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quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Um precedente relevante no Direito Internacional Comercial: a aplicação unilateral de retaliações - Assis Moreira (Valor)

 Brasil adotará retaliação unilateral tendo Índia e Indonésia como primeiros alvos


Por Assis Moreira, Valor — Genebra
Valor Econômico, 12/01/2022 13h37  Atualizado há 45 minutos

O governo brasileiro vai se dotar de arsenal para aplicar retaliação unilateral contra países que foram condenados por medidas ilegais sobre exportações brasileiras, mas usam artimanhas para manter as restrições, conforme o Valor apurou.

Uma medida provisória (MP), já aprovada em reuniões ministeriais, e atualmente na Casa Civil, autoriza o Poder Executivo a retaliar proporcionalmente e de forma unilateral, em casos de ganhos de contenciosos na OMC, quando o país perdedor fizer a chamada “apelação no vazio”.

Foi o que aconteceu nesta semana com a Índia, na disputa do açúcar, e com a Indonésia, no fim de 2020, num contencioso envolvendo barreiras à entrada de carne de frango. Os dois países recorreram ao Órgão de Apelação sabendo que o mecanismo está inoperante e não pode decidir; daí o termo “apelação no vazio”. Com isso, na prática, travam a vitória brasileira e mantêm as medidas julgadas ilegais pelo painel (comitê de investigação) que custam milhões de dólares de prejuízos a produtores brasileiros.

Índia e Indonésia são assim potencialmente os primeiros ameaçados quando a MP entrar em vigor. Uma retaliação ocorre na forma de sobretaxa sobre bens e serviços provenientes dos países alvejados ou também suspensão de direitos de propriedade intelectual.

O secretário de Comércio Exterior e de Assuntos Econômicos do Itamaraty, Sarquis J. B. Sarquis, enfatizou que “a atual paralisia do Órgão de Apelação da OMC está na origem da iniciativa concebida pelo Itamaraty, que visa tanto proteger os interesses comerciais legítimos do País no marco do sistema multilateral do comércio, como promover o próprio funcionamento pleno do sistema baseado em regras e nos princípios fundamentais da OMC”.

Uma vez que o Órgão de Apelação da OMC volte a funcionar a contento, a iniciativa terá cumprido seu propósito”, completou.

Na mesma linha, o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, afirmou: “Entendemos que é um mecanismo muito importante para enfrentarmos a situação atual de apelações no vazio. O governo brasileiro está empenhado no processo de reformas da OMC, assim como no restabelecimento tempestivo do seu Órgão de Apelação. Não podemos compactuar com o uso oportunístico da situação atual, em claro prejuízo ao nosso setor produtivo.”

As regras atuais da OMC permitem que um país aplique retaliação comercial se o condenado não implementar as recomendações do Órgão de Apelação, espécie de corte suprema do comércio internacional.

Ocorre que o Órgão de Apelação está paralisado, sem nenhum dos sete juízes permanentes, porque Washington bloqueia a nomeação de novos árbitros. Enquanto perdurar esse fato jurídico, que ninguém tinha previsto, os membros da OMC têm a possibilidade de contornar as condenações estabelecidas por painel e evitar alterar as medidas consideradas ilegais.

O Brasil seguirá agora o exemplo da União Europeia, com o mecanismo de retaliação unilateral. Enquanto o Órgão de Apelação não funcionar, e o país condenado não participar de um mecanismo paralelo de arbitragem, Brasília vai impor o que negociadores chamam de princípio de precaução para proteger interesses dos produtores nacionais.

Um grupo de 25 membros da OMC, incluindo a União Europeia (27 países), tentou atenuar o problema do bloqueio do Órgão de Apelação criando um sistema de arbitragem paralelo plurilateral. Os contenciosos entre seus participantes têm assim decisão final. Por exemplo, a mais recente disputa aberta pelo Brasil, que é contra a UE envolvendo barreiras a carne de frango no mercado europeu, está assegurado que terá decisão implementada, porque ambos participam desse mecanismo plurilateral

Já a Índia e a Indonésia não participam desse mecanismo plurilateral. Em 2019, quando o Brasil denunciou a Índia por políticas ilegais de apoio ao setor açucareiro, que afetam os preços internacionais, o Itamaraty mencionou que estimativas de especialistas apontavam prejuízos de até US$ 1,3 bilhão para os exportadores brasileiros por ano.

No caso da Indonésia, os cálculos são de que o Brasil poderia vender até 3 mil toneladas de carne de frango por ano na fase inicial, se restrições condenadas fossem levantadas. Mas o governo indonésio resiste há anos.

O Brasil ganhou, sem realmente levar, uma disputa contra o país asiático em 2017. Um painel (comitê de investigação da OMC) deu razão ao Brasil naquele ano. A Indonésia teve prazo até julho de 2018 para implementar as recomendações dos juízes. Fez algumas modificações que o Brasil considerou insuficiente.

Um outro painel foi então aberto para examinar a implementação das recomendações dos juízes, e o Brasil ganhou de novo, ao comprovar que os indonésios mantiveram restrições às exportações brasileiras. A Indonésia então apelou ao vazio em dezembro de 2020, sabendo que o Órgão de Apelação da OMC não funciona.

Índia e Indonésia estão hoje entre os países que mais subsidiam a agricultura no mundo. E a paralisia do órgão de apelação da OMC acaba na prática por beneficiá-los. “O Brasil continua trabalhando ativamente para o restabelecimento do Órgão de Apelação e para o pleno desenvolvimento das regras e da reforma da OMC, inclusive em agricultura e disciplinas para subsídios, conforme termos e mandatos estabelecidos desde a Rodada Uruguai”, disse Sarquis.

