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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Economicidios: se trata da politica economica companheira - Alexandre Schwartsman

CIFRAS & LETRAS
ENTREVISTA - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Controle de preços e o abandono de iniciativas de reformas estão entre os principais erros na condução do país, afirma ex-diretor do BC
MARIANA CARNEIRODE SÃO PAULO
Nos últimos anos, foram cometidos no Brasil "economicídios", na avaliação dos economistas Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman.
Autores do livro "Complacência" (Campus Elsevier), que será lançado na próxima terça-feira, os dois afirmam que o governo vem incorrendo em alguns "macrocídios" e "microcídios" desde 2011.
O termo, tomado emprestado do argentino Miguel Bein, é usado pelos autores para classificar decisões como o controle dos preços dos combustíveis contra a inflação, a redução das tarifas de energia no ano passado e, sobretudo, o abandono de iniciativas para reformar o país.
Isso relegou o país ao baixo crescimento econômico, que, dizem, não é resultado de um fenômeno passageiro.
Nesta entrevista, Schwartsman, que é colunista da Folha, diz que a inspiração do livro é o inconformismo com a leitura corrente do "se há emprego, está tudo bem".

Folha - Por que crescer pouco é um problema se estamos hoje em pleno emprego e existe uma certa satisfação das pessoas com a economia?
Alexandre Schwartsman - Essa sensação do "já que estamos em pleno emprego, não temos com o que se preocupar" foi resumida em uma frase extraordinariamente cretina da [economista] Maria da Conceição Tavares, de que a gente "não come PIB".
O bem-estar da população não depende só do emprego, as pessoas não querem só estar empregadas. Elas querem ter um padrão de vida melhor, e o Brasil não é um país rico. Nossa renda per capita é uma renda média.
Como a gente crescia num ritmo de 4%, 4,5% ao ano, o crescimento da renda per capita sugeria que a gente dobraria o padrão de vida em uma geração [25 anos]. No ritmo que estamos hoje, vamos precisar de 60/70 anos. Isso não é razoável.
O contentamento com o pleno emprego e com o "não precisamos mais nos preocupar em crescer tão rápido" é ser complacente. Isso é o cerne do nosso livro. Significa que nós deveríamos estar satisfeitos com o atual estado das coisas.
Pode-se até usar esse argumento para reeleger a presidente, mas ficar realmente satisfeito é complicado.


Folha - Depois de uma fase de crescimento mais acelerado, não era de esperar uma moderação do crescimento?
AS - Alguma desaceleração. Mas o fato é que nossa capacidade de crescimento caiu para algo como 2% ao ano. Essa desaceleração não é cíclica.
Na realidade, a desaceleração está mostrando que o ciclo de expansão que tivemos entre 2004 e 2010 foi muito positivo, mas insustentável.
A gente conseguiu crescer fundamentalmente botando mais gente para trabalhar, e não fazendo com que cada um produzisse mais.
Significa que a gente conseguiu crescer porque trouxemos a taxa de desemprego de níveis elevados, 12%, 13%, para 5%. Esse fenômeno é muito positivo, mas sugere que não é sustentável. Não se pode seguir reduzindo o desemprego indefinidamente.
A partir daí, os estrangulamentos começaram a aparecer. Não há mão de obra qualificada, nossa infraestrutura é um gargalo importante, o investimento é baixo.


Folha - Qual o risco de não elevar a produtividade neste momento?
AS - A gente vai continuar crescendo 2% e, daqui a duas gerações, o padrão de vida vai melhorar. Mas antes começam os problemas: teremos um problema previdenciário, êxodo de gente para outros países. Para sustentar as demandas sociais que estão vindo, a gente precisa crescer muito mais do que isso. Como vai crescer a felicidade geral bruta da nação?


Folha - Existe hoje um consenso de que é preciso fazer reformas?
AS - Concretamente, a gente vê alguma iniciativa de endereçar gargalos na questão tributária? Zero. Todas as ações do governo, mesmo quando reduz o imposto, vão no sentido oposto, de complicar o sistema tributário.


Folha - Vocês falam de "macrocídio", sobre o que consideram um manejo errado da macroeconomia, e "microcídio", sobre a gestão da Petrobras. Quando esses erros começaram?
AS - Você tem um determinado regime de política econômica que prevaleceu até 2008, até a crise. E começou a mudar a partir daí. As mudanças que estão na origem dos problemas ocorrem a partir de 2011 e derivam de restrições para lidar com a inflação.

Folha - Por que estão segurando os preços da Petrobras?
AS -  Porque temem o impacto disso na inflação. Não tem outra justificativa para segurar o reajuste de combustíveis. E por que isso acontece? Porque a inflação está consistentemente perto do topo da banda [6,5%].
Se o Banco Central estivesse apontando para o centro da meta, haveria condições de absorver coisas como um aumento de gasolina.
Quando há problemas no controle da inflação é que se começa a recorrer a esse tipo de "microcídio", que é controlar os preços de combustíveis.


Folha - O livro é crítico à política econômica e ao PT. Como esperam ser recebidos neste ano de eleições?
AS - O livro saiu para contribuir para o debate, colocar uma visão crítica ao governo de hoje. Se fosse outro partido que estivesse fazendo as mesmas coisas, poderia receber as mesmas críticas. O livro reflete uma visão que compartilhamos sobre como uma economia deve se organizar, e não uma visão política.


Leia íntegra da entrevista


COMPLACÊNCIA
AUTORES Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman
EDITORA Campus Elsevier
QUANTO R$ 69,90 (255 págs.)

Fonte: Folha de S.Paulo


domingo, 6 de abril de 2014

Um retrato do Brasil analfabeto (pior do que se possa imaginar) - Veja

A matéria se refere apenas aos analfabetos nominais. Existem muitas dezenas de milhões mais que são analfabetos funcionais.

