O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 11 de julho de 2010

O Estado brasileiro asfixia o investimento privado, literalmente

Há muito tempo se sabe que o Estado brasileiro, que no passado foi um poderoso indutor do desenvolvimento brasileiro, tornou-se, atualmente, o principal obstrutor de um processo de crescimento sustentado, ao sugar todos os recursos disponíveis da sociedade.
O mais incrível é que empresários míopes continuam cultivando o Estado para conseguir favores, empréstimos favorecidos, isenções fiscais, tratamentos privilegiados, alguma proteção tarifária, alguma política setorial que facilite a vida de sua empresa, no máximo do seu setor. Eles não percebem que o que o Estado "concede" com uma mão para aquele grupo ou setor, ele arranca com a outra de toda a sociedade os recursos necessários para satisfazer aquela demanda especial, já que o Estado não produz absolutamente nada (apenas déficit e dívida pública, obviamente).
A sociedade, também, gosta de Estado, pede mais Estado, sem se dar conta que ela, pelo menos a parte pagadora de impostos diretos, está sendo asfixiada crescentemente.
Mas os pobres que teoricamente não recolhem impostos diretos, pagam em impostos indiretos (sobre o consumo e várias outras taxas) mais do que a classe média, em geral cerca de 50% de sua renda.
As pessoas não sabem disso, nem os políticos se esforçam por esclarecer esses fatos. Políticos, aliás, que mesmo sendo supostamente "liberais" (de araque) vivem numa redoma privilegiada, muito distante da vida típica de um brasileiro...
Paulo Roberto de Almeida

Carga tributária volta a subir e deve registrar recorde de 34,7% do PIB
Marcelo Rehder
O Estado de S.Paulo, 11 de julho de 2010

Depois de cair no ano passado por causa da crise, arrecadação se recupera, ancorada pelo forte crescimento econômico do País em 2010

A carga tributária brasileira voltou a subir e deverá bater o recorde de 2008, depois de ter recuado no ano passado. Em 2010, a soma de todos impostos, taxas e contribuições pagos pelas empresas e cidadãos aos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) deverá representar 34,7% do Produto Interno Bruto (PIB), com alta de um ponto porcentual em relação a 2009 (33,7%). Em 2008, a carga foi de 34,4%.

As informações são de um estudo do consultor na área fiscal Amir Khair. Para projetar a carga tributária de 2010, Khair usou como base a arrecadação até maio e considerou um crescimento de 7% para o PIB, estimado em R$ 3,565 trilhões. Os valores de 2009 foram atualizados com a aplicação de uma correção de 6% (composto, em 70%, pelo IPCA e, em 30%, pelo IGP-DI). A metodologia de cálculo é a mesma usada pela Receita Federal.

O aumento da carga neste ano pode ser explicada, basicamente, pelo crescimento da economia, que faz ampliar a base de tributação. Da mesma forma, em 2009, a arrecadação caiu por causa dos efeitos recessivos da crise financeira mundial.

Quando o ambiente de negócios é favorável, as empresas não apenas faturam e lucram mais, como também empregam mais pessoas e pagam salários mais altos. Nesse cenário, mesmo sem aumento de alíquotas, o governo arrecada mais.

"Sempre que a economia passa por forte crescimento, como está ocorrendo este ano, o lucro das empresas e a massa salarial crescem acima do PIB", diz Khair. "Consequentemente, a arrecadação também cresce mais que a economia como um todo."

O empresariado reclama que o governo retira do setor privado recursos que poderiam ser destinados a investimentos produtivos, além de reduzir o consumo. Pesquisa encomendada ao Ibope pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que 65% das empresas veem a tributação como principal barreira para o crescimento econômico. O Ibope entrevistou mil empresas do setor entre abril e maio.

O avanço da arrecadação reflete ainda a redução das compensações e desonerações tributárias concedidas no ano passado pelo governo federal, para estimular o consumo no período de dificuldades financeiras. Passado o sufoco da crise, tanto a sonegação como a inadimplência de contribuintes tendem a cair enquanto a economia cresce.

Fiscalização. O aumento na eficiência da cobrança dos governos estaduais e federal também contribui para o crescimento da arrecadação. Por meio de sistemas de informações cada vez mais sofisticados, a fiscalização tem apertado o cerco contra os maus contribuintes.

A conjugação desses fatores fez a arrecadação federal dos primeiros cinco meses do ano crescer 13% acima da inflação, quando comparada com igual período de 2009. Os cofres da União receberam R$ 318 bilhões.

Até sexta-feira, a transferência de recursos da sociedade, na forma de pagamento de tributos, às três esferas de governo já acumulava no ano mais de R$ 642 bilhões, segundo o "Impostômetro", painel eletrônico instalado em frente ao prédio da Associação Comercial de São Paulo, no centro da capital paulista.

Criado pelo Instituto Brasileira de Planejamento Tributário (IBPT), o painel mostra, em tempo real, o valor estimado dos impostos, taxas e contribuições pagos no País. Até o fim do ano, o IBPT estima que o placar chegue a R$ 1,3 trilhão. Em 2009, a contagem ficou em R$ 1,1 trilhão.

Numa pesquisa feita pela empresa de consultoria Terco Grand Thorton, com 150 empresários, os tributos incidentes sobre a folha de pagamentos foram apontados por 45% do entrevistados como os mais pesados. "É um desestímulo ao emprego formal", diz Wanderlei Ferreira, sócio da Terco Grant Thornton.

Brasil: a caminho de uma economia inviavel

O Brasil está construindo um estado assistencialista, um estado-mamãe, a partir de programas políticos alimentados com o dinheiro de todos os cidadãos contribuintes, que são todos aqueles que tem renda suficiente a partir de seu trabalho e empreendedorismo, administrado por políticos que estão simplemente à caça de votos.
Não apenas isso: o Brasil está sendo dividido em linhas raciais e, sobretudo, entre uma nação de pagadores e uma nação de assistidos.
Esse é o caminho mais rápido para a decadência econômica, o que quer que digam os que acham uma maravilha esses gestos de solidariedade bem intencionada (em favor dos políticos, obviamente).
Como é possível ter um terço da nação sob assistência pública?
Como fomos chegar a esse absurdo?
Mistura de demagogia com irresponsabilidade, certamente.
Vamos pagar um alto preço por isso, em termos de menos crescimento, de bloqueio de reformas, de mediocridade dos serviços públicos, de crise nos sistemas previdenciário e de saúde, até uma grande crise de confiança na nação, e talvez uma decadência estilo Argentina ou Inglaterra (antes de Margareth Tatcher) exemplar...
Paulo Roberto de Almeida

A bolsa dos votos
Gaudêncio Torquato
O Estado de S.Paulo, 11 de julho de 2010

Nem bem a campanha eleitoral ganha as ruas, petistas e tucanos afinam as trombetas para anunciar: "A bolsa é nossa." Ambos disputam a paternidade do Bolsa-Família, gigantesco ímã capaz de atrair votos para seus candidatos à Presidência da República. Não seria mais útil se cada partido apresentasse modos de aperfeiçoar esse programa de distribuição de renda, de forma a torná-lo meio, e não um fim em si mesmo? Mas se brigam pela paternidade, qual deve ser apontado como pai do programa-símbolo da era Lula? Sob o amparo bíblico do rei Salomão, vale anotar que ambas as siglas estão por trás da ideia original, eis que exemplos pioneiros e simultâneos de políticas de combate à pobreza foram o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM) e o Bolsa-Escola, implantados em 1995 e patrocinados, respectivamente, por um tucano, o prefeito Magalhães Teixeira, de Campinas, e pelo então petista Cristovam Buarque, no governo do Distrito Federal. Pouco antes, em 1993, o sociólogo Betinho levantava a bandeira da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

Vieram, depois, os desdobramentos. No ciclo FHC, José Serra criou o Bolsa-Alimentação e o ministro da Educação na época, Paulo Renato Souza, sob a supervisão da antropóloga Ruth Cardoso, instalava o Bolsa-Escola e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. A era Lula abriu o malsucedido Fome Zero, que deu lugar à unificação dos programas de distribuição de renda, surgindo assim o Bolsa-Família, hoje poderoso canal que despeja nos lares de 12,4 milhões de famílias (totalizando 49,2 milhões de beneficiários) cerca de R$ 13 bilhões. Feitos os devidos créditos, aos candidatos sobra o desafio de dizer o que e como farão para melhorar a eficácia daquela ação, cujo caráter paternalista é duramente criticado por não apresentar portas de saída do ciclo da pobreza. Os candidatos começam a campanha dizendo que a questão social está no cerne de suas preocupações. A ex-ministra Dilma Rousseff argumenta que a condição para o Brasil galgar o patamar das nações desenvolvidas está na erradicação da miséria. Serra, por sua vez, recebeu de seu partido a proposta de elevar o valor do Bolsa-Família ao teto de R$ 255. Hoje esse valor vai de R$ 22 a R$ 200.

Ora, prometer continuar com o programa ou elevar simplesmente a quantia recebida pelas famílias parecem medidas eleitoreiras. Importa, sobretudo, saber que alternativas os presidenciáveis vislumbram para evitar que o Bolsa-Família se perpetue como moeda de troca nos instantes eleitorais e possa transformar-se em ferramenta de desconstrução do círculo vicioso da exclusão social. É um erro tratar do Bolsa-Família sem considerar outras frentes voltadas para as metas de inclusão e desenvolvimento autossustentável das populações. Deveriam complementar o programa de segurança alimentar ações nas áreas de saúde e educação e políticas de articulação e integração dos setores produtivos das regiões. No tocante à educação, a radiografia da qualidade do ensino no País, exposta com a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb), pode ser o ponto de partida para a construção da ponte que liga a base assistencialista a outros vetores mais centrais da cidadania. O aluno de uma escola pública, como se viu, está três anos atrás do aluno de uma escola particular, mesmo com tempo maior de estudo. Já a qualidade do ensino brasileiro caiu em mais de mil municípios no ano passado, apesar de as médias nacionais terem subido entre 2007 e 2009.

Sem educação de qualidade será mantido o status quo do assistencialismo. Essa é a indicação que passa pela unanimidade dos especialistas. Como disse Mandela, "a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo". Revolução educacional não é uma utopia. Bom exemplo é Cajuru, cidade de 22 mil habitantes na região de Ribeirão Preto, com orçamento de R$ 33 milhões, dos quais R$ 12 milhões vão para a educação. Cajuru conseguiu a média mais alta do Ideb - 8,6 -, numa escala de 0 a 10, contando com um corpo de 200 professores, 136 dos quais fizeram curso de Pedagogia, e com escolas modernas e bem aparelhadas. Ali não há evasão escolar. O Brasil arcaico, como se pode aduzir, está preso à carcomida estrutura educacional. Neste ponto, cabe arrematar: o desenvolvimento autossustentado do País só ocorrerá quando a população tiver, a partir da educação, acesso ao pleno emprego, à renda e ao consumo.

A iniciativa privada, por sua vez, há de ser convocada para a tarefa de colaborar com os programas de elevação social, principalmente os que buscam inserir as pessoas no mercado de trabalho. Em alguns Estados nascem experiências interessantes. Grupos privados, abrindo uma portinha de saída para o Bolsa-Família, implantam sistemas de seleção de trabalhadores, com perfis predefinidos, dando preferência aos beneficiários do programa. Há casos de pessoas que ganhavam R$ 120 e passaram a ter um salário de R$ 1 mil. No interior de Minas Gerais, no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso, essa alternativa passa a ser adotada. Trata-se de iniciativa pioneira que engaja nichos produtivos sediados nas regiões cobertas pelos programas assistenciais do governo. Outros exemplos dão conta da oferta de crédito e assistência técnica a grupos dispostos a iniciar um pequeno negócio. Com a prosperidade do empreendimento as pessoas podem dispensar o benefício. Vale lembrar que em muitos municípios se desenvolve muita resistência à inserção no mercado por causa da cultura de acomodação propiciada pela bolsa. Beneficiários declinam de ofertas de emprego nas municipalidades - serviços de limpeza de ruas, por exemplo - por não desejarem perder o auxílio do governo. Essa é uma faceta dos danos gerados pelo programa. E que, infelizmente, dá vazão ao lamuriento canto de Gonzagão: "Mas, doutô, uma esmola a um homem qui é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão." Hoje, mais vicia do que mata de vergonha.

