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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 9 de outubro de 2011

O PT a caminho da social-democracia: um texto de 2003 (PRA)

Um texto do começo do governo Lula, de outubro de 2003, no qual eu anunciava a conversão não reconhecida do PT a uma social-democracia envergonhada. Interessante seria comparar meus conceitos da época com as realidades posteriores.
Publicado na revista Achegas (Rio de Janeiro, n. 15, jan. 2004) 
http://www.achegas.net/numero/quinze/pralmeida_15.htm


A LONGA MARCHA DO PT PARA A SOCIAL-DEMOCRACIA*
  
Paulo Roberto de Almeida**

O PT, quem diria?, acabou na social-democracia. Pois é, depois de anos e anos criticando a própria (ou seja, os herdeiros da Segunda Internacional), recusando qualquer aproximação com seus herdeiros heterodoxos da Terceira Via, depois de denegrir, por anos a fio, a opção daqueles grupos, partidos ou personalidades que já tinha feito, consciente e voluntariamente, o caminho para o reformismo democrático e para a administração sensata do capitalismo realmente existente, o PT, por sua vez e finalmente, se junta ao cordão dos convertidos, pelo menos em intenção e de forma meio encabulada.
Com efeito, o processo de adesão do PT – ou, pelo menos, de algumas de suas lideranças mais importantes – aos preceitos e princípios do reformismo moderado e do realismo econômico tem tudo para aparecer, até agora, como sendo uma conversão inconfessada e envergonhada. Isto foi feito provavelmente para não provocar a ira das hostes de true believers e de seguidores “religiosos” de um partido que fez do radicalismo naïf sua marca registrada durante a maior parte de uma trajetória política extremamente bem sucedida, para os padrões brasileiros, em termos de desempenho eleitoral e alcance social. O PT ficou devendo à sociedade, portanto, uma explicação e uma justificação desse não tão tresloucado gesto, muito pelo contrário.
Pode-se datar essa “ruptura epistemológica” do maior partido brasileiro e, com toda certeza, do atual maior partido do Ocidente? Para fins de cronologia estritamente conjuntural, digamos que o abandono dos velhos ritos e manuais e a conseqüente conversão às novas crenças – ainda não oficializada, diga-se desde logo – tenham sido feitos entre o encontro nacional de Olinda, em dezembro de 2001 (e seu cartapácio de “resoluções” conservadoras, isto é conforme os velhos cânones) e o anúncio da “carta ao povo brasileiro”, em junho de 2002, no início da fase decisiva da campanha presidencial. A “grande mudança” – sempre da forma mais discreta possível – foi confirmada logo em seguida através do programa de governo e definitivamente consagrada na carta de aceitação do acordo do Brasil com o FMI, em agosto de 2002, ainda que, repitamos, em nenhum momento o PT avisou a freguesia – sua própria clientela eleitoral, seus militantes mais aguerridos e sobretudo os populares de modo geral – que ele estava empreendendo essa longa marcha, a passos lépidos, em direção da social democracia. Foi portanto uma rápida mudança, que levou algo como três ou quatro meses, se tanto, entre as primeiras conversas dos principais formuladores dos textos e programas e os ajustes finais com os porta-vozes e “discursadores” oficiais do PT, a começar pela pequena nomenklatura do quartel-general.
Mas, esta foi apenas a “conjuntura histórica de transformação”, para usarmos uma terminologia labroussiana, pois que o processo, na verdade, vem de longe, talvez desde uns cinco ou dez anos de “acumulação primitiva” de novas idéias e de novos princípios para a ação do PT. Tratou-se, provavelmente, de uma longa evolução, que deve ter torturado as mentes e corações desses dirigentes partidários durante noites e noites mal dormidas e incontáveis conversas de “pé de ouvido” com outros líderes igualmente convencidos, depois de muitas frustrações e choques com a realidade, de que algo precisaria ser feito para remediar o coquetel de ilusões econômicas servido durante anos aos militantes da causa e contornar a perspectiva de novas derrotas eleitorais se algo não fosse feito para mudar o curso de um partido que funcionou sempre à base de entusiasmo militante mas que ainda não tinha convencido a classe média – que é, finalmente, quem decide eleições no Brasil – de que o partido estava finalmente preparado para “empolgar” o poder.
O PT, se de fato pretendia algum dia governar o País, tinha de romper os grilhões que o amarravam a um discurso inconvincente e a fórmulas salvacionistas nos quais nem mesmo os militantes mais esclarecidos aparentavam mais acreditar. Esses grilhões foram rompidos e nessa ruptura paradigmática o PT nem sequer perdeu a única coisa que tinha a perder nesse assalto ao céu do “poder burguês” e ao “templo dos mercadores e agiotas” do capitalismo velho de guerra: a aparente pureza de suas posições radicais e suas eternas promessas de “mudar tudo isto que está aí”. O PT ganhou um mundo novo e nem sequer gabou-se do “novo manifesto” no qual sustenta suas novas posições social-democráticas.
