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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 18 de junho de 2016

The END Begins: nao, nao se trata do Batman, mas da Estrategia Nacional de Defesa, numa primeira abordagem minha - Paulo Roberto de Almeida

Uma abordagem preliminar, numa primeira leitura, da END na versão de 2008, pouco depois que esta primeira versão, que eu chamaria de companheira, ou talvez "mangaberiana-jobiniana", foi liberada pelo Ministéria da Defesa. Revista em 2012, a END tem uma nova versão, mas confesso que ainda não li, por falta de tempo e outros afazeres: passei os últimos anos no exterior, me ocupando de outros assuntos e escrevendo sobre outros temas. Em todo caso, a versão 2012 da END figura neste link:
http://www.defesa.gov.br/index.php/estado-e-defesa/estrategia-nacional-de-defesa
Nunca tive nenhuma reação, nem de acadêmicos, nem de militares, e muito menos dos companheiros, a estas minhas primeiras observações e comentários, sinal de que ou ela é muito ruim, ou não foi conhecida, ou eles (como diria alguém, para distinguir eles, ou nós, deles, eles mesmos, os do pensamento único) não estão mesmo interessados em qualquer debate sobre documentos seus.
Em todo caso, este foi o primeiro texto de análise, mais econômica, da END, seguido de outro, vários meses depois, no final de 2009, sobre os aspectos conceituais, ou "filosóficos" da END.
Como os links nos quais eles estariam supostamente disponíveis já não funcionam mais, coloco novamente este meu texto aqui, e vou também disponibilizar em Academia.edu (se já não está, mas não tenho o registro feito em minha lista, como nesta ementa:

1984. “Estratégia Nacional de Defesa: comentários dissidentes”, Brasília, 11 de fevereiro de 2009. 7 p. Observações preliminares ao documento liberado em dezembro de 2008 pelos ministros da Defesa e de Assuntos Estratégicos. Publicado em Mundorama (14.03.2009; link: http://mundorama.net/2009/03/14/estrategia-nacional-de-defesa-comentarios-dissidentes-por-paulo-roberto-de-almeida/). Republicado em Meridiano 47 (n. 104, março de 2009, p. 5-9; link: http://sites.google.com/a/mundorama.net/mundorama/biblioteca/meridiano-47/sumariodaedicaono104-marco2009/Meridiano_104.pdf?attredirects=0), no site da Universidade Federal de Juiz de Fora, seção Defesa (20.03.2009; link: http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/ENDCD) e no site português Jornal Defesa e Relações Internacionais (19.03.2009; link: http://www.jornaldefesa.com.pt/noticias_v.asp?id=689). Complementada em novembro de 2009, pelo trabalho 2066. Ensaio incorporado ao livro: Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Hartford, 2015). Relação de Publicados n. 895.

Atenção, a maior parte dos, senão todos os links acima não funcionam.
Paulo Roberto de Almeida


Estratégia Nacional de Defesa: comentários dissidentes

Paulo Roberto de Almeida

A Estratégia Nacional de Defesa (END), divulgada pelo governo brasileiro em 18 de dezembro de 2008, mereceu, de imediato, comentários diversos de observadores e especialistas, e algumas avaliações superficiais na imprensa. A maior parte dos comentários apresentou um tom positivo, posto se tratar de uma iniciativa no sentido da transparência e da abertura de um debate com a sociedade, em geral, e com os estudiosos da área em particular. Sem pretender me colocar entre estes últimos, desejo oferecer, igualmente, alguns comentários preliminares sobre o documento em questão, baseados inteiramente em minhas primeiras impressões de leitura, sem que eu tenha tido a oportunidade, até este momento (11 de fevereiro de 2009), de conhecer opiniões ou análises mais fundamentadas sobre tal documento, ou, pessoalmente, de efetuar eu mesmo um exame mais aprofundado do mesmo.
Reconheço, de imediato, as mesmas características positivas no fato de que “um” documento – quaisquer que sejam suas qualidades intrínsecas – sobre esse aspecto importante da vida nacional (com repercussões internacionais) tenha sido divulgado. Pretendo, contudo, ressaltar, ou destacar, apenas aspectos que me parecem problemáticos nesse documento, sem desconsiderar que ele possa, de fato, apresentar uma contribuição relevante para um debate qualificado nessa área, ademais de suas implicações práticas para a defesa nacional e a política externa do Brasil. Meus comentários, como já indicado no subtítulo, prenunciam uma posição mais crítica do que favorável, e até num sentido iconoclasta, mas sem qualquer espírito destrutivo, ou puramente negativo, preservando, ao contrário, minha tradicional honestidade intelectual e, tanto quanto possível, minha objetividade analítica.

