas dificuldades por causa da natureza terrível do trabalho, a insalubridade do clima, dos ataques de insetos, da exposição ao tempo nas cabanas de sapé, e pelos perigos dos mergulhos no mar, uma combinação de terrores que o autor está convencido de que só poderiam ser superados por marinheiros ingleses”, conta o sumário da instituição britânica. Dickinson narra ainda que marujos teriam visto “cinco tigres na praia”. Armados com rifles, os ingleses atiraram nas sombras e verificaram que se tratava de sea-pigs, capivaras. A “visita” de répteis de magnitude assustadora, como uma cobra, atemorizaram seu imediato, um homem “incapaz de se apavorar por bobagens”, mas a serpente, efetivamente, “mexia com os nervos dos mais fortes”, escreveu o comandante inglês.
Foram necessários vários mergulhos e algumas mortes até que se começasse a recolher a fortuna da Thetis do fundo do mar. Moravam em cabanas numa vila que batizaram de St Thomas e onde o capitão cumpria as obrigações de um britânico temente à pátria, celebrando datas como a Batalha de Trafalgar, da qual ele participara. Preocupado em ser roubado, Dickinson vigiava seus homens, e foi essa uma das razões de ter dispensado um grupo de brasileiros, os “caboclos”, que se juntaram a ele no início do resgate. Ainda assim, os marinheiros inventaram códigos entre os que estavam no fundo e os da superfície, avisando da presença ou não do capitão. Eram turnos de 12 horas sem comida ou descanso. Foram obrigados a remover os detritos que cobriam o naufrágio, incluindo-se corpos e a comida estragada da fragata, cujo gás tóxico quase matou um grupo de resgate.
“Foi um trabalho pioneiro. Ao mesmo tempo que Dickinson usava seu sino em condições extremas do mar revolto, Sir Basil Hall, celebrado viajante e pesquisador inglês, elogiava como ‘maravilha’ uma operação semelhante que se fazia em Portsmouth”, conta Luciana. O resgate da Thetis foi também uma das primeiras ocasiões em que foram feitos desenhos do fundo do mar, com os restos da fragata. “No caso da Thetis se investiu mais na história do seu salvamento do que na da sua perda. Na época, isso foi um tributo à perseverança humana diante do poder devastador da natureza”, dizem Felix e Luciana. “O olhar imperial via nesse processo uma rede mais ou menos coerente pela qual a informação circulava até que finalmente se traduzia num conhecimento estabelecido”, observam os pesquisadores.

