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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 3 de junho de 2024

Dica de leitura : "Por que a Democracia Brasileira não Morreu", de Marcus André Melo e Carlos Pereira

 Dica de leitura : "Por que a Democracia Brasileira não Morreu", de Marcus André Melo e Carlos Pereira


Na semana passada, o Congresso impôs uma acachapante derrota de 366 a 137 votos na apreciação do veto do presidente Lula ao projeto que proíbe a “saidinha” de presos. Não foi a primeira vez.

“Como seria possível um líder político dos mais experientes e tido como sagaz na arte de negociar estar sofrendo tantos reveses no Legislativo a ponto de se colocar na posição de refém de exigências das principais lideranças do Congresso e dos seus novos (velhos) aliados do Centrão?”

A pergunta é feita pelos cientistas políticos Marcus André Melo e Carlos Pereira no penúltimo capítulo de “Por que a Democracia Brasileira não Morreu?”, que acaba de chegar às livrarias.

O livro promete dar o que falar entre acadêmicos e interessados na política brasileira. Oferece explicações polêmicas para os principais acontecimentos que sacudiram o país na última década, como os protestos de 2013, a Operação Lava-Jato, o impeachment de Dilma, a ascensão de Bolsonaro e o retorno de Lula à Presidência.

A resposta para a pergunta-título do livro - e aqui o spoiler não traz nenhum prejuízo ao leitor, pois o maior mérito dos autores reside na argumentação, repleta de referências à bibliografia mais atual - está no tão vilipendiado presidencialismo de coalizão.

Para Marcus Melo e Carlos Pereira, a democracia brasileira não sucumbiu às investidas autoritárias de Jair Bolsonaro devido ao intricado sistema de freios e contrapesos presentes em nosso sistema político - em outras palavras, porque as instituições funcionaram.

Segundo os autores, Bolsonaro teria sido contido por uma base frágil num Congresso multipartidário, que cobrou alto para não abrir um processo de impeachment contra ele durante a pandemia.

Além disso, todas as investidas bolsonaristas contra o sistema eleitoral teriam sido refutadas por órgãos de controle autônomos, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, seguido pelo Ministério Público, Tribunais de Contas e até mesmo a cúpula das Forças Armadas, sem falar na oposição de alguns governadores e da imprensa.

(Bruno Carazza)


terça-feira, 25 de maio de 2021

Bolsonaro e o Orçamento rabilongo - Marcus André Melo (FSP)

 segunda-feira, 24 de maio de 2021

Marcus André Melo* - Bolsonaro e o Orçamento rabilongo

- Folha de S. Paulo

O 'Orçamento secreto' é mecanismo opaco para premiar o apoio legislativo para além dos controles institucionais

Rui Barbosa foi a um só tempo espirituoso e preciso quando chamou o Orçamento federal de rabilongo: as leis orçamentárias continham adendos sem relação com o Orçamento. O rabo era longo —as chamadas “caudas” e a Constituição de 1891 só previam o veto total que funcionava como uma camisa de força, pois o presidente era forçado a acolher os adendos à sua própria proposta orçamentária. Era pegar ou largar.

Era comum a inclusão na “cauda” de dispositivos prevendo novas despesas (sem previsão de receita) pela criação de órgãos ou cargos, e matérias alheias ao assunto, incorporadas na 25ª hora diretamente no plenário do Congresso.

Paradoxalmente o Orçamento rabilongo não expressava o poder do Executivo, mas sua impotência. O veto parcial introduzido na reforma constitucional de 1926 foi acompanhado de dispositivos para fortalecer o poder presidencial (na área da intervenção federal nos estados etc).

Com o veto parcial, a assimetria funciona a favor do Executivo, e é reforçada pela prerrogativa de contingenciamento do Orçamento (que é apenas autorizativo). O Executivo detém o poder negativo de não gastar o aprovado, o que possibilita a barganha em torno de emendas individuais. Uma emenda expressa “preferência revelada” do deputado, informação estratégica para o Executivo.

O poder de contingenciar permaneceu integralmente com o presidente até a aprovação das EC 86/2015 e 100/2019, pelas quais as emendas individuais e coletivas passaram a ser impositivas.

