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terça-feira, 25 de junho de 2019

A China e a crise econômica de 2008 - entrevista a jornalista chinês - Paulo Roberto de Almeida

A crise de 2008, provocada pela crise imobiliária americana de 2007, e logo disseminada pelo sistema bancário americano e mundial, atingiu fortemente a China: suas exportações tiveram uma súbita redução de quase um terço, o que motivou um pacote de estímulo superior a meio trilhão de dólares. Fui contatado, no final de 2008, por um jornalista chinês, colocando-me várias perguntas basicamente de economia interna chinesa, sendo que eu não me considerava especialmente habilitado para me pronunciar extensamente a respeito. Ainda assim, respondi o melhor que pude, mas desconheço completamente se essas minhas considerações foram ou não aproveitadas.
Como nunca houve publicação de minhas respostas, faço-o agora, esperando que ainda ofereçam interesse aos leitores deste blog. Esclareço que dei muitas outras entrevistas sobre a crise no Brasil (em 2009 tivemos crescimento zero, a despeito do presidente Lula ter desprezado a dimensão da crise no ano anterior, chamado-a de simples "marolinha), assim como sobre as várias crises europeias, com destaque para a Grécia.
Dois anos depois, com o início do desastroso terceiro mandato do lulopetismo, começa a montagem da mixórdia econômica que nos levaria ao que eu chamei de "Grande Destruição", quando os países capitalista já tinham saído da Grande Depressão.
Eis o que escrevi no final de 2008:


A China e a crise econômica mundial

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de dezembro de 2008
Respostas a questões colocadas por
jornalista chinês.

1. The Chinese stimulus package not only seeks an increase in consumer’s spending but also improvements in infrastructure. Besides the economic changes, what consequences will this package bring to China in a long-term basis?

PRA: O pacote econômico de reestruturação da economia chinesa possui elementos coincidentes com outros pacotes de inspiração keynesiana, que estão sendo implementados por outros países em situação de crise, e alguns elementos apenas válidos para a economia chinesa. O extraordinário crescimento econômico da China, nos últimos vinte anos, foi baseado na mobilização de suas vantagens comparativas primárias – abundância de mão-de-obra, fraca organização laboral, mas forte organização política – para atender à demanda mundial por mercadorias baratas, no quadro da grande transformação acarretada pelo fim do socialismo e pela aceleração do processo de globalização. Foram as exportações que puxaram, em grande medida, o grande crescimento chinês, muito embora ela também esteja desenvolvendo, aceleradamente, o seu mercado interno, já que ela precisava absorver, a cada ano, algumas dezenas de milhões de novos (e alguns velhos) trabalhadores no mercado de trabalho. O setor da construção civil – e, portanto, da infra-estrutura – é extremamente relevante não apenas em termos de emprego, mas também como multiplicador – efeitos em cadeia, backward and forward linkages – econômico e como suporte físico do extraordinário crescimento chinês.
Não devemos, no entanto, esquecer, que grande parte do assim chamado “pacote de estímulo” chinês se compõe de programas já existentes, que foram reclassificados como programa de auxílio neste momento de crise. A China, realmente, encontra-se numa situação dramática, uma vez que ela PRECISA produzir empregos e crescimento, apenas para manter a paz social e a tranqüilidade econômica no país. Esse pacote visa, ao menos, compensar em parte as perdas inevitáveis, em termos de produção, emprego e renda, que se configuram como certas em face da crise financeira que já atingiu a economia real. O volume envolvido é expressivo, considerando-se que o PIB chinês, em PPP, já alcançou 4 ou 5 trilhões de dólares, mas, como dito acima, parte do dinheiro já estava comprometida com desembolsos previstos no orçamento do ano.

2. SiChuan communities devastated by May’s earthquake will be rebuilt with money provided by the stimulus package. In one hand, it will create jobs and demand construction material, which all represent a stimulus to the economy. However, should the rebuilt of a city destroyed by an earthquake be part of an economic, social or political plan?