© ROYAL SOCIETY
Desenho do sino de mergulho feito por seu rival, capitão De Roos
Desenho do sino de mergulho feito por seu rival, capitão De Roos
“O Estado e os cientistas mudaram seu foco das posições coloniais em terra para as vastas áreas inexploradas dos oceanos, um espaço intelectual fértil de significação comercial e imperial. Com isso, elevaram o status do recém-definido ‘cientista’. Da mesma forma que regulavam e manipulavam o oceano no papel, o Almirantado inglês usava o oceano físico para transportar tropas, riqueza e a cultura britânica para os confins do mundo”, observa o historiador americano Michael Reidy, autor deTides of history: ocean science and Her Majesty’s navy (University of Chicago). Segundo Reidy, o domínio naval da Inglaterra foi o resultado de uma colaboração estreita entre o Almirantado e a elite científica. Juntos, eles transformaram a imensidão sem dono do oceano numa rede organizada. Nesse processo emergiu, literalmente, o cientista moderno: um dos elos importantes dessa ligação, William Whewell, cunhou o termo “cientista” em 1833, no auge de seus estudos sobre as marés. “A ciência rompeu os limites de um apoio parcimonioso do Estado para ganhar um financiamento bem mais generoso e global para suas pesquisas”, explica o historiador.
Casos como a da Thetis obrigavam o sistema a melhorar sua rede de conhecimento e mostravam que, quando o assunto era mar, quanto maior a relação Estado e ciência, melhor. Os cientistas envolvidos no projeto imperial sabiam que o financiamento dos estudos sobre o mar eram dispendioso e só um país poderoso como a Inglaterra seria capaz de bancá-lo. “O oceano se transformou na área mais fértil de investigação, com fundos do Estado e um grupo internacional de cientistas. Foi o interesse pelo mar que fez com que a ciência virasse uma tarefa global que dependia pesadamente do apoio e da participação do governo. Isso modificou totalmente a maneira de se fazer e pensar ciência”, nota Reidy. O império foi sutilmente transmutado pela ciência e o cientista moderno, por sua vez, foi moldado pela demanda militar por inteligência e controle dos oceanos.
“O interesse dos fellows da Royal Society sobre o destino da Thetis deve ser visto no contexto desses esforços contemporânos de demonstrar a utilidade prática do pensamento científico e nada melhor para isso do que a  ciência da navegação”, fala Felix. Em seu Preliminary discourse on the study of natural philosophy (1830), o astrônomo John Hershel retratou o observador científico ideal como sendo um oficial naval bem treinado. A rota de um navio, por sua vez, era como uma espécie de hipótese, baseada em observações astronômicas cuidadosas e cálculos matemáticos, testada contra a experiência da chegada a salvo no destino. Se o navio era o instrumento do experimento, seu capitão era o homem de ciências exemplar. “Com a Thetis, ao contrário, a ‘experiência’ de navegação na ausência de pontos de referência falhou, com consequências catastróficas para o capitão e sua tripulação. Nesse contexto, a atribuição de causa e efeito foi inseparável da de responsabilidade e culpa”, observam Felix e Luciana.
Para que a rede do império, rompida momentaneamente pelo naufrágio, voltasse a ganhar a confiança geral, era fundamental se compreender, de forma científica, o que acontecera. Uma das respostas se ligava diretamente a um debate dos anos 1820 e 1830, quando autoridades em magnetismo terrestre alertavam para os efeitos magnéticos nas bússolas dos navios por causa da “atração local”. “Os navios de ferro eram testemunhos do poder da ciência no domínio inglês sobre as correntes magnéticas e oceânicas. Mas o destino dessa indústria estava em jogo com os problemas navegacionais que surgiram com o uso do ferro na construção das embarcações, já que o casco dos navios causava alterações nas bússolas, deixando-as pouco confiáveis”, diz a historiadora Alison Winter, da Chicago University, autora de Compasses all awry: the iron ship and the ambiguities of cultural authority in victorian Britain.
“Quando os navios começaram a se perder por causa das bússolas, a falta de um meio sólido de corrigi-las ameaçou afundar a credibilidade do público nos cientistas.” Segundo Alison, durante a era vitoriana, o tema das bússolas desorientadas e dos navios perdidos era usado para descrever incerteza espiritual e intelectual e falta de convenções claras e estabelecidas de autoridade. “As mesmas forças magnéticas usadas na navegação serviam para retratar como os líderes exerciam seu poder”, explica a historiadora.