Uma leitura, mesmo superficial, do documento em questão, permite detectar, antes de mais nada, uma filosofia geral, não muito diferente daquela que perpassa a vida nacional em outras esferas de orientação política ou econômica. Trata-se de um documento que coloca o princípio da independência nacional como vetor absoluto de qualquer posicionamento em matéria de segurança e defesa. Independentemente, portanto, de suas outras qualidades setoriais, e até de planejamento global dessa importante interface das relações do Brasil – e essas outras qualidades existem, mas não serão enfatizadas aqui –, cabe destacar em primeiro lugar esse elemento gaullien, ou gaulliste, do documento, que pode ser resumido em alguns poucos conceitos: a filosofia global do documento, a que mais revela a visão do mundo (Weltanschauung) de seus formuladores, portanto, é a do soberanismo e, sobretudo, a do nacionalismo.
Não há muita novidade nesse particular, pois que o Brasil sempre foi, desde o início da República, pelo menos, um país essencialmente soberanista e nacionalista; esta última característica foi bem mais acentuada a partir da era Vargas. Esse aspecto, normal e até ‘obrigatório’ para os defensores oficiais da pátria, apresenta outro problema ao tratar do planejamento, produção e utilização de “bens” de defesa, quaisquer que sejam eles, posto que o elemento básico de ‘edifício securitário e dissuasório’ passou a ser o da autonomia absoluta, quaisquer que sejam os custos explícitos e implícitos – ou seja, o custo-oportunidade, em linguagem econômica – dessas opções fundamentais da estratégia ‘nacional’ de defesa (e o qualificativo central assume aqui toda a sua carga de obrigatoriedade, em sentido estrito e lato).
Esta outra característica, econômica, deve ser sublinhada de imediato e com a maior ênfase, pois que implicando em toda uma problemática que não tem tanto a ver com a substância em si das escolhas básicas em matéria de estratégia, mas decisiva na definição dos meios. Ela é a seguinte: independentemente dessas escolhas, é um fato que o documento em si não foi feito por economistas, não recebeu uma análise de algum ‘espírito econômico’, nem pretende prestar contas de seus custos econômicos para o país e a sociedade. Simplificando ao extremo – mesmo sob o risco de ver o documento transformado em caricatura dele mesmo – eu diria que o documento é completamente anti-econômico, não apenas por propor uma estratégia grandiosa, inalcançável no plano dos recursos disponíveis, mas sobretudo por propor um caminho de realização dessa estratégia que não leva em conta o princípio básico da escassez de recursos, ou se o leva, o faz apenas como uma espécie de gradualismo orçamentário.
Existe, obviamente, uma razão de ordem prática, ou seja, econômica, para que a END não possa ser aplicada; ou mesmo que, se ela for eventualmente aplicável – viabilizada pelos procedimentos legislativos e orçamentários em um Estado democrático normal –, ela não consiga ser colocada em vigor em toda a sua plenitude. Para que isso ocorra, seria provavelmente necessário mais do que um PIB inteiro – sem que um valor preciso possa ser de fato estimado – para que toda a imensa ambição da END seja integralmente implementada. Não se pretende no espaço limitado deste comentário elaborar a propósito da total anti-economicidade da END; apenas confirmar que essa característica não se prende apenas ao documento, mas perpassa o conjunto de atitudes e de políticas econômicas brasileiras desde muito tempo, estando, portanto, entranhadas, na própria ‘ideologia nacional desenvolvimentista’, subjacente a todo o documento. Qualquer que seja a postura política que se possa ter em relação a essa ‘ideologia’, e sua interação com a END (qualquer que seja ela, esta, ou uma outra) uma abordagem metodologicamente apropriada a uma política nacional tão importante quanto esta não poderia dispensar uma rigorosa análise econômica de sua efetividade e adequação a uma estratégia nacional de desenvolvimento econômico e tecnológico (e, por extensão, social).
Esta não é, contudo, a objeção maior que se possa fazer ao documento, e ao modo de pensar de seus formuladores, ainda que ela seja decisiva no plano dos meios e das possibilidades. Essa objeção tem a ver com a sua inocuidade ou, ao menos, a sua inadequação aos propósitos prioritários que o próprio documento estabelece.

