O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

The Growing Danger of the Sino-Russian Alliance - Francis P. Sempa (The Spectator)

Analogias históricas são sempre enganosas, na maior parte do tempo equivocadas e inadequadas, e não servem para prever o futuro. Depois de 60 anos de "desassemblagem" do comunismo – com a cisão China-URSS –, 50 anos de promoção da China pelos EUA, e 30 anos de irresistível ascensão chinesa, temos agora um "retour en arrière": aliança Rússia-China e nova Guerra Fria, desta vez provocado pelos EUA, contra os dois outros, que acharam melhor declarar aliança, aliás basicamente motivada pela atitude arrogante dos EUA. Isso não quer dizer que se possa traçar analogias com velhas alianças e caminhadas para a guerra, como no passado. Acadêmicos adoram especular. O mundo não é tão complicado assim e se os generais se preparam para a guerra a decisão sempre está com os políticos.

Paulo Roberto de Almeida

Subject: Ignorance of History Led to the Transformative Diplomatic Revolution of 2022 

 

The Growing Danger of the Sino-Russian Alliance

It may be too late to stop them.

by FRANCIS P. SEMPA

February 19, 2022, 1:55 AM

With the formation of the Sino-Russian strategic alliance, the world has witnessed the near completion of a diplomatic revolution that may change the global balance of power. This development in some respects echoes the diplomatic revolution of 1756 (when Austria and Prussia switched alliances) that set the stage for the outbreak of the Seven Years War — the first global war in history. And it also echoes in some respects Prussia’s unification of Germany in 1871, which set the stage for the First World War. If we are not careful, the diplomatic revolution of 2022 could lead to another and much more dangerous global conflagration.

China during the 1970s and 1980s was a de facto ally of the United States and the West in the Cold War. China’s role as our ally against the Soviet Union resulted from increased tensions between the two Eurasian communist powers in the 1960s, which the skillful diplomacy of President Richard Nixon exploited in the early 1970s. This, too, was a diplomatic revolution that, as Nixon later said, organized a grand coalition against which the Soviet Union could not prevail. When the Cold War ended, there were two victors: the United States and China. From the 1990s until the latter years of the Trump administration, the United States attempted to continue engagement with China while neglecting the need to keep China and Russia apart. Instead, successive administrations from Bill Clinton to Barack Obama needlessly expanded NATO, prompting Russia’s historic paranoia to resurface and nudging Russia into the Chinese orbit. It didn’t happen overnight. But as the United States was distracted in Afghanistan, Iraq, and the Global War on Terror for more than two decades, China and Russia grew closer.

U.S. foreign policy has acted as if a Sino-Russian alliance didn’t matter. It was a colossal failure of historical and geopolitical imagination.

When the George W. Bush administration and some voices in Europe suggested that Georgia and Ukraine could be NATO’s next two members, Russia’s reaction was entirely predictable. Indeed, the American historian and former diplomat George F. Kennan predicted it. In an article in the New York Times on February 5, 1997, Kennan wrote that “expanding NATO would be the most fateful error of American policy in the entire post-Cold War era.” NATO expansion, he explained, would “inflame the nationalistic, anti-Western and militaristic tendencies in Russian opinion.” Kennan later told New York Times columnist Thomas Friedman that NATO expansion “is a tragic mistake.” It will start, the intellectual architect of containment said, a “new Cold War.” Kennan, you see, had the ability to see things from Russia’s perspective — an ability sorely lacking in most American statesmen for the previous three decades.

So instead of following Nixon’s example of using diplomacy to keep Russia and China separated, and instead of heeding Kennan’s warning against the unnecessary and provocative expansion of NATO, U.S. foreign policy acted as if a Sino-Russian alliance didn’t matter. It was a colossal failure of historical and geopolitical imagination. For centuries, Great Britain as the world’s leading sea power had pursued a foreign policy designed to prevent a single power or alliance of powers from achieving command of the Eurasian continent. Since America’s involvement in the First World War, our statesmen had followed a similar policy approach, and during and after World War II, the United States succeeded Britain as the “holder” of the Eurasian balance of power. The outcome of World War II with an unbalanced Europe provided the impetus for Kennan’s containment doctrine, and the formation of the Sino-Soviet bloc in early 1950 produced NSC-68 — the then-classified national security strategy that expressed the goal of maintaining the geopolitical pluralism of Eurasia. (READ MORE: As China and Russia Plot New World Order, Academics and Media Look the Other Way)

It may be too late to prevent the completion of the diplomatic revolution of 2022. China supports Russia over Ukraine. Russia supports China over Taiwan. The two powers cooperate in exploiting the melting Arctic Ocean, energy security, and much, much more. The two greatest autocracies on the planet confront the United States, Europe, and Asia with a Eurasian bloc possessed of enormous human and natural resources, first-class militaries and growing navies, growing and modernizing nuclear arsenals, and common interests in challenging the U.S.-led world order. Few in Washington seem to understand, as the Biden administration proceeds from crisis to crisis, to paraphrase Winston Churchill, in strange paradox, using tough, resolute rhetoric, while manifesting weakness and irresoluteness. You reap what you sow.


Sobre o futuro doloroso da imagem e da credibilidade internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre o futuro doloroso da imagem e da credibilidade internacionais do Brasil

Paulo Roberto de Almeida


A recuperação pós-Bozo vai ser muito lenta e bem difícil: o mundo não aceitará qualquer frase do Brasil ao estilo “daqui prá frente tudo vai ser diferente”. 