A paralisia do Órgão de Apelação provocada pelos norte-americanos “é muito grave, dá a impressão de que os EUA não querem mais a OMC, no sentido de um sistema de regras e de disciplinas multilaterais, consentidas, aplicadas, com um processo de contencioso que obriga a parte perdedora a obedecer” a decisão, nota Pascal Lamy, ex-diretor-geral da OMC

Ele lembra que essa obrigação de respeitar as decisões, sob pena de retaliação, é que distinguia a OMC de outras organizações cujas regras são mais ou menos aplicadas e onde os Estados, quando eles perdem um caso diante da Corte de Justiça de Haia, por exemplo, guardam a soberania de aplicar ou não o resultado.

Lamy avalia que os EUA são obcecados pela China, querem poder bater unilateralmente sem estar ligados ao respeito de regras da OMC e a decisões de seu Órgão de Apelação. Essa ausência americana provoca uma degradação do sistema multilateral, e mais países buscam arsenais unilaterais.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/01/12/brasil-adota-retaliacao-unilateral-na-omc-tendo-india-e-indonesia-como-primeiros-alvos.ghtml

Homeric Epithets: Famous Titles From 'The Iliad' & 'The Odyssey' - Word Genius

 

Homeric Epithets: Famous Titles From 'The Iliad' & 'The Odyssey'

Direito Internacional no Brasil: pensamento e tradição - George Rodrigo Bandeira Galindo, 2 vols (Lumen Juris)


  O atual Consultor Jurídico do Itamaraty, jurista e professor George Rodrigo Bandeira Galindo, deu a partida, alguns anos atrás, a um ambicioso projeto de "garimpagem", ou escavação jurídico-histórica, no sentido de resgatar os grandes mestres do internacionalismo jurídico no Brasil, desde as origens, ainda na criação das primeiras faculdades de Direito no primeiro Reinado, até os dias atuais.


Depois de muita labuta, e com a colaboração de algumas dezenas de mestres do direito, internacionalistas, alguns diplomatas e outros batalhadores do Direito Internacional no e do Brasil, os dois primeiros volumes dessa magnífica coleção vieram a lume, justamente pela Editora Lumen Juris:

George Rodrigo Bandeira Galindo (organizador):

Direito Internacional no Brasil : pensamento e tradição, 2 vols.

(Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2021, 460 e 444 p; 

ISBNs: 978-65-5510-741-8 e  978-65-5510-742-5 

Tenho o prazer de apresentar, acima, a capa do primeiro volume, que é similar,


 mas não semelhante, à do segundo volume, assim como, aqui ao lado, a gentil dedicatória que ele me fez ao encaminhar os dois primeiros volumes. 

Não figuro ainda nestes dois primeiros volumes, pois minha colaboração, feita já em 2019, relativa ao diplomata internacionalista Rubens Ferreira de Mello deverá constar de um terceiro volume: “Rubens Ferreira de Mello: o primeiro tratado brasileiro de direito diplomático”, Brasília, 3 março 2019, 20 p.

Transcrevo, por importante, mais abaixo, os sumários dos dois volumes já publicados, e aproveito para também inserir o trecho da Introdução no qual o Consultor Jurídico informa sobre os ausentes, grandes nomes do internacionalismo jurídico no Brasil cujas lacunas poderiam ser preenchidas por eventuais interessados em participar desta valiosa iniciativa. Também coloco, o trecho no qual o professor Galindo informa aos candidatos seus critérios metodológicos, ou seja, questões que poderiam ser respondidas por eventuais colaboradores a respeito do seu personagem, ainda faltante, e a respeito da obra por ele conduzida nesse terreno.

Termino por cumprimentar o professor Galindo por este brilhante empreendimento, ao mesmo tempo em que convido novos voluntários a escolherem alguns dos nomes carentes nesta bela homenagem recapitulativa aos grandes mestres do Direito Internacional no Brasil.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 de janeiro de 2022

Sumario do 1. volume:



Sumario do 2. volume:



Eis os grandes mestres ainda faltantes do empreendimento em curso atualmente: 


Finalmente, as questões colocadas, sugestivamente, aos colaboradores.


Introdução de George Galindo, neste arquivo: 

Direito Internacional no Brasil: pensamento e tradicao - George Galindo, 2 vols (2021)

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Inteligência Artificial e a Defesa Nacional - Rubens Barbosa (OESP)

 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A DEFESA NACIONAL

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 11/01/2022

 

            Quem quer se torne o Número Um na Inteligência Artificial (IA) será o líder do mundo (ruler of the world), previu, em 2017, o presidente da Rússia, Wladimir Putin. China e EUA estão hoje bem à frente do desenvolvimento da tecnologia cognitiva.

            Como todo avanço e inovação tecnológica, a IA pode ser utilizada para projetos voltados para o bem, mas também para o mal. Apresentam muitos aspectos positivos, mas também negativos. Pelo potencial de risco de sua utilização, não deixa de ser surpreendente que até aqui a incorporação da IA na indústria bélica tenha sido tão pouco discutida.

Na edição de janeiro, a revista Interesse Nacional (www.interessenacional.com.br ) traz dois artigos, de Dora Kaufman e Marcelo Tostes, que resumem as tratativas internacionais para regulamentar o “sistema de inteligência artificial, que pode ser entendido como um sistema baseado em máquina, projetado para operar com vários níveis de autonomia, e que pode também, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo ser humano, fazer previsões, recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais”, na definição da OCDE. A UNESCO (a Ética na IA), a União Europeia (IA Act), os EUA (FDA e Senado, com Projeto de Lei sobre Responsabilização Algorítmica) e a Administração da Cibernética Espacial, na China, apresentaram propostas que tratam de diversos aspectos desse sistema. Acrescento que o governo brasileiro divulgou, em 2021, a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial – EBIA, com fortes críticas por parte de especialistas por suas limitações técnicas e políticas. A Câmara dos Deputados aprovou, no ano passado, o Projeto de Lei 21/2020, que propõe a criação de uma base legislativa geral e vinculante para regular os sistemas de inteligência artificial no país.