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

Carreira diplomática: uma trajetória

Como no caso de textos anteriores, que vem sendo aqui trancritos, são respostas a questionários submetidos por pessoas ou veículos de comunicação, que nunca tiveram divulgação mais ampla, por pura distração da minha parte.
Acredito que, descontando mudanças e matizes que ocorreram desde sua redação, no começo de 2007, muita coisa permanece válida.
Paulo Roberto de Almeida

Carreira diplomática: uma trajetória
Respostas fornecidas à Carta Forense por Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 março 2007

Carta Forense – Em que momento decidiu se enveredar pela carreira diplomática?

PRA: A decisão foi tomada de maneira inopinada, com base num anúncio publicado nos jornais, no primeiro semestre de 1997, anunciando a abertura de dois concursos de entrada na carreira diplomática: o primeiro pela via tradicional do Instituto Rio Branco, ou seja, o vestibular para admissão no Curso Preparatório à Carreira Diplomática (à época requerendo apenas e tão somente dois anos, ou quatro semestres, de qualquer graduação universitária), o segundo consistindo num exame direto (com maior número de provas eliminatórias, inclusive orais, e exigindo curso superior completo), dando acesso imediato ao primeiro escalão da carreira, isto é, Terceiro Secretário.
Nessa ocasião, eu acabava de voltar ao Brasil, depois de um longo exílio auto-imposto (quase sete anos) por causa da ditadura militar. Passei seis anos e meio na Bélgica, tendo completado minha graduação em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1974), defendido minha dissertação de mestrado em planejamento econômico e economia internacional pela Universidade do Estado de Antuérpia (1976) e iniciado um doutoramento, que ficou esperando meu primeiro posto diplomático para ser finalizado. Como eu já possuia mestrado e encontrava-me em meio ao doutoramento, optei pelo concurso direto e ingressei, portanto, na carreira, no final do ano de 1977.
Como disse, tratou-se de uma decisão repentina, uma forma de reinserir-me na vida brasileira, depois de longos anos no exterior, e já possuindo certa vivência prática de temas de política internacional, alguma experiência na análise de questões de política externa e conhecimento de línguas.

CF – Como o senhor se preparou para este concurso?

PRA: Devo confessar que quase não me preparei, inclusive porque estava trabalhando em São Paulo, dando aulas em duas faculdades, atuando em programas de assessoria em formação de recursos humanos para a Unicamp e também porque o intervalo entre, de um lado, o conhecimento e a decisão de participar do concurso, e, de outro, a realização das provas foi muito curto, não me permitindo cobrir toda a bibliografia recomendada ou freqüentar algum cursinho preparatório (que de toda forma não estava em minhas intenções ou necessidades).
Como eu posso dizer, sem medo de errar, que passei quase metade da minha vida em bibliotecas, ou lendo de forma compulsiva, meu conhecimento acumulado – pelo menos nas áreas tradicionais das ciências sociais aplicadas –já era bastante grande, bastando-me completar o conhecimento de direito, onde estavam minhas lacunas mais notórias. Li os livros de que dispunha, não comprei nenhum em especial para o concurso e fui muito bem sucedido, ingressando em segundo lugar e fazendo jus ao prêmio Lafayette Carvalho e Silva.

CF – Quais são os requisitos para se candidatar a este cargo?
PRA: É preciso ser brasileiro nato, estar em dia com as obrigações eleitorais e de serviço militar e ser formado em um curso superior reconhecido no Brasil pelo Ministério da Educação (MEC). Qualquer curso superior. Apesar de mais ou menos metade dos aprovados no concurso serem via de regra formados em direito, e muitos outros em relações internacionais, conheço diplomatas formados em engenharia, medicina, letras e ciência da computação. Diplomas estrangeiros, só se reconhecidos pelo MEC.

CF – Quem tem dupla nacionalidade é aceito na carreira?

PRA: Desde que sejam brasileiros natos sim. A Constituição reza que, exceto as exceções, quem pede para ser naturalizado como nacional de outro país perde a identidade brasileira. No entanto, já ficou estabelecido que, em boa parte dos casos em que um brasileiro tem uma nacionalidade estrangeira, não foi ele que pediu uma outra nacionalidade — a dupla nacionalidade é apenas reconhecida, segundo as leis próprias do país estrangeiro, e portanto não há perda da nacionalidade brasileira. Assim sendo, não há obstáculos ao ingresso desses cosmopolitas no concurso. E não, não vão suspeitar que você é um agente duplo trabalhando para vender o Brasil para a Itália, por exemplo. Só tem uma coisa: a Lei do Serviço Exterior afirma que, para casar-se com estrangeiros, os diplomatas precisam da autorização do Ministro de Estado.

CF – Como é o processo seletivo?
PRA: Em uma primeira etapa, realiza-se um Teste de Pré-Seleção (TPS), composto de uma seleção de questões de múltipla escolha ou de opções certo ou errado, com base numa amostragem do conjunto de provas setoriais aplicadas na terceira fase (Português, Inglês, História Mundial e do Brasil, questões de relações internacionais). Em seguida, os candidatos aprovados no TPS fazem a prova de Português (segunda fase). Na terceira fase, os candidatos aprovados nas fases anteriores realizam 6 provas: Questões Internacionais Contemporâneas, Inglês, História, Geografia, Noções de Direito e Noções de Economia. Adicionalmente, eles têm de escolher entre Frnacês ou Espanhol para uma prova classificatória numa dessas duas línguas.

CF – Há alguma disciplina que deve ser priorizada?

PRA: É recomendável que em todas as disciplinas o candidato tenha um bom conhecimento, mas acredito que o domínio da língua inglesa é fundamental, embora não seja mais eliminatório na prova. O nível da prova é altíssimo, a exigência é que se escreva um inglês correto de verdade, um inglês que um norte-americano médio provavelmente não alcançaria.
A prova de Português é extremamente rigorosa, exigindo que o candidato tenha um domínio quase perfeito da língua. Adicionalmente, a amplitude dos conhecimentos exigidos nas provas de história (mundial e do Brasil) leva muito gente à desclassificação.

CF - É verdade que os bacharéis em Direito tem mais facilidade para ser aprovados?
PRA: Não necessariamente os bacharéis em Direito apresentam maior facilidade intrínseca, tanto porque os conteúdos de história, de economia e de relações internacionais (lato sensu) vêem sendo reforçados relativamente em relação às anteriores exigências prioritárias em direito e línguas. Mas é certo que grande parte dos diplomatas tem formação jurídica na graduação.

CF - Depois de aprovado, qual o plano de carreira?
PRA: Ingressa-se como terceiro Secretário, embora ainda aluno do Instituto Rio Branco. Depois, a intervalos de mais ou menos 4 a 6 anos, vai se galgando so demais escalões da carreira: segundo e primeiro Secretário, Conselheiro (que necessita submeter-se a uma espécie de doutoramento, o Curso de Altos Estudos, para habilitar-se à próxima etapa: Ministro de segunda classe e finalmente, Ministro de primeira classe, vulgarmente chamado de Embaixador.
Exceto em casos especiais, apenas um diplomata que alcança o grau de Ministro de Primeira Classe pode servir como embaixador do Brasil em algum país estrangeiro, daí esse grau ser chamado, por comodidade, de “Embaixador”. Em países pequenos, com embaixadas menores, um Ministro de Segunda Classe pode eventualmente servir como Embaixador. Há também indicações políticas, normalmente raras, em que o Presidente da República designa alguém de fora da carreira como Embaixador. Foi o caso, por exemplo, do ex-presidente Itamar Franco, na Itália. Nesses casos, o embaixador “civil” poderá contar como seus assessores com diplomatas de carreira experientes.

CF – Com a globalização e a inserção cada vez mais freqüente do Brasil no mercado internacional, o senhor acredita que cada vez abrirá mais vagas nesta carreira?
PRA: Certamente que o aumento da interface externa do Brasil vai contribuir para a expansão das oportunidades nas “carreiras internacionalistas”, entre as quais se situa a de diplomata. Isto pode implicar num aumento gradativo de “vagas” na carreira diplomática, ainda que essa expansão se dê aos “saltos”, consoante as características do serviço público. As duas ampliações de vagas no serviço exterior foram conduzidas com aproximadamente 30 anos de intervalo, em 1975 e em 2006, respectivamente.

CF – É verdade que o curso de formação diplomática vale como mestrado?
PRA: Desde 2002 o curso do Instituto Rio Branco tem valor de mestrado, o que requer, como sua atividade principal, o preparo pelo aluno de uma dissertação acadêmica. Esta pode versar sobre temas ligado às relações internacionais do Brasil, ao direito internacional, à economia internacional ou à questões de identidade nacional. Como vê, a margem é ampla. O aluno escolhe seu orientador acadêmico dentre uma lista de nomes fornecida pelo Instituto. Nem todos são professores do Rio Branco.
O curso do Rio Branco é reconhecido pela CAPES como Mestrado Profissional, avaliado com conceito 4 em uma escala de 1 a 7.

CF – Quais são as dicas que o senhor dá aos candidatos?
PRA: Não pensar que se pode aceder à carreira com algum cursinho rápido e leituras superficiais em pouco tempo de preparação. Os exames de entrada são reconhecidamente difíceis e isso requer uma preparação metódica e sistemática, estudos de larga duração e amplo espectro, nos quais a cultura humanística é essencial, mas também o conhecimento corrente sobre as mais importantes questões da atualidade internacional, em especial dos processos negociadores externos nos quais esteja inserido o Brasil. A redação precisa ser impecável, o conhecimento de inglês excelente e uma grande cultura geral também ajuda.
De maneira geral, ler com atenção a bibliografia recomendada no Guia de Estudos do IRBr, mas preparar-se também de maneira autodidata, com leituras extensas nos mais diversos campos das ciências humanas e sociais.

Brasília, 27 março 2007

Revista Politica Externa (jun-ago 2010): um numero importante

Muitos artigos importantes neste número 1, vol. 19 (junho-julho-agosto de 2010) da Revista Política Externa.
Sumários de parte do conteúdo:

Artigos
+ Israel e Palestina: a paz é possível
Tony Blair - O caso de Israel e palestinos, aparentemente insolúvel, pode ser resolvido. Como fazer isso? Temos tendido a proceder como se, caso pudéssemos chegar a um acordo sobre os termos da solução dos dois Estados (território, refugiados, Jerusalém), ou seja, na teoria, seríamos capazes de alterar a realidade do que estava acontecendo no local, ou seja, a prática. Mas o processo político e a mudança da realidade têm de andar juntos e, até recentemente, não estavam. A chave para resolver o impasse não é tentar colocar um acordo negociado no topo da pirâmide cujas fundações estão incertas. A chave é tornar essas fundações seguras e construir a pirâmide de baixo para cima, prosseguindo simultaneamente com o processo político.

+ O Brasil no início do século XXI: uma potência emergente voltada para a paz
Antonio de Aguiar Patriota - O sistema internacional está passando por um período de profundas e aceleradas transformações. Os contornos do mundo que vai emergir desse processo ainda não são claros, mas a tendência na direção de algum grau de multipolaridade é apontada por muitos. Esta nova realidade geopolítica cria oportunidade para um grupo de atores desempenhar um papel crescentemente mais ativo nas relações internacionais. O Brasil tem aproveitado bem essa oportunidade ao articular três linhas básicas de ação em sua política externa: intensificação de suas "parcerias tradicionais" na sua região e no mundo desenvolvido, diversificação de parcerias no mundo em geral (principalmente na África, Ásia e mundo árabe) e construção de mecanismos mais eficientes, inclusivos e legítimos de governança global.