O Orçamento impositivo reduz a assimetria pró-Executivo, mas exacerba problemas de racionalidade fiscal e administrativa. Onde o Legislativo detém poder sobre o Orçamento, os partidos políticos facilitam o alinhamento entre interesses individuais dos parlamentares (local/setorial) e do presidente (nacional), mitigando a chamada tragédia dos comuns. Ao contrário do parlamentares individuais, partidos fortes e disciplinados têm horizonte político longo e escopo nacional.

Sob o parlamentarismo, na OCDE, o poder Executivo é exercido pelo gabinete que não é outra coisa senão uma supercomissão partidária com funções executivas. Nos EUA, a assimetria pró-Legislativo é expressa no Orçamento mandatório (reafirmado pelo Impoundment Act de 1974 após escândalo de contingenciamento no governo Nixon).

O “Orçamento secreto” de Bolsonaro não é rabilongo: ao contrário, é mecanismo opaco para premiar o apoio legislativo para além de controles institucionais. Nesse sentido, não tem a ver com a dinâmica do Orçamento crescentemente impositivo. Ele reduz a assimetria pró-executivo, mas representa forma predatória em contexto de hiperfragmentação partidária.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).


terça-feira, 7 de agosto de 2018

Representacao Proporcional: a fonte de todos os problemas - Marcus Andre Melo

REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL NO BRASIL: "MAIORIA FEITA AOS PEDAÇOS"!

Marcus André Melo, Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Folha de S.Paulo, 06/08/2018 

"Não conheço melhor sistema para a representação das minorias, nem pior para a constituição de maiorias", escreveu Barbosa Lima Sobrinho em 1952. Seu pessimismo sobre a recém introduzida representação proporcional (RP) era também partilhado por muitos atores influentes.

Em "Lições da Crise" (1955), Hermes Lima, homem forte de Getúlio e ex-ministro do STF, atribuiu à representação proporcional "o espetáculo das maiorias feitas aos pedaços, instáveis, artificiais e onerosas que os presidentes e governadores são compelidos a arranjar nas Câmaras". E apontou para "combinações oportunistas e esdrúxulas que exaurem a vida política num processo contínuo de reajustamentos, compromissos, imposições e cumplicidade. Maiorias débeis vizinhas da corrupção".

Certas características da nossa RP —exemplo o fato que os distritos eleitorais são estados, alguns gigantescos-- exacerbavam os problemas de formação de coalizões e produzia distorções: eleições caras. "Não é por outro motivo que as emendas ao orçamento na Câmara se apresentam aos milhares... Cada deputado necessita de votos no estado inteiro e julga-se no dever de distribuir, por intermédio da lei orçamentária, verbas e auxílios pelo estado inteiro." Mas sabiamente, Lima também anteviu outro problema: o dinheiro corrompia a RP.

Sua conclusão mais contundente contra a RP era que "as condições criadas ou exasperadas pelo proporcionalismo se devem à tremenda influência do dinheiro em nossos derradeiros prélios eleitorais. Os gastos eleitorais são astronômicos, as despesas dos candidatos elevadíssimas. O dinheiro corrompeu definitivamente o proporcionalismo nos termos atuais de sua prática".

Parte do diagnóstico feito por nosso ex-premiê, na década de 50, é repetido por muitos analistas atualmente como se novidade fosse. Sua acuidade estava em reconhecer endogeneidade na relação representação proporcional-corrupção. De fato, a RP em distritos com grande magnitude eleva brutalmente o custo de campanha, que se torna assim o foco das barganhas interpartidárias.

Mas há mais: a corrupção afeta a RP. O dinheiro corrompe as "maiorias débeis". Mas isso apenas quando as instituições de controle são fracas, o que garante altas taxas de retorno para o investimento corrupto. A questão fundamental ao fim e ao cabo é assim a força das instituições.