               No campo militar, a IA representa o maior salto tecnológico qualitativo, desde o aparecimento da energia nuclear e da produção de armas nucleares, com a diferença do desenvolvimento e aplicação da IA ser substancialmente menos custoso e potencialmente mais fácil de ser empregado, inclusive por terroristas e por Estados Párias (Rogue States). A OTAN está desenvolvendo novas formas de guerra cognitiva, usando supostas ameaças da China e da Rússia para justificar travar batalha pelo cérebro, no domínio humano, para fazer de todos uma arma. Será a militarização da ciência do cérebro que envolve “hackear o individuo, explorando as vulnerabilidades do cérebro humano para implementar uma engenharia social mais sofisticada”. Apesar de as autoridades militares da China, Alemanha, Rússia, Estados Unidos e diversos outros países terem anunciado, há algum tempo, que a criação de sistemas de combate integralmente autônomos não era seu objetivo, tais sistemas provavelmente já devem ter sido criados. Na percepção militar, apenas sistemas de combate com IA poderão, no caso de guerras, penetrar em áreas fechadas e operar com uma relativa liberdade. 
               A regulamentação da utilização da IA para fins militares, contudo, começou a ser discutida no âmbito das Nações Unidas, mas encontra resistência por parte das principais potências que procuram ganhar tempo para obter vantagens, antes da negociação de acordos que coloquem limites e cautelas ao seu uso. Como, aliás, foi o que aconteceu com as armas nucleares, cujo tratado de não proliferação só se materializou quando finalmente as potências nucleares deram seu assentimento.

O problema que desafia os organismos multilaterais é como controlar os “sistemas de armas autônomas letais” (Laws, na sigla em inglês), representados por qualquer plataforma móvel: drônes, androides, aviões que voam sozinhos. A IA pode substituir os recursos humanos em tudo, desde armas operacionais para coleta e análise de inteligência, sistemas de alerta antecipado, e de comando e controle. A utilização de drônes para fins militares (robôs assassinos) já está muito difundida e a guerra antissatélite vem esquentando.

A disputa entre os EUA e a China pela hegemonia global no século XXI passa pela corrida tecnológica em todos os segmentos, inclusive na utilização da IA para fins militares, com impactos que vão alterar a correlação de forças no mundo. Os EUA contam com seus aliados europeus na OTAN e a China com seus parceiros, inclusive a Rússia.

As rápidas transformações que ocorrem em decorrência desses avanços tecnológicos trarão impactos importantes sobre países, como o Brasil. Do ângulo da Politica Nacional de Defesa e da Estratégia Nacional de Defesa, se o Brasil não dispuser de capacidade tecnológica para utilizar o sistema de inteligência artificial estará em grande desvantagem em seu poder de dissuasão, caso tenha de enfrentar qualquer ameaça para a defesa de seus interesses, seja em seu território, seja na sua extensão marítima. Urge, pois, a expansão da capacidade de criação e de desenvolvimento para a utilização da IA pelo Ministério da Defesa. Nesse sentido, o Centro de Defesa Cibernética, no âmbito do Exército, deveria ser fortalecido com recursos humanos e financeiros para, com o apoio da base industrial de defesa, gerar produtos, inclusive de uso dual para o mercado doméstico e para exportação.   

               

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN) e membro da Academia Paulista de Letras

Nova edição da “Revista do IEB” (n. 80) celebra a história do instituto: 60 anos em 2022 da USP- Jornal da USP

 

Nova edição da “Revista do IEB” celebra a história do instituto

Em seu 80º número, publicação registra a trajetória do Instituto de Estudos Brasileiros da USP que completa 60 anos em 2022

 Publicado: 10/01/2022
Por 
Sessão solene de abertura do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e I Seminário de Estudos Brasileiros, em 13 de setembro de 1971. Da esquerda para a direita: José Aderaldo Castelo (diretor de 1966 a 1981); Orlando Marques de Paiva (vice-reitor à época; reitor de 1973 a 1977); Sérgio Buarque de Holanda (diretor de 1962-1964, fundador do IEB). Fotógrafo: Jorge Maruta – Arquivo IEB-USP – Foto: Reprodução/Revista do IEB

 

O Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP é um centro multidisciplinar de pesquisas e documentação sobre a história e as culturas do Brasil e guarda muitos tesouros, como quadros de Tarsila do Amaral, cartas de Mário de Andrade e um dos livros mais antigos presentes no Brasil, Crônicas de Nuremberg (1493). A fim de celebrar os 60 anos do instituto em 2022, a 80ª edição da Revista do IEB, publicada em dezembro do ano passado, mostra fotos da antiga sede do centro, construções da nova sede, edições antigas da  publicação, entre outros registros que compõem a história do IEB. A revista tem por finalidade publicar artigos originais e inéditos de pesquisadores e autores visando a fomentar a pesquisa nacional, além de resenhas e documentos relacionados aos estudos brasileiros (história, literatura, artes, música, geografia, economia, direito, ciências sociais, arquitetura etc.). “Em tempos de constantes ataques à ciência, ao serviço público e ao patrimônio público, os textos que compõem este número reafirmam a missão de ‘promover uma reflexão crítica sobre o Brasil, a partir da prática da interdisciplinaridade e da pesquisa em acervos’ do Instituto de Estudos Brasileiros”, escrevem os editores e professores da USP Inês Gouveia, Luciana Suarez Galvão e Walter Garcia.