PRA: Pode-se dizer que sim, por um lado, pois se trata, além de uma boa política de reconstrução, em geral, de um dever moral, uma demonstração de solidariedade nacional, nesse caso particular do terremoto e as zonas destruídas. Por outro lado, talvez não, pois se supõe que, num Estado moderno, o orçamento normal do país, em bases anuais, já deveria prever dotações específicas para casos de catástrofes naturais, defesa civil, enfim, fatores imponderáveis, mas que estão sempre presentes na vida dos países. Talvez, apenas motivações políticas dos próprios dirigentes chineses, tenham determinado que essa reconstrução se faça no quadro do pacote de estímulo, eventualmente com o objetivo de “inflar” um pouco artificialmente o montante total do pacote e assim dar a impressão de que a China está fazendo um grande esforço de recuperação e de superação da atual crise econômica.

3. Are investments in rural areas and social welfare projects reasonable solutions to increase GDP per capita in China? If so, how long will it take? How much increase?

PRA: Não apenas razoáveis, como absolutamente necessários para essa elevação da renda per capita e para a diminuição das desigualdades distributivas que são sempre inevitáveis, entre as rendas respectivas do setor rural e urbano. Entretanto, seria preciso ter consciência de que as políticas distributivas – em oposição a investimentos produtivos – são extremamente limitadas na elevação dos patamares de renda em bases permanentes, já que a assistência direta pode ser temporária e incapaz de aumentar a qualidade da oferta de mão-de-obra produtiva. Por outro lado, investimentos diretos, sobretudo em infraestrutura, saúde, educação e treinamento e capacitação técnico-profissional, são sempre a melhor opção para se conseguir essa melhoria no PIB per capita.
Dito isto, não tenho a menor ideia – por desconhecer os dados fundamentais da China – de quanto tempo isso poderia levar e do grau de elevação dessa renda. De toda forma, sabe-se que no ritmo anterior – à crise – de crescimento do PIB per capita da China (em torno de 8% ao ano), a renda pode duplicar em menos de uma geração, e provavelmente em menos de 20 anos. Como isso se distribui desigualmente entre o campo e a cidade, pode-se presumir que a renda urbana cresça mais rapidamente – talvez o dobro – do que a renda rural. O ritmo e a intensidade do crescimento da renda per capita no setor rural dependeriam, em grande medida, da capacidade dessas políticas de investimentos elevarem substancialmente a produtividade do trabalho humano nesse setor, pois este é o principal diferencial de renda que possa existir. Essa produtividade, por sua vez, depende basicamente de uma educação de qualidade, que tende a ser menos positiva nas zonas rurais, justamente. Assim, desse ponto de vista, se justifica esse investimento maior, ou mais focado, nas zonas rurais.

4. Because the US demand for commodities has decreased, Brazilians experts believe the stimulus package is good news. How optimistic can Brazil be towards the Chinese demand?

PRA: Não muito, pois que a demanda chinesa por commodities está em grande medida vinculada à demanda americana por bens manufaturados e outros produtos mais sofisticados. Assim, ao cair a demanda americana, seria inevitável uma queda no fornecimento brasileiro em matérias-primas, desde que vinculados a essa produção manufatureira.
Apenas que, parte dessas commodities são destinadas ao mercado interno chinês, como por exemplo alimentos e minério de ferro para a construção civil. Desse ponto de vista, o pacote chinês pode ser um elemento positivo na demanda externa por exportações brasileiras.

5. It is visible that this stimulus package will boost economic growth in China. What about its consequences for other countries, especially for the US?

PRA: Eu não diria isto, pois o pacote chinês vai apenas compensar parte do decréscimo de crescimento derivado da demanda americana. Ou seja, a queda no crescimento, inevitável, pode não ser mais tão dramática e prejudicial como se espera, à economia chinesa, apenas com base na implementação do pacote de estímulo, mas esse pacote pode não ser suficiente.
Por outro lado, os EUA também exportam muitos bens à China, além da própria interface dos investimentos diretos (ou seja, concepção e marketing dos EUA, e fabricação e demais operações feitas na China). O impacto do pacote chinês pode assim ser limitado para os EUA, mas ainda assim adaptado e adequado à atual conjuntura de recessão, quiçá de depressão.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de dezembro de 2008

Quando o imperialismo impunha tratados desiguais; os da China foram até 1943 - Paulo Roberto de Almeida

