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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 4 de agosto de 2013

Detroit, a socialista - Alexandre Borges

O Partido Democrata faliu Detroit

ALEXANDRE BORGES *
O que todos os prefeitos de Detroit desde 1962 têm em comum? Jerome Cavanagh, Roman Gribbs, Coleman Young, Dennis Archer, Kwame Kilpatrick, Kenneth Cockrel, Jr. e o atual Dave Bing são todos do mesmo partido que, depois de 51 anos seguidos, conseguiu falir um dos ícones da história americana.
Em 1960, Detroit tinha a mais alta renda per capita do país e hoje tem a mais baixa. Repetindo: até a última administração republicana, Detroit tinha a mais alta renda per capita dos EUA e, depois de meio século de feitiçarias de esquerda, tem a mais baixa. Tente discutir com esse dado ou culpar o capitalismo por isso.
A falência de Detroit está longe de ser surpresa para qualquer analista atento e honesto, mas é emblemática. A bancarrota da “motor city” coloca mais fogo no debate que quer a comparação direta entre os resultados obtidos pelos modelos oferecidos pelos dois grandes partidos do país. Estes modelos são aplicados também nos dois maiores estados dos EUA, o socialista na Califórnia e o de livre mercado no Texas, como num enorme teste de laboratório. E esta comparação não é apenas um debate econômico, é a versão revista e atualizada da Guerra Fria, só que agora em pleno território americano.
Não se deixe enganar: antes de avaliar a situação da economia americana atual, separe primeiro os estados “azuis” (democratas) e “vermelhos” (republicanos) e veja o que está dando certo e o que não está. Ver Barack Obama se vangloriar de dados da economia inflados pelos resultados dos estados “vermelhos” como o Texas, administrado por republicanos desde 1995 e que gerou 1/3 dos novos empregos do país na última década, é simplesmente ultrajante.
A maior cidade do Michigan foi enviada sem escalas para níveis de pobreza raros no mundo ocidental, o que pode ser comprovado em números divulgados recentemente pelo The Wall Street Journal:
- 47% dos adultos da cidade são considerados analfabetos funcionais (contra 20% da média do país)
- Apenas um terço das ambulâncias está em condições de sair da garagem
- 40% dos postes de luz das ruas estão apagados
- O tempo médio de resposta de um policial a um chamada ao 911 é de 58 minutos (média nacional: 11 minutos)
- Um terço das edificações da cidade está abandonado (78 mil prédios fantasmas)
- 210 dos 317 parques públicos estão fechados.
- 2/3 da população deixou a cidade desde os anos 60
- Menos de 5% dos carros do país são montados hoje na cidade
A cidade, onde as armas legais foram praticamente banidas como manda o manual esquerdista, é tão violenta que é impossível andar com segurança pelas ruas, você é logo aconselhado a pegar táxi. As escolas estão entre as piores do país, os serviços públicos mais básicos são negligenciados e tudo que envolve a prefeitura, como a licença para abrir um novo negócio, é um inferno burocrático terceiro-mundista, típico de qualquer lugar administrado por socialistas. Como definiu o jornal britânico “The Telegraph”, uma cidade assassinada por mau-caratismo e estupidez”.
Em Detroit, os prefeitos gastavam dinheiro público como “drunk sailors” e mergulhavam a administração municipal em escândalos de corrupção, subornos e clientelismo diretamente associados à expansão do governo. Kwame Kilpatrick, prefeito de 2002 a 2008, chegou a ser preso depois de condenado na justiça por mais de 25 crimes ligados à sua gestão.
Os sindicatos tiraram completamente a competitividade da cidade, mergulhando a economia local no caos. Enquanto torpedeavam qualquer tentativa da indústria automobilística de se modernizar, outras cidades atraíam as novas plantas e os empregos fugiram, assim como os investimentos. E o declínio da indústria da cidade era respondido pelos sindicatos com mais greves que exigiam ainda mais aumentos, proteções, regulações e subsídios, tudo com apoio explícito dos prefeitos democratas.
Hoje 15.000 metalúrgicos da ativa contribuem para fundos que pagam a aposentadoria de 22.000 pensionistas, com um déficit anual estimado de US$ 5,5 bilhões. Os EUA continuam fazendo bons carros, como o melhor SUV do mundo (eleito pela revista Motor Trend), o Mercedes-Benz Classe GL, só que agora ele é montado no Alabama. Parabéns, sindicatos!
No vizinho Wisconsin, o governador republicano Scott Walker resolveu enfrentar os poderosos sindicatos e chegou a ter seu mandato colocado em risco num “recall” ano passado, em que foi reeleito e agora promove uma verdadeira revolução no estado. Mas o futuro de Detroit ainda é incerto porque, evidentemente, você nunca vai ouvir a esquerda dizendo que errou.
Se existe algo certo na vida é o resultado de meio século de socialismo em qualquer lugar, mesmo no país mais rico do mundo. O Partido Democrata e os sindicatos faliram Detroit. Que sirva ao menos de lição.
* DIRETOR DO INSTITUTO LIBERAL