A mistura de política e ciência, que dominará o periodo vitoriano, já estava latente no tempo da Thetis e a isso explica por que o Almirantado investiu mais de £ 500 nas pesquisas de Peter Barlow, professor de matemática na Royal Military Academy e membro da Royal Society. Para Barlow, “todo navio carrega em si um mal insidioso”, ou seja, o tal efeito do ferro sobre as bússolas. Na exposição feita em 1831 à Royal Society, Barlow usou como exemplo “o melancólico naufrágio do navio de Sua Majestade, a Thetis” para discutir essa “questão fundamental” e propôs que essa era a causa do desastre. Afinal, o casco do navio, embora de madeira, tinha grande quantidade de ferro na sua estrutura. “Se não se tomaram as precauções para corrigir as distorções da atração local, não hesito em afirmar que essa omissão foi o suficiente para causar o acidente”, afirma perante a plateia da Royal Society. “Se a ciência pode ser trazida para facilitar o progresso da navegação e contribuir para sua segurança, não se pode permitir que seja negligenciada na Marinha britânica”, completou Barlow.
O interesse da comunidade científica na Thetis não se restringiu às causas do naufrágio. Como se viu, relatos das operações de salvamento de Dickinson foram lidos na Royal Society, bem como o do capitão De Roos, seu successor nos destroços e o primeiro a remeter um relato aos fellows em 1833. Segundo o sumário da instituição, “o que sobrou do pobre navio foi submetido à grande pressão do mar, como se fosse um martelo e formou uma massa única que mistura madeira, ouro, prata e ferro”. De Roos também conta que “numa ocasião foram visitados por uma enorme baleia, que se aproximou muito do sino de mergulho, mas, por sorte, mudou seu curso”.
A troca de comando aconteceu a contragosto de Dickinson, que se viu colocado de lado após todo o seu esforço. Ao final, ambos entenderiam que o oportunismo partiu do comandante da esquadra inglesa no Rio, que queria louros e lucros para si, o que não impediria uma disputa entre os dois dentro da Royal Society em busca de reconhecimento pelo pioneirismo científico do resgate. Dickinson também se queixava de que, além das mazelas físicas, fora obrigado a dar conta de questões políticas no trato com os brasileiros. “Sempre tive medo da inveja do governo brasileiro sobre a nossa permanência na ilha. Fui acusado de interromper a pesca e depois de roubar madeira”, escreveu.
A pedidos, a municipalidade de Cabo Frio foi investigar o que fazia o grupo de ingleses em St Thomas. “Quando eles chegaram ficaram embasbacados ao ver uma vila com casas confortáveis. Nenhum falava uma palavra de inglês e depois de me encher com mais ‘ilustríssimos’ do que eu podia aguentar me disseram que tinham vindo ali para ver se eu era uma força de invasão.” Dickinson, gabando-se de ter aprendido português a ponto de não ser superado na quantidade de “ilustríssimos”, mostrou a sua “fortificação”, palavra que usa com ironia. Os brasileiros assustaram-se com um barulho que tomaram por um tiro de canhão e o britânico diverte-se ao narrar sua dificuldade em fazê-los entender que se tratava do barulho do jato de ar da bomba do sino de mergulho. Por fim, todos beberam a William IV, a Pedro I e à municipalidade de Cabo Frio.
“A ilha, no tempo da Thetis, era uma estação de pesca que desde o século XVI crescia regularmente. Assim, não procedem as observações de Dickinson de que a vila cresceu graças aos ingleses. Também não é de supreender que uma força militar acampada por 18 meses tenha inquietado o governo brasileiro”, notam Felix e Luciana. Para Dickinson, não havia por que pagar por madeiras e outros materiais, porque tudo na ilha “estava disponível e não se podia considerar propriedade”, reminiscências das fantasias da abundância e disponibilidade tropical. Mas acabaram tendo que pagar um aluguel pelo uso do espaço. Um preço pequeno a pagar pela redenção da falha implícita no naufrágio da Thetis. Embora até hoje não se saiba o que tenha provocado o fim da fragata, foi numa ilha brasileira que a ciência pôde resgatar a autoimagem do império naval britânico.