Todos lemos, nos livros de história do Brasil, sobre os tratados desiguais aceitos por Portugal na sua relação (de dependência) em relação, primeiro à Inglaterra, depois à Grã-Bretanha, tratados esses que tiveram de ser engolidos pelo Brasil na independência, e mantidos até 1844. Vários outros países colocados na mesma situação de dependência semicolonial também sofreram o mesmo tratamento.
O que eu não sabia, pelo menos até 2006, era que a China teve de suportar esse regime humilhante até a Segunda Guerra Mundial.
Fiz um registro, e umas observações, em meu primeiro blog, numa postagem que reproduzo abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de junho de 2019 

QUARTA-FEIRA, 11 DE JANEIRO DE 2006

150) História recente do colonialismo e do imperialismo


Ao abrir hoje, 11 de janeiro de 2006, um de meus boletins eletrônicos de imprensa, percorrendo as notícias com o mesmo olhar vago de quem já anda saturado de informações, cheguei, finalmente, à seção de "aconteceu nesse dia". Sempre gosto de efemérides, dada minha atração especial pela história.
Mas o que li nesse this day in history?

Esta singela entrada, sem maiores explicações:
"Em 1943, Estados Unidos e Grã-Bretanha firmaram tratados para abandonar seus direitos extraterritoriais na China" (In 1943, the United States and Britain signed treaties relinquishing extraterritorial rights in China.)

Ou seja, exatamente 63 anos atrás, os EUA e o Reino Unido, então aliados da China na luta contra as potências do Eixo (Alemanha nazista, Itália mussoliniana e Japão militarista), davam finalmente por terminados os iníquos tratados desiguais que eles tinham extorquido do antigo regime imperial chinês em pleno século XIX. Em suma, pouco mais de duas gerações antes da nossa, a China era um país praticamente ocupado pelos principais países ocidentais, que ali dispunham de prerrogativas de, e se comportavam como, potências ocupantes.
O Japão já tinha entrado nessa brincadeira no final do século XIX, ao derrotar a China pelo controle de certos territórios (inclusive Taiwan), e novamente no início do século XX, ao derrotar novamente a China e a Rússia imperial, pelo controle do norte da China e pela tutela da Coréia (pouco depois convertida em simples colônia). Ele deu continuidade à sua política expansionista em 1931, invadindo e ocupando a Manchúria, e novamente em 1937, ao lançar-se à conquista de novos territórios chineses.
Bem antes dessa época, as grandes potências ocidentais já tinham extraído da China tratados e concessões iníquas, que representavam cessão de soberania e status de extraterritorialidade, que só vieram a termo, em 1943, em função das necessidades da guerra no Pacífico. Do contrário, é possível que a China permanecesse um país tutelado até praticamente os anos 1960, como ocorreu com a maior parte de outros territórios asiáticos e africanos.