Senão como explicar que os gastos em eleições majoritárias também sejam "astronomicamente" altos? Ou que o custo das eleições em Israel ou Holanda onde o distrito eleitoral é o próprio país seja baixo? Ou que a RP não produz distorções onde o estado de direito prevalece?

domingo, 10 de abril de 2016

Brazil in Transition? OK, but for WHAT? - livro de Lee Alston, Marcus A. Melo, Bernardo Mueller & Carlos Pereira

O problema dos livros de análise muito contemporânea, que não observam o necessário recuo para ver se determinados itinerários são consistentes, é que eles acabam sendo desmentidos pela realidade antes mesmo de serem lançados.
Acho que esta é a tragédia deste livro:
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Brazil in Transition: Beliefs, Leadership, and Institutional Change
Lee J. Alston, Marcus André Melo, Bernardo Mueller & Carlos Pereira

 Os autores, segundo a sua própria introdução -- primeiro capítulo disponível neste link: http://press.princeton.edu/chapters/s10745.pdf -- acreditavam (até o final de 2013 ou o começo de 2014 provavelmente) que o Brasil se encontrava num caminho virtuoso de desenvolvimento econômico e político, com um processo de inclusão fiscalmente responsável.

A apresentação é igualmente otimista: "Brazil's growth and inflation became less variable, the rule of law strengthened, politics became more open and competitive, and poverty and inequality declined."

Se eles tivessem esperado mais um pouco -- e os sinais precursores daquilo que eu chamo de A Grande Destruição já tinham começado a se manifestar desde o final da década passada -- eles teriam constatado como tudo isso era fugaz, ilusório e sobretudo totalmente errado. Eles não perceberam, desde o Mensalão (2004-2005), que o partido hegemônico era uma organização criminosa? Que o Estado de Direito estava em declínio, em face de todas as ilegalidades perpetradas pelo partido neobolchevique? Que as bases econômicas da inclusão social eram muito precárias?

Eu posso selecionar dezenas de artigos meus, desde meados dos anos 2000, para demonstrar como o Brasil não podia crescer, como as políticas econômicas eram equivocadas, como as instituições estavam sendo minadas por dentro, e como a prevalência do Estado de Direito era uma completa ficção.

Os "endorsements", por alguns autores até famosos nesse terreno, são patéticos, vistos a uma distância de pouco mais de um ano. Como especialistas desse quilate podem se deixar levar por esse falso otimismo?; como eles não viram as bases frágeis do regime de poder e de políticas econômicas do lulopetismo em acão? Foram enganados pelos autores do livro ou pela propaganda do regime? Em lugar da "emergency of a new Brazil", como um desses apoiadores escreve, o que temos agora é a sobrevivência do velho Brasil, só que em lugar dos coroneis de antigamente temos os novos mafiosos da política.

 Lamento pelo livro e pelos seus autores, mas eles vão ter de preparar uma segunda edição, corrigindo todo o falso otimismo demonstrado nesta edição.

Paulo Roberto de Almeida

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Brazil is the world's sixth-largest economy, and for the first three-quarters of the twentieth century was one of the fastest-growing countries in the world. While the country underwent two decades of unrelenting decline from 1975 to 1994, the economy has rebounded dramatically. How did this nation become an emerging power? Brazil in Transition looks at the factors behind why this particular country has successfully progressed up the economic development ladder. The authors examine the roles of beliefs, leadership, and institutions in the elusive, critical transition to sustainable development.
Analyzing the last fifty years of Brazil's history, the authors explain how the nation's beliefs, centered on social inclusion yet bound by orthodox economic policies, led to institutions that altered economic, political, and social outcomes. Brazil's growth and inflation became less variable, the rule of law strengthened, politics became more open and competitive, and poverty and inequality declined. While these changes have led to a remarkable economic transformation, there have also been economic distortions and inefficiencies that the authors argue are part of the development process.
Brazil in Transition demonstrates how a dynamic nation seized windows of opportunity to become a more equal, prosperous, and rules-based society.
Lee J. Alston is the Ostrom Chair, professor of economics and law, and director of the Ostrom Workshop at Indiana University, as well as research associate at the NBER. Marcus André Melo is professor of political science at the Federal University of Pernambuco, Brazil. Bernardo Mueller is professor of economics at the University of Brasília. Carlos Pereira is professor of political science at the Brazilian School of Administration at the Getúlio Vargas Foundation, Rio de Janeiro.