Paulo Roberto de Almeida 

Um retrato do Brasil analfabeto – Sobrevivendo na selva das vogais e consoantes

Os obstáculos enfrentados diariamente pelos brasileiros que não sabem ler

Branca Nunes
Revista Veja, 5/04/2014

"Onde é a saída?", perguntou Maria Verônica Marcelino da Cruz Conceição a um funcionário da linha 4 do metrô de São Paulo ao desembarcar pela primeira vez na estação República, no centro da maior metrópole brasileira. "É só subir a escada rolante que você já verá as placas", ouviu em resposta. Essas 12 palavras teriam bastado se não tropeçassem na barreira invisível. Verônica não sabe ler (nem escrever) – e, naquele 13 de fevereiro de 2014, como o trajeto lhe era desconhecido, não podia contar com a maior aliada dos 14 milhões de analfabetos que circulam diariamente pelo território brasileiro: a rotina."Às vezes tenho a sensação de que não sou ninguém, mas eu sou alguém. Posso não ler, mas sou inteligente", diz Verônica
É graças a essa rotina que utilizar o transporte público para ir e voltar do trabalho, fazer compras no supermercado ou buscar o filho na escola se tornam atividades tão banais. Quando está no ponto perto de casa, Verônica sabe dizer, por exemplo, se o ônibus que desce a rua é o Tamboré ou o Vale do Sol só de olhar para o desenho do nome escrito no letreiro do coletivo.
Mas naquele 13 de fevereiro, quando precisou utilizar um metrô que não conhecia, andar por ruas onde nunca tinha estado e ir até um prédio que jamais tinha visto, o sentimento que a acompanhava era o medo. "Tenho medo de me perder, ou que me passem a informação errada", confessou. "Tenho medo do que não conheço".
Aos 49 anos, com menos de 1,60 de altura, pele morena e cabelos alisados tingidos num tom puxado para o vermelho (a cor preferida), ela montou um acervo de técnicas para vencer desafios semelhantes: primeiro, pede alguma dica sobre o trajeto para quem lhe passou o endereço (qual linha de ônibus, trem ou metrô deve pegar, para qual direção, o nome do bairro e pontos de referência). Antes de sair de casa, a filha mais nova ou a patroa escrevem o nome da rua em um pedaço de papel. Por fim, sai perguntando, a cada nova etapa do caminho, qual o próximo passo a seguir.
Tão próximas quanto um ex-namorado com quem Verônica se relacionou por dois anos. Ele mandava mensagens por celular, ela mostrava para a filha. Ele pedia para Verônica ler alguma coisa, ela dizia que estava sem óculos. Ele perguntava por que ela nunca lhe escrevia, ela justificava que preferia conversar por telefone. "Acho que ele desconfiava, mas nunca perguntou nada", conta. "Morria de medo que ele deixasse de gostar de mim".​Dentro dos vagões de trens e metrôs, o áudio que informa em voz alta qual é a estação é uma ajuda e tanto. Do lado de fora, Verônica depende da bondade de estranhos. Com o papel na mão e baseando-se em critérios bastante pessoais, mostra o nome da rua para aqueles que considera confiáveis – curiosamente, a maioria dos escolhidos naquele dia eram homens, com menos de 40 anos, bem vestidos, quase todos com um celular na mão – e pergunta: "Como faço para chegar aqui?". Jamais confessa que não sabe ler. Esconde a informação não só de desconhecidos como de pessoas próximas.
Noel, o segundo marido de Verônica (e o que a fez mais feliz), demorou três anos para descobrir o segredo. "Eu queria perguntar uma coisa, mas não é para você ficar chateada", ensaiou Noel. "Você sabe ler?". Ela criou coragem e respondeu: "Presta atenção, porque eu só vou falar isso uma vez: eu não sei ler". Nunca mais tocaram no assunto até que ele morreu de enfarte algum tempo depois.
Com o segundo marido, teve Giovana – a quem chama Jojó –, a caçula de seis filhos: Cláudia, Ana Paula, Liliane e Jonathan, do primeiro casamento, e Daiane, sobrinha da ex-mulher de Noel, adotada pelo casal aos 10. Embora todos saibam ler, só um terminou o ensino médio. A esperança é Jojó que, aos 11 anos, sonha ser pediatra. 
O começo - Paraibana de Santa Rita, município na região metropolitana de João Pessoa distante 11 quilômetros da capital, Verônica foi confrontada aos 9 anos com o dilema: estudar ou trabalhar? Obrigada a optar pelo segundo para ajudar a mãe a conseguir comida, tornou-se babá de outra criança sete anos mais nova. "Ela era uma menina má, que dizia que eu roubava seus brinquedos", recorda. Quando a situação da família tornou-se insustentável, o pai abandonou a mulher com os nove filhos e partiu para São Paulo.
A babá se transformou em ajudante de cozinha num restaurante e, depois, em operária de uma fábrica de bolachas. Aos 15 anos, foi levada com a mãe e os irmãos para São Paulo pelo tio, que já não suportava ver a cunhada e os sobrinhos em estado tão degradante. Quando chegaram ao destino, o pai de Verônica tinha outra vida, outra casa e outra família – que acabou deixando ao deparar-se com a visita inesperada. Os pais, que continuam juntos, moram hoje em Registro, no litoral paulista.
Verônica casou com Manoel logo depois do desembarque na metrópole. "Achei que ganharia minha liberdade. Foi um doce engano". O relacionamento durou 16 anos. Desde a mudança para São Paulo, nunca mais colocou os pés – nem pretende colocar – na Paraíba. "Não tenho nenhuma lembrança boa da minha infância", encerra o assunto.
Até matricular os filhos na escola, a leitura nunca lhe fizera falta. "Eu conseguia me virar bem", garante. "Mas comecei a querer acompanhar as lições de casa e participar mais da reunião de pais". Hoje, o analfabetismo é um tormento.
montagem empregada