Os contrastes entre essa situação humilhante e, de um lado, o antigo prestígio da China imperial dos tempos de Kublai Khan e de Marco Polo e, de outro, o novo respeito adquirido atualmente pela China no cenário internacional, em termos de poder econômico e possível desafio estratégico, não poderiam ser mais chocantes.
O interessante, porém, mais do que constatar a “perversidade” do colonialismo e do imperialismo contemporâneo, seria refletir sobre a marcha da história, aplicada ao caso chinês.
A ocupação e a humilhação da China não foram apenas o infeliz resultado da prepotência e da arrogância das potências colonialistas ocidentais. Elas foram, igualmente, o resultado da própria incapacidade da China de defender-se e de equiparar-se, econômica, tecnológica e militarmente às principais potências ocidentais.
E como isso foi possível, tendo em vista os precedentes chineses? De fato, até o século XVII, mais ou menos, a China detinha um dos melhores registros históricos em termos de inventividade humana (tendo oferecido ao mundo inovações fabulosas), uma das histórias políticas, artísticas e culturais mais longas do ponto de vista de sua continuidade, uma institucionalidade administrativa quase “weberiana”, enquanto Império unificado, bem como constituía a maior economia do mundo, pelo menos em termos de volume bruto.
Se as potências ocidentais, que tinham, em suas fases diferenciadas de modernização, aproveitado invenções chinesas geniais como a pólvora e a imprensa, puderam vencer, ocupar e “esquartejar” a China tão “facilmente” no decorrer do século XIX, foi porque a China deixou-se, de certo modo, dominar pela superioridade militar e tecnológica do Ocidente. Ou seja, ela já tinha entrado em decadência bem antes, parado de avançar na escala tecnológica e se convertido à introversão econômica.
Colonialismo e imperialismo nunca são atos (ou processos) unicamente unilaterais, pois eles dependem de determinado contexto econômico e político para se imporem e se “exercerem”.
Prova indireta disso pode ser oferecida pelas demandas atuais de certos grupos humanitários ou de intelectuais “imperialistas” para que de certos países, membros da ONU, enfrentando o caos político e um imenso sofrimento humano decorrente de seus Estados falidos, sejam colocados novamente sob “tutela internacional”, ou seja, que eles sejam recolonizados e submetidos a algum tipo de poder imperial.
A China atravessou seu “calvário” colonial de praticamente um século e meio de provações e humilhações. Macau e Hong-Kong, colonizadas pelos portugueses e pelos britânicos nos séculos XVI e XVIII, respectivamente, foram devolvidas à China apenas na segunda metade dos anos 1990. Taiwan configura um outro problema, dada sua população nativa, sua antiga ocupação japonesa, reconquista chinesa e nova ocupação pelas tropas “nacionalistas” do general Chiang Kai-Tchek, derrotado por Mao Tse-tung em 1949 na luta pela hegemonia política quando da reemergência da China enquanto potência independente.
Do ponto de vista político, Hong-Kong já não é mais independente, embora ainda tenha soberania econômica, enquanto território aduaneiro membro do GATT desde a origem. É possível que Hong-Kong exerça hoje certo “colonialismo” e “imperialismo” econômico sobre a China, uma vez que são os seus padrões econômicos, comerciais e financeiros, da mesma forma que os de Taiwan, que estão sendo adotados pela China continental e não o contrário. Como se vê, a dominação política e a “exploração” econômica nunca são partes de uma relação unicamente unidirecional, sendo antes uma interação bem mais complexa, que deita raízes na própria história.
Por isso é que eu gosto da história e é por isso que vou continuar lendo as páginas de efemérides nos jornais diários.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de janeiro de 2006, Blog 150.

A China e seus interesses nacionais: o que eu pensava em 2005 - Paulo Roberto de Almeida

Em face do entusiasmo ingênuo do governo Lula em relação à "parceria estratégica" entre o Brasil e a China, eu formulava, em 2005, alguns argumentos realistas quanto a essa possibilidade.
Creio que continuo pensando o mesmo, e o que mudou não dependeu de meu julgamento. A China reduziu o número de pobres, por suas políticas de crescimento acelerado, e só não conseguiu obter o status de economia de mercado na OMC por oposição dos grandes parceiros, pois ela tinha direito a alcançar essa condição em 2015 ou 2016. 
O artigo foi publicado em Mundorama, mas não consigo encontrar mais o link, por isso o reproduzo aqui, sem qualquer pretensão à originalidade ou novidade.
Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 25 de junho de 2019


A China e seus interesses nacionais:
algumas reflexões histórico-sociológicas

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de junho de 2005.