2. Características específicas
A outra grande deficiência do documento é o fato de que, mesmo sendo a END hipoteticamente implementável – supondo-se que existissem meios infinitos e nenhum constrangimento orçamentário – ela não teria os efeitos que seus propositores pretendem, ou apenas teria ‘certos’ efeitos, característicos, precisamente, de sua concepção fundamental: soberanista, nacionalista, autonomista no mais alto grau, ignorando não apenas a interdependência econômica contemporânea, como também os propósitos maiores da política externa brasileira, seja em sua dimensão regional, seja em seus objetivos multilaterais e internacionais.
A END pretende dar prioridade a duas ‘Amazônias’, a verde e a azul, como se os principais problemas da defesa, da segurança ou da estratégia dissuasória do Brasil estivessem concentrados nessas duas regiões. Aliás, o documento falha em identificar claramente onde estariam essas ameaças, como se o conceito de defesa não implicasse em seu complemento necessário: contra o quê, exatamente, ou contra quem? As ameaças são classificadas como difusas; mas aqui e ali perpassa a idéia de que seria uma potência (ou uma coalizão de potências) dotada de meios ofensivos superiores (um claro eufemismo para os EUA e países europeus). Não se considera, por exemplo, que os centros nevrálgicos da economia e das decisões nacionais se encontram distribuídos em uma faixa litorânea de 200km ao longo da costa atlântica, ou que nossas fragilidades são bem mais internas do que externas.
Os problemas principais, contudo, derivam do fato de que, em todos os vetores que a END considera como essenciais, o espacial, o cibernético e o nuclear, uma estratégia puramente nacional, autonomista e soberanista, como a proposta no documento, redundaria em custos indefinidos, prazos extremamente delongados ou impasses ou obstáculos tecnológicos previsíveis. As dificuldades não parecem impressionar os autores do documento, que desprezam ou minimizam a necessidade de cooperação externa no que se refere ao know-how para os primeiros dois vetores, ou colocam de lado os constrangimentos internacionais no que se refere ao vetor nuclear. O documento parte da suposição de que os parceiros externos, indefinidos, saberão se acomodar ao desejo brasileiro de obter acesso à tecnologia, sem o que essas parcerias presumivelmente não existirão.
Em outros trechos, onde se fala de ‘parceiros’, estes são identificados a países emergentes, com os quais se realizará outro dos objetivos prioritários do atual governo brasileiro: a reforma das instituições internacionais, em especial dos organismos econômicos. No plano internacional, justamente, o documento falha em vincular o outro grande objetivo internacional do governo brasileiro: a assunção de uma cadeira permanente no CSNU e o aumento da presença brasileira no cenário internacional. Se este é um objetivo factível – o que parece muito duvidoso – então a END não parece adaptada aos requisitos e necessidades de uma maior inserção do Brasil nas operações de peace-making e de peace-keeping da ONU, ou até de uma ação independente em determinados teatros especiais.