Embora não saiba escrever, quando está calma Verônica consegue desenhar o próprio nome (Foto: Ivan Pacheco)
"Às vezes tenho a sensação de que não sou ninguém, mas eu sou alguém. Posso não ler, mas sou inteligente", diz. Verônica reconhece marcas como Café Pilão, Coca-Cola, McDonald’s e Adidas pelo logotipo. Para fazer a lista de compras na casa de Regina Vilma Ruiz, onde trabalha como empregada doméstica há mais de duas décadas, copia o nome dos produtos da embalagem – de vez em quando consegue associar que o 'A', de arroz, é a mesma letra do 'A', de açúcar. Tornou-se uma exímia cozinheira apenas observando outras pessoas ao pé do fogão e, quando não está nervosa, é capaz de desenhar o primeiro nome.
Alguns anos atrás perdeu a carteira de identidade. Decidida a não ter mais a digital estampada no documento sobre a sentença "não alfabetizada", matriculou-se num curso de alfabetização de adultos. Estava quase conseguindo juntar consoantes e vogais quando foi surpreendida pela morte de dois irmãos – um de morte morrida, o outro de morte matada. Cláudio, o xodó de Verônica, foi assassinado ao ser confundido com o patrão no momento em que chegava para trabalhar. O choque foi tão grande e a depressão tão intensa que as letras simplesmente desapareceram da memória.
Também é para não expor o analfabetismo que ela optou por fazer parte da multidão de mais de 50 milhões de brasileiros que não possuem conta bancária. Alçada à nova classe média pelos malabarismos federais, Verônica insiste em continuar considerando-se pobre. Os cerca de 1 500 reais – somados vale transporte, seguro saúde e outros benefícios – que recebe de salário desaparecem no fim do mês. Roupas novas, restaurantes e viagens são luxos que ela não pode ter nem proporcionar para os filhos. Por causa do aumento dos preços dos alimentos – inflação que só o governo insiste em não enxergar – o sonho de conhecer Porto Seguro nas férias que se aproximam precisará ser adiado por mais um ano.
Outro documento que a intimida é o título de eleitor. Embora não seja obrigada, garante que participa de todas as eleições. Apesar disso, não se recorda em quem votou em 2012 nem em 2010. Não sabe o nome do prefeito e do governador de São Paulo nem quem foi o presidente da República antes de Lula – só faz questão de dizer que nunca votou nele. Se lhe pedem que cite algum político, lembra de Dilma Rousseff, Lula, Paulo Maluf e Marta Suplicy e em seguida ressalva que não simpatiza com nenhum. "Gostava muito do José Sarney, aquele que morreu", confunde-se. Sobre o mensalão? "Não sei o que é". Propina envolvendo a construção do metrô da capital paulista? "Nunca ouvi falar".
Suas fontes de informação são os telejornais, as novelas ou conversas com vizinhos e amigos. Adora filmes, principalmente as sequências de Harry Porter e Rambo, mas raramente vai ao cinema. Afirma que não gosta de espetáculos de teatro antes de admitir que nunca viu uma peça. Prefere o forró com o namorado.
Maria Verônica Marcelino da Cruz Conceição
Maria Verônica em frente à casa onde mora em Barueri, na Grande São Paulo (Foto: Ivan Pacheco)
Vaidosa, abusa dos decotes que exibem o bonito colo e jamais usa saias para ocultar as varizes que deixam ainda mais doloridas as pernas castigadas pelos 54 degraus absurdamente íngremes que é obrigada a subir diariamente para sair de casa.
Na residência alugada de três cômodos em que mora com a filha caçula, localizada num bairro pobre de Barueri, na Grande São Paulo, o bordado dos panos de prato e da toalha sobre o fogão combina com o rosa da parede da cozinha. O azul do quarto aparece também no enfeite do armário recém-comprado em seis prestações pelo carnê das Lojas Marabrás e a sala, pintada de laranja, ostenta porta-retratos com fotos de Jojó e de Mery, a melhor amiga. É ali que Verônica guarda seu maior tesouro: uma antiga coleção de livros de receitas que ganhou da patroa faz três anos.
Não conseguiu ler nenhum. Mas folheia com olhar apaixonado os cinco volumes, observa as imagens desbotadas, tenta adivinhar os ingredientes pelas fotos e reproduzir os pratos. São os únicos livros da casa.
Há um mês, fez uma promessa: "Vou conseguir ler esses livros". Para isso, vai matricular-se novamente num curso de alfabetização para adultos. Quando isso acontecer, a jornada, que começa diariamente às 5h30 e é encerrada por volta das 19h, depois de quase duas horas nos vagões dos trens metropolitanos lotados, será prorrogada até as 22h, quando as aulas terminam.
Caso complete o curso, ela fará parte de uma minoria. De cada 10 adultos que decidem se alfabetizar, sete desistem do objetivo antes de ler a primeira palavra. Enquanto isso, Maria Verônica Marcelino da Cruz Conceição será apenas mais um nome entre os milhões de brasileiros perdidos na selva das vogais e consoantes.