+ Carisma e prestígio: a diplomacia do período Lula de 2003 a 2010
Rubens Ricupero - Movida pela aspiração de aproveitar as oportunidades surgidas em âmbito global, a política externa do governo Lula segue quatro eixos principais: obtenção do reconhecimento do Brasil como ator político global e a busca de um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU; consolidação de condições econômicas internacionais que favoreçam o desenvolvimento a partir das vantagens comparativas brasileiras concentradas na agricultura, objetivo que se expressa primordialmente na conclusão da Rodada Doha da OMC; prioridade às relações Sul-Sul; edificação de espaço político-estratégico e econômico-comercial de composição exclusiva sul-americana. Não seria exagero dizer que, nos dois primeiros eixos, o governo brasileiro quer, mas não pode; no da América do Sul, pode, mas não quer.

+ O Brasil em ascensão: os desafios e as escolhas de uma potência global emergente
Peter Hakim - O Brasil emerge como um dos polos de poder regional do hemisfério ocidental e como nação de crescente estatura, visibilidade e infl uência nos assuntos mundiais. Na América do Sul, já superou os Estados Unidos como presença dominante em vários assuntos. Seus críticos, no entanto, acham que suas conquistas e potenciais têm sido exagerados e suas fraquezas ignoradas. Também dizem que sua política externa é desenhada principalmente para atingir interesses econômicos estreitos e para satisfazer sua própria vaidade. Este artigo discute se o país tem a capacidade e a liderança para ser um ator central no encaminhamento de problemas críticos regionais e mundiais. O que parece certo é que para manter sua influência internacional, o Brasil terá que fazer escolhas difíceis e melhorar seu desempenho na solução das necessidades de seus próprios cidadãos.

+ Crise, multipolaridade e o Brasil
Sergio Amaral - A crise e a emergência da China, assim como em menor grau de um grupo de países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil, estão provocando transformações importantes nas posições relativas no cenário econômico e político internacional. Essas transformações vão aos poucos definindo os traços de uma nova realidade, a do século XXI, que oferece, mais do que no passado, condições favoráveis para uma redução das desigualdades entre o mundo desenvolvido e em desenvolvimento, assim como para uma democratização do processo decisório em escala internacional. O Brasil tem condições para aproveitar essas oportunidades, dar um salto de desenvolvimento e assumir responsabilidades crescentes na cena internacional.

+ Brasil, Conselho de Segurança e operações de manutenção da paz da ONU
Eduardo Uziel - O Brasil tem um interesse inerente nas missões de manutenção da paz da ONU e um currículo consistente de participação nelas. Essas operações são um possível meio de otimização da atuação do Brasil na área de paz e segurança internacionais, em particular nos esforços multilaterais de encaminhamento e solução pacífica de conflitos armados. O país sem dúvida utiliza as missões de paz das Nações Unidas como instrumento de sua política externa, mas a decisão de participar parece ser tomada em bases intuitivas e que variam significativamente de caso para caso. A experiência no Haiti demonstrou que uma primeira vertente do fortalecimento da posição negociadora brasileira passa pela formação ou adensamento de um consenso político de uma região sobre um tema.

+ A VIII Conferência de Exame do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares: histórico e perspectivas
Sergio Duarte - Em maio deste ano, realizou-se em Nova York a Oitava Conferência de Exame do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Este artigo, escrito antes do início da reunião, faz um histórico do TNP e de conferências anteriores de revisão, e registra que as expectativas em torno desta eram mais positivas do que as da anterior, realizada cinco anos antes. Parte dessa atmosfera benigna se deve à posição do novo governo dos Estados Unidos, que tem colocado a desnuclearização do mundo entre suas prioridades mais altas. Entre os temas que preocupavam os participantes estavam o da implementação de resolução de 1995 sobre o Oriente Médio e a relação entre desarmamento e não proliferação, por um lado, e o uso de energia nuclear para fins pacíficos e suas salvaguardas de outro.

+ Haiti: interferências externas e deformações na política interna
Carlos Alberto dos Santos Cruz - As interferências externas e o anticolonialismo são fatores vivos na rotina e na cultura do Haiti, e originam algumas deformações na política interna. Essas ideias geram na população um sentimento de que não são seus próprios líderes os responsáveis pelos problemas. Isso também facilita a autoproteção e a atribuição de responsabilidade de todos os males ao colonialismo e às interferências da comunidade internacional. Para solucionar os problemas do Haiti é necessário valorizar o governo e o povo haitiano, atribuindo-lhes responsabilidades pelos rumos do país. A ajuda internacional, fundamental e necessária, precisa ser gerenciada pelo povo haitiano com critério, mas sem interferência.

+ O Haiti e os desafios de uma reconstrução sustentável – um olhar sul-americano
Monica Hirst - Para o Haiti o desafio maior nos próximos anos será assegurar o caráter transitório de sua atual subordinação à tutela internacional, o que dependerá do êxito do Plano de Recuperação em vigência. À América Latina interessa especialmente que o Haiti supere de forma irreversível esta etapa de soberania encapsulada, que compromete em termos coletivos as trajetórias percorridas pelas nações de independência e autodeterminação, ao longo dos últimos duzentos anos. A presença brasileira no Haiti corresponde a um dos temas da agenda internacional do país, na qual as dimensões regional e global estão inevitavelmente entrelaçadas.

+ Os novíssimos desafios do Tratado de Lisboa
Guilherme d'Oliveira Martins - A crise econômica na Europa, que se desenrolava quando este artigo foi redigido, representa um novo e dramático desafio para o projeto da União Europeia e, especificamente, para os efeitos do Tratado de Lisboa, que deu à União Europeia instituições e métodos de trabalho para que esta pudesse se sair bem dos problemas da globalização da economia. O Tratado clarificou e tirou o tom dramático do prematuro e indevido debate constitucional, que foi o principal assunto político dos europeus nos últimos anos da primeira década do século. O Tratado abre novas possibilidades para a governança econômica da UE. A coordenação de políticas econômicas nacionais está sendo testada nos difíceis eventos deste primeiro semestre de 2010.

+ O Estado laico: entre a secularização e a discriminação
Cláudio Gonçalves Couto - O artigo discute a relação entre Estado e religiões, com particular atenção para a atual situação na Europa, onde vários governos vêm adotando políticas que restringem consideravelmente a liberdade religiosa. Em geral, essas medidas são justificadas pela necessidade de preservar o secularismo do Estado. Mas, de fato, elas refletem um clima de receio e de discriminação contra um grupo específico. Apesar de algumas dessas políticas coibirem o uso de símbolos religiosos em geral, como na França, é claro que seu alvo prioritário é o Islã. Em muitos casos, essas medidas vão contra os princípios da democracia liberal, que supostamente são seguidos por esses regimes europeus.

+ O fator religioso nos conflitos internacionais
Luiz Felipe de Seixas Corrêa - As religiões podem ter no século XXI tanta importância quanto as ideologias tiveram no século XX. Muitos dos conflitos que permeiam o sistema internacional do pós Guerra Fria têm de fato raízes religiosas. O fator religioso deve, assim, ser estudado e compreendido de modo que os países possam atuar nos confrontos que constituem algumas das maiores ameaças à paz na agenda internacional corrente. As sociedades predominantemente laicas do Ocidente têm dificuldades para lidar com o assunto. Elas têm optado por políticas de separação em vez de integração. A "Aliança das Civilizações ", proposta pela ONU, é um passo positivo para construir um diálogo construtivo. A diplomacia brasileira deve preparar-se para desempenhar um papel nesse processo.

+ "An odd man in": Austrália no cenário político internacional
Wilhelm Hofmeister - A Austrália está procurando desempenhar um papel ativo nas relações internacionais, depois de ter atuado de modo bem-sucedido em processos e estruturas da Ásia, busca, agora, presença em fóruns de governança global. Seu engajamento no G-20, suas iniciativas em favor do desarmamento nuclear mundial, sua proeminente participação na cúpula do clima em Copenhague, o contingente de forças militares que mantém no Afeganistão, a campanha para ser eleita para uma das cadeiras rotatórias do Conselho de Segurança da ONU, a partir de 2011, e para sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2018 ou 2022 são algumas das expressões concretas desse desejo.

sábado, 10 de julho de 2010

Brasil e Argentina no contexto mundial - um prefacio (Paulo R. Almeida)

Brasil e Argentina no contexto regional e mundial
Prefácio ao livro de
Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis:
Sistema Internacional com Hegemonia das Democracias de Mercado: Desafios de Brasil e Argentina (Florianópolis: Editora Insular; Programa San Tiago Dantas – CAPES, 2007)