A China não tem e não quer ter parceiros, estratégicos ou de qualquer outro tipo. A China é, para todos os efeitos, o seu próprio e único parceiro; ela quer continuar assim e acha que se basta a si mesma. Talvez ela tenha razão.
A China sempre foi uma nação sozinha, isolada e solitária, tanto nos contextos regional e internacional, como do ponto de vista de seu próprio desenvolvimento econômico e social, historicamente baseado num desperdício inacreditável de homens e de recursos materiais, com a elite dirigente consumindo esses fatores sem controle de ninguém e de nada, nem do próprio meio ambiente. Esse processo continua e deve continuar a ocorrer do mesmo jeito, hoje talvez até de forma ainda mais intensa, já que ela pode “mobilizar” recursos de outros países.
A China produziu, em eras passadas, algumas poucas e boas ideias, teve um mandarinato relativamente eficiente, em termos de “burocracia weberiana” e se tornou a maior economia planetária com base numa espécie de entropia míope. Mas até o século 18, pelo menos, ela continuou a ser a maior economia planetária, não tanto pelas interações (que eram poucas), mas pela sua própria “massa atômica”. Quanto ela deixou de ter ideias, ou quando as ideias dos outros foram mais poderosas, pois que apoiadas em canhoneiras, ela foi humilhada, dominada e esquartejada. Isso feriu fundo a autoestima e o orgulho nacionais dos chineses.
Os chineses conseguiram, depois de décadas de lutas (mais intestinas do que contra os inimigos externos, pois que ninguém consegue dominar a China), reverter a decadência e tomar novamente seu destino em mãos. Não tem a mínima importância histórica, ou estrutural, que essa retomada tenha sido feita sob o domínio do comunismo, um modo de produção absolutamente “passageiro” na história milenar da China. Com comunismo ou com o socialismo de mercado, o novo mandarinato de burocratas e de membros da nova nomenklatura trabalha para confirmar o destino secular da China, que é o de novamente se tornar a maior economia planetária e ditar suas regras para os “bárbaros” do exterior.
A China está operando essa volta a um lugar de preeminência econômica no planeta (a segurança militar é mera decorrência disso), mas os atuais imperadores e mandarins têm consciência de que ela não mais poderá fazer isso isoladamente, como ocorreu até o século 18, pois as condições do mundo mudaram. A China assumiu plenamente o conceito de interdependência econômica global, mas como ocorre com o famoso moto orwelliano, num mundo totalmente interdependente, alguns são mais interdependentes do que outros.
A China quer e vai ser interdependente à sua maneira, isto é, acomodando-se a regras às quais ela não mais pode se furtar, mas interpretando-as à sua maneira, e distorcendo-as para seu melhor conforto e segurança. Isto se aplica em quase todos os terrenos de interesse substantivo, mas especialmente às regras de comércio internacional e de investimentos estrangeiros. A China não pretende à dominação do mundo, mas ela não pretende mais que o mundo, ou seja, o círculo das superpotências, a domine mais. Isso não vai ocorrer e a China sabe que tem de conviver com as superpotências, mas não quer se submeter às regras existentes (que aliás nem são ditadas por essas superpotências, mas decorrem do processo de globalização capitalista).
A preocupação principal dos atuais imperadores e mandarins chineses é assegurar emprego (e, portanto, comida) a meio bilhão de chineses pobres, que podem, à falta de condições mínimas (mas mínimas mesmo) de existência, perturbar a paz no Império do Meio, e com isso afetar o poder e a dominação dos atuais dirigentes. Etapa importante nesse processo é transformar a China na principal fábrica planetária, aliás a única maneira de acomodar algo como 400 ou 500 milhões de chineses que precisam de emprego (e que não os terão nem na agricultura nem nos serviços).
Como ela só pode fazer isso construindo o seu próprio capitalismo manchesteriano (que certamente deixaria Engels de queixo caído), a China “precisa” destruir empregos no resto do mundo, pois essa é a única condição de sobrevivência de algumas dezenas, talvez centenas de milhões desses chineses “flutuantes”. Por coincidência, essa é também a “missão histórica” que lhe foi atribuída, atualmente, pela globalização capitalista, um processo impessoal, não controlado por nenhum país ou conjunto de corporações, mas que corresponde à “lógica” do sistema atual de alocação de investimentos e de organização espacial da produção de mercadorias.
Como a China trabalha com aportes ilimitados de homens e capital (com alguma limitação em outros recursos produtivos, como os de know-how e ciência básica), ela não terá nenhuma dificuldade em manter esse ritmo alucinante de destruição de empregos em todo o resto do mundo pelas próximas duas gerações pelo menos (ou seja, pelo próximo meio século). A China está ascendendo rapidamente na escala de agregação de valor, não apenas publicando exponencialmente em revistas científicas, mas passando da simples cópia e adaptação tecnológica para a inovação completa, já tendo chegado também ao design e marcas. Seu catch-up promete ser ainda mais impressionante do que o do Japão e da Coréia do Sul e provavelmente não haverá nada comparável na história econômica mundial.
Com tudo isso, a China vai agir exatamente como sempre agem os centros da economia mundial: organizando sua própria periferia de “abastecimento”, que ela espera poder controlar da forma como fazem os imperialismos modernos: não pela via extrativista, mas por redes de negócios centrados em circuitos financeiros próprios, chineses. A China vê o Brasil como o abastecedor prioritário de produtos alimentícios e de outras commodities para sua gigantesca máquina industrial. Ela também pretende inundar o Brasil (e já o está fazendo) de produtos manufaturados correntes.
O Brasil não conseguirá bater a China no terreno da indústria tradicional, isto é, aquela da segunda revolução industrial: ele será fragorosamente batido, como estão sendo todas as demais potências industriais. As indústrias brasileiras, se desejarem sobreviver no mundo manchesteriano-chinês, deverão fazer como todas as outras: avançar na concepção e desenho e mandar fabricar na China. Só assim elas conseguirão sobreviver enquanto empresas, do contrário perecerão corpos e bens. Vão-se os operários e sobram os engenheiros. Quanto mais cedo esse processo começar, tanto melhor para as empresas brasileiras candidatas à sobrevivência no mundo darwinista chinês.
Alguma renda extra será possível obter nos projetos conjuntos de fornecimento energético alternativo e nos produtos intensivos em recursos naturais, como corresponde às vocações ricardianas do Brasil. Países como o Brasil não devem alimentar grandes “planos estratégicos” em relação à China: a China fará aquilo que ela pretende fazer, segundo o seu interesse nacional, e não se deixará demover por nenhuma promessa de “aliança estratégica” ou qualquer outro arranjo que contemple interesses supostamente simétricos. Melhor fazer o que corresponde ao interesse nacional, sem esperar resposta ou gestos correspondentes de parceiros como a China.
Incidentalmente, a concessão do status de “economia de mercado” não deve alterar muito o panorama geral e seu desenvolvimento inexorável: ela só atrapalha os desejos protecionistas de alguns ramos da indústria brasileira, tendo uma incidência setorial em mercados de trabalho específicos. Talvez constitua um exercício útil do ponto de vista do cenário serial killer que virá mais adiante, quando a China for plenamente integrada ao regime gattiano normal (o que ocorrerá até 2015). A concessão desse status representou apenas uma antecipação do que ocorrerá inexoravelmente no terreno econômico. Ela obriga as empresas brasileiras a correrem um pouco mais rápido, o que talvez não seja mau, pois elas estavam se acostumando com muita proteção e nenhum desafio, desde 1995, pelo menos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de junho de 2005.