sábado, 27 de julho de 2013

O gato subiu no telhado dos companheiros... - Editorial Estadao

Subiu, vai cair, mas eles não deixam de mentir.
Então ficamos: foi só nos últimos dez anos que a inflação esteve sob controle: antes, ela andava leve, livre, solta, fazendo o diabo, esperando a vinda dos companheiros no poder, com todas as suas mentiras e fraudes.
Incorrigíveis...
Paulo Roberto de Almeida

O Lula de sempre

27 de julho de 2013 | 2h 12
Editorial O Estado de S.Paulo
Enquanto o povo estava nas ruas cobrando gestão governamental competente e sem corrupção, Luiz Inácio Lula da Silva escondeu-se como se não tivesse nada a ver com o assunto. Bastou as manifestações populares refluírem - ao que tudo indica, momentaneamente - para ele voltar. E voltou para mostrar que continua exatamente o mesmo, que não aprendeu nada com o retumbante "chega!" que a voz das ruas bradou para os políticos que se julgam muito espertos e capazes de manipular eternamente os anseios populares.
Em dois eventos públicos em dias sucessivos, em Brasília e em Salvador, o ex-presidente lançou mão de todos os recursos de seu arsenal do mais demagógico populismo, na tentativa de reverter a queda livre do prestígio do governo petista em todos os segmentos da população brasileira e em todas as regiões do País. Na verdade, mais do que preservar a imagem do governo e de sua pupila Dilma Rousseff, Lula demonstra estar preocupado em salvar o ameaçado projeto de poder do partido que comanda. E para tanto usou, como de hábito, seu melhor argumento de defesa: o ataque.
Na arenga de mais de uma hora no Festival da Mulher Afro, Latino-Americana e Caribenha, na terça-feira em Brasília, os dotes palanqueiros de Lula revelaram, como única novidade, a admissão implícita do enorme desgaste de Dilma Rousseff com suas repetidas trapalhadas na tentativa de dar satisfação aos protestos populares.
O script não foi diferente no dia seguinte, na capital baiana, durante evento comemorativo dos 10 anos de poder do PT. Depois de um encontro reservado de três horas que certamente não foi dedicado a comemorações - tempo relativamente curto, aliás, levando em conta o tamanho do prejuízo a recuperar -, Lula e Dilma subiram ao palanque montado pelo governador Jaques Wagner para, como de hábito, lançar sobre os ombros das "elites" a responsabilidade de todos os males que afligem o País e gabar feitos sem precedentes na história deste país.
O tema principal dos discursos da dupla foi a inflação, que flerta com o descontrole e é uma das facetas mais visíveis da incompetência do governo aparelhado pelo PT. Para Dilma, "não é verdade" que a inflação seja um problema, porque "este será o décimo ano seguido em que a inflação está sob rigoroso controle". Não importa que o índice inflacionário se tenha mantido, nos últimos meses, no teto da meta, e não em seu centro, como ocorreria se estivesse efetivamente sob controle. E o argumento não estaria completo se, no melhor estilo lulopetista, algumas pedras não fossem lançadas sobre o passado: "E lembremos que nos últimos quatro anos anteriores ao governo Lula, em três a inflação ficou acima da meta".
Por sua vez, Lula deixou bem clara a relação paternalista que mantém com sua sucessora, ao dar-lhe conselhos em público, com uma frase cheia de significados nada misteriosos: "Você, Dilminha, pode começar a fazer oposição a você mesma. Porque a gente pode fazer muito mais". Manifestação típica da tática do morde-assopra que aparentemente o patrono do PT tem aplicado para "enquadrar" aquela cujas lambanças ameaçam comprometer seriamente a ambição da companheirada de se perpetuar no poder.
Lula anda tão obcecado com a ideia de corrigir os desacertos de Dilma que tem cometido gafes embaraçosas. No evento de Brasília declarou: "Dilma não é mais do que uma extensão da gente lá. Nós seremos responsáveis pelos acertos e pelos erros que ela cometer". Descartada a hipótese de ele ter usado um "nós" majestático, que transformaria a frase em pura afronta à dignidade presidencial, em nada colabora para melhorar a imagem de Dilma a tentativa de coletivizar a responsabilidade que a ela, e somente a ela, cabe como chefe de Estado e de governo. É o velho truque de socializar os erros e privatizar os acertos.
Falando aos jornalistas depois do evento em Salvador, Lula deixou no ar uma frase capciosa: "Hoje, eu descubro o quanto eu poderia ter feito mais".
Ressurge, assim, no proscênio político, para mostrar que o velho e ardiloso Lula continua sendo o que sempre foi.

Mais Medicos? Que tal mais suporte para os que ja trabalham?:depoimento do Dr. Carlos Franca


O depoimento é verdadeiro e, para quem conhece o distrito de Itaipuaçu, não há surpresa !!!

Depoimento do médico Carlos França
de Maricá-RJ!

A VERDADE NUA E CRUA"
Sr Padilha e Sra Dilma,
esta é a minha unidade de saúde UBS Itaipuaçu - Maricá-RJ,
há 6 anos governada pelo seu partido.
É uma casa adaptada com infiltrações e mofo.
Quando chove, cai água nas salas de atendimento, o arquivo médico inunda e os prontuários....
Falta de tudo: luvas, remédios básicos, mas sobra dedicação para um salário bruto de R$ 1.200,00.
Sabe Padilha/Dilma, não falta médico que queira fazer saúde pública, isto é mais uma das mentiras de sua ditadura da informação, onde o governo se apoia na premissa
"UMA MENTIRA REPETIDA MIL VEZES TORNA-SE  VERDADE".
A minha sala de atendimento não possui ventilador, o de teto é apenas enfeite.
O verão de regiões litorâneas beira os 42 graus, a água potável é disponibilizada à temperatura ambiente (Itaipuaçu do seu governo ainda não possui rede de água e esgoto).
Já prescrevi as medicações em diversos tipos de papel por falta de receituário oficial. 
Apesar de tudo trabalho e me esforço bastante.
Em Maricá a saúde foi devastada pelo atual governo:
o aparelho de RX está quebrado há 1 ano.
O ecocardiograma e ultra-som foram roubados (segundo o próprio Gestor Público do seu partido!),
ECG funciona 1 mês e fica 3-4 meses em manutenção.
Há 8 meses temos a debandada de especialistas, devido ao salário irrisório e sem benefícios legais (férias, décimo-terceiro salário, horas extras, insalubridade, etc). Perdemos endócrino, cárdio, reumato, oftalmo, neuro, nefro, pneumo, ortopedista, etc. 
Então Padilha/Dilma, a saúde pública que os Srs. querem oferecer
à população mais humilde é esta? É o "modo petista de governar"?