O historiador Fernand Braudel – que confessou ter ficado “inteligente” no Brasil, para onde veio como jovem professor universitário nos anos 1930 – costumava separar os eventos rápidos da vida política dos movimentos mais lentos do processo econômico, e ambos das transformações seculares das estruturas sociais e das configurações civilizacionais, que se moviam a uma velocidade próxima à “história geológica”. Um outro historiador britânico adepto da “história lenta”, Lawrence Stone, dizia, por sua vez, que a história avança muito lentamente, como uma velha carroça desajustada, com os eixos rangendo e as rodas desalinhadas.
O mesmo parece se aplicar, sob nossos olhos, a certas configurações “ideológicas”, em especial aquelas derivadas da tradição revolucionária francesa, que criou todo o vocabulário e a coreografia que ainda agitam a política contemporânea. Alguns dos conceitos consagrados por essa velha tradição converteram-se, efetivamente, em “tradicionais”: eles estão desajustados aos requerimentos da vida moderna, mas continuam por aí, num deslocar errático e irregular, como os eixos rangentes de um velho carro de bois que ainda não foi aposentado pela modernidade.
Tomemos, por exemplo, os conceitos de esquerda e de direita, ou de progressista e conservador, geralmente identificados a valores, normas e princípios que seriam, cada um a seu modo, positivos ou negativos no plano das mudanças sociais. A esquerda estaria identificada com a justiça e a igualdade, lutando por uma distribuição mais equânime da riqueza, normalmente por via do distributivismo estatal e da solidariedade contratual. À direita restaria o papel de preservar as velhas estruturas, ressaltando o papel do esforço e do mérito individuais e das estruturas de mercado na promoção da prosperidade geral, aceitando, portanto, a desigualdade como um fato natural da vida. No plano social e político, a esquerda estaria sempre do lado dos humildes e oprimidos, lutando pelos direitos dos trabalhadores contra os patrões “exploradores”. A direita, obviamente, se alinharia com aqueles capitalistas de cartola e charuto, na missão de estender a dominação do capital aos mais diferentes cantos do planeta, concentrando ainda mais riqueza e poder, em detrimento dos povos da periferia e dos pobres dos países ricos.
Qualquer que seja a validade respectiva desses estereótipos para o mundo contemporâneo, não se pode recusar o fato de que a direita ainda apóia os seus discursos no liberalismo clássico, de antiga extração britânica, e que parte da esquerda, por sua vez, ainda pretende aplicar Marx ao contexto atual, repisando velhos argumentos classistas, anticapitalistas e antimercado, ao mesmo tempo em que clama por reivindicações igualitárias, sem muito embasamento na economia real. Na América Latina, em especial, o pensamento dito “progressista” ainda é estatizante, centrado na distribuição dos “lucros do capital” e voltado para um combate de retaguarda contra a marcha da globalização contemporânea.
O retrato pode parecer caricatural, mas é certo que a esquerda latino-americana, aliada no chamado movimento antiglobalizador a velhos sindicalistas, a jovens idealistas e a universitários em tempo integral, pretende extrair das antigas lições marxianas sobre a “dominação do capital” a necessidade de superar esse estado de coisas, rejeitando tudo isso que aí está, em nome de “um outro mundo possível”. Ela acaba, pateticamente, se rendendo a contrafações do modelo original, como se pode constatar em experiências regionais que demonstram uma filiação “genética” mais próxima do fascismo mussoliniano do que de um pretendido socialismo gramsciano. Em termos braudelianos, a esquerda congela seus conceitos e ações políticas no mundo quase estático das lentas mudanças “geológicas”, em lugar de adaptar-se a uma conjuntura histórica de transformações – para empregar o conceito de outro historiador francês, Ernest Labrousse –, que se descortina aos olhos de quem quer enfrentar a realidade sem as viseiras ideológicas do passado e aspira a entender o mundo como ele é, realmente, não como ela gostaria que ele fosse.
Curiosamente, a América Latina era apontada, até meados do século XX pelo menos, como o continente que lograria igualar-se aos países desenvolvidos, se perseverasse nos esforços de industrialização substitutiva, no planejamento estatal, no protecionismo comercial, nos subsídios à “indústria infante”, na integração introvertida e em políticas dirigistas que atribuíam ao Estado o papel principal na determinação quanto ao uso de fatores, na mobilização de capitais – por via inflacionária, uma forma de poupança forçada – e na alocação autoritária dos recursos assim capturados do conjunto da sociedade. Incidiu nesse tipo de recomendação o economista sueco Gunnar Myrdal – prêmio Nobel em 1974, junto com o liberal austríaco Alfred Hayek, por ironia da história – que, no seu tão aclamado quanto errôneo Asian Drama, vaticinava que a Ásia era sinônimo de miséria insuperável e que se havia países no Terceiro Mundo que tinham alguma chance de alçar-se aos patamares de bem-estar e riqueza dos desenvolvidos, estes eram os latino-americanos. Myrdal preconiza para todos o modelo indiano, feito de planejamento centralizado, empresas estatais em todos os “setores estratégicos” e descolamento dos mercados internacionais, que supostamente condenava esses países à exportação de commodities sujeitas às flutuações das bolsas de mercadorias. À época em que ele pesquisou e escreveu – início dos anos 1960 – a maior parte dos países da América Latina estava mais integrada à economia mundial do que os da Ásia, ostentava, na média, o dobro da renda per capita asiática e possuía instituições públicas – Estados consolidados, depois de 130 anos de independência, estruturas de mercado capitalistas – que seriam, no cômputo global, mais “weberianamente” pró-crescimento e pró-desenvolvimento do que as arcaicas tradições confucianas da região asiática. O itinerário seguido desde então pelas duas regiões não precisa ser relembrado: a Ásia decolou espetacularmente na economia mundial e nos indicadores de crescimento – tanto mais rapidamente quanto ela se afastou das políticas socialistas e estatizantes recomendadas por Myrdal – enquanto a América Latina manteve-se, com poucas exceções, no subdesenvolvimento, na desigualdade e na pobreza. Para isso também contribuíram experimentos populistas, irresponsabilidade emissionista, desrespeito aos direitos de propriedade, desconfiança da abertura ao exterior – comércio e investimentos – e uma insistência no centralismo estatizante que marca ainda hoje boa parte da esquerda neste continente.

Os autores deste livro conhecem um pouco dessa história, por experiência própria, se ouso dizer. Outrora pertencentes, como vários jovens dessa geração, ao universo do marxismo latino-americano, naturalizados brasileiros justamente em virtude da história trágica de equívocos conceituais e de erros práticos da esquerda argentina do último terço do século XX, eles estão muito bem preparados para enfrentar a tarefa de analisar a trajetória do Brasil e da Argentina no contexto das modernas democracias de mercado. A migração forçada de um país a outro, a descoberta de realidades políticas relativamente similares, ainda que sob roupagens distintas, e o comparatismo inevitável que esse tipo de situação cria, permitiu-lhes constatar, provavelmente, como os mesmos diagnósticos equivocados feitos por lideranças políticas, lá e aqui, redundaram em perda de oportunidades de inserção no mundo globalizado da atualidade, atrasando o processo de desenvolvimento e postergando a conquista da almejada prosperidade social.
De fato, a despeito de uma história singular, que corre em trilhas próprias, o Brasil e a Argentina reproduzem, em boa medida, equívocos similares de políticas públicas – tanto macroeconômicas quanto setoriais – cometidos por diferentes regimes políticos ao longo do século XX. Se o recurso a Suetônio cabe na sociologia comparada do desenvolvimento, pode-se dizer que os dois grandes da América do Sul exibem “vidas paralelas”. Tanto o Brasil como a Argentina padecem de insuficiências de desenvolvimento, mas a maior parte dos problemas de cada um deriva de erros de gestão macroeconômica e de escolhas infelizes das elites políticas ao longo da formação das nações e das dificuldades de ajuste aos desafios externos.
Durante muito tempo, grosso modo na primeira metade desse século, prevaleceu no Brasil a idéia de que a Argentina era bem mais desenvolvida, graças a um maior componente “europeu” na sua formação étnica e aos maiores cuidados com a educação do seu povo. Em contrapartida, ao aprofundar-se sua trajetória em direção à decadência econômica, prevaleceu na Argentina a noção de que o Brasil foi mais bem sucedido na industrialização e no fortalecimento da base econômica graças ao maior envolvimento de seu Estado na gestão macroeconômica, em lugar do liberalismo que teria sido praticado nas margens do Prata. Em ambos os países, líderes populistas e ditadores militares se revezaram nos comandos do Estado pretendendo construir a grandeza nacional com base no nacionalismo industrializante e no emissionismo inflacionário. Ambas as economias foram relativamente excêntricas – isto é, voltadas para os parceiros privilegiados no hemisfério norte – e os regimes políticos mantiveram, contra toda racionalidade e interesses imediatos, certo distanciamento competitivo, que em alguns momentos quase descambou para a hostilidade, isto é, para a corrida armamentista e uma possível disputa pela hegemonia regional.
Os dois países passaram, depois de superadas suas repúblicas “oligárquicas” – mais ou menos na mesma época, os anos 1930 –, por processos de modernização econômica e política, sob a forma de experimentos nacionalistas e populistas, identificados com as figuras de Vargas e Perón. A Argentina logrou, provavelmente, um maior grau de inserção social, mas o Brasil foi menos errático no processo de desenvolvimento, conseguindo consolidar a construção de uma base industrial que nunca teve paralelo na Argentina, que permanece ainda hoje uma economia agroexportadora. Os azares da Guerra Fria e as ameaças percebidas pelas classes médias como provenientes da sindicalização excessiva do sistema político conduziram ambos os países em direção de episódios mais ou menos prolongados de autoritarismo militar.
O período militar – responsável pela vinda dos autores ao Brasil – assumiu dimensões mais dramáticas na Argentina, com um custo elevado em vidas humanas e outras conseqüências menos desejáveis no plano das relações bilaterais, com o fenômeno que dois autores consagrados – Boris Fausto e Fernando Devoto, no livro Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002) – chamaram de “afinidades repressivas”. As esquerdas padeceram muito no tempo das baionetas, mas talvez conservem, desse período, a mesma inclinação fundamental ao culto do Estado, para a autarquia econômica e o protecionismo instintivo que exibiam os militares. Hoje, se pretende avançar no desenvolvimento conjunto, mediante o Mercosul, mas as salvaguardas e os desvios ao livre comércio colocam limites à integração econômica.
Com efeito, a fase de redemocratização permitiu revigorar o processo de integração, que tinha começado no final dos anos 1950, desta vez segundo um formato bilateral – tratado para a formação de um mercado comum de 1988 – que logo se desdobrou numa dimensão quadrilateral, ao incorporar os dois vizinhos menores em 1991. O Mercosul logrou incluir outros países, como o Chile e a Bolívia (associados em 1996) e, mais recentemente, a Venezuela, mas sua zona de livre-comércio permanece incompleta, sua união aduaneira é perfurada por inúmeras exceções nacionais e o mercado comum, prometido para 1995, é um sonho ainda distante.
O itinerário dos dois países, mesmo contrastante nos planos cultural, social e político, não deixa de apresentar coincidências ou similitudes nos planos do desenvolvimento econômico e da inserção internacional, o que talvez permita retomar ao presidente argentino Roque Sáenz Peña uma frase, do início do século XX, que resume a visão otimista da cooperação bilateral, sempre invocada pelas autoridades engajadas no atual processo de integração: “Tudo nos une, nada nos separa”. Talvez – com a provável exceção dos campos de futebol –, mas a história raramente se contenta com projetos meramente retóricos de desenvolvimento ou de integração internacional. Nesse particular, o Brasil e a Argentina apresentam trajetórias erráticas, com impulsos positivos em determinadas épocas e atitudes defensivas em outras. O elemento mais notável, da presente fase, é provavelmente constituído pela incapacidade respectiva em empreender reformas que os coloquem em condições de se inserir de modo mais afirmativo na economia globalizada que caracteriza o Atlântico Norte e a região da Ásia Pacífico.