 
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Brazil in Transition:
Beliefs, Leadership, and Institutional Change
Lee J. Alston, Marcus André Melo, Bernardo Mueller & Carlos Pereira

Hardcover | May 2016 | $39.50 | £29.95 | ISBN: 9780691162911
280 pp. | 6 x 9 | 21 line illus. 3 tables.
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eBook | ISBN: 9781400880942 |
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Chapter 1[PDF] pdf-icon
Brazil is the world's sixth-largest economy, and for the first three-quarters of the twentieth century was one of the fastest-growing countries in the world. While the country underwent two decades of unrelenting decline from 1975 to 1994, the economy has rebounded dramatically. How did this nation become an emerging power? Brazil in Transition looks at the factors behind why this particular country has successfully progressed up the economic development ladder. The authors examine the roles of beliefs, leadership, and institutions in the elusive, critical transition to sustainable development.
Analyzing the last fifty years of Brazil's history, the authors explain how the nation's beliefs, centered on social inclusion yet bound by orthodox economic policies, led to institutions that altered economic, political, and social outcomes. Brazil's growth and inflation became less variable, the rule of law strengthened, politics became more open and competitive, and poverty and inequality declined. While these changes have led to a remarkable economic transformation, there have also been economic distortions and inefficiencies that the authors argue are part of the development process.
Brazil in Transition demonstrates how a dynamic nation seized windows of opportunity to become a more equal, prosperous, and rules-based society.
Lee J. Alston is the Ostrom Chair, professor of economics and law, and director of the Ostrom Workshop at Indiana University, as well as research associate at the NBER. Marcus André Melo is professor of political science at the Federal University of Pernambuco, Brazil. Bernardo Mueller is professor of economics at the University of Brasília. Carlos Pereira is professor of political science at the Brazilian School of Administration at the Getúlio Vargas Foundation, Rio de Janeiro.
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"Possibly the biggest thing we don’t understand in social science is how and why a society moves from one institutional equilibrium to another. To tackle this you need history, economics, political science, sociology, and psychology. This pathbreaking book on the emergence of a new Brazil incorporates all of these and more."--James Robinson, coauthor of Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty
"In contrast to the conventional wisdom that attributes development to geography, policies, culture, and luck, the authors of Brazil in Transition persuasively show that the transformation of institutions and beliefs, the role of leadership, and the seizing of opportunities account for Brazil’s economic performance during the last few decades. This is a powerful framework and argument, elaborated intensively for the Brazilian case, but clearly appropriate to other developing economies around the world."--Kenneth Shepsle, Harvard University
"This book makes the optimistic case for the future of democracy, showing how an autocratic, cronyistic regime can transform itself into a democracy that combines a long-term focus on social inclusion with rational economic policy. An accessible, learned, and compelling account."--Charles Calomiris, coauthor of Fragile by Design: The Political Origins of Banking Crises and Scarce Credit
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    domingo, 28 de julho de 2013

    Ainda o debate sobre o atual contexto politico-economico no Brasil - Marcus Andre Melo

    O governo é vítima de seu próprio sucesso?
    Por Marcus André Melo
    Valor Econômico, 24/06/2013