Eleicoes 2014: a importancia da linguagem - Guadencio Torquato

O petês e o tucanês

06 de abril de 2014 | 2h 05
GAUDÊNCIO TORQUATO - O Estado de S.Paulo
A campanha era a de 1985, aquela em que Jânio Quadros ganhou de Fernando Henrique, depois de este se ter sentado na cadeira de prefeito de São Paulo antes de terminada a apuração dos votos. Para um dos raros comícios na periferia - Jânio, ao lado da esposa, Eloá, preferia verberar contra bandidos e sonegadores em despojado programa eleitoral de TV - levou o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que assim concluiu sua peroração palanqueira: "A grande causa do processo inflacionário é o déficit orçamentário". Após a fala, Jânio puxou Delfim de lado e cochichou: "Olhe para a cara daquele sujeito ali. O que você acha que ele entendeu de seu discurso? Ele não sabe o que é processo, não sabe o que é inflacionário, não sabe o que déficit e não tem a menor ideia do que seja orçamentário. Da próxima vez, diga assim: a causa da carestia é a roubalheira do governo".
O guru da economia, a quem todos hoje recorrem para explicar os sobressaltos que deixam interrogações no ar, passou a reservar seu economês para plateias mais acessíveis ao vocabulário de questões complexas.
O estilo Jânio marcou a história da expressão e do comportamento dos atores políticos. Ele foi o ícone da irreverência. Ponderável parcela da admiração que angariou em todas as faixas da população se deve ao "modo janista de ser", do qual se extraía um conjunto de valores, entre os quais o da autoridade. Jânio forjou uma linguagem política, composta pela imagem histriônica e adornada com trejeitos, olhares esbugalhados, roupas mal ajambradas, compassos e pausas que imprimiam força à fonética esganiçada de construções exóticas. Semântica e estética juntavam-se em apelativa performance que, aos olhos e ouvidos dos espectadores, chamava a atenção. Pois bem, puxando a linguagem janista para a atualidade, podemos concluir que petistas e tucanos também desenvolveram seu jeito de ser no campo da verbalização, o que explica a maior ou menor penetração e/ou rejeição de uns e outros na esfera dos conjuntos sociais.
O dicionário do PT tem um autor, Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pelo que se pode designar como petês, o dialeto que ecoa bem no ouvido das massas. Já o PSDB criou uma enciclopédia, pontuada pelos dons sociológicos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e recitada por uma plêiade de especialistas, entre os quais economistas de alto coturno. Nela grupos esclarecidos da população têm acesso às mais interrogativas questões da conjuntura.
Por que vale a pena discorrer sobre as linguagens dos principais contendores do pleito deste ano? Pelo que representam no fatiamento eleitoral. Os modos tucano e petista de ser abrem a pista por onde decolarão os candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff. Cada qual usará o arcabouço de uma expressão elaborada ao longo de décadas e, hoje, responsável por projetar a imagem pública de seus partidos e integrantes. De pronto, convém observar: o principal desafio do PSDB é fazer chegar sua palavra aos habitantes da base da pirâmide social; em contraponto, o desafio do PT é convencer estratos médios sobre a propriedade de um falatório que, a par do tom popularesco, contém laivos (mesmo que atenuados) de luta de classes, pobres contra ricos.
Dentro de sua gramática, Lula embute o ideário petista. Diferente de Jânio (que foi professor de Português), Lula não capricha na sintaxe, preferindo mergulhar num oceano de analogias, comparações, causos, historinhas, platitudes e metáforas que, em sua voz rouca, soam como a "voz do povo". O que explica o fato de o "jeitão Lula de ser" não parecer demagógico? A legitimidade. Luiz Inácio saiu dos fundões para alçar ao patamar mais alto da política. Retirante nordestino, transformou-se em símbolo maior da dinâmica social no País. Suas tiradas podem ser toscas para certos ouvidos, mas as galeras das arquibancadas as aplaudem: "Já tomei tanta chibatada nesta vida que minhas costas estão mais grossas que casco de tartaruga. Não sejam apressados: uma jabuticabeira leva tempo pra dar jabuticaba, uma mulher demora nove meses para dar à luz. No Brasil, alguns comiam a massa e o chantili do bolo, mas, para a grande população, ficava aquele chumbinho de enfeite que colocam em cima do bolo". O verbo pouco refinado frequentou até reuniões como a do G-20: "Você não faz negociação com o pé na parede, na base do dá ou desce, existe uma negociação". Lula sabe que a lâmina de suas estocadas causa impacto.
Essa é a arma petista que o arsenal tucanês deverá enfrentar. Aécio Neves ou Eduardo Campos (que ainda não compôs um dicionário próprio) terão de fazer chegar ao povão matérias complexas como a crise na Petrobrás e conceitos como recuperação da capacidade de investimento, déficit fiscal, alavancagem da infraestrutura técnica, etc. Campos, por exemplo, sabe que se disser aos compatriotas que o Nordeste sofre de "desconforto hídrico temporário" (seca braba) acabará o discurso sob apupos. Neves carecerá mais que de boas aulas de experts tucanos para desvendar engrenagens como "redução compulsória do consumo de energia elétrica" (corte de energia), "retracionismo na empregabilidade" (desemprego) ou "compensação pecuniária às distribuidoras pelo déficit que enfrentam devido ao racionamento" (aumento de tarifas de energia).
E a presidente Dilma? Ora, ela se agasalha no abecedário lulista. Perfil técnico, não fica bem para ela desfiar o petês do guru. Basta a lábia dele para adoçar o coração das bordas sociais. O comando petista intuiu que os ditos usados e abusados por Lula condizem com ethos das massas, estabelecendo fronteiras com a "verbosidade" dos integrantes dos andares superiores. A guerra política do PT, portanto, se valerá da expressão das ruas para laçar a simpatia popular.
Como se pode constatar, veremos contundente disputa entre dois estilos, dois modos de descrever a realidade. Numa esquina a turba grita: "A porca torce o rabo". Na outra se ouve um grupo que prefere assim dizer: "A esposa do suíno contorce o tendão caudal".
JORNALISTA, PROFESSOR
TITULAR DA USP, É CONSULTOR
POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER@GAUDTORQUATO

Petrobras-Pasadena: gestao incompetente, provavelmente deliberada, doscompanheiros

Um prejuízo dessa magnitude só pode ter sido proposital, ou seja, construído. E isso é criminoso.
 Nada que os companheiros não tenham feito na própria matriz...
Paulo Roberto de Almeida 

Em dois anos sob gestão da Petrobras, Pasadena perdeu US$ 300 milhões

O rombo no caixa da empresa passou de 6,5 milhões de dólares em 2007 para 289,9 milhões no ano seguinte; diretoria da Astra reclamava de gastança desenfreada

Ana Clara Costa
Veja, 05/04/2014
Pasadena Refining System Inc. no Texas
PASADENA - Prejuízo milionário em apenas dois anos de operação da Petrobras (Reprodução/Google Street View)
Se controlar os gastos em sua operação brasileira parece não ser o forte da Petrobras, fazê-lo em subsidiárias no exterior é tarefa ainda mais improvável. Exemplo disso é o rombo no balanço da refinaria de Pasadena nos anos de 2007 e 2008. Os números nunca foram discriminados no resultado financeiro da estatal, mas foram obtidos com exclusividade pelo site de VEJA na Justiça do Texas — e assustam. Em dois anos, as perdas acumuladas chegaram a 300 milhões de dólares, quase 700 milhões de reais. A conta torna-se ainda mais espantosa porque se trata de um levantamento parcial. De 2009 para cá, levando-se conta que a refinaria jamais deu lucro, o saldo negativo pode ter se ampliado de forma exponencial. Pasadena foi adquirida pela Petrobras por 1,18 bilhão de dólares após um litígio de dois anos com a Astra Oil, que terminou em 2011.
Relatório confidencial da KPMG feito em 2009 apontava que a refinaria acumulava prejuízos subsequentes e que seu fluxo de caixa dependia essencialmente dos aportes de seus sócios, Petrobras e Astra Oil. Ainda de acordo com o documento, a capacidade da empresa de cumprir suas obrigações financeiras era “historicamente e amplamente” relegada aos controladores. Diante das baixas expectativas de entradas futuras de dinheiro, a KPMG afirmou que não esperava que a dependência “fosse revertida no médio prazo”. O relatório mostra que, em 2007, as perdas foram de 6,5 milhões de dólares — e avançaram para 289,9 milhões de dólares no ano seguinte.