3. O problema regional e a questão hemisférica
O documento quase não trata das grandes prioridades da atual política externa brasileira: o reforço do Mercosul e a integração política e física da América do Sul; mas quando o faz, as menções são puramente retóricas, sem a perspectiva de uma integração real, igualitária. Os vizinhos são basicamente considerados como clientes potenciais da indústria brasileira de defesa, totalmente independente, cabe lembrar.
A integração seria algo puramente instrumental para viabilizar economias de escala para essa indústria, diluindo assim os custos entre um número maior de clientes, ou de dependentes (condição que se recusa para o próprio Brasil). O famoso Conselho de Defesa Sul-Americano – que não é bem de defesa, mas simplesmente de coordenação da segurança regional  – parece ter sido criado para servir a esses mesmos objetivos, e sua característica mais realçada é a de que ele seria conduzido sem qualquer parceiro externo à própria região.
Esse ‘isolamento’ dos EUA – como se tal fosse possível – parece resultar de dois elementos combinados, a partir de dois vetores completamente diferentes: por um lado, a tradicional necessidade militar de definir ‘ameaças’ credíveis – e não se concebe qualquer outra ameaça efetiva na região, depois da normalização das relações com a Argentina – agora parcialmente coberta pela figura da ‘potência superior’; por outro lado, o anti-imperialismo infantil, e completamente démodé, de setores políticos da base de sustentação do governo e da esquerda acadêmica esclerosada.
Esse exclusivismo regional, à exclusão do grande irmão hemisférico, e a política de aproximação do Brasil com parceiros ‘emergentes’ ditos estratégicos – como a Índia, por exemplo – podem vir a ser fontes de problemas na estratégia brasileira de integração regional, na área política e de segurança, inclusive porque isso tem implicações para os problemas da cadeira no CSNU e da opção nuclear.
É relevante registrar que, para que o Brasil pudesse realizar seus objetivos regionais, sobretudo o da integração sub-regional e da sul-americana – que supostamente são os mais valorizados pela diplomacia brasileira e a própria base da cooperação regional no terreno da segurança, e talvez da defesa –, o Brasil precisaria utilizar-se muito mais dos elementos de soft power da economia do que aqueles de hard power, pelo lado da defesa. Na verdade, o Brasil já possui, teórica ou hipoteticamente, as condições potenciais para praticar soft power na região, não o fazendo, por razões históricas e políticas.
Esse soft power estaria baseado na abertura irrestrita do seu mercado interno a todos os vizinhos sul-americanos, de forma integral e incondicional – vale dizer, sem qualquer exigência de reciprocidade – e na concepção e implementação de imenso esforço de cooperação bilateral com cada um deles (acolhendo bolsistas no Brasil e desenvolvendo projetos nesses países); cabe considerar, ademais, o papel crucial do investimento direto brasileiro na região, essencialmente a cargo do setor privado (eventualmente estimulado por políticas governamentais) e de uma ou outra estatal (Petrobras). O fato é que o Brasil não exercerá esse soft power, seja porque o país é naturalmente protecionista, seja porque os arranjos do Mercosul não o permitiriam, nas atuais condições.
A questão hemisférica, por sua vez, tem a ver com as relações do Brasil com o ‘império’, atualmente considerado uma presença nitidamente não desejável na região, sequer como parceiro (a menos que seja como fornecedor complacente da tecnologia necessária à capacitação brasileira em defesa). Pode-se até conceber essa ‘opção’ como uma derivação lógica – ainda que não assumida publicamente, por notórias implicações políticas – da antiga tese do chanceler Rio Branco quanto a uma divisão de tarefas no hemisfério: o império fica com o norte (aqui compreendendo todo o Caribe e América Central) e o Brasil se ‘ocupa’ da América do Sul. Mesmo admitindo que esse tipo de ‘missão compartilhada’ seja admissível ou possível, na prática – com todos os problemas ligados a uma suposta liderança brasileira na região – ela não resolve nenhum dos demais problemas vinculados à presença internacional brasileira ou, sobretudo, ao CSNU, que passam inevitavelmente por uma ‘boa relação’ de cooperação ativa com o império (algo ainda não admitido até aqui).

4. Problemas residuais e conclusão provisória
Sem pretender aprofundar, neste momento, todos os problemas relevantes da END – inclusive o das ‘ferramentas’ que poderiam, ou não, ser funcionais para essa estratégia particular, entre elas o submarino nuclear, algum eventual porta-aviões ou outros instrumentos de projeção externa – caberia mencionar, mesmo rapidamente, dois outros problemas relevantes que também têm a ver mais com a ‘filosofia’ do documento do que propriamente com os meios e fins dessa concepção de defesa.
O primeiro tem a ver com a opção confirmada por um ‘serviço militar obrigatório’, aliás, acrescido de um recrutamento universal (quem não fosse aproveitado no ‘equalizador republicano’, iria para um equivalente civil). Esta opção parece decorrer mais de necessidades da força de terra, do que dos requerimentos das duas outras forças, que aparentemente se acomodariam – ou mesmo desejariam – a alternativa de forças totalmente profissionais e exclusivas. Opções de maior flexibilidade operacional recomendariam, provavelmente, a consideração da estratégia profissional para alguns tipos de missões militares (propriamente estratégicas), reservando-se o serviço universal para essa ocupação de ‘terreno republicano’ no grande espaço do Brasil ainda subdesenvolvido, como deseja certa ideologia pretensamente classista no documento. Aliás, o documento trai suas origens mais sociológicas do que propriamente institucionais ao mencionar expressamente o objetivo de incorporar todas as ‘classes sociais” a esse projeto pretensamente republicano: trata-se, provavelmente, da primeira vez que o Estado brasileiro trabalha com o conceito de classes sociais, em lugar de um equivalente verdadeiramente universal e igualitário, o de cidadãos, ao pretender formular uma política pública relevante.
O segundo problema tem a ver com a velha questão nuclear. Ademais de referir-se às possibilidades energéticas e tecnológicas do vetor nuclear, a END parece lamentar, em duas passagens, o abandono pelo Brasil dessa possibilidade ‘militar’: o Brasil “privou-se da faculdade de empregar a energia nuclear para qualquer fim que não seja pacífico”, e “proibiu-se a si mesmo o acesso ao armamento nuclear”, o que revela, provavelmente, alguma inclinação dos formuladores do documento. Inconsciente ou deliberadamente, esse tipo de linguagem pode representar uma eventual tentativa de deixar a opção aberta, caso novos desenvolvimentos internacionais, do lado do TNP, tornem viável ou factível alguma futura revisão constitucional no plano nacional. Esse ‘desejo secreto’ pode revelar-se problemático no plano internacional e até no regional, inclusive porque está expressamente dito que o Brasil “não aderirá a acréscimos ao TNP destinados a ampliar as restrições do Tratado sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do Tratado: seu próprio desarmamento nuclear”. Essa posição é uma espécie de prolongamento da recusa do TNP mantida durante 30 anos pelos estrategistas – militares e diplomáticos – brasileiros em relação a esse vetor considerado fundamental de qualquer estratégia dissuasória no plano mundial.