As suas mentiras não vão conseguir se sustentar por muito tempo...
"Não faltam médicos! Falta governo!"
Sou médico do SUS, não fujo à luta...
Mas não faço milagres sem infra-estrutura."

Christine Lagarde, do FMI, me oferece um "Bank massage"

Não devem ser os nigerianos que me mandaram a mensagem abaixo, nem a Christine Lagarde, pois ela tem mais o que fazer em lugar de ficar oferecendo massagens bancárias.
Deve ser alguém perto da Tailândia, mas não lá, pois eles sabem falar inglês.
Aposto que deve ser um chinês: eles são expertos nesse tipo de tradução do inglês.
Aliás, tem até vários volumes publicados sobre esse tipo de "lost in translation".
Quem quiser fazer massagens financeiras, disponha...
Paulo Roberto de Almeida

Mrs. Christine Lagarde <officefile9034@cantv.net>
To: xxxxxxxxx@gmail.com
Reply-To: xxxxxxxxxxx@gmail.com
Bank massage


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Mrs. Christine Lagarde

Cachorros companheiros nao querem largar o osso, de jeito nenhum - J. R. Guzzo

J. R. GUZZO
Revista Veja, 27/07/2013

Nunca se viu até hoje o caso de dois cachorros que tenham trocado, de livre e espontânea vontade, o osso de um pelo osso do outro, ensina Adam Smith. Ninguém como o velho Smith para dizer certas verdades. No caso, ele falava do livre-comércio ─ uma característica exclusiva do ser humano, assim como a palavra, a escrita e outras coisas que distinguem os homens dos animais. O pensador escocês que informou ao mundo, mais de 200 anos atrás, que o capitalismo existia, explicou como funcionava e demonstrou por que era indispensável para a evolução racional da sociedade, ia direto ao ponto em matéria de economia ─ mas sua clareza é a mesma quando transportada para a política. Nenhum partido, em nenhuma democracia do mundo, entra numa eleição para perder. Não quer trocar seu osso com ninguém, quando está no governo ─ e quando está fora não quer trocar nada, e sim tirar o osso de quem está dentro. O Brasil, é claro, vive segundo essa mesma regra. Mas a história, aqui, é muito mais quente, porque o osso em disputa é muito maior. Perder uma eleição lá fora é ruim ─ mas no fim é apenas isso, uma derrota. Aqui não. Se o PT perder a eleição presidencial de 2014, seja com a presidente Dilma Rousseff ou com o ex-presidente Lula, vai haver um terremoto na vida pessoal de dezenas de milhares de pessoas, possivelmente muito mais, a começar por seus bolsos. No caso, iriam embora o governo, os anéis e os dedos.

É disso, e só disso, que se trata. Fala-se uma enormidade, e cada vez mais, sobre o “quadro sucessório”; todo mundo “trabalha com a hipótese” de alguma coisa. (É uma das curiosidades da nossa atual linguagem política: aboliu-se o verbo “pensar”. Hoje o indivíduo não pensa ─ só “trabalha com a hipótese”.) Mas o que está valendo mesmo, no jogo a dinheiro, é a corrida de uma multidão de gente para salvar o próprio couro. Até dois ou três meses atrás, esse era um problema inexistente: o governo tinha certeza de que Dilma “estava eleita já no primeiro turno”. Mas a coisa mudou de repente, e o medo de perder invadiu o PT e a base aliada. Já apareceu um “volta Lula”, tramado no escuro por ele mesmo, para desmanchar a candidatura de Dilma à reeleição; e os aliados, assim que sentiram o primeiro cheirinho de pólvora no ar, voltaram ao bazar de compra e venda do seu apoio.
As perdas materiais, aí, envolvem gente que não acaba mais. Quantos serão? É difícil saber ao certo. Entram, logo de cara, além dos 39 ministros que pretendem estar no próximo governo, perto de 25 000 funcionários de “confiança” nomeados livremente pelo presidente e sua turma ─ aos quais se devem somar os empregos que podem dar nas empresas estatais. Muitos desses cargos são coisa de cachorro grande: a prova mais recente foi a batalha que o senador Fernando Collor (“aliado”) travou para substituir os ocupantes de dois empregos na Petrobras por gente sua. Brigou e levou: Dilma, que já não tinha escolhido os dois que estavam lá, também não escolheu os seus substitutos, em mais um belo retrato de como funciona seu governo. Some-se a isso a grossa maioria dos 594 deputados federais e senadores, e a miudeza política que sobrevive nos subúrbios mais distantes do poder central. Não se pode esquecer, é claro, todo o mundo multibilionário e opaco dos fundos de pensão gerenciados pelo PT e chefes sindicais ─ adicione-se a eles, aliás, a nata do mundo sindical petista. Multiplique-se, enfim, tudo isso pelo número de parentes, amigos, amantes, sócios etc. dessa turma, e já estamos falando numa quantidade de gente na casa dos seis algarismos. O leitor fica convidado a fazer sua conta pessoal.
Falta acrescentar, ainda, os privilégios dos donos do poder, e que valem tanto quanto dinheiro sonante. Um caso, entre milhares, ajuda a entender com perfeita clareza por que é indispensável, para o PT e a base aliada, manter o governo em 2014. Trata-se da última obra que o governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, colocou em sua biografia. Cabral, que há anos vive ajoelhado diante de Lula, mandou buscar seu cachorro “Juquinha”, em sua casa de praia em Mangaratiba, num Agusta AW109 Grand New que faz parte da frota de sete helicópteros do governo estadual, mantidos ao custo estimado de 10 milhões de reais por ano. República? Está mais para corte de Maria Antonieta tropical. Ao povão do Rio, nessa fantasia, fica reservado o papel dos barões famintos e napoleões retintos que desfilam no samba Vai Passar, de Chico Buarque.