Balanço da PRSI










Os salários de funcionários de uma refinaria obsoleta eram parte relevante dos gastos. No balanço mostrado pela KPMG consta que 12 milhões de dólares foram usados para pagar funcionários em ambos os anos, sem que uma gota de gasolina saísse dos tonéis. Contudo, tais despesas se tornam secundárias se comparadas a supostos bônus que os funcionários da refinaria receberam sem que ela desse um dólar de lucro. Depoimento do supervisor tributário de Pasadena, Dong-Joon, ao qual o site de VEJA teve acesso, dado em 2009, afirmava que o Fisco americano havia questionado a refinaria pelos bônus de 52 milhões de dólares pagos a funcionários naquele período. Joon afirmava que os fiscais queriam um maior detalhamento sobre o pagamento dos prêmios, mas a refinaria afirmou, em correspondência oficial, que não poderia explicar o que quer que fosse. Joon também exercia a função de supervisor tributário na Petrobras América, subsidiária da estatal brasileira.
A gastança desenfreada foi um dos maiores pontos de discórdia entre a Astra e a Petrobras na gestão de Pasadena. Executivos da empresa belga já afirmavam, em troca de e-mails datados de dezembro de 2006, que os gastos eram o último item da lista de preocupações da estatal. “Como Alberto (Feilhaber) disse tantas vezes, a Petrobras não tem nenhum problema em gastar dinheiro”, afirmou o diretor Terry Hammer em mensagem ao presidente da Astra, Mike Winget, e ao próprio Feilhaber — ex-funcionário de carreira da Petrobras e então diretor da área de trading da empresa belga.
A estatal tinha a intenção de dobrar a capacidade de produção de Pasadena, o que exigiria investimentos da ordem de 2 bilhões de dólares. Os belgas, segundo os documentos da Justiça americana, não estavam dispostos a dividir tal aporte pelo simples fato de não acreditarem no retorno de seus investimentos após a modernização e ampliação da refinaria. Foi justamente o ímpeto de dispêndios que impôs uma barreira intransponível entre a Petrobras e os sócios belgas logo no início da joint venture, e sepultou qualquer chance de acordo entre ambas.
A Petrobras não informa o quanto teve de aportar na refinaria deficitária e tampouco os investimentos feitos no projeto. Contudo, no testemunho de Mike Winget na Câmara de Arbitragem, o executivo afirmou que a estatal injetou mais de 200 milhões de dólares na operação de Pasadena, sem levar em conta os valores relativos à aquisição. Winget reconheceu que, a partir de dezembro de 2007, quando a situação entre as duas empresas já estava perto do insustentável, a Petrobras passou a financiar sozinha Pasadena, sem pedir recursos à Astra.

Alfredo Sirkis: rever a Anistia e' um erro; melhor terminar com a tortura (FSP)

Basicamente correto, mais ainda não deu o passo necessário para considerar que foram as ações armadas da esquerda que destaparam a caçambo dos gorilas que passaram a torturar indiscriminadamente.
Antes, tinhamos tido um caso ou outro de exageros militares, mas o ambiente ainda permitia ações democráticas de protestos contra a "ditadura", ou ditablanda, como se poderia reconhecer.
Depois que as esquerdas passaram à ação, os militares sentiram cheiro de 1935, e aí foram implacáveis.
Por que as esquerdas não reconhecem sua responsabilidade na criação da repressão?
 Paulo Roberto de Almeida 

Tiro no pé: Por que rever a Lei da Anistia é um erro
ALFREDO SIRKIS
Folha de São Paulo, domingo 06 de abril 2014

RESUMO Julgamento de crimes cometidos pelo Estado ocupa centro do debate nos 50 anos do golpe no Brasil. Para deputado e ex-guerrilheiro, é improvável e incongruente levar à prisão "militares de pijama" por fatos daquela época quando foco deveria ser fazer cessar a tortura, vigente desde antes do regime militar e ainda existente.

FOI FRANCAMENTE irônico o resultado da recente pesquisa do Datafolha sobre a Lei da Anistia. Há uma maioria favorável a revê-la para poder julgar os torturadores e uma maioria, maior ainda, para rejulgar a nós, ex-guerrilheiros pelas ações que cometemos.
Por um instante me vi, com meus 63 anos, no tribunal, respondendo pelos dois sequestros de embaixadores dos quais participei, aos 19, e que propiciaram a libertação de 110 presos políticos, alguns eventualmente destinados à Casa da Morte. Na época fui condenado duas vezes à prisão perpétua (com mais 30 anos de lambuja para a encarnação subsequente) pelas auditorias militares.
Costumo dizer que, daquilo tudo, não me orgulho nem me envergonho. Mas já tive pesadelos horrendos: a organização me ordena a executar o embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher --um sujeito boa-praça que não gostava da ditadura-- porque tinham se recusado a libertar todos nossos presos. Tenho uma pistola na mão, mas não quero me tornar um assassino. Acordo coberto de suor frio.
Graças a Deus, aquilo terminou bem, e nossos 70 companheiros foram mandados a Santiago do Chile porque consegui convencer nosso comandante, Carlos Lamarca, a aceitar a recusa de alguns dos presos "estratégicos" e negociar a sua substituição por outros que a ditadura Médici aceitava soltar. Hoje vejo num sequestro desse tipo, de um diplomata inocente, ameaçado de execução, mesmo sob uma ditadura, um ato no limite do terrorismo, no que pese o nosso desespero de então. Em alguns casos, esse limite foi ultrapassado. Penso no marinheiro inglês metralhado na praça Mauá, na bomba de Guararapes ou na execução daquele militante que queria deixar uma organização
.
BALANÇA 
É possível equiparar esse punhado de atos criminosos à tortura generalizada, institucionalizada, sancionada desde o nível presidencial que se abateu não apenas sobre nós, resistentes armados, como sobre opositores sem violência, como no caso do PCB, e milhares de "simpatizantes" e outros, presos por equívoco?
Claro que não; mas essa anistia "recíproca" foi resultado de uma correlação de forças dos idos de 1979, um acordo político que permitiu a libertação dos presos e nossa volta do exílio.
O primeiro problema de rever essa lei para poder julgá-los, 40 e tantos anos depois dos fatos, é a repercussão sobre outros complicados processos de redemocratização pelo mundo afora. Frequentemente, para remover um regime de força, é preciso pactuar com os que ainda ocupam o poder e ainda têm enorme capacidade de fazer dano.
As torturas e execuções na África do Sul e na Espanha não foram menores do que no Brasil --é o mínimo que se pode dizer-- mas lá a opção foi não colocar os antigos repressores nos bancos de réus.
Na África do Sul, a lógica da Comissão da Verdade foi reconstituir os fatos e obter dos responsáveis pelo odioso apartheid a confissão, não com vistas à condenação penal, mas à expiação moral e a superação conjunta de tudo aquilo. Também foram colocados na mesa para uma catarse de superação coletiva certos episódios sangrentos dentro da maioria negra.
Confesso que senti satisfação ao ver o general Jorge Rafael Videla terminar a vida numa prisão argentina. Penso, no entanto, que a razão decisiva para julgar (uma parte) dos comandantes daquele regime assassino foi o prosseguimento das conspirações militares já no período democrático, com quarteladas durante os governos de Raul Alfonsín e Carlos Menem.
No Chile, alguns poucos foram julgados, mas o general Augusto Pinochet Ugarte continuou comandando o Exército por um bom tempo na transição e só sofreu embaraço jurídico no Reino Unido, jamais no Chile.
Não há uma formula única, "correta". No que pese o sentimento de busca de justiça das vítimas e seus familiares --que respeito profundamente, à diferença daqueles que querem apenas surfar politicamente na causa-- trata-se de uma decisão jurídica, por um lado, e de uma questão política, por outro. Juridicamente, o STF já se pronunciou a esse respeito. Politicamente, vejo a revisão como contraproducente e concordo plenamente com a presidente Dilma Rousseff quando se manifesta contrária à anulação da anistia.