    Analistas das mais diversas matizes buscaram no Egito e na Turquia os modelos para entender a onda de protestos recentes no país. Erraram na geografia e na explicação. A primeira analogia peca por razões óbvias - o contexto social, político e econômico é inteiramente diverso (forte crise econômica; débâcle inesperada de um regime sultanístico). O caso da Turquia é menos óbvio mas não deixa de causar estranheza. Afinal, trata-se de um governo francamente iliberal que vem implementando uma agenda autoritária no plano dos costumes: um problema recorrente desde a década de 20. Há na Turquia em comum com o Brasil pré-2010 um único fator: o dinamismo econômico. No entanto, o modelo mais adequado para entender o caso brasileiro está muito mais perto: é o Chile.
    Brasil e Chile são claramente os países de melhor desempenho institucional na região nos últimos 20 anos e, nesse sentido, os protestos aconteceram onde menos se esperava. Isso sugere a imagem de ambos serem vítimas de seu próprio sucesso, devido à elevação de expectativas. Embora contenha um grão de verdade esta explicação é claramente deficiente. Não se trata de elevação mas de reversão de expectativas.
    Esgotado o processo acelerado de modernização no Chile, a economia vem se mostrando com produtividade decrescente e poucas perspectivas de expansão. As famílias chilenas gastam mais de 40% de sua renda em educação - o maior percentual dos países da OCDE, por larga margem. Além disso, as expectativas de mobilidade vertical, a partir da educação, têm sido penosamente frustradas a despeito do desemprego de apenas 7-8%. O custo com educação para as famílias cresceu 60% em uma década. No Brasil, os ganhos marginais da inclusão econômica, da expansão do crédito e do boom da demanda externa também esgotaram-se. No plano das famílias, isto se reflete na inadimplência que cresceu 72% entre 2007 e 2013.
    Chile e Brasil têm outras coisas em comum: na pesquisa 2013 com 24 países do Latin American Barometer, são os países onde os serviços públicos têm pior avaliação (com a exceção do Haiti e de Trinidad Tobago!). São também os países onde o Judiciário e a mídia têm sido melhor avaliados, nas pesquisas do Global Corruption Barometer(GCB), dentre os países latino-americanos (com exceção do Uruguai). O Chile e o Brasil também aparecem em rankings do IBP, como tendo as instituições de controle externo mais efetivas da América Latina. (mais efetivas do que seus similares na Espanha, França e Itália!). Seus ministérios públicos também aparecem muito bem nos rankings.
    O impacto da economia no comportamento político é um dos temas clássicos da ciência política, sobre o que já se escreveram milhares de trabalhos. Os resultados nas democracias maduras são muito robustos: os eleitores votam com o bolso. Mas, nestas democracias, a infraestrutura urbana foi construída há cerca de 100 anos. As variáveis-chave, nestes países, restringem-se à taxa de desemprego e à renda real: daí se utilizar o termo genérico economic vote para designar esta subárea de literatura que trata do comportamento político.
    O voto econômico, em países como o Brasil, é um voto que engloba muito mais do que renda e emprego - algo frequentemente esquecido pelos analistas. Ele envolve serviços e infraestrutura pública. No entanto, não se trata apenas de redução absoluta de bem estar - a questão fundamental é o que a literatura denomina privação relativa: a dissonância cognitiva entre o bem estar experimentado e o esperado. Ele pode ocorrer quando tanto as expectativas quanto a capacidade de realizá-las elevam-se, e esta capacidade reduz-se em um segundo momento, abrindo-se, um hiato entre as duas. Isso ocorre quando um boom econômico ocorre e se exaure. Não é a toa que o Chile e o Brasil que apresentam níveis díspares de acesso e de qualidade de serviços públicos - significativamente melhores no Chile - convirjam na avaliação, extremamente, negativa dos serviços públicos. E isto em contexto de níveis históricos de baixo desemprego em ambos países.
    Na base dos protestos há, de fato, uma forte reversão de expectativas. Reversão de expectativas e não redução absoluta de bem estar, por um lado, e instituições de controle e mídia razoavelmente efetivas em detectar desmandos (mas não em puni-los), por outro, explicam grande parte da malaise institucional atual. Prima facie o "gigante acordou" como resultado de seu próprio sucesso. Isto seria verdade, se a falta de dinamismo da economia fosse resultado apenas da crise internacional ou desaceleração da China. Mas, como explicar o dinamismo de várias economias na região - vide Colômbia, Peru e México - que supostamente seriam afetadas pelo mesmo ambiente externo desfavorável? As razões da desordem devem ser buscadas nas próprias políticas de governo e no modo de gerenciamento de sua coalizão. Como explicar o declínio relativo da parcela federal no financiamento da atenção à saúde na última década, senão por decisões de política pública? Como explicar o escárnio oficial quanto às reformas institucionais e microeconômicas, preteridas em nome de uma licença para gastar? Ou o ataque contra o Ministério Público? Etc...
    Contra o mal estar o governo responde com uma proposta de terapia institucional que exacerba os problemas pois aparece como uma estratégia oportunista de eximir-se da responsabilidade. Fala-se de crise de representação. Se a métrica para dimensionar esta crise for a confiança nas instituições representativas estamos no mesmo barco que as democracias maduras. Se no Brasil o cinismo cívico é elevado - na última pesquisa do GCB (2013), 81% dos cidadãos brasileiros avaliaram os partidos políticos como corruptos ou muito corruptos - ainda estamos abaixo da Espanha (84%), e um pouco acima dos EUA (76%) e França (73%). Que cinismo cívico ou corrupção não se cura com reforma eleitoral, parece ser uma lição que estes países aprenderam, já que ela não está na agenda. Curiosamente esta também tem sido a equivocada terapia proposta no caso chileno.
    Marcus André Melo é professor da UFPE, foi professor visitante da Yale University e do MIT e é colunista convidado do "Valor". Rosângela Bittar volta a escrever agosto
    E-mail: marcus.melo@uol.com.br