domingo, 28 de julho de 2013

Ainda o debate sobre o atual contexto politico-economico no Brasil - Marcus Andre Melo

O governo é vítima de seu próprio sucesso?
Por Marcus André Melo
Valor Econômico, 24/06/2013

Analistas das mais diversas matizes buscaram no Egito e na Turquia os modelos para entender a onda de protestos recentes no país. Erraram na geografia e na explicação. A primeira analogia peca por razões óbvias - o contexto social, político e econômico é inteiramente diverso (forte crise econômica; débâcle inesperada de um regime sultanístico). O caso da Turquia é menos óbvio mas não deixa de causar estranheza. Afinal, trata-se de um governo francamente iliberal que vem implementando uma agenda autoritária no plano dos costumes: um problema recorrente desde a década de 20. Há na Turquia em comum com o Brasil pré-2010 um único fator: o dinamismo econômico. No entanto, o modelo mais adequado para entender o caso brasileiro está muito mais perto: é o Chile.
Brasil e Chile são claramente os países de melhor desempenho institucional na região nos últimos 20 anos e, nesse sentido, os protestos aconteceram onde menos se esperava. Isso sugere a imagem de ambos serem vítimas de seu próprio sucesso, devido à elevação de expectativas. Embora contenha um grão de verdade esta explicação é claramente deficiente. Não se trata de elevação mas de reversão de expectativas.
Esgotado o processo acelerado de modernização no Chile, a economia vem se mostrando com produtividade decrescente e poucas perspectivas de expansão. As famílias chilenas gastam mais de 40% de sua renda em educação - o maior percentual dos países da OCDE, por larga margem. Além disso, as expectativas de mobilidade vertical, a partir da educação, têm sido penosamente frustradas a despeito do desemprego de apenas 7-8%. O custo com educação para as famílias cresceu 60% em uma década. No Brasil, os ganhos marginais da inclusão econômica, da expansão do crédito e do boom da demanda externa também esgotaram-se. No plano das famílias, isto se reflete na inadimplência que cresceu 72% entre 2007 e 2013.
Chile e Brasil têm outras coisas em comum: na pesquisa 2013 com 24 países do Latin American Barometer, são os países onde os serviços públicos têm pior avaliação (com a exceção do Haiti e de Trinidad Tobago!). São também os países onde o Judiciário e a mídia têm sido melhor avaliados, nas pesquisas do Global Corruption Barometer(GCB), dentre os países latino-americanos (com exceção do Uruguai). O Chile e o Brasil também aparecem em rankings do IBP, como tendo as instituições de controle externo mais efetivas da América Latina. (mais efetivas do que seus similares na Espanha, França e Itália!). Seus ministérios públicos também aparecem muito bem nos rankings.
O impacto da economia no comportamento político é um dos temas clássicos da ciência política, sobre o que já se escreveram milhares de trabalhos. Os resultados nas democracias maduras são muito robustos: os eleitores votam com o bolso. Mas, nestas democracias, a infraestrutura urbana foi construída há cerca de 100 anos. As variáveis-chave, nestes países, restringem-se à taxa de desemprego e à renda real: daí se utilizar o termo genérico economic vote para designar esta subárea de literatura que trata do comportamento político.