Os trabalhos compilados neste livro discutem as novas circunstâncias da economia global e os padrões atuais de organização política, com os problemas daí derivados para Estados, como o Brasil e a Argentina, que ainda estão construindo sua inclusão no novo sistema, que os autores chamam de “hegemonia das democracias de mercado”. A leitura destas páginas, impregnadas de conhecimento histórico e de racionalidade sociológica, permite constatar como são anacrônicas as demandas e reivindicações de alguns desses militantes de causas equivocadas, armados de slogans retirados de um já mundo desaparecido nas dobras da história – como os conceitos de “dependência” ou de “antiimperialismo” –, que insistem em defender causas que não são mais de vanguarda ou sequer progressistas. A oposição desses grupos e movimentos políticos a reformas institucionais que permitiriam inserir mais rapidamente os países da América Latina nas correntes mais dinâmicas da globalização – reformas política, previdenciária, trabalhista, tributária, sindical ou educacional – não é apenas conservadora, mas pode ser tachada de propriamente reacionária, em vista dos imensos problemas acumulados pelos países da região nesses aspectos que muito têm a ver com as perspectivas de emprego, renda e oportunidades de ascensão social de imensas massas ainda hoje excluídas de qualquer possibilidade de inserção produtiva no tecido social.
Os autores não deixam de confessar sua surpresa, logo na introdução, com o fato de que muitos intelectuais desenvolveram um agudo senso de anticapitalismo – sentimento que, no meu ponto de vista, consegue inclusive ser antimercado – , o que os fez cúmplices objetivos das piores barbaridades cometidas no século XX contra os direitos humanos e a democracia. Na América Latina, em particular, esse anticapitalismo visceral dos intelectuais obstaculizou a modernização econômica e social dos países, a começar pelo aggiornamento do próprio Estado, no sentido de libertá-lo, ou pelo menos distanciá-lo, da herança centralista e patrimonialista ibérica, em prol de uma visão do mundo que estivesse mais objetivamente em consonância com os requisitos de uma moderna “democracia de mercado”, aberta aos influxos da economia global.
Aparentemente incapazes de renovar conceitos e aceitar as novas realidades da economia mundial, os intelectuais da América Latina continuarão a mover-se, no futuro previsível, ao ritmo do “tempo geológico” de Fernand Braudel, arrastando-se, em grande medida, pelos caminhos da modernidade numa trajetória tão tortuosa e torturada quanto o permitido pela “velha carroça da história”, de que falava Lawrence Stone. Isto a despeito de se poder constatar, hoje em dia, que outros povos e países estão fazendo melhor e mais rápido no caminho da modernidade do que a quase totalidade da América Latina. A região poderia ser uma espécie de “Prometeu acorrentado”, se apenas grilhões materiais a prendessem a um passado mercantilista e patrimonialista, se meros impedimentos técnicos a impedissem de avançar mais aceleradamente no caminho do progresso tecnológico e da capacitação científica. Mas, os grilhões que a prendem ao atraso material e à irrelevância intelectual são de outra natureza: são propriamente mentais, invisíveis, se quisermos, ainda que alertas sejam regularmente lançados contra essa busca ativa pelo declínio econômico e pelo retrocesso político. Este livro, aliás, é um exemplo de alarme intelectual.
A insistência na velhas soluções estatizantes, na repetição dos mesmos erros do passado, a tendência a encontrar bodes expiatórios no estrangeiro e a alimentar teorias conspiratórias sobre as razões do nosso fracasso são tanto mais surpreendentes quanto estão disponíveis boas análises – por analistas individuais ou por organismos multilaterais – sobre as razões da trajetória errática e da miopia das elites. O mais surpreendente e frustrante é que continue a prevalecer, tanto na academia quanto na opinião pública, explicações simplistas, e geralmente equivocadas, sobre as causas de nossos problemas – que são de origem majoritariamente interna – e sobre as soluções que lhes seriam pertinentes. Não constitui surpresa, assim, se a cada classificação internacional de desempenho relativo – no crescimento, na educação, na competitividade, na tecnologia e em vários outros setores ainda –, a América Latina continua a ser ultrapassada por todas as demais regiões, com a possível exceção da África, ainda assim melhor colocada esta, nas taxas atuais de crescimento econômico. A julgar por certas “inovações” populistas recentes na região, a escolha parece ser por mais Estado, mais nacionalizações, menor atratividade do capital estrangeiro e, de forma não surpreendente, uma opção preferencial pelas soluções distributivistas e rentistas.
Acadêmicos experientes no debate intelectual em torno da “contra-reforma” modernista latino-americana, tanto pela sua vivência pregressa na Argentina, como pelo longo convívio nas universidades do Brasil, observadores atentos das realidades regionais e, à maneira de Raymond Aron, “espectadores engajados” na construção da ordem mundial pós-guerra fria e no grande espetáculo da globalização contemporânea, os dois autores, Eduardo Viola e Héctor Ricardo Leis, estão amplamente capacitados para oferecer uma análise de qualidade sobre os desafios do Brasil, da Argentina e de toda a região nessa difícil, mas indispensável, inserção no sistema internacional das democracias de mercado. O retrato que eles fazem da região, dos dois grandes da América do Sul em particular, não é muito otimista, mas é sem dúvida alguma necessário e bem-vindo, em face dos desafios remanescentes.
Intelectuais verdadeiros devem ostentar, antes de mais nada, espírito crítico, sem se deixar aprisionar pelas lutas políticas em curso na sociedade na qual vivem ou se enredar nas ideologias em competição na ágora universitária. A honestidade intelectual é o seu primeiro e único dever. Desse ponto de vista, nossos dois autores não se enquadram na antiga crítica sobre a “traição dos clérigos” de que falava Julien Benda. Ao contrário: eles estão em sintonia com as necessidades do tempo presente e fazem do seu ofício um instrumento crítico de esclarecimento da maioria, em prol do progresso social e em benefício da razão, como apreciaria Kant.

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em ciências sociais, dplomata, professor no mestrado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
Brasília, maio de 2007

Dependência Diplomática e Interesse Nacional - Paulo R. Almeida (2007)

De vez em quando descubro algum trabalho inédito, "escondido" em meus arquivos, como esse trabalho de 2007, por exemplo, jamais divulgado, totalmente inédito, e que pelas caracteristicas proprias de intemporalidade pode ser tranquilamente divulgado hoje.

A Dependência Diplomática e os Interesses Nacionais
Notas esparsas
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 18.09.2007)

A interdependência econômica é um fato irrecorrível do mundo contemporâneo. Mesmo nos momentos de maior abertura econômica internacional, correspondendo aos “anos dourados” do capitalismo triunfante da belle époque – grosso modo, entre o último quinto do século XIX e os três primeiros lustros do século XX – o mundo nunca foi tão interdependente como agora.
Havia, obviamente, naquela época, mais liberdade do que hoje: para a circulação de capitais, de pessoas e de investimentos diretos, mas o comércio de bens era essencialmente um intercâmbio entre bens finais, correspondendo à centralização e à verticalização da produção.
Atualmente, o comércio se faz basicamente dentro dos mesmos ramos industriais, em grande medida intra-firmas, e se concentra nos bens intermediários, ou partes e acessórios que serão assemblados em locais por vezes muito diferentes daqueles que produziram os componentes, sendo que as atividades de design, marketing e controle das operações se fazem nas sedes das empresas, onde muito provavelmente o produto físico final jamais é visto ou manipulado. Ele será, se tanto, objeto de contabilidade empresarial.
Isto significa, essencialmente, que o mundo se tornou quase tão plano quanto possível, pelo menos ao nível dos processos produtivos e das operações dos grandes conglomerados multinacionais. Infelizmente, talvez, para as pretensões de Tom Friedman, o mundo não é plano no que se refere a normas, regulamentos, políticas setoriais e sobretudo para a plena circulação dos fatores de produção que poderiam se disseminar com muito maior rapidez, fossem as fronteiras realmente livres – um borderless state, como pretendia Kenichi Omahe – e as regras de comércio internacional aplicáveis de maneira uniforme pela maioria dos países.
Enquanto economistas sensatos são entusiasticamente a favor de sempre maior liberalização comercial, políticos ditos “sensatos” insistem nas velhas receitas protecionistas. Ainda assim, o protecionismo tornou-se basicamente setorial nos países desenvolvidos – tocando a agricultura e algumas velhas indústrias com alguma sensibilidade empregadora. Nos países em desenvolvimento, ele é bem mais disseminado, cobrindo inclusive as ditas políticas setoriais, supostamente favoráveis ao “desenvolvimento nacional”.
O fato é que as melhores políticas setoriais são aquelas de caráter universal e horizontal, cobrindo basicamente educação, capacitação técnico profissional da mão-de-obra e investimentos em ciência e tecnologia e infra-estrutura, de modo amplo (inclusive os marcos legais responsáveis por um bom ambiente de negócios). Os países que mais prosperaram, nas últimas décadas (ou mais), são aqueles que asseguraram, ao mesmo tempo e de forma sólida, a manutenção dos seguintes requerimentos:
1) estabilidade macroeconômica
2) microeconomia competitiva
3) instituições de governança market-friendly
4) alta qualidade dos recursos humanos
5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros

Ainda no terreno da interdependência econômica, existe uma nítida correlação entre o coeficiente de abertura externa – isto é, comércio exterior total sobre o PIB – e os níveis de renda e riqueza de um país. Com a possível exceção dos EUA – que apresentam pequeno coeficiente, mas apenas porque seu mercado interno é imenso, sendo ainda assim um país tremendamente aberto ao comércio internacional – e do Japão – aqui por estrito nacionalismo econômico, o que atua em seu detrimento, mas que ainda assim constitui uma economia basicamente voltada para a competição externa baseada na qualidade –, todos os países mais prósperos do mundo apresentam alto grau de abertura externa.
O Brasil se situa, infelizmente, em menos da metade da média mundial e tem ainda um longo caminho no sentido de construir a sua interdependência econômica, o que deve ser assegurado, essencialmente, por empresas nacionais internacionalizadas.

Portanto, quanto mais o Brasil for interdependente das trocas internacionais, menos dependente ele será das alterações dos mercados internacionais. Ser interdependente garante, de fato, a independência nacional.
Este fator é verdadeiro inclusive no plano financeiro. Tivesse o Brasil um fluxo de comércio internacional – em ambos os sentidos – que representasse o triplo dos níveis atuais, ele não necessitaria acumular um volume tão alto de reservas internacionais -- mais de um ano de importações, quando os economistas recomendam três meses em média –, o que representa altos custos em termos fiscais. Um alto fluxo, contínuo, de pagamentos de fatores é a melhor garantia que um país pode ter em caso de crises, juntamente com um comércio diversificado, tanto em sua composição quanto na cobertura geográfica.

No plano político, o Brasil deveria manter um diálogo de alto nível com os principais parceiros dos seus intercâmbios comerciais, de serviços, financeiros e monetários, que são, obviamente, as potências econômicas mundiais. A busca de arranjos ad hoc com países em desenvolvimento perpetua políticas defensivas, restritivas, protecionistas e basicamente estatizantes, quando o que se persegue é um setor privado vibrante e dinâmico, capaz de dialogar de igual para igual com as grandes empresas mundiais. Os esquemas negociadores que pretendem juntar os “países em desenvolvimento” em torno de plataformas comuns são essencialmente self-defeating e equivocados, pois que reduzindo os interesses nacionais do país a um conjunto muito modesto de interesses setoriais – geralmente concentrados em produtos de menor elasticidade-renda e de crescimento vegetativo no plano do comércio internacional – quando o interesse do país se encontra na diversificação da sua produção de manufaturados, os de maior dinamismo nesse comércio.
Grupos como o G-77, G-20 ou o grupo dos sul-americanos são contraditórios por sua própria natureza. Grandes países, com pretensões a uma política externa verdadeiramente independente, não amarram seus interesses exclusivamente a um grupo específico, e sim mantêm uma estratégia multifacética, feita de táticas diferentes para cada questão objeto de negociação. Exemplos disso são a China e a índia, que acompanham o Brasil no G-20, mas não deixam de se inserir em outros grupos também, por vezes de interesse diverso e até contraditório com o G-20, mantendo absoluta independência de ação, sem qualquer concessão a uma pretensa “solidariedade entre países em desenvolvimento”. Isto é uma ilusão profunda da política externa brasileira, que vem prejudicando os interesses dos seus setores produtivos mais dinâmicos.

Em uma palavra: o interesse nacional não se defende com posições principistas, sobretudo ideologicamente motivadas e eivadas de preconceitos contra os países desenvolvidos, mas sim com posições pragmáticas que contempla, basicamente, as estratégias de crescimento das próprias empresas baseadas no território nacional – nacionais ou estrangeiras – e não a de políticas ditas “nacionais”, ilusoriamente classificadas como de “desenvolvimento”, quando elas respondem unicamente aos desejos de burocratas governamentais.

Uma palavra retorna de forma recorrente em certos discursos políticos para justificar algumas políticas equivocadas no plano econômico externo: a de “soberania”. Pretende-se, como se diz, favorecer a inserção econômica internacional do Brasil, com a “preservação da soberania nacional” (sem mencionar que, ao mesmo tempo, se impulsiona a integração regional de forma exacerbada e até irracional, o que é uma alienação de soberania evidente, e portanto totalmente contraditória com aquele primeiro objetivo).
Descartando o fato de que soberania não se defende retoricamente e sim na prática, cabe registrar que a melhor defesa da soberania nacional está no fortalecimento da base econômica nacional, o que só se obtém através de uma internacionalização ativa da economia nacional, por mais contraditório que isso possa parecer. Soberania são empresas nacionais capazes de competir globalmente, não um Estado “extrator” de todas as energias nacionais por uma taxação exagerada e uma regulação intrusiva que impede as empresas de se concentrar naquilo que elas devem fazer prioritariamente: competir em todos os mercados, nacionais e internacionais.