Finalmente, cabe registrar, mais uma vez, o aspecto positivo da divulgação da END, pelo simples fato de existir e de permitir debates públicos em torno de ‘uma’ END e, sem pretender retomar um chavão que diria que ‘uma outra END é possível’, sublinhe-se apenas que ela começa o debate sobre onde, e com que instrumentos, o Brasil quer chegar em matéria de defesa e de segurança estratégica. Com a atual conformação nacionalista, soberanista, autonomista e arrogantemente tutelar no plano regional, sem mencionar a rejeição preventiva da ‘cooperação imperial’, pode-se legitimamente perguntar se jamais o Brasil chegará ao ponto indicado na END. A grande ambição da atual END é, provavelmente, o ideal do ponto de vista dos militares: pergunta-se apenas se ela é factível e se é essa a END que interessa ao Brasil, como nação integrada à região e ao mundo. O tema permanece sob exame.
Brasília, 11 de fevereiro de 2009

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Ver também este outro:

 
Novamente postado neste blog:
 http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/end-mas-nao-end-apenas-estrategia-assim.html

Meu mundo acabou? O Itamaraty e os cortes nas contribuições - FSP

Governo brasileiro avalia se abandona grupos ligados ao Mercosul

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O Itamaraty avalia uma lista elaborada pelo Ministério do Planejamento com 34 organizações internacionais das quais o Brasil poderia sair para reduzir gastos. Segundo o Planejamento, a despesa total da participação brasileira com esse tipo de organismo poderia chegar, sem os cortes, a R$ 5 bilhões em 2017.

A Secretaria-Geral do Itamaraty havia pedido que os postos no exterior e em Brasília que têm relação com as organizações apresentassem até esta sexta-feira (17) uma avaliação sobre o impacto para o país de uma eventual saída de cada uma delas.

Carlos Lebrato - 3.fev.2016/Anadolu Agency/Getty Images
Sede do Mercosul em Montevidéu; para cortar gastos, governo de Michel Temer avalia abandonar grupos
Sede do Mercosul em Montevidéu; para cortar gastos, governo de Michel Temer avalia abandonar grupos

Entre as organizações listadas pelo Ministério do Planejamento, estão fóruns com certo peso regional, como a Comissão Intergovernamental dos Países da Bacia do Prata, ou ambiental, como a Comissão Internacional da Baleia, além de um organismo da ONU —a Unido (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial)– e o Fundo de Cooperação Técnica da Agência Internacional de Energia Atômica.

Há ainda a Organização Internacional do Cacau —produto do qual o Brasil é o sexto maior produtor mundial—, a Organização Internacional da Vinha e do Vinho.

Outras, menos conhecidas, incluem a Comissão Internacional da Pimenta do Reino e o Acordo de Conservação de Albatrozes e Petréis.

Mais relevante, a lista à qual a Folha teve acesso inclui seis organizações do Mercosul, como a Secretaria do Tribunal Permanente de Revisão —criado para solução de controvérsias—, o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos e do Fundo de Promoção do Turismo.