O voto econômico, em países como o Brasil, é um voto que engloba muito mais do que renda e emprego - algo frequentemente esquecido pelos analistas. Ele envolve serviços e infraestrutura pública. No entanto, não se trata apenas de redução absoluta de bem estar - a questão fundamental é o que a literatura denomina privação relativa: a dissonância cognitiva entre o bem estar experimentado e o esperado. Ele pode ocorrer quando tanto as expectativas quanto a capacidade de realizá-las elevam-se, e esta capacidade reduz-se em um segundo momento, abrindo-se, um hiato entre as duas. Isso ocorre quando um boom econômico ocorre e se exaure. Não é a toa que o Chile e o Brasil que apresentam níveis díspares de acesso e de qualidade de serviços públicos - significativamente melhores no Chile - convirjam na avaliação, extremamente, negativa dos serviços públicos. E isto em contexto de níveis históricos de baixo desemprego em ambos países.
Na base dos protestos há, de fato, uma forte reversão de expectativas. Reversão de expectativas e não redução absoluta de bem estar, por um lado, e instituições de controle e mídia razoavelmente efetivas em detectar desmandos (mas não em puni-los), por outro, explicam grande parte da malaise institucional atual. Prima facie o "gigante acordou" como resultado de seu próprio sucesso. Isto seria verdade, se a falta de dinamismo da economia fosse resultado apenas da crise internacional ou desaceleração da China. Mas, como explicar o dinamismo de várias economias na região - vide Colômbia, Peru e México - que supostamente seriam afetadas pelo mesmo ambiente externo desfavorável? As razões da desordem devem ser buscadas nas próprias políticas de governo e no modo de gerenciamento de sua coalizão. Como explicar o declínio relativo da parcela federal no financiamento da atenção à saúde na última década, senão por decisões de política pública? Como explicar o escárnio oficial quanto às reformas institucionais e microeconômicas, preteridas em nome de uma licença para gastar? Ou o ataque contra o Ministério Público? Etc...
Contra o mal estar o governo responde com uma proposta de terapia institucional que exacerba os problemas pois aparece como uma estratégia oportunista de eximir-se da responsabilidade. Fala-se de crise de representação. Se a métrica para dimensionar esta crise for a confiança nas instituições representativas estamos no mesmo barco que as democracias maduras. Se no Brasil o cinismo cívico é elevado - na última pesquisa do GCB (2013), 81% dos cidadãos brasileiros avaliaram os partidos políticos como corruptos ou muito corruptos - ainda estamos abaixo da Espanha (84%), e um pouco acima dos EUA (76%) e França (73%). Que cinismo cívico ou corrupção não se cura com reforma eleitoral, parece ser uma lição que estes países aprenderam, já que ela não está na agenda. Curiosamente esta também tem sido a equivocada terapia proposta no caso chileno.
Marcus André Melo é professor da UFPE, foi professor visitante da Yale University e do MIT e é colunista convidado do "Valor". Rosângela Bittar volta a escrever agosto
E-mail: marcus.melo@uol.com.br