Seria preciso libertar a diplomacia da “dependência” anacrônica de idéias requentadas de outras épocas, como um cepalianismo démodé, um nacionalismo velhusco, e um protecionismo visceral. Uma diplomacia ideologicamente dependente é a melhor garantia de que o Brasil vai continuar arrastando-se penosamente em direção à modernidade, impulsionado, certo, por empresários dinâmicos, mas que precisam competir com uma bola de ferro amarrada aos pés, representada por políticas setoriais ultrapassadas e inadequadas aos nossos tempos de globalização.
Por fim, seria preciso libertar o Brasil, também, da dependência de programas grandiosos, e em grande medida retóricos, de integração continental, como a chamada Unasul – de inspiração chavista – e fazê-lo concentrar-se em projetos pragmáticos favorecendo a liberalização comercial recíproca no continente. Seria preciso, igualmente, superar a dependência estrita de grandes acordos multilaterais - que são bem mais difíceis de serem concretizados – e adotar uma estratégia múltipla de acordos talvez mais limitados, mas de ganhos concretos em mercados setoriais.
Colocar todas as suas cartas em uma única cesta nunca foi a melhor tática, em qualquer terreno que se pense. Quanto mais liberdade dispuser o país, e isso implica, em primeiro lugar, em liberdade “mental” para conceber novas políticas, menos dependente diplomaticamente será o Brasil.

18.09.2007

De 1808 até hoje: por que o Brasil ainda não se desenvolveu?

Tentei responder a esta questão no seminário que serviu para introduzir a discussão dos 200 anos da abertura dos portos no Brasil, organizado pela Federação do Comércio do estado de S.Paulo e objeto de um livro sobre a Abertura dos Portos, para o qual colaborei com um capítulo sobre a conjuntura econômica de 1808.
No seminário não fiz uma síntese de meu capítulo, e sim uma reflexão sobre o que fizemos do Brasil nos duzentos anos decorridos desde então, tentado responder a essa pergunta:

1808: um começo de nação (ainda não terminada)
Paulo Roberto de Almeida

Em lugar de expor, simplesmente, a situação econômica do Brasil em 1808, e as mudanças ocorridas a partir de então, até a independência ser consolidada, pode-se tentar responder à seguinte pergunta: por que o Brasil do século XX falhou, como outros países, em realizar promessas de desenvolvimento contidas na primeira e na segunda revoluções industriais, ocorridas ao longo do século XIX, e falha, ainda e sempre, em acompanhar as tendências mais dinâmicas do século XXI?

Esquema:
1. Condições de partida: o Brasil no contexto colonial português e europeu
2. Estrutura social: anomia fundamental da sociedade brasileira
3. Recursos naturais, econômicos, humanos e institucionais: deficiências essenciais
4. Contexto regional e integração à economia mundial: assimetrias da periferia
4. Escolhas políticas adotadas pelas elites: políticas equivocadas no macro e no micro
5. Desempenho econômico relativo em perspectiva comparada: como caminharam os outros?
6. De onde viemos e onde estamos atualmente?: uma tentativa de balanço

Esse esquema, por acaso um trabalho que recebeu o número 1808, uma feliz coincidência, foi elaborado em Brasília, em 25 setembro 2007, mas sua forma completa, em forma de trabalho de apresentação foi desenvolvido sob o número 1840.

Apresento aqui abaixo suas linhas principais, suprimindo tabelas e alguns gráficos e ilustrações, que usei no meu PowerPoint de apresentação no seminário.

Então e agora: do começo da Nação aos dias de hoje
Como era o país, no momento de sua formação, em 1808?
Como ele se apresenta hoje?

Paulo Roberto de Almeida
Apresentação no seminário da Fecomercio:
1808-2008: Abertura dos Portos, 200 anos depois
(São Paulo, 28 de novembro de 2007)

1) Abertura
(Nota) Em lugar de expor, simplesmente, a situação econômica do Brasil em 1808, e as mudanças ocorridas a partir de então, até a independência ser consolidada, numa espécie de resumo de meu capítulo no livro em publicação, vou tentar responder à seguinte pergunta:
Por que o Brasil do século XX falhou em realizar promessas de desenvolvimento contidas na primeira e na segunda revoluções industriais, ocorridas ao longo do século XIX, como fizeram outros países, e por que ele falha, ainda e sempre, em acompanhar as tendências mais dinâmicas do século XXI?

2) Apresentação: Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984)
Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia (1977)
Diplomata de carreira desde 1977; Ministro de Segunda Classe
(www.pralmeida.org; pralmeida.@mac.com)
Autor do capítulo “A formação econômica brasileira a caminho da autonomia política: uma análise estrutural e conjuntural do período pré-independência”, para integrar coletânea sobre Os 200 anos da Abertura dos Portos (São Paulo: Editora Senac-SP, 2008)

(Nota) Primeiro, um esclarecimento:
Eu era suposto resumir aqui o conteúdo do meu capítulo no livro que será proximamente publicado em conexão com este seminário, cujo título é: “A formação econômica brasileira a caminho da autonomia política: uma análise estrutural e conjuntural do período pré-independência”.
No entanto, isso seria em grande medida redundante, posto que todos (ou quase) lerão esse livro e poderão conhecer o que eu tenho a dizer sobre a conjuntura de 1808, ou sobre aquilo que Oliveira Lima chamou de “O processo da independência”.
Prefiro, assim, falar da longa distância que nos separa de 1808 e perguntar, duzentos anos depois, se somos assim tão diferentes do que éramos na conjuntura do estabelecimento da família real portuguesa entre nós...

3) Objetivos: quais eram as condições de partida do Brasil, no contexto colonial português e europeu?; qual era o peso do Estado, que sempre constituiu, então e agora, nossa deformação fundamental?; Como era e como está o ambiente de negócios, provavelmente pavoroso e piorando, então e agora?; como andamos de empreguismo estatal e de irresponsabilidade fiscal?; será que essa mania de construir palácios para o setor público é nova?; como defendemos nossos recursos naturais, econômicos, humanos e institucionais?; quais são nossas deficiências essenciais nesse campo?; por que as políticas adotadas por nossas elites conseguem ser tão equivocadas no macro e no micro; qual foi o nosso desempenho econômico em perspectiva comparada com outros países?; como caminharam os outros?; Enfim, de onde viemos e onde estamos atualmente?: uma tentativa de balanço...

(Nota) Ainda um esclarecimento:
Acredito, sim, que fizemos grandes progressos, mas eles podem, ainda assim, ser considerados insuficientes, em vista de tudo aquilo que poderíamos ou deveríamos ter feito, e em face dos enormes desafios que ainda temos que enfrentar para podermos apresentar-nos ao mundo, duzentos anos depois, como uma nação desenvolvida, o que ainda não somos.
Não, não creio que os portugueses sejam culpados pelo que somos ainda hoje, ou seja, um país industrialmente desenvolvido, mas socialmente iníquo, economicamente avançado, mas socialmente atrasado, cientificamente realizado, mas tecnologicamente mal dotado.
Não se devem aos portugueses nossos comportamentos atávicos e nossos fracassos de modernização. Nós somos culpados pelo quadro lamentável que ainda contemplamos hoje.

4) Então...
O que dizia do Brasil um observador contemporâneo do império colonial português:
“O Brasil converter-se-á num dos mais formosos estabelecimentos do globo (nada para isso lhe falta) quando o tiverem libertado dessa multidão de impostos, desse cardume de recebedores que o humilham e oprimem; quando inúmeros monopólios não mais encadearem sua atividade; quando o preço das mercadorias que lhe trazem não mais for duplicado pelas taxas que andam sobrecarregadas; quando os seus produtos não pagarem mais direitos ou não os pagarem mais avultados que os dos seus concorrentes; quando as suas comunicações com as outras possessões nacionais se virem desembaraçadas dos entraves que as restringem...”
Abade Raynal, Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des européens dans les deux Indes (Amsterdã, 1770)

(Nota) Incrível a atualidade dos argumentos do abade Raynal, que poderia ser descrito, em linguagem moderna, como um “globalizador esclarecido”.
O que se pode constatar agora, em cada um desses pontos levantados por Raynal, em 1770, é que continuamos a ser extorquidos por uma multidão de impostos, por um cardume de recebedores, nossas mercadorias carregam o peso de muitas taxas e ainda enfrentam protecionismo duplo, aqui e lá fora...
Duzentos depois da chegada da família real e da abertura dos portos, o que temos, é exatamente aquilo que descrevia o Abade Raynal.

5) Então...
Quanto aos impostos, o que tínhamos no momento da chegada da família real?
Esta era a coleção de impostos, taxas e contribuições em vigor em 1808:
Tributos de incidência local: selos, foros de patentes, taxas do sal;
Tributos de incidência geral: subsídio real sobre carnes e couros, taxa suntuária sobre lojas e armazéns; taxa sobre engenhos; sisa de 10% sobre os imóveis; meia sisa sobre os escravos urbanos
Impostos sobre o comércio exterior, nos dois sentidos (a principal fonte de receita, aliás)

6) Agora...
Em matéria de impostos, taxas e contribuições o que temos hoje?
Existem, hoje, 76 tributos federais, 12 estaduais, 15 municipais, além de 5 outros “latentes”, isto é, que podem vir a ser implementados (entre eles o das “grandes fortunas”), num total de 109 impostos, taxas e contribuições, sem contar pedágios e cobranças por serviços específicos.
Fonte: João Luiz Roth: Por Que Não Crescemos como outros Países?: Custo Brasil (São Paulo: Saraiva, 2006, 194 p.)

(Nota): Esta obra não deveria figurar nas estantes de negócios ou de administração e sim nas de livros de terror, na companhia de manuais para inquisidores, propondo métodos requintados para torturar heréticos inconfessos. Este é o quadro de terror impositivo, sem considerar a burocracia do sistema declaratório, que consome dias e dias e de vários contabilistas apenas para cumprir as obrigações e provar ao Estado que somos honestos e cumpridores dos nossos deveres de contribuintes (tosquiados).

7) Então...
Em 1821, quando D. João VI parte de volta a Portugal, a estrutura tributária, compreendia, além de muitas outras taxas gerais (selos, foros de patentes, direitos de chancelaria, taxas de correio, sobre sal, sesmarias, ancoragens etc., ou impostos locais cobrados de particulares), os seguintes direitos e impostos:
1º) subsídio real ou nacional (carne verde, couros crus ou curtidos, aguardente de cana e lãs grosseiras);
2º) subsídio literário (para custeio dos mestres-escola, percebido sobre cada rês abatida, sobre aguardente destilada e sobre carne seca);
3º) imposto em benefício do Banco do Brasil (12$800 sobre cada negociante, livreiro, boticário, loja de jóias e artigos de cobre, tabaco);
4º) taxa suntuária (também para o Banco, sobre cada carruagem de quatro e de duas rodas, navios de três mastros, lojas de mercadorias e armazéns, 5% da compra de navios);
5º) taxa sobre engenhos de açúcar e destilações (variável por província);
6º) décima predial urbana (casas ou quaisquer imóveis);
7º) sisa (imposto de 10% sobre o valor da venda de imóveis urbanos);
8º) meia sisa (imposto de 5% sobre a renda de cada escravo que fosse negro ladino, isto é, que já soubesse um ofício);
9º) novos direitos (taxa de 10% sobre os vencimentos dos funcionários da Fazenda e da Justiça)... et encore...

8) Agora...
2.600 horas só para pagar impostos


Numa lista de 178 países, Brasil é aquele em que o empresário mais perde 
tempo nessa atividade



O Brasil é campeão na quantidade de horas gastas para que uma empresa pague
 todos os impostos e tributos. De acordo com análise da consultoria
 PriceWaterhouseCoopers, com base nos dados reunidos pelo Banco Mundial, são
 necessárias 2.600 horas (352 dias) para que uma empresa cumpra todas as
 obrigações fiscais, o que deixa o Brasil em último lugar entre 178 países.

9) Então...
Ao chegar à Bahia, em janeiro de 1808, D. João, príncipe regente...
...não apenas decreta a abertura dos portos (absolutamente necessária), mas também:
- aprovou os estatutos da primeira companhia de seguros, a “Comércio Marítimo”;
- mandou abrir uma fábrica de vidro e uma fábrica de pólvora;
- autorizou o governador da Bahia a estabelecer a cultura e a moagem de trigo;
- mandou abrir estradas, sim estradas (de fato, pouco mais que picadas...)