Este último foi aprovado no Congresso em outubro, e o Brasil é, entre os quatro membros-fundadores, o que colocaria mais dinheiro no fundo: 65% da primeira contribuição anual de US$ 603 mil (US$ 392 mil ou R$ 1,3 milhão).

Apesar de a lista incluir os seis organismos e de o Itamaraty solicitar a avaliação sobre seu peso, o Ministério do Planejamento disse à Folha que "não há discussão sobre a saída de organismos pertencentes ao Mercosul".

Os pontos listados por cada área do Itamaraty servirão de "subsídio" para a decisão na Cipoi (Comissão Interministerial de Participação em Organismos Internacionais), que foi criada em fevereiro e reúne representantes da Casa Civil e dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e das Relações Exteriores.

DÍVIDA

Há cerca de um ano, quando teve início a discussão sobre a saída de organizações internacionais, a dívida total do governo brasileiro com esse tipo de organismo passava de R$ 2,7 bilhões. No fim de 2015, o Brasil era o segundo maior devedor da ONU —atrás só dos EUA—, com US$ 124 milhões em dívidas.

Pelas regras da ONU, um país pode ser punido com a perda do direito a voto na Assembleia-Geral caso sua dívida seja equivalente a dois anos de contribuição.

Após o vazamento da lista, o Ministério do Planejamento diz que o debate sobre os cortes já foi iniciado, "mas não há, até o momento, nenhuma decisão tomada sobre se o país se desligará de organismos internacionais e quais seriam eles". 

Tratado Geral da Máfia: treze singelas proposições inocentes - Paulo Roberto de Almeida

Voilà: mais do que na hora, em tempo e já meio atrasado. Com vocês, o meu, o seu, o nosso...

Tratado Geral da Máfia: treze rápidos registros sobre um fenômeno persistente - Paulo Roberto de Almeida

Tratado Geral da Máfia
treze rápidos registros sobre um fenômeno persistente

Paulo Roberto de Almeida

1. A Máfia é uma associação entre iguais, sendo que alguns desses iguais são mais iguais que os demais. 

2. Os mais iguais da Máfia são inimputáveis e, nessa condição, não reconhecem leis ou regras de não membros, ou de quaisquer outras origens, que pretendam torná-los imputáveis, o que retiraria, na visão deles, o prefixo deste último conceito. Os mais iguais ficam particularmente irritáveis com as limitações legais que os comuns tentam implementar e que possam contrariar os objetivos gerais da Máfia.

3. A Máfia é uma associação voltada exclusivamente para o seu interesse próprio. O interesse próprio da Máfia e dos mafiosos é o poder, de preferência absoluto, sua conquista e sua manutenção. Eventualmente, eles contam com aliados subordinados, contra quaisquer outras forças ou fatores que possam resistir aos seus objetivos. 

4. A defesa do interesse próprio da Máfia é o dever principal e primordial dos iguais e dos mais iguais, sobre quaisquer outros objetivos gerais ou particulares de todos e cada um. Os mais iguais é que dispõem sobre o interesse da Máfia; os demais têm o direito e o dever de segui-los, mais o segundo do que o primeiro.

5. O objetivo geral da Máfia prima sobre os interesses individuais dos mafiosos, que, em nome da obediência estrita a esse objetivo primordial, a ele sacrificarão seus interesses pessoais em favor desse objetivo geral. Tal código de disciplina não é exclusivo da Máfia, sendo comum a determinadas associações corporativas, mas é nela implementado de maneira particularmente eficaz (por vezes hedionda, mas não destinada a ser do conhecimento de almas sensíveis ou de menores de idade).

6. Em contrapartida à fidelidade absoluta e obediência cega às suas principais regras, os membros da Máfia dela recebem total solidariedade, em quaisquer circunstâncias, mesmo quando temporariamente ausentes – geralmente contra a sua vontade – das atividades concebidas e implementadas em favor do objetivo geral da corporação. 

7. Os mais iguais constituem uma família original ou forjam laços similares aos de uma família, havendo solidariedade implícita entre os seus membros, que respondem pelo comportamento de qualquer um dos demais integrantes da família. Os menos iguais terão de ter seu estatuto aprovado por alguma família, antes de poderem ser reconhecidos como membros não originais da família maior, mas a ela deverão solidariedade e obediência, como igualmente exigido de qualquer membro original. Uma vez consolidado esse vínculo, ele se torna indelével e indestrutível. 