Um debate sobre os protestos e o contexto politico-economico no Brasil- Mansueto Almeida e Paulo R. Almeida

Um debate indireto entre dois Almeidas, que não são parentes, mas partilham das mesmas preocupações quanto ao futuro do Brasil, existe um, otimista quero dizer...
Meu comentário está no final.
Paulo Roberto de Almeida

Protestos e melhoria de políticas públicas: “o buraco é mais embaixo”?

O sociólogo Alberto Carlos Almeida, colunista do Valor Econômico, escreveu um interessante e polêmico artigo na última sexta-feira no jornal Valor (clique aqui para ler).
O artigo tem o mérito de lembrar que: (i) o Brasil desde sua redemocratização vem mudando para melhor; (ii) reformas são lentas e parte da nossa raiva “contra tudo que está ai” são escolhas da sociedade. Como destaca em um trecho do seu artigo: “….as instituições que existem são assim justamente porque têm acumulado em seu interior um saber prático, muitas vezes secular. Abolir esse edifício de um momento para outro pode resultar mais em prejuízos do que em benefícios.”, e (iii)a resposta política imediata às demandas das ruas pode resultar em uma herança fiscal maldita.
O que não gostei do artigo e até me surpreendeu foi a posição elitista que o sociólogo tem das manifestações e a sensação que ele transmite de que os jovens estão sendo injustos em não reconhecer as melhorias institucionais pelas quais passou a  democracia brasileira. E ainda acusa parte da “elite” de fomentar a demanda (irresponsável?) das ruas. Destaco dois trechos do artigo:
“Em qualquer onda de protestos, a turba que vai às ruas é absolutamente desinformada das minúcias e tecnicalidades que envolvem as decisões políticas. No caso do Brasil, as ruas têm sido ocupadas por jovens que têm pouca ou nenhuma experiência de vida, sequer são capazes de se sustentar economicamente. São pessoas completamente ignorantes de como se toca uma empresa, um negócio ou a administração pública. Ainda assim, têm o direito – isso é a democracia – de exigir mudanças imediatas da situação atual. Todavia, uma coisa é ter o direito de se manifestar; outra é se sentir no direito de ter suas reivindicações atendidas com rapidez. Temos um ditado que expressa bem a cautela que devemos ter quando se trata de mudanças: calma, que o buraco é mais embaixo.”
E mais à frente a visão elitista de que quem protesta não conhece a realidade aparece novamente na frase:
“As mudanças que nossos manifestantes pleiteiam já vêm ocorrendo há décadas. Eles não sabem disso. Falta-lhes qualquer tipo de sofisticação intelectual para compreender e ver que não se muda um país da noite para o dia e que coisas como o combate à corrupção e melhoria dos serviços públicos levam décadas.”
É nessa interpretação um pouco arrogante, que não acredito que tenha sido intencional (nós estudiosos entendemos a realidade das mudanças complexas, vocês jovens não entendem o mundo), que o sociólogo escorrega. Os jovens de fato não conhecem as tecnicalidades envolvidas no processo de escolhas de políticas públicas mas têm a sensação que “algo está errado” .
E aqui entro em outro artigo do valor do meu colega Marcus Melo, professor da Univ. Federal de Pernambuco (clique aqui). Marcus consegue com maior sucesso explicar que Brasil e Chile padecem de um bem e um mal comum: são economias com o melhor desempenho institucional na América Latina, mas em ambas os serviços públicos têm a pior avaliação. Ao invés de apelar para o argumento que “os jovens não conhecem as tecnicalidades de políticas públicas” Marcus reconhece a demanda legitima dos jovens nas ruas e mostra que parte da frustração com a qualidade dos serviços públicos é legítima e o culpado é o governo (às vezes o federal e, outros casos, o estadual e municipal). Como coloca Marcus Melo:
“…Mas, como explicar o dinamismo de várias economias na região – vide Colômbia, Peru e México – que supostamente seriam afetadas pelo mesmo ambiente externo desfavorável? As razões da desordem devem ser buscadas nas próprias políticas de governo e no modo de gerenciamento de sua coalizão. Como explicar o declínio relativo da parcela federal no financiamento da atenção à saúde na última década, senão por decisões de política pública? Como explicar o escárnio oficial quanto às reformas institucionais e microeconômicas, preteridas em nome de uma licença para gastar? Ou o ataque contra o Ministério Público? Etc…”
Tudo isso não será solucionado por uma reforma política e, nesse caso, o governo federal foi irresponsável ao extremo ao propor uma agenda que ele sabe que é um engodo para dar respostas às demandas das ruas.
Assim, mais irresponsável que “o comportamento de parte da elite” que fomenta a raiva das ruas contra o governo é a tentativa equivocada da elite governamental de surfar nos protestos legítimos das ruas para aprovar uma agenda própria não relacionada as demandas das ruas.

2 Respostas

  1. em 27/07/2013 às 1:27 PM | Resposta
    Rodrigo Medeiros
    Mansueto,
    Troquei algumas poucas linhas no Face com o Alberto ontem mesmo e disse que ele foi muito conservador no artigo. “Revolução” pode ter muitos significados… Renovação e mudança, por exemplo. Não dá para se afirmar que algo teria acontecido independente de uma revolução. Penso que esse é um argumento contrafactual e, portanto, inválido no artigo dele.
    Enfim, Alberto é um sociólogo sério, competente e buscou mostrar que ocorreram avanços nos últimos anos no Brasil. O problema é que o fator tempo costuma ser complicado para muitas ciências e a impaciência social é elevadíssima.
    Recomendo esse artigo:
    Abraço,

  2. O papel dos representantes do povo é o de justamente traduzir o “sentimento de que há algo malfeito” em ações públicas, passando SEU domínio dos tecnicismos e legalismos.
    Não entender isso é parecer que passou os últimos 12 anos fora e chegou para uma visita rápida ao País, passando pelo novo Maracanã (com direito ao Teleférico do Alemão, de longe) e voltando ao aeroporto.
    Não quero crer que essa tenha sido a motivação do sociólogo.