(Nota): O que surpreende, no modelo ibérico de administração, é que tudo tenha de ser autorizado ou ordenado pelo príncipe, mediante um decreto, um alvará régio, um instrumento qualquer da autoridade política. O que encanta, no modelo anglo-saxão de organização social e econômica, é que tudo o que não estiver expressamente proibido em alguma lei aprovada por um parlamento ou conselho, está ipso facto autorizado e aberto à iniciativa privada, exatamente o contrário do que ocorria no mundo português.
Anteriormente, se tinha determinado a proibição da abertura de estradas no Brasil, com medo do contrabando de ouro e diamantes...

10) Agora...
A julgar pelo PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, continuamos cingidos pela autoridade política, circunscritos ao que ela possa determinar, autorizar, permitir, se dignar a nos deixar trabalhar...

(Nota:) A mania que temos de tornar toda e qualquer atividade dependente das boas graças da administração é propriamente irracional, sobretudo quando sabemos que o processo burocrático de autorizações e permissões está eivado de descaminhos corruptores...

11) Então...
Ao chegar ao Rio de Janeiro, em março de 1808, D. João...
...por alvará de 1º de abril, revoga o alvará de D. Maria I, de 1785, que tinha proibido todas as indústrias de tecidos no Brasil, exceto as de pano grosso, para os sacos e escravos.
Vinhos, azeites, tecidos e todos os demais produtos úteis tinham, até então, de ser comprados de Portugal, a despeito do fato de possuir a colônia plenas condições de fabricá-los quase todos...

12) Agora...
Os principais problemas que se colocam aos candidatos a empreendedores é o número absurdo de requisitos legais, exigências burocráticas e autorizações variadas para quem decide iniciar um negócio. Basta consultar o Doing Business do Banco Mundial, para constatar que o Brasil figura nos últimos lugares do ambiente de negócios.

13) Então...
Um problema habitacional: onde acomodar tantos nobres?
Criou-se o sistema das “aposentadorias”: as casas eram requisitadas em nome do Príncipe, e os locais escolhidos eram logo pintados com as iniciais “PR”, de Príncipe Regente;
Mas, o povo logo as interpretou à sua maneira, dizendo que eram “Ponha-se na Rua”...
Hipólito da Costa escreveu em seu Correio Braziliense que o sistema das aposentadorias era um “regulamento medieval”, um “ataque direto ao sagrado direito de propriedade”, que “poderia tornar o novo governo no Brasil odioso para o seu povo”

14) Agora...
Passados duzentos anos, o que temos hoje?
“Judiciário vai gastar R$ 1,2 bi para construir três tribunais”
Folha de S. Paulo, 22.10.2007
“Procuradoria investiga suspeita de desperdício de dinheiro e superfaturamento”
“Presidente do Tribunal Regional Federal de Brasília terá um gabinete 4 vezes maior que o de Lula”

(Nota): O Judiciário vai gastar R$ 1,2 bilhão na construção de três suntuosas sedes de tribunais com suspeitas de desperdício de dinheiro público, direcionamento de licitações e superfaturamento. Os custos estimados pelos tribunais poderão aumentar até o final das obras. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, decide nesta semana quem tocará uma obra de R$ 489,8 milhões com área total de construção maior do que a do Superior Tribunal de Justiça. Nas novas instalações, o presidente do tribunal e seus assessores ocuparão um gabinete quatro vezes maior do que o do presidente Luiz Inácio Lula. O Ministério Público Federal pediu a suspensão das obras e a anulação da licitação para a construção da nova sede do Tribunal Superior Eleitoral, estimada em R$ 336,7 milhões.

15) Então...
E como fazer para dar emprego para todos esses nobres?
Emprego, não era bem a palavra, mais exatamente uma renda. Antes, havia poucos nobres, mas o coração generoso de D. João se encarregaria de criar muitos mais:
“Os indivíduos enobrecidos, agraciados com hábitos ou comendas, entendiam não lhes quadrar mais comerciar, sim viver das suas rendas, ou melhor ainda, dos empregos do Estado. Avolumar-se-ia desta forma o número dos funcionários públicos, com o rancor dos burocratas do reino, que tinham acompanhado a família real ou chegavam seduzidos por essas colocações em que as fraudes multiplicavam os ganhos lícitos, muito pouco remunerados.”
Apud, Oliveira Lima, D. João VI no Brasil (1996), p. 57.

(Nota:) Em 1800, ao transferir a capital da Filadélfia para Washington, o presidente John Adams trouxe consigo cerca de 1.000 funcionários governamentais. Com D. João, vieram entre 10 e 15 mil funcionários portugueses...

16) Agora...
O número de funcionários públicos tem experimentado uma curva ascendente no atual governo, que criou ou recriou dezenas de estatais (a último sendo um TV estatal), expandiu cargos de confiança devidamente aparelhados pelo partido no poder, e se esforça para convencer a população que para melhorar o serviço público é preciso contratar mais gente...

17) Então...
E não eram poucos, os candidatos a um emprego público...
Além da família real, 276 fidalgos e dignitários régios recebiam verba anual de custeio e representação, paga em moedas de ouro e prata, retiradas do erário real;
Havia ainda 2000 funcionário reais, setecentos padres, quinhentos advogados, duzentos praticantes da medicina, entre 4 e 5 mil militares, todos vivendo em torno da Coroa. Um dos padres recebia 250 mil réis (14 mil reais de hoje), só para confessar a rainha
Fonte: Luiz Felipe Alencastro, “Vida privada e ordem privada no império” in História da Vida Privada no Brasil, vol. 2, p. 12.

18) Hoje, o que temos, exatamente, em matéria de sanguessugas do Estado?
As prebendas estatais, deve-se reconhecer, se democratizaram:
Hoje as hordas de soi-disant “camponeses sem terra” invadem propriedades fundiárias produtivas, a pretexto de reforma agrária, na indiferença, quando não com a conivência, das autoridades políticas federais e estaduais;
Turbas de presumidos “sem teto” invadem propriedades urbanas, a pretexto de adquirir o sagrado direito de ter onde morar, exigindo que as autoridades lhes consigam casas, à margem de qualquer processo legal ou expediente econômico.

(Nota:) A Constituição brasileira de 1988 contém 76 vezes a palavra “direito”, muito poucas vezes a palavra “obrigação”, raríssimas vezes as palavras produtividade ou eficiência...

19) Então...
No plano da indústria, o que ocorria, duzentos anos atrás?
Entre 1810 e 1811, novas medidas buscam estimular a indústria local (isenção de direitos sobre fios e tecidos de algodão, seda ou lã, fabricados no Brasil) e o comércio (permissão de comércio direto, com isenção de tributos, entre Macau e o Brasil, isto é, a China)
São criados arsenais e fundições, no Rio de Janeiro, indústria de lapidação de diamantes, ocorre a fundação de um laboratório químico...

20) Agora...
E o que temos hoje, como pregação industrial?
Supostamente afetado por uma nova dependência da grande empresa agro-exportadora à base de cana-de-açúcar, como no século XVI...
“...o Brasil precisa constituir uma empresa pública de agroenergia” e operar uma “centralização do comércio da energia renovável no país.”
Autor: Márcio Pochmann, presidente do IPEA: “Antídoto ao novo dependentismo” (Valor Econômico, 01.11.2007)

21) Então...
Em julho de 1822, o Banco do Brasil, criado em 1809 e sangrado até a exaustão pelo “real erário”, suspende seus pagamentos;
Às vésperas da independência, um decreto regencial impedia a saída de qualquer espécie de moeda do Brasil.
O Banco do Brasil, como se sabe, fechou definitivamente as suas portas em 1829.

22) Agora...
O Banco do Brasil foi novamente “salvo” da bancarrota, em meados dos anos 1990, por uma pequena injeção de capitais públicos, isto é, recursos do Tesouro, ou o seu, o meu, o nosso dinheiro, por um valor de 8 bilhões de reais (R$ 8.000.000.0000,00)

23) Então...
Como se situava o Brasil no confronto econômico com outros países?
Éramos pobres, mas outros não eram muito mais ricos do que nós...
No início do século XIX, a divergência econômica entre os países ainda não tinha alcançado os patamares que ela ostentaria um século depois:

PIB per capita e comparações entre os países, 1820
(tabela suprimida)

24) Como evoluimos desde então?
PIB per capita e comparações entre os países, 1998
(tabela suprimida)

25) Os mesmos resultados em visão diacrônica:
Evolução histórica do PIB per capita, 1820-1998
(tabela suprimida)

26) Pequena abertura internacional
Tabela de evolução comparada do comércio exterior, 1800-1900
(países selecionados)

27) E como nos comportamos no período recente
Tabela de crescimento do PIB per capita de 1992 a 2006

28) Uma comparação embaraçosa:
Crescimento do PIB per capita da Coréia do Sul e do Brasil desde os anos 1960.

29) Taxas de crescimento do PIB comparado com o crescimento médio mundial…
(tabela de crescimento médio de países emergentes, do Brasil e do PIB mundial

30) O que a nossa Constituição tem a ver com tudo isso?

31) Um Estado predador...
Tabela do crescimento da carga fiscal de 1988 a 2006

32) ...sobretudo em escala mundial:
Tabela de carga fiscal em países selecionados e média da OCDE

33) Brasil: a lista de problemas, 1
1. Constituição detalhista, intrusiva, concedendo muitos “direitos” e demandando muito poucas obrigações;
2. Estado extenso, também intrusivo, perdulário, gastador, “burrocrático” e gigantesco;
3. Regulação microeconômica hostil aos negó-cios e ao trabalho, dando pouco espaço às relações autoreguladas e diretamente contratuais;

34) Brasil: a lista de problemas, 2
4. Monopólios em excesso, cartéis e restrições de mercado, pouca competição e muitas barreiras a novos ofertantes (de bens e serviços);
5. Reduzida abertura externa, seja para comércio, investimentos ou fluxos de capitais, criando ineficiências, altos custos e preços, ausência de competição e de inovação;
6. Sistemas legal e judicial atrasados, permitindo manobras processuais que atrasam a solução das disputas e aumentam custos de transação.

35) A agenda de reformas, 1:
Reforma Política:
Começar pela Constituição (limpeza)
Redução das legislaturas nos três níveis (representação excessiva)
Reforma eleitoral (distrital misto)
Reforma partidária (autismo político)

36) A agenda de reformas, 2:
Tributária: (problema da federação)
Reforma completa, macro e micro;
Simplificação tributária;
Continuidade da abertura econômica;
Liberalização do comércio e dos investimentos estrangeiros;
Incentivos à inovação (Propriedade Intelectual).

37) A agenda de reformas, 3:
Educacional (ensino básico):
Capacitação de professores;
Regime meritocrático de avaliação e de remuneração;
Concentrar os recursos nos dois primeiros ciclos;
Autonomia universitária.

38) A agenda de reformas, 4:
Seguridade social:
Festival de privilégios: reduzir benefícios abusivos do setor público;
Ampliar os prazos e as idades mínimas;
Modular as contribuições;
Suprimir regimes especiais;
Diminuir os desincentivos derivados dos direitos garantidos.

39) A agenda de reformas, 5:
Trabalhista (e sindical):
Flexibilização da legislação (mais contratualismo e negociações diretas entre as partes);
Eliminação da Justiça do Trabalho;
Extinção da Contribuição Sindical, que cria sindicatos de papel.

40) A agenda de reformas, 6:
Governança:
Redução radical do governo (dieta estrita);
Retomar as privatizações;
Reforçar as agências reguladoras;
Fim da estabilidade do funcionalismo público.