NARRATIVAS 
Desde os anos 80, vem prevalecendo, grosso modo, a narrativa da esquerda sobre os "anos de chumbo". Os verdugos dos porões do DOI-Codi viveram vidas existencialmente miseráveis. Uma parte, desproporcional, já morreu de morte morrida; outros tornaram-se criminosos comuns, bicheiros, contrabandistas.
No estamento militar há um sentimento geral de condenação àquela máquina de torturas e execuções --que acabaram inclusive atentando fortemente contra a hierarquia militar e sujando a imagem das Forças Armadas--, embora sem nenhuma propensão a aceitar a narrativa da esquerda. Não iremos convencer os militares a adotar, agora, um maniqueísmo reverso ao deles, na época.
Por todo ordenamento jurídico brasileiro, hoje seria totalmente impossível --a não ser que se viesse a adotar toda uma nova legislação de exceção-- condenar esses militares de pijama, na maioria septuagenários ou octogenários, a servir penas na prisão.
Num país onde assassinos abjetos como os que torturaram e mataram o jornalista Tim Lopes saem da prisão por "progressão de pena" em quatro ou cinco anos, fazer um ex-general ou coronel do DOI-Codi ir para a cadeia por crimes cometidos há mais de 40 anos é improvável e incongruente.
Qual o risco político de coloca-los agora no banco do réus?
Tendo prevalecido a nossa narrativa, desde os anos 1980, seria da lógica jornalística agora ouvir a deles, desde o palco e holofotes que agora lhes estão sendo propiciados. Alguns se arrependem. Qual a sinceridade disso? Há os que assumem friamente seus crimes, e aí temos a novidade, o gancho para difundir sua contranarrativa: "Isso mesmo, torturei, cortei dedos, matei, joguei no rio, no mar e daí? Guerra é guerra".
Se há uma maioria de brasileiros que fica compreensivelmente horrorizada, há uma minoria que se identifica e se sente reconfortada em ver, afinal, sua "verdade" difundida agora com todas as letras. "Levanta-se a bola" para figuras como Ustra ou Malhães, propicia-se farta cobertura de mídia para que eles se comuniquem com uma extrema-direita desorganizada, difusa, mas real. Ganham espaço para bulir com aquele sentimento que leva o público do primeiro "Tropa de Elite" --quando José Padilha ainda não pagara tributo ao politicamente correto-- a aplaudir as torturas infligidas ao traficante com um saco plástico.
A prioridade no Brasil, em relação à tortura, não é tentar, inutilmente, mediante a revisão da anistia, colocar na cadeia um ou outro torturador do DOI-Codi dos anos 1970, mas fazer cessar aquela tortura que continua ocorrendo hoje, agora, a todo momento, em dezenas de delegacias de roubos e furtos ou destacamentos de policiamento ostensivo, contra marginais pobres e negros.
Aquela velha tortura de sempre, de antes e de depois do Estado Novo e do regime militar, quando ela foi, excepcionalmente, infligida também à classe média intelectualizada e politizada.
Nesse sentido, apesar de todos os bons e altivos argumentos e da justificada indignação de quem sofreu e gostaria de ver punidos aqueles criminosos, a revisão da "anistia recíproca" de 1979 é um erro político cujo maior problema é, na prática, dar uma segunda chance e propiciar um público renovado para uma narrativa que já enterramos nos anos 1980. É, no fundo, um tiro no pé.

1964: ainda uma opiniao a respeito - Olavo de Carvalho

Creio que a constatação se impõe, de fato: temos uma versão mistificada de 1964 pelo lado da esquerda, que é absolutamente dominante, e uma versão ingênua, defensiva, do lado dos militares, que não são de direita, não são reacionários, não são sequer liberais: são apenas equivocados quanto aos métodos, assim como foram corretos na montagem de uma máquina de crescimento, mas que depois veio a tropeçar, pois eles também se equivocaram em várias decisões econômicas (para as quais não estavam preparados, e não quiseram ouvir economistas sensatos, como Mário Henrique Simonsen).
Aqui abaixo uma opinião de quem conhece um pouco mais. Como ele, eu fiquei contra o regime militar durante bastante tempo, aliás durante toda a sua existência, mas sempre soube reconhecer as realizações econômicas e tecnológicas.
E também conheço suficientemente bem a esquerda para saber que ela mente sobre o golpe militar de 1964, como mente sobre tudo o que veio depois.
Não estou negando ou desculpando os militares pela repressão, pelas torturas, pelos excessos havidos durante o regime. Mas sei reconhecer que quem começou a "brincadeira" foram as esquerdas, que começaram as ações militares muito tempo antes que o regime militar se convertesse numa ditadura temporária e numa máquina de repressão. Os culpados por essa situação -- e não se desculpa aqui os militares e policiais que cometeram torturas e assassinatos, crimes de Estado -- foram as esquerdas: se elas não tivesse começado (aliás como em 1935), o Estado brasileiro seria apenas autoritário e transitório, não o regime militar de 21 anos.
Paulo Roberto de Almeida

Resumo do que penso sobre 1964
Olavo de CarvalhoBah! (jornal universitário gaúcho), maio de 2004