O primeiro artigo, As caravanas: racismo e novo racismo, de Adélia Bezerra de Meneses (USP), explora a ambiguidade da toponímia (estudo linguístico e histórico da origem dos nomes de lugar) carioca na música As Caravanas, de Chico Buarque. A autora faz um aprofundamento da crítica literária dos versos mostrando como o passado escravocrata permanece na zona sul do Rio de Janeiro. Lançada em 2017, a música expõe temas como a exclusão social, o racismo e a islamofobia. A fim de ilustrar essas questões, Adélia realiza um aprofundamento na análise com notícias. Segundo ela, essa canção não é uma crônica carioca, ela vai fundo no ethos do País.

Caravana de Escravos na África – Gravura do século 19 – Fonte: Redenbacher, 1890 – Foto: Reprodução/Revista do IEB

 

Braços nas argolas e sorrisos nos rostos: narrativas museais sobre a escravidão é o título do artigo de Vinícius Oliveira Pereira e Alexandra Lima da Silva, ambos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Trata-se do mapeamento e a identificação de museus dedicados ao temas sobre tráfico transatlântico de pessoas escravizadas e a escravidão. O texto se inicia com a cena de turistas tirando fotos e posando ao lado do Pelourinho de Mariana (MG), demonstrando insensibilidade com a memória que remete a anos de tortura e resistência. A partir daí os escritores se debruçam, entre outros temas, sobre “a insistência por parte das instituições museais em valorizar a dimensão da violência cometida contra escravizados” e “a desvinculação entre trauma e racismo”. O artigo examina imagens dos acervos disponíveis na internet e das postagens publicadas nas redes sociais dos museus identificados e a compreensão de narrativas sobre a escravidão visibilizada nesses espaços.

Itens diversos – Museu do Escravo – Fonte: Tripadvisor, 201 – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

 

Já no ensaio de Paulo Toledo Bio (UFRJ), Modos de conexão popular no cinema brasileiro pré-64: Considerações sobre Vidas Secas, Os fuzis e o inacabado Cabra marcado para morrer, explora três exemplos da tentativa de estabelecer laços “com as frações populares e marginais do País” naquele período. Os destaques nas produções são a geografia do sertão, a miséria extrema, a luta de classes e o messianismo. Nesse sentido, o texto promove uma reflexão sobre a conexão dos realizadores desses filmes da década de 1960 com a população marginalizada brasileira no nível temático, estético e político das obras.

Ainda na área do cinema, mas em conjunto com os campos literário e historiográfico, Do dois ao três, ou A reprodução da burrice paulista, de Victor Santos Vigneron (USP), traz uma revisão bibliográfica e se ampara em pesquisa no acervo da Cinemateca Brasileira para analisar a adaptação cinematográfica de Amar, verbo intransitivo, de Paulo Emílio Salles Gomes. Inspirado no romance de mesmo título de Mário de Andrade, publicado em 1927, a adaptação cinematográfica é objeto de análise em relação às escolhas formais e temáticas feitas pelo autor com outros aspectos significativos de sua trajetória.

Parte da obra epistolar de Mário de Andrade e de sua fortuna crítica é analisada em Cartas para Murilo Miranda, o amigo com quem envelheço, artigo de Monica Gomes da Silva (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) e Matildes Demétrio dos Santos (Universidade Federal Fluminense). As correspondências expõem o embate entre o funcionalismo público e a atividade artística que se refletiram em uma escrita que “transgride os limites convencionais do gênero […], pelo seu valor literário e histórico”. Nas cartas trocadas entre Mário de Andrade a Murilo Miranda entre 1934 e 1945, percebe-se um Mário muito distante da utopia vanguardista dos primeiros anos do Modernismo brasileiro.

As técnicas composicionais empregadas em Canções sem metro (1900), de Raul Pompeia, são objetos de estudo de Marconi Severo (Universidade Federal de Santa Maria). Em Literatura e filosofia em Raul Pompeia se observam as técnicas do “chiaroscuro” e da “circularidade interna” na obra de Pompeia que, para 0 autor, conseguiu, sob o preço da incompreensão crítica, abordar literariamente suas reflexões filosóficas. Para Severo, essas são mais reformistas do que revolucionárias; mais detidas no homem em si, apesar de considerá-lo como essencialmente mau, do que em aportes metafísicos. “Recorrendo a fontes originais, procuro destacar que a crítica corriqueiramente recaiu em um grande equívoco ao ressaltar um aspecto mais pessimista e sombrio de Raul Pompeia do que a análise de suas obras permite crer”, informa o autor.

A fim de estudar a interpretação de José Marianno Filho sobre a herança ibérica colonial brasileira, Ana Paula Koury (Universidade São Judas Tadeu) escreveu o artigo O Iberismo como primitivismo: a abordagem de José Marianno Filho. Nele, a autora expõe publicações da década de 1920, n’O Jornal, com a hipótese de que neles Marianno Filho incluiu a “herança ibérica como parte de um programa nacionalista, em sintonia com o quadro político do Brasil republicano”, acabando por fornecer elementos fundamentais para a “narrativa nacionalista do Modernismo”.

Recuando no tempo, Teatralidade e carnavalização. Zé Pereira no final do séc. XIX, de Marcelo Fecunde de Faria e Robson Corrêa de Camargo, ambos da Universidade Federal de Goiás (UFG), explora crônicas de Vieira Fazenda (1847-1917) e de Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa (1878-1961)” e busca compreender “a criação do personagem Zé Pereira” em meio a um período de “mudanças radicais” no Brasil e, sobretudo, no Rio de Janeiro, período do qual fez parte “o processo de higienização das festas de ruas”. O artigo faz parte de projeto de doutorado que investiga a carnavalização, as performances e as teatralidades luso-brasileiras nas manifestações que se intitulam Zé Pereiras.