  3. Seu comentário está aguardando moderação.

    Independente dos reforços institucionais e da consolidação da democracia, o que ninguém nega, o fato é que o Brasil, por força da maioria predominante na Constituinte — social-democrática e distributivista — também consolidou uma mentalidade economicamente perversa, antiprodutivista e dilapidadora das possibilidades de acumulação, segundo a qual seria possível melhorar a vida de todos mediante medidas políticas determinadas legislativamente e a despeito de qualquer avaliação técnica quanto aos custos reais, mediatos e imediatos dessas medidas adotadas numa euforia geral e inconsciente. Parece também evidente que os agentes públicos dessas mudanças, por estarem no centro dessas medidas superestruturais — legisladores, burocratas e funcionários públicos de maneira geral, o que compreende TODO o judiciário e não apenas a sua cúpula — conseguem se apropriar de uma parte crescentemente importante das riquezas sociais regularmente aumentadas em favor do Estado, por meio de uma máquina de extração particularmente eficaz. Os politicos que estão no cimo desse sistema constituem em seu favor uma fração importante de clientela eleitoral — os assistidos por uma parte da riqueza apropriada pelo Estado — o que lhes garante condições ideais de continuidade e de preservação desse sistema, que a longo prazo é suicidário para o conjunto da sociedade.

domingo, 23 de junho de 2013

Milhares de medicos: para o que, exatamente? - o desabafo de uma medica do interior

Dilma, deixa eu te falar uma coisa! 
Fernanda Melo, médica, moradora e trabalhadora de Cabo Frio, cidade da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro.
[Recebido: 23/06/2013]

Este ano completo 7 anos de formada pela Universidade Federal Fluminense e desde então, por opção de vida, trabalho no interior. Inclusive hoje, não moro mais num grande centro. Já trabalhei em cada canto...

Você não sabe o que eu já vi e vivi, não só como médica, mas como cidadã brasileira. Já tive que comprar remédio com meu dinheiro, porque a mãe da criança só tinha R$ 2,00 para comprar o pão.

Por que comprei?

Porque não tinha vaga no hospital para internar e eu já tinha usado todos os espaços possíveis (inclusive do corredor!) para internar os mais graves.

Você sabe o que é puxadinho?
Agora, já viu dentro de enfermaria? Pois é, eu já vi. E muitos. Sabe o que é mãe e filho dormirem na mesma maca porque simplesmente não havia espaço para sequer uma cadeira?

Já viu macas tão grudadas, mas tão grudadas, que na hora da visita médica era necessário chamar um por um para o consultório porque era impossível transitar na enfermaria?

Já trabalhei num local em que tive que autorizar que o familiar trouxesse comida ( não tinha, ora bolas!) e já trabalhei em outro que lotava na hora do lanche (diga-se refresco ralo com biscoito de péssima qualidade) que era distribuído aos que aguardavam na recepção.

Já esperei 12 horas por um simples hemograma. Já perdi o paciente antes de conseguir um mera ultrassonografia. Já vi luva descartável ser reciclada. Já deixei de conseguir vaga em UTI pra doente grave porque eu não tinha um exame complementar que justificasse o pedido.

Já fui ambuzando um prematuro de 1Kg (que óbvio, a mãe não tinha feito pré natal!) por 40 Km para vê-lo morrer na porta do hospital sem poder fazer nada. A ambulância não tinha nada...

Tem mais, calma! Já tive que escolher direta ou indiretamente quem deveria viver. E morrer...

Já ouvi muito desaforo de paciente, revoltando com tanto descaso e que na hora da raiva, desconta no médico, como eu, como meus colegas, na enfermeira, na recepcionista, no segurança, mas nunca em você.