Como repercussão da matéria de capa da edição anterior, "40 anos da ditadura", o filósofo, jornalista e escritor Olavo de Carvalho gentilmente escreveu-nos um texto exclusivo com sua opinião sobre esse turbulento período de nossa história.
* * *
Tudo o que tenho lido sobre o movimento de 1964 divide-se nas seguintes categorias: (a) falsificação esquerdista, camuflada ou não sob aparência acadêmica respeitável; (b) apologia tosca e sem critério, geralmente empreendida por militares que estiveram de algum modo ligados ao movimento e que têm dele uma visão idealizada.
Toda essa bibliografia, somada, não tem valor intelectual nenhum. Serve apenas de matéria-prima, muito rudimentar, para um trabalho de compreensão em profundidade que ainda nem começou.
Para esse trabalho, a exigência preliminar, até hoje negligenciada, é distinguir entre o golpe que derrubou João Goulart e o regime que acabou por prevalecer nos vinte anos seguintes.
Contra o primeiro, nada se pode alegar de sério. João Goulart acobertava a intervenção armada de Cuba no Brasil desde 1961, estimulava a divisão nas Forças Armadas para provocar uma guerra civil, desrespeitava cinicamente a Constituição e elevava os gastos públicos até as nuvens, provocando uma inflação que reduzia o povo à miséria, da qual prometia tirá-lo pelo expediente enganoso de dar aumentos salariais que a própria inflação tornava fictícios. A derrubada do presidente foi um ato legítimo, apoiado pelo Congresso e por toda a opinião pública, expressa na maior manifestação de massas de toda a história nacional (sim, a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” foi bem maior do que todas as passeatas subseqüentes contra a ditadura). É só ler os jornais da época – os mesmos que hoje falsificam sua própria história – e você tirará isso a limpo.
O clamor geral pela derrubada do presidente chegou ao auge em dois editoriais do Correio da Manhã que serviram de incitação direta ao golpe. Sob os títulos “Basta!” e “Fora!”, ambos foram escritos por Otto Maria Carpeaux, um escritor notável que depois se tornou o principal crítico do novo regime. Por esse detalhe você percebe o quanto era vasta e disseminada a revolta contra o governo.
O golpe não produziu diretamente o regime militar. Este foi nascendo de uma seqüência de transformações – quase “golpes internos” – cujas conseqüências ninguém poderia prever em março de 1964. Na verdade, não houve um “regime militar”. Houve quatro regimes, muito diferentes entre si: (1) o regime saneador e modernizador de Castelo Branco; (2) o período de confusão e opressão que começa com Costa e Silva, prossegue na Junta Militar e culmina no meio do governo Médici: (3) o período Médici propriamente dito; e (4) a dissolução do regime, com Geisel e Figueiredo.
Quem disser que no primeiro desses períodos houve restrição séria à liberdade estará mentindo. Castelo demoliu o esquema político comunista sem sufocar as liberdades públicas. Muito menos houve, nessa época, qualquer violência física, exceto da parte dos comunistas, que praticaram 82 atentados antes que, no período seguinte, viessem a ditadura em sentido pleno, as repressões sangrentas, o abuso generalizado da autoridade. O governo Médici é marcado pela vitória contra a guerrilha, por uma tentativa fracassada de retorno à democracia e por um sucesso econômico estrondoso (o Brasil era a 46ª. economia do mundo, subiu para o 8º. lugar na era Médici, caindo para o 16º. de Sarney a Lula). Geisel adota uma política econômica socializante da qual pagamos o prejuízo até hoje, tolera a corrupção, inscreve o Brasil no eixo terceiro-mundista anti-americano e ajuda Cuba a invadir Angola, um genocídio que não fez menos de 100 mil vítimas (o maior dos crimes da ditadura e o único autenticamente hediondo -- contra o qual ninguém diz uma palavra, porque foi a favor da esquerda). Figueiredo prossegue na linha de Geisel e nada lhe acrescenta – mas não se pode negar-lhe o mérito de entregar a rapadura quando já não tinha dentes para roê-la.
É uma estupidez acreditar que esses quatro regimes formem unidade entre si, podendo ser julgados em bloco. Na minha opinião pessoal, Castelo foi um homem justo e um grande presidente; Médici foi o melhor administrador que já tivemos, apesar de mau político. Minha opinião sobre Costa, a Junta Militar, Geisel e Figueiredo não pode ser dita em público sem ferir a decência.
Em 1964 eu estava na esquerda. Por vinte anos odiei e combati o regime, mas nunca pensei em negar suas realizações mais óbvias, como hoje se faz sem nenhum respeito pela realidade histórica, nem em ocultar por baixo de suas misérias os crimes incomparavelmente mais graves praticados por comunistas que agora falseiam a memória nacional para posar de anjinhos.

A esquerda e o regime militar: mamando nas tetas do Estado - Olavo de Carvalho

Sem concordar com tudo o que diz este autor, acho que ele está certo no essencial.
O Brasil NUNCA teve um regime totalitário, ou ditatorial, no máximo autoritário, e isso apenas para certas coisas, e certamente não para todas.
Na academia, por exemplo, e eu sou um membro dela, nunca deixou de haver hegemonia intelectual absoluta da esquerda, especialmente nas chamadas humanidades, onde ela é praticamente total, até o ponto da mediocridade mais completa ser admitida, apenas porque é de esquerda, não por que seja competente ou que merece estar ali.
O Brasil é um país de esquerda no pensamento, e deve ser essa a razão do nosso atraso.
Paulo Roberto de Almeida

Relembrando o irrelembrável
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 14 de abril de 2008