José Malhoa – Volta da feira (Chegada do Zé Pereira à Romaria) – Óleo sobre tela, 1905 – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

 

O último artigo da seção, Entre Ciência e História: Brasil, um Jardim para a França, de Ana Beatriz Demarchi Barel (UEG), estuda as relações entre romances de José de Alencar e relatos de viagem de Ferdinand Denis e de Auguste de Saint-Hilaire. Essa literatura de viagens que diz respeito às relações entre França e Brasil remonta aos tempos pré-coloniais, quando, ao menos no século 17, narrativas míticas circulavam na Europa e descreviam, imaginando, o território que virá a ser chamado pelos portugueses de Brasil.

Outras seções

A seção Criação – publicada pela primeira vez na edição anterior da Revista do IEB, com o objetivo de publicar materiais inéditos de escritores e/ou artistas, fotógrafos, desenhistas, além de documentos inéditos encontrados no Arquivo do IEB-USP – reúne três Contos baldios, de Márcio Marciano. Dramaturgo e encenador, Marciano fundou a Companhia do Latão, em São Paulo e o Coletivo de Teatro Alfenim, em João Pessoa. Atualmente é consultor da Academia Paraibana de Cinema. Nas palavras do crítico José Antonio Pasta (2017, p. 22), seu trabalho artístico “tem o vezo de procurar resolver os problemas, não ao aliviá-los, obviando o que neles é obstáculo, mas, ao contrário, incrementando a sua dificuldade, extremando-a, até que ela passe no seu outro”.

Seção Documentação – Imagem: Reprodução/Revista do IEB

Na seção Documentação é publicado o artigo Quando restos mortais tornam-se rastros: algumas reflexões sobre a organização do Fundo Alice Piffer Canabrava do Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), de Otávio Erbereli Júnior (USP). O texto é resultado de uma operação arquivística na qual fazer, sentir e refletir se entrelaçam, conforme o autor. Durante os anos de 2015 e 2016, Erbereli Júnior teve contato diário com a documentação de Alice Piffer Canabrava. Em um primeiro momento, o autor narra a operação arquivística relacionada ao tratamento da documentação. O segundo momento é fruto de um fazer-sentir a partir desse contato íntimo e diário com a documentação, ou seja, traz algumas reflexões sobre as práticas de autoarquivamento empreendidas por Canabrava.

Na última parte da revista, Fábio Alexandre dos Santos (Unifesp) analisa e interpreta História Econômica do Brasil: Primeira República e Era Vargas, organizado por Guilherme Grandi e Rogério Naques Faleiros, no segundo volume da Coleção Novos Estudos em História Econômica do Brasil. No texto, Santos se dedica a pensar no complexo período que vai da Primeira República ao fim da Era Vargas. Seus artigos expressam essa complexidade dialogando com o conjunto das dinâmicas do sistema capitalista que marcaram a economia mundial no período, além de propor reflexões que inevitavelmente nos trazem para os problemas do presente. Da cultura cafeeira e dos efeitos dela decorrentes à proibição de as garçonetes trabalharem à noite, suas problemáticas nos convidam a pensar o processo de acumulação no Brasil, suas peculiaridades e o que somos.

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros número 80 pode ser baixada gratuitamente no Portal de Revistas da USP.  

Perspectiva Histórica da Democracia no Brasil - VI Conferência Atlantos - convite para palestra - Paulo Roberto de Almeida

 Recebo um novo convite para uma conferência do Instituto Atlantos, em Porto Alegre, desta vez para participar de uma nova edição de suas conferências anuais, como informa o comunicado abaixo: 

Prezado Sr. Paulo Roberto de Almeida, bom dia!

Repetindo o sucesso da sua participação no nosso evento do ano de 2021, gostaríamos de convidá-lo para participar como palestrante da VI Conferência Atlantos em nosso painel "Perspectiva Histórica da Democracia no Brasil"

Este ano o tema será a Democracia Brasileira sob as perspectivas histórica e futura e acontecerá entre os dias 09 e 10 de abril de 2022, no Teatro da Unisinos em Porto Alegre/RS.

Considerando a sua expertise, ficamos muito felizes em convidá-lo para participar como palestrante da VI Conferência Atlantos.

Caso tenha disponibilidade, sua presença seria uma grande honra para nós!

Havendo eventuais dúvidas, fico inteiramente à disposição.

Aproveito, também, para encaminhar os links de acesso às nossas redes sociais caso queira conferir nossos projetos.

Instagram: @institutoatlantos

Site: https://atlantos.com.br


Em 2021, participei virtualmente, e até tinha feito algumas notas para falar sobre o tema que me foi sugerido, como registrei nesta postagem: 

sábado, 10 de abril de 2021

Existem limites éticos para a liberdade de expressão? - Paulo Roberto de Almeida (V Conferência Atlantos)

 Existem limites éticos para a liberdade de expressão? 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoparticipação Conferência Atlantos 2021finalidadepainel sobre liberdade de expressão]; [link: https://youtu.be/_AYObFZCjDs]

 

 

Abordar a questão colocada para este painel requer, em primeiro lugar, um entendimento conceitual sobre os termos em si, para depois extrair os vínculos entre eles com o objetivo de, em terceiro lugar, estabelecer algum argumento conclusivo para responder à pergunta colocada no título do painel. Tentarei proceder por este método de tipo socrático, interrogando cada um dos termos postos na questão título, a partir do seu final, para depois juntar todas as propostas conceituais em suas cadeias lógicas para definir se existem, e quais seriam, esses limites à liberdade de expressão. Vamos proceder etimologicamente, portanto.

Vamos partir da Declaração da Independência americana, que resume o sentido profundo dos avanços do pensamento liberal do século XVIII: “Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade.” Estes dois princípios se situam no âmago da Constituição dos Estados Unidos, os que fundamentam a filosofia política do grande texto que saiu da Constituinte da Filadélfia em 1787, e cuja primeira emenda, o Bill of Rights, consolida o princípio da liberdade de expressão. Mas esta emenda só foi aprovada em 1791, dispondo que o Congresso não poderia estabelecer nenhuma lei limitando a liberdade de expressão (ou a de religião, da imprensa, da livre associação pacífica e o direito de peticionar contra agravos aos cidadãos). 