Talvez esteja aí, no fundo, o problema real da política brasileira de hoje. Se o PT cair fora, quem vai mandar o helicóptero buscar “Juquinha” em Mangaratiba?

Brasil: economia fragilizada - Celso Ming


Embarcação frágil



Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 26 de julho de 2013

A falta de compromisso com a solidez da economia por parte do governo Dilma é por si só um risco para os próximos meses, quando se esperam desdobramentos negativos na economia mundial.
Apesar dos inegáveis avanços no sentido de dar mais consistência institucional, o bloco do euro dá sinais insistentes de estagnação e de aumento dos desequilíbrios, sobretudo fiscais, para os quais ontem advertiu o Fundo Monetário Internacional (FMI). Também preocupa a fragilidade patrimonial dos bancos da área. Como carregam enormes volumes de títulos de dívida dos países da região, uma eventual deterioração das condições fiscais em certos países, que coloque em risco o resgate de dívidas públicas, pode exigir dos bancos ainda mais reforços de capitalização que, em última análise, pressionarão ainda mais as finanças públicas.
Mas o principal epicentro de turbulência provável é o impacto sobre os mercados a ser disparado pelo desmonte já anunciado da política monetária altamente expansionista do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Por mais cuidadosa que venha a ser, essa operação tende a provocar uma importante valorização do dólar e uma forte migração de capitais para os Estados Unidos.
O governo Dilma não está em condições de afirmar que a economia brasileira resistirá impávida a esses e a outros eventuais trancos, como aconteceu em 2008, quando sucessivas ondas de pânico, provocadas pela quebra do Lehman Brothers, chegaram ao Brasil "como uma marolinha" - como então alardeou o presidente Lula -, embora não tenha sido exatamente assim.
A economia brasileira apresenta hoje fragilidades preocupantes. Não consegue crescer mais do que 2% ao ano; enfrenta uma inflação anual renitente próxima dos 6%; vai aprofundando o rombo nas contas externas; apresenta uma política fiscal confusa e pouco previsível; e continua gerando custos que tiram competitividade da indústria.
Ainda assim, a embarcação brasileira apresentaria um mínimo de consistência, se o objetivo fosse enfrentar mar calmo e céu azul. No entanto, se confirmadas as turbulências que o próprio governo vem prevendo, nada garante o mesmo resultado.
Se lá fora, por exemplo, voltasse a quebrar um banco importante ou se outras forças provocassem forte aversão ao risco, a fuga de capitais do Brasil poderia ser letal, por mais robusta que esteja a posição em reservas externas. No mínimo, a economia teria de enfrentar novas altas do dólar no câmbio interno, com o devido preço a ser pago em mais inflação.
Até agora, a presidente Dilma não parece motivada a reforçar os fundamentos macroeconômicos e a produzir mais confiança. As decisões sobre política fiscal anunciadas na segunda-feira mostraram que as correções de rumo continuam superficiais e não passam firmeza. Não há nenhum interesse do governo federal em trocar o atual arranjo de políticas macroeconômicas, que não deu certo, por outro mais consistente, que inspire credibilidade.
A atual estratégia consiste em ganhar tempo, confiar na sorte e evitar convulsões que possam colocar em risco as eleições de 2014. É pouco.