O general e historiador comunista Nelson Werneck Sodré, descrevendo no seu livro A Fúria de Calibã os horrores apocalípticos da perseguição a intelectuais logo após o golpe de 1964, que ele não hesita em nivelar ao que sucedeu na Alemanha de Hitler, acaba se traindo ao relatar que, naquele mesmo período, publicou não sei quantos livros, teve não sei quantas críticas favoráveis, algumas entusiásticas, foi brindado com alguns prêmios literários e no fim ainda recebeu uma homenagem no Instituto Brasileiro de História Militar, em cerimônia realizada na presença... do presidente da República, marechal Humberto Castelo Branco.
Jamais um historiador consentiu em personificar tão escandalosamente um exemplum in contrarium da sua descrição geral dos fatos. É o esplendor da paralaxe cognitiva realçado por uma efusão de histrionismo macunaímico. Já imaginaram Fidel Castro prestando homenagem a um historiador anticomunista? Ou Hitler indo à Academia de Berlim para conceder honrarias universitárias a um cientista social anti-racista?
Nada mais ridículo do que a tentativa de pintar o regime de 1964 como uma ditadura totalitária, empenhada em sufocar o trabalho da inteligência em geral e o dos intelectuais esquerdistas em especial.
Na verdade, um breve exame dos anuários da Câmara Brasileira do Livro, como já apontou com mira certeira o embaixador J. O. de Meira Penna, basta para mostrar que nunca a indústria editorial esquerdista prosperou tanto como naquele tempo, tanto em volume de livros publicados quanto na absorção de generosas verbas governamentais distribuídas de maneira exemplarmente – ou ingenuamente -- apolítica. Pouco antes de morrer, o saudoso Ênio Silveira, dono da maior editora comunista do país, a Civilização Brasileira, me confessou que sua empresa jamais teria chegado ilesa ao fim da década de 80 sem os subsídios que ele próprio ia esmolar pessoalmente nas altas esferas de um governo federal alegadamente empenhado – segundo hoje se ensina em todas as escolas -- em esmagar no berço toda manifestação do pensamento esquerdista.
A demissão de umas dúzias de professores esquerdistas no começo do regime não os impediu de ensinar, nem de publicar livros, nem de escrever em jornais -- só os privou de receber dinheiro público para fazer propaganda comunista. Se isso lhes doeu tanto, não foi porque sua exclusão da universidade oficial trouxesse algum dano substantivo à cultura brasileira (sob esse aspecto ela trouxe até algum benefício): foi porque o dinheiro público é o alimento essencial da elite esquerdista, a qual, como se confirmou abundantemente depois da sua ascensão ao poder, se acha credenciada por uma espécie de direito natural a consumi-lo em quantidades ilimitadas, sem ter de prestar contas e, a exemplo do MST, sem precisar nem mesmo assinar recibo.
As vítimas dessa odiosa essa privação alimentar, que foram aliás pouquíssimas, sobretudo em comparação com o número de intelectuais cubanos exilados, não sofreram nenhum entrave sério ao exercício das atividades culturais na iniciativa privada, onde, ao contrário, os empreendimentos esquerdistas proliferaram como nunca, entre outras razões pela ajuda milionária que começaram a receber de fundações estrangeiras, também sem nunca ter de prestar contas. Foi também durante os governos militares que os intelectuais e artistas de esquerda, pondo em prática os ensinamentos de Antonio Gramsci, trataram de abocanhar todos os espaços nas universidades, nas instituições culturais e na indústria editorial, desalojando um a um os conservadores que, quando veio a redemocratização, já estavam tão marginalizados e isolados que a eleição de Roberto Campos para a Academia Brasileira, em 1999, surgiu como uma anomalia escandalosa e quase inacreditável.
No domínio do jornalismo, só forçando muito a realidade os esquerdistas se poderiam queixar de perseguição, de vez que o órgão mais visado pela censura foi justamente o mais conservador de todos, O Estado de S. Paulo , enquanto os semanários esquerdistas superlotavam as bancas e sofriam incomodidades, é certo, mas nem de longe comparáveis à pressão contínua que o governo impunha ao jornal dos Mesquita (não venham com conversa para cima de mim, porque eu trabalhava lá nessa época e vi tudo de perto). A simples contagem de cabeças basta para mostrar que o relativo pluralismo existente nas redações em 1964 foi cedendo lugar à hegemonia esquerdista mais descarada, até o ponto de que, dos anos 80 em diante, os grandes jornais fizeram questão de ter pelo menos um direitista no seu corpo de articulistas para atenuar a impressão de uniformidade ideológica que fluía de cada uma de suas páginas, do noticiário policial até as colunas sociais, mas sobretudo das seções de arte e cultura, onde uma hegemonia se somava a outra. Coube a Paulo Francis, a Roberto Campos e depois a mim representar o papel dessas exceções que confirmavam a regra. Nos regimes totalitários, a opinião da mídia, por definição e por uma questão de mera sobrevivência, vai se amoldando cada vez mais ao discurso oficial, até desaparecer toda possibilidade de oposição. A história do jornalismo brasileiro nos vinte anos de governo militar seguiu o curso simetricamente inverso, com a mídia em peso apoiando o golpe em 31 de março de 1964 e depois tornando-se cada vez mais esquerdista até que, no fim do governo Figueiredo, já não sobrava nos jornais e canais de TV um só jornalista que ousasse se opor ao consenso esquerdista e mencionar em voz alta, mesmo com restrições, os méritos mais óbvios de um regime que alcançara progressos econômicos jamais igualados antes ou depois (a expressão “nunca nêfte paíf...” é um salto anacronístico de trinta anos).
Seja nos órgãos de educação e cultura, seja no jornalismo, a esquerda, em vez de ser calada e marginalizada, foi indo cada vez mais para o topo e falando cada vez mais alto, até que já não se podia ouvir nenhuma outra voz senão a sua: se tagarelice esquerdista fosse alta cultura, o tempo dos militares teria sido o apogeu da nossa história intelectual até então (digo “até então” porque nada se compara ao brilho e à majestade da Era Lula). Mas, como é difícil fazer-se de intelectual excluído e ao mesmo tempo imperar sobre a cultura de um país ao ponto de poder decidir quem entra e quem sai, a intelligentzia esquerdista se atrapalha um pouco na narrativa daquele período, ora chamando-o de “anos de chumbo”, ora de “anos dourados”. Talvez não seja confusão, é claro, apenas uma natural alternância estilística, conforme essa coletividade de pessoas exemplares deseje acentuar como tudo em volta era feio ou como ela própria era bela. A língua pérfida de Daniel Más dizia que a segunda dessas expressões se referia, na verdade, aos pacotinhos dourados em que a cocaína era entregue, na pérgola do Copacabana Palace, às estrelas das letras e das artes que ali se dedicavam mais altos afazeres intelectuais de que se tem notícia. Caso esta versão seja fidedigna, ela não suprime a anterior, antes a reforça metonimicamente, designando pela cor da embalagem o efeito do estupefaciente que induzia aquelas criaturas a imaginar que brilhavam como ouro sob um céu de chumbo.
***
Tive meus arranca-rabos com o general Andrade Nery e os teria de novo pelas mesmíssimas razões, mas não posso deixar de cumprimentá-lo por sua reação viril à tentativa de usar as Forças Armadas numa operação tão vexatória como a retirada dos agricultores brasileiros para dar lugar a uma “nação indígena”. Falando pelos companheiros de farda aos quais o código disciplinar impõe um mutismo indignado, o general disse o que todos os militares brasileiros gostariam de dizer: as Forças Armadas existem para defender o Brasil, não para destrui-lo sob pretextos politicamente corretos. Espero que a ocasião sirva para alertar o general quanto à verdadeira origem das pressões globalistas que ameaçam o futuro deste país, origem sobre a qual eu não poderia ser mais claro nem mais concludente do que fui nos meus antigos das últimas semanas.