Contemporaneamente à entrada em vigor da Constituição americana, aprovada pela Constituinte em 1787, mas aprovada pelos treze estados apenas em 1789, ou seja, dois anos antes da aprovação Bill of Rights, ocorreu, nesse mesmo ano, a tomada da Bastilha, que dá a partida à Revolução francesa, em meio à convocação dos Estados Gerais, quando então a Assembleia Constituinte criada aprovava, em agosto desse ano, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizando o espírito dos direitos naturais então em voga. Dentre seus dezessete artigos, dois se destacam para nossa análise etimológica, o 10º e 11º: 

Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei;

Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei;

 

Ou seja, nada é absoluto, pois os representantes do povo sublinham, duas vezes, os termos e os limites da lei, que é uma espécie de contrato entre a coletividade e o indivíduo. Aqui se situa o eterno dilema de todos os regimes políticos, sobretudo os democráticos: as fronteiras, os limites, entre as liberdades individuais e os direitos coletivos, em geral. De certa forma, o dilema, antinomia, reproduz os as mesmas ambiguidades, contradições e a difícil resolução dos conflitos inerentes à oposição entre liberdade e igualdade, entre estado e mercado, entre a fraternidade e a propriedade. Como não vivemos em abundância absoluta, e nunca viveremos, como não podemos superar as deficiências e as diferenças naturais entre indivíduos únicos na humanidade, o debate entre liberdade e ética persistirá indefinidamente.

As democracias modernas, os Estados de Direito, os regimes políticos liberais, aqueles que Kant já chamava de “Repúblicas constitucionais” (mesmo quando fossem monarquias parlamentares), evoluíram basicamente em torno desse grande princípio da liberdade de expressão, apenas cingida por leis ou estatutos que pudessem regular a liberdade de expressão e os abusos eventualmente cometidos sob sua égide. Esse foi o caminho seguido no século XIX por todas as democracias burguesas, ou seja, de mercado, consagrando de forma clara esse princípio, ao lado da progressão mais lenta das franquias eleitorais (primeiro para homens das classes populares, depois analfabetos, mulheres e jovens pré-maioridade).

Muito bem: ao final do século XIX, o princípio da liberdade de expressão estava relativamente bem instalado, estabelecido e consagrado nas democracias burguesas, coisa que ainda não havia chegado em outras paragens, embora mesmo países oligárquicos, e até escravocratas como o Brasil, o tivessem resguardado em seu ordenamento constitucional: são conhecidos os muitos pasquins satíricos, as caricaturas sardônicas contra Pedro Banana, o nosso imperador. Floriano chegou e começou a tratar os seus críticos a pauladas, como ocorreu com Rui Barbosa, que primeiro se refugiou na Argentina e depois passou algum tempo na liberal Inglaterra. 

Mas a essa altura, a partir de Gobineau e indiretamente Spencer, determinados elementos do racismo dito científico, em parte vinculado ao darwinismo social, já tinham aberto largos caminhos no pensamento racial da época, reforçando o preconceito, a discriminação, o ordenamento pretensamente sólido da hierarquia das raças, com a superioridade indiscutível dos loiros dolicocéfalos, ou seja, os arianos puros. Ser antissemita, nessa época, não era especialmente censurável, ainda menos o ato de proclamar o atraso africano como o resultado da raça. Praticamente todos os países, inclusive os EUA, seguidos pelo Brasil, começaram, a introduzir leis cerceando a livre imigração, mas que já eram claramente contrárias à imigração de negros e amarelos. O racismo havia triunfado.

O século XX na Europa retoma, como parafraseado por muitos historiadores, as guerras de religião do século XVII, uma segunda guerra de Trinta Anos, entre 1914 e 1945. E aqui estamos no coração de nosso debate: limites éticos à liberdade de expressão. Em nome da liberdade de expressão o continente conheceu uma enxurrada de libelos racistas, belicistas, colonizadores, supremacistas, eugênicos e outros, tudo em nome de uma civilização superior. Os Protocolos dos Sábios de Sião, do início do século XX, talvez sejam o primeiro exemplo de propaganda de ódio racial que alimentou pogroms e massacres um pouco em toda a Europa central e oriental, antes de serem substituídos por libelos ainda mais violentos contra a raça judaica, indo da simples expulsão, como já recomendada por Wagner, até a eliminação pura e simples, como consagrado no projeto nazista-hitlerista do Holocausto deliberado. 

Pouco depois foi a vez do Manifesto Futurista, de Marinetti, que, mesmo cultuando a modernidade e o progresso, fazia um verdadeiro ditirâmbico em honra da guerra e suas virtudes supostamente eugênicas. Ao mesmo tempo, o eugenismo começava a propagar técnicas e métodos para esterilizar os débeis, os aleijados, enfim os fracos e indesejáveis: foi também o sinal para terríveis experimentos científicos e para a introdução de métodos mais “eficientes” para a eliminação dos adversários na guerra. Os alemães na Grande Guerra, depois os japoneses na China e mais adiante os nazistas um pouco em toda a Europa conduziram processos terríveis de eliminação em massa de inimigos e  pessoas “inúteis”.

Mais uma vez cabe reafirmar: estávamos no domínio da pura liberdade de expressão e da propaganda mais odiosa que poderia existir, livremente disponível e fartamente distribuída entre as massas por líderes fanáticos e obcecados por grandes projetos de reforma do mundo e de engenharia social. Apenas depois dos horrores da Segunda Guerra, não apenas nos campos da Europa, mas também nas cidades da China conquistadas pelos japoneses, se começou a estabelecer limites éticos ao exercício de alguns supostos “direitos naturais”. 