8. Como em outras corporações da espécie, os membros da Máfia devem observar as normas de silêncio obsequioso e de estrito cumprimento às ordens dos mais iguais, observadas as regras de disciplina e de hierarquia que costumam imperar nesses meios. A não observância dessas regras pode submeter o inadimplente às sanções habituais em vigor na Máfia, eventualmente de forma definitiva. 

9. A Máfia não professa qualquer religião que não a sua própria, que é estritamente confessional e baseada nas regras gerais e nos princípios da Máfia. Os mais iguais são os altos sacerdotes dessa religião laica, que não possui textos sagrados nem ritos particulares, apenas aqueles que são fixados aleatoriamente pelos mais iguais. A Máfia só deve obediência a um deus: o seu próprio interesse totalitário de manter, ampliar, preservar e eternizar o seu poder. Esse deus é particularmente vingativo.

10. A Máfia tampouco adere a um culto humano qualquer, a não ser ao da seleção determinista dos mais iguais, que devem ser preservados a despeito de quaisquer acidentes naturais e contra quaisquer imponderáveis da fortuna e da sorte. Os demais iguais, como formigas ou abelhas da comunidade, estão ali para preservar o poder dos mais iguais, e assegurar que a espécie tenha continuidade e expansão.

11. A Máfia não se vincula a qualquer ideologia política, a não ser a do seu interesse próprio, que pode conviver com diversas orientações no campo dos regimes políticos e dos sistemas econômicos. Numa analogia superficial, a Máfia se coaduna bem mais com regimes corporativos, fascistas, autoritários, ou mesmo totalitários, e menos com sistemas abertos e transparentes. A Máfia e os mais iguais não pretendem prestar contas de suas atividades e iniciativas a qualquer autoridade que não a dela.

12. Os membros da Máfia têm o dever de contribuir para o fortalecimento, sobretudo financeiro, da corporação, que assume várias formas associativas e identidades. Se algum membro da Máfia enfrentar dificuldades no mundo dos comuns, a corporação lhe presta total solidariedade em quaisquer circunstâncias, determinação ainda mais enfática no caso dos mais iguais, que podem contar com todos os recursos da Máfia. A contrapartida, seguida invariavelmente por todos os membros, é o silêncio e a proteção dos interesses da corporação, de seus negócios e de suas atividades. 

13. A Máfia sempre tem razão, e essa razão é exclusivamente aquela expressa pelos mais iguais. Eventuais opiniões em contrário devem ser confrontadas, e seus emissores devem ser convencidos de que a verdade da Máfia é sempre a melhor, independentemente de quaisquer fatos contrários ou provas circunstanciais. Na ausência de convencimento, ou de reconhecimento explícito, a corporação e seus membros têm o dever de corrigir os recalcitrantes e os obstrutores da verdade da Máfia. Perdas colaterais, por vezes até internas, são admitidas nesse processo, que é estritamente controlado pelos mais iguais. A decisão última sobre a verdade da Máfia pertence aos mais iguais, mas, em última instância, quem decide sobre a melhor verdade é o mais igual dentre os mais iguais.

Pela exegese da organização:
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 2542: 7 de Dezembro de 2013 

Tratado Geral da Máfia: um texto premonitório?

Será que é o caso de postar novamente esse estudo sociológico sobre um problema real? Mas seria um fenômeno puramente italiano, ou geral, universal, brasileiro? 
Em todo caso, acho que já figura na listinha selecionada de postagens exemplares, aqui ao lado na coluna da direita (êpa!).
Paulo Roberto de Almeida 

2542) Tratado Geral da Máfia: treze rápidos registros sobre um fenômeno persistente (2013)

Abstract: 
Hartford, 7 Dezembro 2013, 2 p. Considerações sobre um fenômeno da política contemporânea. Publicado no blog Diplomatizzando. Reproduzido no blog do Instituto Millenium (13/12/2013 ).