    Um debate sobre os protestos e o contexto politico-economico no Brasil- Mansueto Almeida e Paulo R. Almeida

    Um debate indireto entre dois Almeidas, que não são parentes, mas partilham das mesmas preocupações quanto ao futuro do Brasil, existe um, otimista quero dizer...
    Meu comentário está no final.
    Paulo Roberto de Almeida

    Protestos e melhoria de políticas públicas: “o buraco é mais embaixo”?

    O sociólogo Alberto Carlos Almeida, colunista do Valor Econômico, escreveu um interessante e polêmico artigo na última sexta-feira no jornal Valor (clique aqui para ler).
    O artigo tem o mérito de lembrar que: (i) o Brasil desde sua redemocratização vem mudando para melhor; (ii) reformas são lentas e parte da nossa raiva “contra tudo que está ai” são escolhas da sociedade. Como destaca em um trecho do seu artigo: “….as instituições que existem são assim justamente porque têm acumulado em seu interior um saber prático, muitas vezes secular. Abolir esse edifício de um momento para outro pode resultar mais em prejuízos do que em benefícios.”, e (iii)a resposta política imediata às demandas das ruas pode resultar em uma herança fiscal maldita.
    O que não gostei do artigo e até me surpreendeu foi a posição elitista que o sociólogo tem das manifestações e a sensação que ele transmite de que os jovens estão sendo injustos em não reconhecer as melhorias institucionais pelas quais passou a  democracia brasileira. E ainda acusa parte da “elite” de fomentar a demanda (irresponsável?) das ruas. Destaco dois trechos do artigo:
    “Em qualquer onda de protestos, a turba que vai às ruas é absolutamente desinformada das minúcias e tecnicalidades que envolvem as decisões políticas. No caso do Brasil, as ruas têm sido ocupadas por jovens que têm pouca ou nenhuma experiência de vida, sequer são capazes de se sustentar economicamente. São pessoas completamente ignorantes de como se toca uma empresa, um negócio ou a administração pública. Ainda assim, têm o direito – isso é a democracia – de exigir mudanças imediatas da situação atual. Todavia, uma coisa é ter o direito de se manifestar; outra é se sentir no direito de ter suas reivindicações atendidas com rapidez. Temos um ditado que expressa bem a cautela que devemos ter quando se trata de mudanças: calma, que o buraco é mais embaixo.”
    E mais à frente a visão elitista de que quem protesta não conhece a realidade aparece novamente na frase:
    “As mudanças que nossos manifestantes pleiteiam já vêm ocorrendo há décadas. Eles não sabem disso. Falta-lhes qualquer tipo de sofisticação intelectual para compreender e ver que não se muda um país da noite para o dia e que coisas como o combate à corrupção e melhoria dos serviços públicos levam décadas.”
    É nessa interpretação um pouco arrogante, que não acredito que tenha sido intencional (nós estudiosos entendemos a realidade das mudanças complexas, vocês jovens não entendem o mundo), que o sociólogo escorrega. Os jovens de fato não conhecem as tecnicalidades envolvidas no processo de escolhas de políticas públicas mas têm a sensação que “algo está errado” .
    E aqui entro em outro artigo do valor do meu colega Marcus Melo, professor da Univ. Federal de Pernambuco (clique aqui). Marcus consegue com maior sucesso explicar que Brasil e Chile padecem de um bem e um mal comum: são economias com o melhor desempenho institucional na América Latina, mas em ambas os serviços públicos têm a pior avaliação. Ao invés de apelar para o argumento que “os jovens não conhecem as tecnicalidades de políticas públicas” Marcus reconhece a demanda legitima dos jovens nas ruas e mostra que parte da frustração com a qualidade dos serviços públicos é legítima e o culpado é o governo (às vezes o federal e, outros casos, o estadual e municipal). Como coloca Marcus Melo:
    “…Mas, como explicar o dinamismo de várias economias na região – vide Colômbia, Peru e México – que supostamente seriam afetadas pelo mesmo ambiente externo desfavorável? As razões da desordem devem ser buscadas nas próprias políticas de governo e no modo de gerenciamento de sua coalizão. Como explicar o declínio relativo da parcela federal no financiamento da atenção à saúde na última década, senão por decisões de política pública? Como explicar o escárnio oficial quanto às reformas institucionais e microeconômicas, preteridas em nome de uma licença para gastar? Ou o ataque contra o Ministério Público? Etc…”
    Tudo isso não será solucionado por uma reforma política e, nesse caso, o governo federal foi irresponsável ao extremo ao propor uma agenda que ele sabe que é um engodo para dar respostas às demandas das ruas.
    Assim, mais irresponsável que “o comportamento de parte da elite” que fomenta a raiva das ruas contra o governo é a tentativa equivocada da elite governamental de surfar nos protestos legítimos das ruas para aprovar uma agenda própria não relacionada as demandas das ruas.