41) Existe alguma chance de sucesso?
Talvez. O Brasil está provavelmente condenado ao baixo crescimento, a preservação de uma estrutura social iníqua e baixa dinâmica nos processos de inovação e modernização;
A Grã-Bretanha e a Argentina constituem as duas evidências mais remarcáveis de uma longa decadência e de empobrecimento;
Talvez o Brasil seguirá o mesmo caminho pelos próximos 20 anos ou mais.
A responsabilidade está com cada um de nós…

Obrigado...

1840: Brasília, 25 novembro 2007, 9 p

Academia e diplomacia: um questionário sobre a formação e a carreira

Não tenho certeza de ter, em algum momento, divulgado as respostas que dei a um trabalho de pesquisa de aluns da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) para um Projeto transdisciplinar de pesquisa sobre a carreira diplomática e suas relações com a academia.
Se não o fiz, esta é a oportunidade para fazê-lo, no quadro deste meu esforço de revisão de velhos trabalhos e atualização de registros.

Academia e diplomacia: um questionário sobre a formação e a carreira
Paulo Roberto de Almeida

Questões colocadas em mensagem de 1.10.2007:
1) Qual é sua formação acadêmica?
2) Quais motivos o levaram a optar por seguir a carreira diplomática?
3) Dentro da carreira diplomática, que função específica o Sr. desempenha?
4) Caso tenha alguma formação em Relações Internacionais, qual eram as perspectivas do curso na época em que iniciou seus estudos?
5) Qual a importância de haver um profissional internacionalista atuando no mercado hoje?
6) Que dificuldades um diplomata pode enfrentar na sua carreira?
7) Como o Sr. vê o futuro relacionado ao curso de Relações Internacionais? A profissão tende a crescer dentro do mercado mundial?
8) Quais conhecimentos em Fundamentos das Relações Internacionais, História das Relações Internacionais e Análise Microeconômica sua profissão exige?


1. Qual é sua formação acadêmica?
PRA: Bacharel e licenciado em Ciências Sociais, pela Universidade de Bruxelas (1975), Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia (1977) e Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); Curso de Altos Estudos, do Instituto Rio Branco do MRE (1997).

2. Quais motivos o levaram a optar por seguir a carreira diplomática?
PRA: Puramente circunstanciais: eu era professor universitário em SP, logo após ter retornado do mestrado em 1977, quando tomei conhecimento da realização de um concurso direto para a carreira diplomática, exigindo formação superior completo (o que à época não era requisito para o vestibular para o Curso de Formação à Carreira Diplomática do Instituto Rio Branco). Resolvi tentar o concurso, apenas como “teste”, e acabei passando em segundo lugar. Assim, tornei-me diplomata quase por acaso, do contrário estaria ainda hoje na carreira acadêmica.

3. Dentro da carreira diplomática, que função específica o Sr. desempenha?
PRA: Sou ministro de segunda classe, imediatamente anterior à classe de ministro de primeira classe (ou embaixador, que é apenas um título); já fui ministro conselheiro na Embaixada em Washington (meu último posto) e chefe de seções econômicas em diversas embaixadas (Paris, Berna, Belgrado), além de ter servido nas delegações do Brasil junto aos organismo da ONU, em Genebra, e junto à Aladi, em Montevidéu.

4. Caso tenha alguma formação em Relações Internacionais, qual eram as perspectivas do curso na época em que iniciou seus estudos?
PRA: Não tenho nenhuma formação específica em RI e em minha época não havia nenhum curso de graduação funcionando em RI no Brasil (aliás, nem no exterior). O primeiro teve início na UnB, em 1974, com uma orientação talvez muito teórica. Aprendi RI na prática, e estudando por conta própria.

5. Qual a importância de haver um profissional internacionalista atuando no mercado hoje?
PRA: Minha visão pessoal é a de que existe um certo exagero quanto à possível absorção pelo mercado dessas centenas ou talvez milhares de estudantes que estão se formando cada ano nos muitos cursos que se constituíram desde meados dos anos 1990, ou seja, nos últimos dez anos, grosso modo. O mercado é relativamente restrito na parte governamental (diplomacia, analistas de comércio exterior ou de inteligência), na de organizações internacionais e no que se refere à própria academia (que absorveu certo número de egressos na medida em que os próprios cursos estava se expandindo, mas esse ritmo tende a diminuir), podendo, e de fato devendo, ser maior na vertente empresarial privada. Mas não tenho certeza de que os internacionalistas possam atender a todos os requisitos das empresas.

6. Que dificuldades um diplomata pode enfrentar na sua carreira?
PRA: Em diplomacia, existem vários momentos delicados quando se está negociando em nome do País. Uma situação complicada pode se apresentar numa destas duas hipóteses: ou não se dispõe de instruções suficientes para sustentar os interesses nacionais, ou as instruções dadas são inadequadas, na situação concreta da barganha negociadora. Nesse caso, o diplomata precisa agir segundo a sua melhor percepção de quais seriam os interesses nacionais, com base num estudo acurado da situação concreta e dos interesses em jogo.
Normalmente, o negociador que está na “frente de combate”, em oposição ao “burocrata” da capital, pode acabar tendo uma visão ampla dos processos em jogo e dos diferentes aspectos do interesse nacional, segundo uma percepção de mais longo prazo. Sua visão daquele problema – eventualmente fundamentada num estudo detido da questão e colocada em perspectiva comparada com as experiências e posições de outros atores – pode eventualmente se contrapor às instruções recebidas da capital, que podem estar baseadas numa visão meramente teórica ou burocrática do processo em causa.
Nesse momento, o diplomata em causa pode ficar numa situação muito difícil, pois que dominando o tema, e conhecendo o jogo de interesses dos diversos atores participantes (países ou grupos de paises), ele pode ter um melhor julgamento de qual seria a direção mais indicada a ser seguida, do ponto de vista do interesse nacional. Mas, aqui se coloca o dilema: as instruções recebidas vão num sentido contrário ou bastante diferente daquilo que o diplomata encarregado do tema na frente negociadora percebe como sendo a melhor postura a ser adotada. Ele quer acreditar ou sabe concretamente que uma posição diferente seria melhor indicada para defender o interesse nacional (este é um conceito e uma situação sempre difusos e muito difíceis de serem definidos na prática). Em todo caso, existe aqui um problema real de consciência e de postura, já que o diplomata não poderia, teórica e praticamente, opor-se às instruções recebidas da capital, mas sabe, concretamente, que nem sempre a burocracia institucional funciona da melhor forma possível, pois que ninguém é onisciente.
Existem, obviamente, várias outras dificuldades, de ordem logística, ou material, vinculadas, por exemplo, às dificuldades materiais, ou de qualquer outra ordem, em determinados postos da carreira que podem ser considerados “difíceis”, mas isto não é exclusivo dos diplomatas, afetando todos os demais funcionários do serviço exterior, os adidos militares ou mesmo enviados de empresas privadas. Eu me referi acima a dificuldades que acredito sejam específicas do diplomata, no desempenho de suas funções exclusivas.

7. Como o Sr. vê o futuro relacionado ao curso de Relações Internacionais? A profissão tende a crescer dentro do mercado mundial?
PRA: Certamente, mas não podemos nos iludir quanto a uma expansão exagerada. A maior parte dos países não possui cursos de graduação em RI, apenas cursos tradicionais em Ciência Política ou afins, sendo RI mais uma especialização do que uma graduação.
Os cursos de RI podem ser uma boa contribuição para a formação de especialistas em questões internacionais no Brasil, país relativamente fechado à economia mundial. Na verdade, a maior parte dos cursos de RI no Brasil foram e são oferecidos por instituições privadas, que visam preencher um nicho de mercado que não estava sendo suficientemente atendido pelas faculdades públicas. Ou seja, o que as motivou foram preocupações essencialmente mercantis, o que não impede que possam surgir bons cursos nessa área, mas talvez seja muito cedo par se fazer uma avaliação comparativa das dezenas de cursos existentes nesse área.
Não tenho uma visão clara sobre a evolução dos cursos de RI. Seria preciso conduzir uma pesquisa junto às instituições que já formaram diversas turmas, para verificar em que estão trabalhando seus egressos, de maneira a poder balizar algumas tendências quanto à evolução futura desses cursos. Minha percepção é a de que pode estar ocorrendo um fenômeno de saturação de mercado, e talvez ocorra algum pequeno refluxo na oferta de novos cursos ou de vagas, após o que deverá ocorrer algumas especializações “regionais” ou setoriais, em função das demandas locais, com ênfase mais empresarial em alguns grandes centros de negócios e dedicação mais acadêmica, ou “política”, em outros centros. Sem uma pesquisa junto aos próprios egressos, que poderia ser conduzida por entidades como a FENERI ou ABRI, fica difícil opinar sobre tendências futuras.
No plano estrito da formação, creio que nosso estágio, isto é, o dos cursos de RI no Brasil, ainda é relativamente inicial e recente, o que pode ser indiretamente comprovado pela parca bibliografia disponível. Ela ainda é bastante restrita em termos quantitativos e qualitativos, faltando aquilo que na linguagem acadêmica americana, se chama de text-books, ou seja, manuais sistemáticos para o estudo das diferentes disciplinas integrando as RI. Ainda que alguns centros de estudo pretendam que existe uma “escola de RI” de tal ou qual local, não creio que esse tipo de afirmação se sustente em vista da elaboração reflexiva e metodológica ainda relativamente incipiente nessa área. Teremos de acumular muitas monografias e estudos sistemáticos, ademais de muita pesquisa histórica e estudos de terreno – isto é, empiricamente embasados – para poder pretender rivalizar com os grandes centros de produção existentes no hemisfério norte.
Creio que as instituições acadêmicas, em coordenação com a CAPES, e auxiliadas pelas associações profissionais da área, deveriam fazer avaliações amplas sobre o funcionamento dos cursos e seus padrões curriculares. Algum núcleo básico, relativamente homogêneo, deve existir, mas a partir daí as instituições devem poder estabelecer especializações diversas em seus cursos, de modo a suprir demandas específicos dos diferentes nichos de mercado que podem variar de uma região a outra do país. Ou seja, o ideal é se dispor de um núcleo comum e um leque de opções diversas, nas diferentes vertentes disciplinares e setoriais que compõem as RI, de forma a assegurar flexibilidade e capacidade adaptativa às diferentes necessidades locais.
Quanto ao mercado, especificamente, ele sempre será muito diverso, em função das variadas possibilidades existentes. As oportunidades serão certamente crescentes, mas isso exigirá uma excelente formação por parte dos cursos de RI, do contrário o setor privado, que é o que mais emprega, tenderá a escolher profissionais vindos das vertentes mais tradicionais de estudo: economia, direito, administração etc.

8. Quais conhecimentos em Fundamentos das Relações Internacionais, História das Relações Internacionais e Análise Microeconômica sua profissão exige?
PRA: A rigor, a profissão não exige nenhuma fundamentação teórica específica, tanto que não se requer nenhuma área determinada ou circunscrita de estudos, bastando qualquer diploma de nível superior (mesmo, portanto, de áreas fortemente técnicas), mas os exames de entrada no IRBr são fortemente baseados no conhecimento da história em geral, da história do Brasil em particular, das relações internacionais de modo amplo (aqui, bem mais história do que teorias, obviamente) e alguma economia, tanto macro, quanto micro, mas sem aprofundamentos desnecessários.
No curso da carreira, seremos chamados a fazer novos exames de qualificação para a ascensão funcional – Curso de Aperfeiçoamento, quando se é Segundo Secretário, e Curso de Altos Estudos, para os Conselheiros – e há, digamos, uma necessidade empírica de aperfeiçoamento constante em algumas áreas, com vistas ao bom desempenho técnico em funções que exijam algum conhecimento especializado (em comércio internacional ou solução de controvérsias, por exemplo, ou em direito humanitário ou temas ambientais, em outras linhas). Tudo isso pode ser adquirido com a própria experiência profissional, complementado por leituras e informação adquiridas em bases individuais.

Respostas dadas por Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de outubro de 2007.