Como isto foi possível? De fato, o “Bad Godesberg” do PT, isto é, sua ida a Canossa, foi clandestino e inconfessado, aliás até agora não assumido e não declarado, daí a raiva incontida e a frustração compreensível de muitos dos true believers e dos acadêmicos idealistas que ainda fazem o grosso de suas tropas de mobilização (mas não de ocupação). Com razão, um punhado de representantes políticos e muitos apoiadores acadêmicos reclamam da contradição entre o velho discurso – ainda não rejeitado em concílio formal – e as novas práticas, todas elas desabridamente social-democráticas, despudoradamente reformistas, inconfessadamente capitalistas e quase “neoliberais”, quanto aos resultados, senão em intenções (aqui com alguma licença poética).
Não pretendo retomar, neste curto texto dissertativo, a análise dessa “grande transformação” a que se submeteu o PT, trabalho já efetuado em meu livro A Grande Mudança (publicado no início de 2003, mas quase todo ele escrito ainda antes das eleições, em meados de 2002). Apenas desejo destacar que essa ruptura do PT com seus velhos demônios de um passado irrequieto e radicalmente juvenil era já esperada e mesmo historicamente necessária. Sou tanto mais insuspeito para afirmá-lo que, sendo simpático à maior parte das causas que defende o PT, eu estava aguardando há anos que ele fizesse essa conversão para que o partido pudesse, finalmente, compatibilizar missão histórica com discurso político, responsabilidades governativas e bom senso, adequação de objetivos e clareza quanto aos meios e métodos, enfim, que ele se assumisse como o partido reformista e capitalista que ele sempre foi (ou que pelo menos deveria ser) e o agente hegeliano, a partir de agora, da verdadeira mudança social e política de que o Brasil necessita.
Também não hesito em confessar que, sendo marxista (ainda que de uma tendência algo anarquista ou libertária), eu acho absolutamente natural que o PT caminhe para um modo superior de produção de idéias e conceitos, para uma etapa mais avançada do desenvolvimento de suas forças produtivas mentais, trajetória que fará, finalmente, com que ele escape da camisa de força ideológica que o manteve aprisionado durante muito tempo a falsas ilusões transformistas e a várias receitas equivocadas de administração da “coisa” econômica para enveredar pelo caminho sensato, certamente mais modesto e limitado, das pequenas mudanças graduais e das aproximações progressivas à justiça social e à incorporação de todos os oprimidos. Esta é a sua missão histórica e para ela, e com ela – mesmo não sendo militante do partido –, pretendo colaborar na extensão de minha limitada habilidade profissional e eventual competência intelectual.
Como, entretanto, acredito que ainda não se desfizeram todas as névoas e brumas que cercam o ideário do partido, justamente porque ele ainda não convocou o conclave no qual os novos dogmas serão oficializados, ofereço, a título de colaboração, uma simples tabela de velhas e novas idéias que convém certamente discutir, com o fito de aposentar antigos manuais e começar a elaborar os novos cadernos de viagem, numa trajetória que terá os seus solavancos e surpresas de beira de estada, mas será certamente coroada de sucesso como convém a um partido decididamente democrático e agora social-democrático.
A tabela que apresento a seguir, retirada de meu já citado livro A Grande Mudança – e que constitui, precisamente, o único texto pós-eleitoral dessa obra – tem a pretensão exclusiva de separar algumas velhas idéias “malucas” de alguns novos conceitos – alguns talvez surpreendentes para certas “almas cândidas”, como diria Raymond Aron – que podem ajudar a ver um pouco mais claro nesta nova trajetória cheia de surpresas que agora empreende o mais novo (e provavelmente o maior) partido social-democrático do Ocidente.
Dotada de um certo tom iconoclástico e provocador, essa minha “tabela periódica das novas partículas elementares” pretende apresentar, em três colunas correlacionadas, um conjunto de idéias vencedoras, outras idéias derrotadas (ou em vias de sê-lo) e outros tantos conceitos vagos e esperanças ainda indefinidas na presente conjuntura de transformação. Dispensável dizer que a distribuição que eu mesmo efetuei dessas idéias que considero bem sucedidas – a própria social-democracia, a globalização, o bom senso econômico, enfim –, assim como de outras de menor desempenho relativo em nossos tempos de neoliberalismo disfarçado, não corresponde àquela repartição de “boas e más” idéias que parecia derivar dos antigos manuais de economia política adotados pelo maior partido brasileiro.
Se ouso fazer uma síntese das novas idéias e dos novos compromissos que se espera venham agora corresponder à ação prática e governativa da nova maioria política, eu diria simplesmente o seguinte: do PT a sociedade espera que ele se guie, a partir de agora, menos por Antonio Gramsci e mais por Peter Drucker, ou seja, que ele afaste os véus ideológicos de um passado não muito distante e adote, doravante, uma nítida feição de administração para resultados. Vejamos, em todo caso, como poderia se apresentar este comércio de idéias entre o novo centro político e a sociedade que o cerca:

Tabela periódica das novas partículas elementares
(Atenção: os materiais podem ser misturados entre si, mas em doses muito bem medidas)
Idéias vencedoras
Idéias derrotadas
Ainda indefinidas
Conceitos abstratos e tipos ideais de boa governança
Milton Friedman
Karl Marx
Antonio Gramsci
Karl Kautsky
Vladimir Ilich
Edward Bernstein
Paul Samuelson
Oskar Lange
Celso Furtado
Pragmatismo
Ideologia
Princípios fundadores
Empirismo
Materialismo dialético
Socialismo utópico
Capitalismo
Forte papel do Estado
Economia solidária
Liberalismo social
Socialismo liberal
Neoliberalismo
Analista de Bagé ã
Bispo da CNBB
Jornalista progressista
Programa de governo
Plataforma maximalista
Projeto nacional
Reformas econômicas
Modelo alternativo
Determinação do governo
Tecnocracia estatal
Intelligentsia genérica
Intelectual “público”
American dream
Cartorialismo português
Jeitinho brasileiro
A prática concreta das relações econômicas internacionais
Globalização
Autonomia nacional
Um novo mundo possível
Consenso de Washington
Gastança keynesiana
Investimentos sociais
Interdependência
Não à “subordinação”
Administração da abertura
FMI
ATTAC
Foro Social
Abertura a capitais externos
Não aos fluxos “voláteis”
Controles seletivos
Complementaridade
Desnacionalização
Cadeias produtivas
Comércio de duas mãos
Mercantilismo
Incentivos às exportações
Agricultura de mercado
Subvenções às exportações
Alguns subsídios internos
Multinacionais brasileiras
Monopólios internacionais
Alianças estratégicas
Acordos de liberalização
Anexação comercial
Barganha negociadora
Câmbio flutuante
Intervenções dirigidas
Flutuação + ou - “suja”
Conversibilidade gradual
Centralização do câmbio
Papel do Banco Central
Entendimento com credores
Reestruturação unilateral
Risco aceitável
Respeito aos contratos
Moratória soberana
Auditoria da dívida
Tarifas regulatórias
Impostos proibitivos
Papel da política comercial
Menor custo de captação
Tobin Tax
Quarentena ou imposto?
Alguns novos princípios para a economia doméstica
Responsabilidade fiscal
Orçamento elástico
+ Receita vs. - Despesa
Forças de mercado
Projeto estratégico nacional
Soft planning
Metas de inflação
Crescimento máximo
Limites do trade-off
Fluxos, antes dos estoques
Redistribuição patrimonial
Desconcentração da renda
Participação estrangeira
Reversão das privatizações
Continuidade dos leilões
Demanda ampliada
Mercado interno
Consumo de massas
Patenteamento ampliado
Autonomia tecnológica
Geração endógena
Juros de mercado
Limitação constitucional
Autonomia do Copom
Agribusiness
Multifuncionalidade
Créditos subsidiados
Agricultura familiar
Reforma agrária milagre
Cooperativas populares
Ajuste fiscal
Despoupança estatal
Poupança doméstica
Indução horizontal
Política industrial ativa
Pesquisa e desenvolvimento
Flexibilização laboral
Novos direitos sociais
Reforma da CLT
Bolsa-escola
Renda-cidadã
Fontes de financiamento
Normas prudenciais
Não ao oligopólio bancário
Reforma financeira
Salário mínimo máximo
Pressão sobre a Previdência
Alunos do primário público
Elite universitária “pública”
Qualidade do ensino básico
Velhinha de Taubaté ã
Burguesia nacional
Industrial da FIESP
Fonte: Paulo Roberto de Almeida, A Grande Mudança: conseqüências econômicas da transição política no Brasil. São Paulo: Editora Códex, 2003; (com a contribuição involuntária de Luís Fernando Veríssimo: ã Analista de Bagé e Velhinha de Taubaté).