565. “A China e seus interesses nacionais: algumas reflexões histórico-sociológicas”, Meridiano 47 (Brasília, IBRI, n. 59, jun. 2005, p. 10-12; link:  http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/2135/1888). Relação de Trabalhos n. 1443.


Itamaraty em decadência: FSP repercute matéria do Guardian

A jornal britânico, diplomatas brasileiros reclamam de decadência do Itamaraty

O Itamaraty vive um processo de desmonte de décadas de tradição diplomática sob a liderança do chanceler Ernesto Araújo. A reclamação foi feita por diversos funcionários do ministério ao jornal britânico The Guardian, em reportagempublicada nesta terça-feira (25).
A reportagem –assinada por Tom Phillips, correspondente do jornal britânico na América Latina– descreve o Ministério das Relações Exteriores como “uma joia do estadismo latino-americano”. Mas, de acordo com o texto, muitos diplomatas temem que a “revolução bolsonariana na política externa” possa prejudicar a posição do Brasil no mundo.
“Eu sinto desgosto”, disse ao jornal Rubens Ricupero, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos. “O que eu ouço dos meus colegas que ainda estão ativos é que, no corpo diplomático, há quase uma completa rejeição ao ministro e às diretrizes atuais … Ele não é levado a sério –nem dentro nem fora do ministério”.
Já Roberto Abdenur, ex-embaixador na China, Alemanha e Estados Unidos, afirmou que “nossas relações exteriores atuais levam o Brasil de volta a um período da história em que o Brasil nem mesmo existia: a Idade Média”.
Para Marcos Azambuja, ex-secretário-geral do Itamaraty, “houve uma mudança –e temo que seja uma mudança para pior”. “Eu não imaginei que isso pudesse acontecer”, acrescentou.
A reportagem avalia algumas das principais mudanças nas relações internacionais do Brasil desde que Araújo assumiu o comando da pasta. O texto cita, por exemplo, o surgimento de desavenças em relação à China, principal parceiro comercial do país, e a aproximação com líderes da direita nacionalista, como o presidente americano, Donald Trump, e o premiê húngaro, Viktor Orbán.
A reportagem também diz que, graças às mudanças em curso no Itamaraty, o Brasil arrisca perder o papel de liderança na agenda climática internacional e, ao abraçar o governo de Binyamin Netanyahu em Israel, compromete as relações com parceiros do Oriente Médio.
“Eu diria que esta é mudança mais dramática na política externa brasileira em um século”, disse ao jornal britânico Oliver Stuenkel, especialista em relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