Auschwitz ainda estava muito presente na consciência dos delegados quando se aprovou, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, um trabalho memorável da viúva do grande presidente americanos dos anos de depressão e da guerra, Eleanor Roosevelt. Ela introduz, pela primeira vez no ordenamento jurídico da humanidade, um regime de direito voltado para defender a liberdade de expressão, com todas as garantias dadas pelas legislações nacionais, ao mesmo tempo em que condena todas as formas de opressão, de cerceamento dos direitos e garantias individuais, que devem ser plenamente reconhecidos nas jurisdições nacionais.

Ela fornece um substrato comum para a defesa da liberdade de expressão, com os limites éticos que não cabe infringir, e que estão contidos no seu preâmbulo e nos seus trinta artigos, mas especialmente nestes dois: 

Artigo 18

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.

Artigo 19

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

 

Os limites éticos são aqueles estabelecidos na obrigação declarada aos Estados de proteger todos aqueles direitos, o que significa, implicitamente, que eles precisam proteger os indivíduos de ataques, do Estado ou de outros indivíduos, que queiram limitar, violar ou obstar seus direitos fundamentais, entre eles o da liberdade de expressão.

Infelizmente, se trata de uma simples Declaração, de adesão voluntária e não dotada de mecanismos compulsórios ou punitivos, daí que muitos Estados continuaram infringindo seu espírito, e até sua letra, mesmo tendo assinado e ratificado o documento de 1948. Mas, mesmo um tratado não impede que Estados signatários decidam violá-lo, que foi o que ocorreu com o Pacto Briand-Kellog de 1928 que comprometia os aderentes a não recorrer à guerra para a solução de seus diferendos. A despeito de o terem aceito, as potências fascistas e militaristas do entre guerras a elas tiveram recursos quando assim julgaram oportuno, começando aliás pelo Japão, depois a Itália e finalmente a Alemanha. 

Mas, independentemente de seu fracasso prático, o Pacto de 1928 representou um grande avanço conceitual, o que habilitou a Carta de San Francisco a tornar a guerra ilegal, a não ser em autodefesa. Da mesma forma, a Declaração de 1948 representou um enorme avanço conceitual, que permitirá, talvez, avanços mais constrangedores no caminho da defesa, pelos Estados, das liberdades reais, não apenas que se colocam no papel. Este é um caminho difícil, pois acredito que se o texto de 1948 fosse apresentado hoje, para discussão e aprovação numa conferência diplomática universal, talvez ele encontrasse imensas dificuldades para ser aceito por todos os Estados contemporâneos. 

Mesmo um avanço aparentemente ético como a Responsabilidade de Proteger pode sofrer interpretações duvidosas no âmbito de conflitos internos que coloquem governos contra uma parte da sua própria população. Entre as primeiras propostas e sua implementação tivermos Ruanda, os Balcãs, depois a Líbia e mais recentemente a Síria, como exemplos do que ainda pode dar errado, mesmo com a existência de declarações formais de respeito às liberdades e garantias fundamentais. O caminho é verdadeiramente longo, e talvez não estejamos tão longe assim da Guerra de Troia, depois de tantos progressos aparentes. Se ainda não se respeita sequer a vida das pessoas, como esperar que se proteja a liberdade de expressão: limites éticos, ou seja, dependentes da vontade pessoal, talvez não possam ser suficientes. Mesmo esquecendo as guerras, racismo, machismo, discriminações de gênero continuam sendo praticados amplamente, sem quaisquer limites éticos impostos.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3880, 28 de março de 2021; revisto em 10/04/2021.

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Espero poder participar novamente desta vez.

Paulo Roberto de Almeida

 Brasília, 11/01/2022

Saúde e bem-estar estão no foco do número atual da revista do FMI: Finance and Development

 O número mais recente (Janeiro de 2022) da revista Finance and Development do FMI trouxe reflexos diversificados de diferentes personagens do mundo do desenvolvimento.


IMF Finance and Development
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(Art: John Jay Cabuay)


Dear Colleague,

The pandemic has raised questions about how we function as a society and what we should value as individuals.

In our latest issue of Finance & Development focusing on health and well-being, six thinkers from various disciplines and regions reflect on lessons learned from the pandemic as we seek to cultivate a more resilient world.

Read the full article below or on our website.

Check out our December Issue of Finance & Development

We also recently published a special series of articles that give a closer look at the issues critical for the development of sub-Saharan Africa.


Michelle Bachelet

Bachelet

Leave no one behind is not just a mantra, it is a necessity. The pandemic has exposed and exacerbated inequalities within and between states and demonstrated the huge costs to people and prosperity of leaving those gaps unaddressed. Yet, due in significant part to short-sighted vaccine policies, we are faced with deepening economic hardship in the developing world, while richer countries welcome signs of an economic recovery. 

To recover better, we need an economy that puts human beings and rights at the center of economic policy. One that invests in health, social protection, and other human rights to curb inequalities and discrimination; embraces progressive taxation, labor rights, and decent work; and promotes meaningful public participation and civic spaces. 

This human-rights-based approach to the economy is an essential lever to relaunch and accelerate our path toward realizing the United Nations 2030 Agenda for Sustainable Development.

MICHELLE BACHELET is the United Nations high commissioner for human rights.

Jeffrey Sachs

Sachs

The basic lessons of happiness are these: society (and therefore government policies) should attend to people’s economic needs, physical health, mental health, social connections, sense of purpose, and confidence in government. The pandemic has threatened almost every dimension of well-being and indeed has fostered rising anxieties, clinical depression, social isolation, and in many places, a loss of confidence in government.

We need more government outlays in response to the pandemic and its aftermath, but this poses two challenges: first, poor countries cannot afford to increase the provision of public services, so they urgently need access to incremental financing and debt relief on adequate terms. Second, governments need much more professionalism and competence than many (perhaps most) have displayed in response to the pandemic during the past two years.