Se me permitem, agora, uma última digressão final sobre o próprio título desta mesa, “Por onde tem ido e por onde irá o governo Lula?”, eu diria o seguinte. O grupo que hoje controla o partido e o governo – o que não quer dizer, obviamente, o conjunto do partido e sequer a massa de seus seguidores políticos ou eventuais apoiadores eleitorais – veio, em grande medida, da coluna do meio, com alguns matizes inevitáveis em função da origem político-partidária ou social desses dirigentes principais. Anomenklatura ainda não absorveu totalmente, nem pretende fazê-lo abertamente, as novas idéias e conceitos para uma boa governança à la Drucker, alinhados – como convém – à esquerda da tabela, mas ela tem absoluta certeza de que o caminho gramsciano oferece muito poucas alternativas de sucesso administrativo, social ou econômico. Ela recusa, em todo caso, a maior parte das velhas promessas de outros tempos, o que é um bom sinal de gestão responsável e uma promessa de ação comprometida com resultados seguros de crescimento com preservação da estabilidade macroeconômica (um ideal tipicamente social-democrático).
Resta, portanto, o grande objetivo da justiça social, que alguns ainda identificam com o distributivismo semi-populista. Tenho certeza de que se caminhará em direção dessa meta histórica, com total preservação da democracia e de uma sociedade aberta aos talentos e aos méritos individuais. Como fazê-lo, sem desregular a máquina econômica, parece ser o desafio principal desta conjuntura de pouco mais de três anos à frente. Creio que alguns dos conceitos que poderiam ser mobilizados para essa tarefa se situam, sem qualquer conotação ideológica, na coluna da direita – mas ele ali estão de forma algo ambígua e com um desempenho pouco claro quanto à efetividade das idéias ali alinhadas para a consecução dos objetivos do novo centro político do Brasil. Uma coisa, porém, me parece certa, a partir de agora, no sempre mutável sistema político-partidário brasileiro: o PT chegou finalmente à social-democracia e nela vai ancorar o seu grande veleiro de torneios políticos e de cruzeiros sociais. Que bons ventos o levem ao continente de seus sonhos, assim como, suponho, dos sonhos da maioria dos brasileiros. Em todo caso, bem vindo à realidade!

* Trabalho concluído em Washington em  10 de outubro de 2003 e  apresentado na sessão “Por onde tem ido e por onde irá o governo Lula?”, realizada em 22.10.03, no Congresso da ANPOCS, em Caxambu / MG.

** Paulo Roberto de Almeida. Diplomata. Professor e Doutor em Ciências Sociais.  pralmeida@mac.comwww.pralmeida.org

Wikipedia: Paulo Roberto de Almeida

Por puro acaso, acabei caindo numa referência a meu nome na Wikipedia. Fui ver, então, o que aparecia e tive estes resultados (eliminando os homônimos em outras áreas):

  • O professor e diplomata brasileiro Paulo Roberto de Almeida publicou 125 artigos nesta revista. http://www. periodicos. uem. br/ojs/index. ...
    2 kB (291 palavras) - 19h10min de 11 de agosto de 2011
  • Formação da diplomacia econômica no Brasil : as relações econômicas internacionais no Império - Paulo Roberto de Almeida - São Paulo, SP: ...
    7 kB (918 palavras) - 01h52min de 12 de julho de 2011
  • htm | 3 A educação de Maurício Tragtenberg (depoimento pessoal sobre um método político-pedagógico), por Paulo Roberto de Almeida ...
    10 kB (1 322 palavras) - 02h02min de 31 de maio de 2011
  • O primeiro entrevistado foi o diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida. Em outra oportunidade de escolha, Lobo convidou o Presidente ...
    7 kB (917 palavras) - 01h05min de 15 de setembro de 2011
  • htm A LONGA MARCHA DO PT PARA A SOCIAL-DEMOCRACIA, Paulo Roberto deAlmeida . http://www. fpabramo. org. outubro/novembro/dezembro de 1990, site ...
    25 kB (3 282 palavras) - 18h21min de 30 de setembro de 2011
  • woa/1/wo/4pi43t8rHzahZaBLCpL5Aw/4.17.1.0 | 3 A trajetória do Mercosul desde suas origens até 2006, artigo de Paulo Roberto de Almeida em ...
    70 kB (9 556 palavras) - 23h28min de 6 de outubro de 2011