FORMULADORES DE POLÍTICA EXTERNA
No texto, Araújo é descrito como um “chanceler pró-Trump e defensor da Bíblia que diz que o aquecimento global é uma conspiração marxista e que o nazismo é um movimento de esquerda”.
A reportagem também relata o desconforto em relação a Olavo de Carvalho, guru ideológico do governo, e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente que “é amplamente visto como o chanceler de fato do Brasil”.
Alguns diplomatas reclamam do papel de destaque dado por Eduardo a Steve Bannon. Ex-auxiliar de Trump e líder do grupo populista de direita conhecido como O Movimento, Bannon foi convidado para jantar com Jair Bolsonaro durante sua visita a Washington em março.
“Estamos na situação perversa, absurda de ter um cidadão estrangeiro influenciando a política externa do Brasil”, afirmou Abdenur ao jornal britânico.

Ainda no capitulo dos Crimes Economicos do lulopetismo - Jose Casado

Essas operações externas não estão erradas apenas porque empréstimos generosos do Brasil a ditaduras corruptas foram concedidos sem garantias reais, mas também porque embutidas nas operações estavam mecanismos de desvios de dinheiro – por superfaturamento na maior parte dos casos – que depois redundavam em "doações legais" ao PT e outras transferências em cash aos dirigentes políticos.
Paulo Roberto de Almeida


Critérios bancários foram manipulados

Foi numa quarta-feira de fevereiro, véspera do carnaval de 2010. Em Brasília, seis ministros se reuniram para referendar uma “decisão de Estado” tomada no Palácio do Planalto. Em pouco mais de meia hora, aprovaram um socorro de US$ 4,9 bilhões a Cuba, o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto do país na época.

Foi uma das maiores operações de “apoio financeiro” a governo estrangeiro com subsídios do Tesouro brasileiro. Da memória desse crédito, restou apenas a ata (Camex/LXX) assinada por ministros do Itamaraty, Planejamento, Indústria e Comércio, Agricultura, Desenvolvimento Agrário e um representante da Fazenda.

Não existe registro de qualquer fato que motivasse, nem sequer uma justificativa jurídica dessa “decisão de Estado” — concluíram técnicos do Tribunal de Contas da União depois de vasculhar a papelada de seis organismos governamentais envolvidos.

Há outras 140 operações de crédito externo similares, entre 2003 e 2015, em benefício dos governos de Venezuela, Angola, Moçambique, Bolívia e Guiné Equatorial, entre outros. Seguiu-se um padrão: critérios bancários foram manipulados, para “adequar” a capacidade de pagamento dos governos beneficiários; financiamentos concedidos “sem prévios estudos técnicos”, ou quaisquer justificativas jurídicas.

Sempre havia uma empreiteira brasileira interessada, quase sempre a Odebrecht, que na semana passada recebeu proteção judicial contra a cobrança de US$ 26 bilhões em dívidas não pagas — um dos maiores calotes domésticos.

Foram 12 anos de vale-tudo, como ocorreu com os US$ 800 milhões para o Porto de Mariel, em Cuba, erguido pela Odebrecht. O crédito subsidiado brasileiro teve prazo de 25 anos, o dobro do permitido. O governo de Cuba apresentou uma única garantia: papéis (recebíveis) da indústria local de tabaco depositados num banco estatal cubano.

O Brasil deu US$ 4,9 bilhões a Cuba. Financiou até um porto no Caribe e aceitou em caução o caixa da venda de charutos. Acabou sem o dinheiro e sem os “Cohiba Espléndido”, “Montecristo Nº 2”, “Partagás 8-9-8”...