Aristotle wrote two books as a pair: Nicomachean Ethics and Politics. Nicomachean Ethics is mainly about personal virtues and the household and friends, while Politics is about civic life, public education, and sociality at the scale of the polis (the city-state). Virtuous citizens lead to a virtuous state, while a virtuous state (and government) promotes virtues in the population. And the virtues—wisdom, justice, moderation, honesty—are all supportive of a good life.

JEFFREY SACHS is the director of the Center for Sustainable Development at Columbia University.

K. K. Shailaja

Shailaja

The worst crisis of the century has underscored the need to reassess existing health systems and formulate an effective and socially equitable strategy to combat health crises in the future. It is imperative that governments continue to strengthen their public health systems and augment the capacity to treat more infections. Protecting the physical and mental health of frontline workers should be given priority. At times of crisis, it is equally vital to galvanize the trust of the community through engagement and transparency in dissemination of information. The right to health and protection of human rights in providing care should be upheld for one and all. An inclusive response to the pandemic must be aligned with the United Nations 2030 Agenda for Sustainable Development in order to ensure that no one is left behind. 

The emergence and reemergence of new and old diseases and the public health aftereffects of natural disasters are unavoidable. Health policymakers should monitor and maintain a well-functioning disease surveillance system informed by the application of principles of epidemiology to help reduce the impact of future diseases and outbreaks. This proactive approach should be further complemented by preventive health care services, along with health workforce education and training in disease surveillance and public health actions. An integrated and collaborative One Health method needs to be promoted to share scientific and research data to tackle emerging challenges in global health and to attain optimal health for people, animals, and our environment.  

K. K. SHAILAJA is the former health minister of Kerala, India. 

Christian Happi

Happi

The world was not prepared to respond to the emergence of a new and deadly pathogen. With pathogens, we need to start playing offense and stop playing defense. Preventive measures must be put in place to ensure the health and wellness of citizens. This will require crucial investments in novel genomic tools and technologies for surveillance and real-time data capture and sharing.    

Fortunately, we have seen the establishment of new health and wellness initiatives by private philanthropies, governments, and global health organizations, especially in the field of public health and outbreak preparedness. Examples of these initiatives include the World Health Organization’s Hub for Pandemic and Epidemic Intelligence and an early warning system program called SENTINEL that is being co-led by the African Center of Excellence for Genomics of Infectious Disease at Nigeria’s Redeemer’s University and the Broad Institute of Harvard and MIT.

The pandemic has also highlighted the importance of investing in basic and translational scientific research on infectious diseases, especially in Africa. Most pandemic-potential pathogens are found in Africa, which means that the continent could lead the world in the development of countermeasures and tools for preventing, detecting, and responding to outbreaks. But this has not been an investment priority for African leaders. As an example, if African countries had previously invested in vaccine research and development, they would not be waiting for vaccine donations. 

Many countries on the continent also lack the local production capacity for biotechnology and the manufacture of medical supplies, drugs, and vaccines. This makes the continent vulnerable. Thankfully, we are seeing a renewed urgency toward investments in these sectors. 

CHRISTIAN HAPPI is a professor of molecular biology and genomics and the director of the African Center of Excellence for Genomics of Infectious Diseases. 

Kate Soper

Soper

The pandemic has added to global inequalities—in 2020, it pushed 124 million more people into poverty—and revealed the topsy-turvy nature of an economy that undervalues its most essential workers while massively rewarding its financial elite. It has also shown how environmental misuse is implicated in lifestyle illness and the spread of pandemic disease. At the same time, the lockdown experience shed light on the benefits to health and well-being of adopting slower-paced and less acquisitive ways of living, and it allowed more citizenly feeling to come into play. 

If there is a lesson to be learned here, it is that our collective health and well-being can be secured only through correcting the huge disparities of wealth and eco-privilege of the current world order. The more affluent nations must now promote a green renaissance founded upon an alternative politics of prosperity. There is an opportunity here to advance beyond a way of living that is not just bad for the planet and ourselves, but also in many respects self-denying and overly fixated on work and moneymaking at the expense of the enjoyment that comes with having more time, doing more things for oneself, traveling more slowly, and consuming less stuff.

Nations whose environmental footprint grossly exceeds the planet’s carrying capacity can no longer be aspirational models for the rest of the world. A cultural revolution along these lines will be comparable to the forms of social transformation and personal epiphany brought about through the feminist, anti-racist, and anti-colonial movements of recent history. It will not be easy to mount and will be fiercely opposed by those currently in power. But the gains it promises will be immense, and without them, the future is bleak for us all.

KATE SOPER is emeritus professor of philosophy at London Metropolitan University and author of Post-Growth Living: For an Alternative Hedonism.

María del Rocío Sáenz Madrigal

Saenz

I am a doctor by training but served for four years in government as the minister of health for Costa Rica—the first woman to do so. Those years in government gave me a 360-degree view of how the health sector and public policy intersect. After I finished my term as minister and took some leave, I was called back to serve as the executive president of the Costa Rican Social Security Fund. That allowed me to see the health system from a different perspective. Serving in those positions fundamentally shaped my view that while regulation and the provision of services are extremely important, we cannot forget the role of people, populations, and the communities we serve. They must be at the center of decision-making. 

I think there are three lessons the pandemic has taught us. The first is that it has deepened preexisting gaps—access gaps, income gaps, inequality gaps. These are all very evident. The second, which is related, is that you cannot have a sufficient response without greater equity. Equity not only in terms of health outcomes, but equity in how policies are designed and implemented. The third, which I think is extremely important, is the role of community and of primary health care—strengthening the services that are close to the population. Countries with stronger primary care health systems and greater penetration at the community level have without a doubt shown greater resilience during the pandemic.

MARÍA DEL ROCÍO SÁENZ MADRIGAL is a professor of health promotion at the University of Costa Rica.