Já ouviu alguém dizer na tua cara: meu filho vai morrer e a culpa é tua? Não, né? E a culpa nem era minha, mas era tua, talvez. Ou do teu antecessor. Ou do antecessor dele...

Já vi gente morrer! Óbvio, médico sempre vê gente morrendo, mas de apendicite, porque não tinha centro cirúrgico no lugar, nem ambulância pra transferir, nem vaga em outro hospital?

Agonizando, de insuficiência respiratória, porque não tinha laringoscópio, não tinha tubo, não tinha respirador?

De sepse, porque não tinha antibiótico, não tinha isolamento, não tinha UTI?

A gente é preparado pra ver gente morrer, mas não nessas condições.

Ah Dilma, você não sabe mesmo o que eu já vi! Mas deixa eu te falar uma coisa: trazer médico de Cuba, de Marte ou de qualquer outro lugar, não vai resolver nada!

E você sabe bem disso.

Só está tentado enrolar a gente com essa conversa fiada. É tanto descaso, tanta carência, tanto despreparo...

As pessoas adoecem pela fome, pela sede, pela falta de saneamento e educação e quando procuram os hospitais, despejam em nós todas as suas frustrações, medos, incertezas...

Mas às vezes eu não tenho luva e fio pra fazer uma sutura, o que dirá uma resposta para todo o seu sofrimento!

O problema do interior não é falta de médico. É falta de estrutura, de interesse, de vergonha na cara. Na tua cara e dessa corja que te acompanha! 

Não é só salário que a gente reivindica. Eu não quero ganhar muito num lugar que tenha que fingir que faço medicina. E acho que a maioria dos médicos brasileiros também não.

Quer um conselho?

Pare de falar besteira em rede nacional e admita: já deu pra vocês!

Eu sei que na hora do desespero, a gente apela, mas vamos combinar, você abusou!

Se você não sabe ser "presidenta", desculpe-me, mas eu sei ser médica, mas por conta da incompetência de vocês, não estou conseguindo exercer minha função com louvor!


Não sei se isso vai chegar até você, mas já valeu pelo desabafo!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

De volta ao custo Brasil - Sandra Rios, Pedro M Veiga


De volta à agenda do custo Brasil 
Pedro da Motta Veiga e Sandra Polonio Rios *
O Estado de S.Paulo, 25 de agosto de 2012

A estratégia de enfrentamento da crise internacional e da perda de dinamismo da indústria com a mobilização de vasto arsenal de medidas de política industrial e comercial parece ter atingido seus limites. O próprio governo vem sinalizando, nos últimos tempos, para alterações no mix de instrumentos de políticas para lidar com esses desafios.
Com o modelo de crescimento apoiado na expansão - principalmente por meio do crédito - do consumo doméstico, à política industrial e comercial se atribuiu o papel de garantir que os benefícios daquela expansão não fossem capturados pelas importações, mas, sim, pela produção doméstica. Incentivos diversos e subsídios foram concedidos à indústria, ao tempo em que se aumentava, por meio de elevações tarifárias e crescente ativismo na área do antidumping, a proteção à produção doméstica.
A percepção dos limites da estratégia de crescimento baseada na ampliação do consumo ocorreu em paralelo à constatação das fragilidades da visão de política que orientou a ação do governo na esfera industrial e comercial, no período em que a apreciação do real levou a culpa pelas dificuldades da indústria.
De um lado, parece claro que a panóplia de medidas e instrumentos mobilizados pelo governo não fará mais do que eventualmente aliviar a situação de curto prazo de algumas empresas e setores específicos. A regra é um conjunto de medidas adotadas para tentar resolver problemas específicos de diferentes setores, por meio da desoneração de folha de pagamento, estabelecimento de margens de preferências nas compras governamentais, etc.
De outro lado, o espaço fiscal para políticas industriais intensivas em subsídios governamentais é hoje nitidamente mais reduzido do que no passado recente. O baixo nível de crescimento tem afetado negativamente a arrecadação federal nos últimos meses e, além disso, há pressões sobre as contas públicas vindas de outras áreas e setores que concorrem com a demanda por incentivos de política industrial.
Neste cenário, o próprio governo parece estar promovendo um deslocamento da ênfase da agenda industrial. Ao que tudo indica, esta se distanciará dos instrumentos voltados para enfrentar situações consideradas emergenciais ou conjunturais - sem que tais instrumentos sejam desmobilizados, no entanto - e focalizará em temas predominantemente "horizontais", que afetam todos os setores da indústria.
Esse ressurgimento da agenda do "custo Brasil" - atribuído pela imprensa à decisão pessoal da presidente da República - deverá se materializar numa série de medidas relacionadas à redução do custo da energia elétrica, à simplificação da carga tributária e à abertura de novas oportunidades de investimento privado em setores de infraestrutura e logística, por meio de concessões, parcerias público-privadas, etc.
O reconhecimento de que o custo Brasil é um dos principais fatores que afetam a competitividade da indústria brasileira é em si positivo, pois evita o diagnóstico fácil que atribui esse problema a situações conjunturais ou à taxa de câmbio. O problema de competitividade da indústria brasileira é estrutural e é para esta realidade que o resgate da agenda do custo Brasil aponta. 
Porém, o otimismo em relação ao novo foco da política não deve ser exagerado. O tema da carga tributária, presente em diversas declarações da presidente, parece ter sido deixado de lado, pelo menos por enquanto. A redução do custo de energia também não faz parte do primeiro "pacote" de medidas, que está focado em infraestrutura de transportes. Mesmo nessa área, a agenda está sendo "fatiada", começando-se pelo anúncio de medidas em áreas consideradas mais "fáceis", como rodovias e ferrovias.
Não se deve minimizar as dificuldades de toda ordem para abordar a agenda do custo Brasil: há, em todos os temas, resistências fortes dos interesses públicos e privados estabelecidos e não é por acaso que esta agenda - identificada há quase 20 anos - pouco avançou. Ainda assim, o retorno dessa agenda ao centro do debate de políticas públicas é motivo para comemoração.

* DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Como retornar meio seculo atras - Republica Desindustrial do Brasil


Política industrial segue um rumo equivocado


Editorial O Estado de S.Paulo, 19/04/2012

A industrialização brasileira teve início num quadro de protecionismo, de economia fechada e de taxa cambial favorável a essas duas características. Para ajudar a indústria hoje, o governo tenta recriar o ambiente dos anos 60. É o caso de indagar se não se vai consolidar de novo uma indústria muito frágil sob as asas protetoras do Estado.
A situação atual é mais complexa, pois a intervenção estatal sob a forma de alívios fiscais está sendo dirigida a produtos, e não à indústria em geral, gerando distorções e muitas vezes complicando a vida das empresas que têm, num mesmo produto final, componentes com e sem essa desoneração fiscal, por meio da qual se supõe que a indústria se tornará competitiva. É um tipo de política que corre o risco de repetir os erros do passado, quando nossa indústria se habituou a importar componentes do exterior, sem procurar desenvolver uma tecnologia própria e inovadora.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) acaba de constatar que, provavelmente, neste 1.º trimestre, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que é o total dos investimentos, mais uma vez recuou. Isso enquanto o consumo continua crescendo.
A FBCF depende tanto dos investimentos públicos na infraestrutura quanto dos do setor privado. Estes, em razão do atual marasmo, mesmo com estímulos, se mostram hesitantes na grande maioria dos setores. O problema está no setor público.
De fato, se o total de gastos indica aumento de investimentos do governo federal, logo se verifica que estes se concentram no Programa Minha Casa, Minha Vida, enquanto outros investimentos necessários à infraestrutura sofreram um recuo sensível em relação ao ano passado, quando já haviam sido insuficientes.
O governo precisa se convencer de que são os investimentos públicos que vão permitir um aumento do Produto Interno Bruto (PIB), ao mesmo tempo que oferecerão a todos os setores industriais os meios suscetíveis de reduzir seus custos de produção para enfrentar a concorrência estrangeira.
O crescimento do PIB exige um nível adequado de investimentos. E os investimentos promovem distribuição de renda, antes do aumento da capacidade de produção - o que certamente é um processo mais ortodoxo do que o aumento artificial do crédito para estimular a demanda doméstica. E a oferta de melhores estradas, portos, ferrovias, etc., reduzirá os custos da produção à medida que a demanda aumenta. Num quadro atraente como esse, a indústria poderá voltar a investir na produção.