4 milhões e meio de visualizações: não é pouca coisa - Blog Diplomatizzando

Como é que se diz?: de grão em grão a galinha enche o papo?
Pois é: eu ainda não enchi papo nenhum com este tal de blog Diplomatizzando (inclusive porque gasto mais com ele, em tempo certamente, dinheiro não muito, ou nenhum), mas ele me dá certa satisfação egocêntrica e narcisista, ao contemplar, agora mesmo, suas estatísticas de acesso e constatar que este pequeno e modesto bloguezinho improvisado (perdido no imenso oceano de blogs de todos os tipos, cores, sexos, ps, gêneros), já conseguiu dobrar a curva dos 4,5 milhões de acessos, ou visualizações.
Ainda preciso voltar àquela ideia maluca (impossível?) de taxar em 0,01 cada acesso --mas seria em dólares, reais, euros, ienes, yuans? -- para poder fazer aquela minha previdência complementar há muito tempo sonhada (já que a oficial terá quebrado três vezes antes de eu me aposentar).
Em todo caso, estes são os materiais mais acessados no período recente neste bloguezinho de brincadeira:

Posts 




Paulo Roberto de Almeida

Dados contraditórios (irreais?) sobre o tal de aquecimento global -Eduardo Castanho

Dois editoriais recentes da Folha de São Paulo tocaram num assunto para lá de controvertido. A questão dos gases de efeito estufa e seu possível efeito sobre mudanças climáticas.
Mostraram de modo explícito o equívoco científico em que a COP 21 se enredou. A simples revisão das emissões brasileiras, que não é uma pequena ilha perdida no meio do Oceano Pacífico, mostrou uma diferença de quase um terço (28,6%) entre um resultado e outro levantamento e avaliação. Um terço dessas emissões brasileiras, que seria o esforço de redução é igual a mais de 300 milhões de toneladas de CO2 equivalentes, ou igual as emitidas por um País como a França.
E, aparentemente, isso em nada alterou as metas de redução de produção de gases ou ainda o que poderia acontecer com o clima planetário. Mesmo tendo- se partido da premissa que reduzindo a queima de carbono fóssil, a atmosfera do Planeta, principalmente a temperatura, ficasse com um aumento de no máximo 2ºC até 2050, como estipulado em Paris.
Como conseguiram determinar com tamanha precisão as previsões para o meio do século? Chutaram é evidente. Isso não tem validade científica e quem respaldou essa barbaridade foi o stablishment científico representado pelo IPCC.
Como acreditar e confiar nessas contas?
Como tomá- las como referência para o estabelecimento de políticas nacionais e globais que terão implicações em todos os setores das sociedades humanas?
Como acreditar que reduções de tantas mil toneladas implicarão em diminuição da temperatura média do planeta, se diferenças da magnitude apresentada no caso brasileiro são calculadas (e quase não divulgadas) sem o menor constrangimento e sem gerar nenhuma correção nas pretensas ações mitigadoras.
No caso brasileiro essas metas de mitigação estão projetadas sobretudo junto ao setor agropecuário da economia. Para variar números megalomaníacos como ressaltou muito bem a Folha.
Só para relembrar, no final dos anos 80 a USP coordenou um projeto que já preconizava o plantio de florestas para minimizar os impactos das mudanças climáticas. O FLORAM era uma concepção abrangente de como as florestas poderiam contribuir tanto com o ambiente como com a economia. Esse projeto teve um desdobramento em São Paulo com um plano de desenvolvimento florestal sustentável que propunha o plantio de quatro milhões de hectares no Estado, formulado no início da década de 90. Tais formulações ainda são atuais e se encaixam perfeitamente nas projeções governamentais acrescidas das propostas para o setor pecuário e de integração floresta- agropecuária. À época como agora, o limitador era achar como financiar esses mega projetos. Não se falava ainda em serviços ecossistêmicos, nem em mercados internacionais desses novos “produtos”.
Independentemente dessa concepção, a  redução dos desmatamentos e das queimadas, a adoção de técnicas sustentáveis pela agropecuária, o aumento de produtividade das pastagens, o incremento das áreas florestais, a proteção da biodiversidade e de recursos hídricos, e assim por diante, são compromissos que devem ser assumidos porque apontam para um mundo mais equilibrado e mais sustentável, transitando de ecossistemas simples para os de maior complexidade.
É primordial, portanto, que se atente o olhar sobre as atividades agrícolas que são as únicas ações humanas que captam carbono da atmosfera e o transformam em fibras, alimentos, energia, etc. Fazem o papel que os antigos fisiocratas conferiam ao setor: é o único que produz, enquanto os outros apenas transformam.
No cômputo geral, mesmo que um provável aquecimento global se devesse também às atividades humanas, o papel da agropecuária nesse processo seria desprezível, apesar das metodologias empregadas apontarem essas atividades como grandes emissoras de gases efeito estufa.