    2 Respostas

    1. em 27/07/2013 às 1:27 PM | Resposta
      Rodrigo Medeiros
      Mansueto,
      Troquei algumas poucas linhas no Face com o Alberto ontem mesmo e disse que ele foi muito conservador no artigo. “Revolução” pode ter muitos significados… Renovação e mudança, por exemplo. Não dá para se afirmar que algo teria acontecido independente de uma revolução. Penso que esse é um argumento contrafactual e, portanto, inválido no artigo dele.
      Enfim, Alberto é um sociólogo sério, competente e buscou mostrar que ocorreram avanços nos últimos anos no Brasil. O problema é que o fator tempo costuma ser complicado para muitas ciências e a impaciência social é elevadíssima.
      Recomendo esse artigo:
      Abraço,

    2. O papel dos representantes do povo é o de justamente traduzir o “sentimento de que há algo malfeito” em ações públicas, passando SEU domínio dos tecnicismos e legalismos.
      Não entender isso é parecer que passou os últimos 12 anos fora e chegou para uma visita rápida ao País, passando pelo novo Maracanã (com direito ao Teleférico do Alemão, de longe) e voltando ao aeroporto.
      Não quero crer que essa tenha sido a motivação do sociólogo.


    3. Seu comentário está aguardando moderação.

      Independente dos reforços institucionais e da consolidação da democracia, o que ninguém nega, o fato é que o Brasil, por força da maioria predominante na Constituinte — social-democrática e distributivista — também consolidou uma mentalidade economicamente perversa, antiprodutivista e dilapidadora das possibilidades de acumulação, segundo a qual seria possível melhorar a vida de todos mediante medidas políticas determinadas legislativamente e a despeito de qualquer avaliação técnica quanto aos custos reais, mediatos e imediatos dessas medidas adotadas numa euforia geral e inconsciente. Parece também evidente que os agentes públicos dessas mudanças, por estarem no centro dessas medidas superestruturais — legisladores, burocratas e funcionários públicos de maneira geral, o que compreende TODO o judiciário e não apenas a sua cúpula — conseguem se apropriar de uma parte crescentemente importante das riquezas sociais regularmente aumentadas em favor do Estado, por meio de uma máquina de extração particularmente eficaz. Os politicos que estão no cimo desse sistema constituem em seu favor uma fração importante de clientela eleitoral — os assistidos por uma parte da riqueza apropriada pelo Estado — o que lhes garante condições ideais de continuidade e de preservação desse sistema, que a longo prazo é suicidário para o conjunto da sociedade.