Steve Jobs - Discurso Stanford - Legendado

Just Steve, at his best...
http://www.youtube.com/watch?v=7RyigZ3Juas&feature=player_embedded#

sábado, 8 de outubro de 2011

Aliados desestrategicos e guerra cambial imaginaria... (editorial Estadao)


Guerra cambial e fantasia

Editorial O Estado de S.Paulo
08 de outubro de 2011 | 3h 05
A presidente Dilma Rousseff levantou, na Turquia, a bandeira de mais uma campanha fantasiosa, ao propor a união dos emergentes contra a "guerra monetária" movida pelos bancos centrais de países desenvolvidos. Poderia ter usado a expressão "guerra cambial", posta em circulação há mais de um ano por seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, para denunciar principalmente a inundação do mercado internacional por enormes volumes de dinheiro emitido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Centenas de bilhões de dólares foram lançados pelo Fed, em duas grandes ondas, na tentativa de estimular a expansão do crédito nos Estados Unidos. Uma das consequências foi a valorização de várias moedas - entre elas o real, com sérios prejuízos para o comércio do Brasil. Mas a manipulação cambial mais antiga, mais evidente e mais danosa a um grande número de economias, incluída a brasileira, é praticada há muitos anos pelo governo de um país emergente, a China, a maior potência comercial do mundo.
Bastaria esse pormenor para mostrar o irrealismo da proposta da presidente Dilma Rousseff em seu discurso perante um auditório de cerca de 1.200 empresários turcos e brasileiros em Ancara, nessa sexta-feira. Segundo ela, os emergentes deveriam juntar-se para manifestar sua oposição à guerra cambial na próxima reunião do Grupo dos 20 (G-20), formado pelas maiores economias desenvolvidas e emergentes, marcada para novembro, em Cannes.
O governo brasileiro tem sido extremamente parcimonioso nas críticas à persistente depreciação da moeda chinesa. No início de sua campanha contra a "guerra cambial", o ministro Guido Mantega nem sequer se dispôs a falar contra a manipulação do yuan. Chegou quase a justificar essa política, ao descrever a ação das autoridades chinesas como defesa contra a desvalorização do dólar. Mas nem ele foi capaz de sustentar por muito tempo esse evidente despropósito. De fato, as autoridades chinesas vincularam o yuan ao dólar depois do agravamento da crise, em 2008, mas a estratégia de depreciação do yuan já era mantida havia muitos anos, apesar dos protestos da maior parte dos governos ocidentais.
A China tem sido o grande alvo das pressões, por sua política de câmbio, na maior parte das conferências do G-20. A depreciação do yuan tem sido também, por muitos anos, um assunto importante nas discussões de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O governo brasileiro nunca se comprometeu seriamente com essas críticas nos foros internacionais, mas tem sido forçado pelos fatos - e pelas pressões do empresariado nacional - a tomar medidas defensivas contra as práticas desleais de comércio da China.
Neste momento, nem se pode acusar o banco central americano de persistir na estratégia de grandes emissões. Sua política monetária continua frouxa, com juros próximos de zero, e, agora, com um programa de alongamento de prazo de títulos públicos de sua carteira. Também essa operação pode resultar em expansão monetária, mas o resultado nem de longe será parecido com o da segunda etapa de "afrouxamento quantitativo", quando foram emitidos cerca de US$ 600 bilhões. Essa etapa terminou em junho. Uma terceira poderá ocorrer, mas, por enquanto, está fora da agenda. A grande novidade nessa área, nos últimos dias, foi a decisão do Banco da Inglaterra de iniciar a compra de títulos no valor de 75 bilhões de libras, com a emissão, é claro, do valor correspondente em moeda. Teria a presidente notado esse fato?
Os chineses são hoje os maiores parceiros comerciais do Brasil e os maiores predadores de nossa indústria em todos os mercados - incluído o brasileiro. O governo brasileiro faria um trabalho político e diplomático muito mais útil à indústria nacional se reforçasse, nos foros internacionais, as pressões pela mudança da política de câmbio e do modelo chinês de crescimento. Já é tempo de abandonar em Brasília as fantasias terceiro-mundistas e a crença pueril na identidade de interesses dos países do grupo Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.