Precisaremos provar nos fatos e isso pode demorar; muita coisa foi desmantelada ou destruída. Levará alguns anos para restaurar nossa dignidade externa!


O acordo Mercosul-UE, por exemplo, vai ter de aguardar a redução provada e confirmada da destruição do meio ambiente, que atingiu proporções amazônicas para ser revertida em pouco tempo. Grileiros, garimpeiros, invasores de terras públicas se estenderam por todo o país. Violência contra minorias sexuais, armamentismo e negacionismo se tornaram endêmicos no país, cada vez com maior desfaçatez e ousadia. 


E nem tudo é resultado de ignorância ou pobreza: camadas privilegiadas da população, certas corporações organizadas foram conquistadas pela ideologia da exclusão e da violência, a vulgaridade e o rebaixamento culturais foram muito longes.  

Quadros formados e produtivos, pessoas de classe média já programaram deixar o país, pois a corrupção oficial, a captura do Estado e a deterioração do ambiente geral de vida e de trabalho foram levados a patamares inaceitáveis. 

A divisão do país, antes “apenas” social — dados os níveis “africanos” de desigualdade distributiva — se estendeu ao âmbito societal e nacional, com o reforço da cultura do ódio e as práticas de eliminação do “adversário”. 

Sim, a reconstrução de uma sociedade decente e a restauração da imagem do Brasil no mundo vão ser muito difíceis. 

A destruição foi longe demais.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 19/02/2022

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Crônicas de um Itamaraty como nunca se viu nos últimos 200 anos: livro sobre o bolsolavismo diplomático...

 Está faltando, quem sabe, um novo Machado, para fazer as memórias póstumas de EA, o patético ex-chanceler acidental, contemplativo e submisso servidor do falecido Rasputin de Subúrbio, que começou a enterrar o Itamaraty. Bozo e sua família de aloprados estão ativamente engajados na indigna tarefa de completar o serviço e parece que pretendem entregar terra arrasada.

Mas, pensando bem, nenhum machadiano decente da atualidade se animaria a escrever as crônicas destes tempos obscuros dos novos bárbaros.

Já bastam as crônicas do irônico cronista misterioso do Itamaraty, que ainda vamos lançar proximamente, mas vcs já podem degustar o conjunto nesta edição livremente disponível:

Ereto da Brocha, Ombudsman do Itamaraty:

Memorial do Sanatório, ou Ernesto e seus Dragões no País de Bolsonaro

Brasília: Ombudsman, 2021, 180 p.

ISBN: 978-65-00-26865-2

 

Índice completo nesta postagem do meu Diplomatizzando:

https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/02/memorial-do-sanatorio-ou-ernesto-e-seus.html?m=1



O livro, que será lançado oportunamente com a participação de outros colegas e, possivelmente, do próprio "cronista misterioso" (provavelmente sem imagem) está disponível nos seguintes links:

 

Academia.edu: https://www.academia.edu/71720946/Memorial_do_Sanatorio_Ereto_da_Brocha_Ombudsman_do_Itamaraty_2021_

 

Research Gate: https://www.researchgate.net/publication/358657917_Memorial_do_Sanatorio_ou_Ernesto_e_seus_dragoes_no_pais_de_Bolsonaro_by_Ereto_da_Brocha_Ombudsman_do_Itamaraty_Brasilia_Ombudsman_2021_180_p_ISBN_978-65-00-26865-2

 

Open Access Research - Oxford University Press, Paulo Roberto de Almeida

 Sem falsa modéstia, mas gostaria de comunicar ao pessoal da Oxford University Press que eu venho praticando open access research desde meu início nas atividades acadêmicas voluntárias, uma vez que nunca fui um acadêmico profissional — apenas em tempo parcial — nos interstícios de uma atividade diplomática igualmente intensa, tanto quanto uma dedicação plena à pesquisa e à divulgação dos resultados desse trabalho livremente assumido.

Paulo Roberto de Almeida 

“I wouldn’t start from here”: a SHAPE route to open access

Many people will be familiar with some version of the joke about a traveller asking a local for directions, only to be told that “I wouldn’t start from here.” The obvious humour lies in the seeming stupidity of the local in failing to recognise how useless their advice is to someone who is clearly “here.” But perhaps the longevity of that joke is that its gem of a punchline sparkles with truths about location and perception, as well as about individual knowledge and frustration.

From where to start is one of the drivers for the SHAPE(Social Sciences, Humanities, and the Arts for People and the Economy) initiative, which was launched earlier this year by a number of leading arts and humanities institutions in the UK, including the British Academy with support from OUP. SHAPE aims to do a better job of representing the value of its disciplines to society as a counterpoint to the recognisable identity afforded to STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics). The initiative recognises that SHAPE researchers have different concerns and needs from their colleagues in STEM, and OUP will continue to explore how open research can be developed in a way which is sensitive to the social sciences and humanities and deliver genuine benefits in the way that research is conducted and shared. As a university press, as noted in the blog post by Rhodri Jackson earlier this week, we believe that a more open world should work for everyone and that the transition towards open research must be an inclusive process.

Opening up the monograph

Is there an argument that open access advocacy in SHAPE has been a little like the traveller and the local? And, if not starting from here, does open research perhaps offer a better way of getting there? There is plenty of evidence in the recent history of open access that researchers in SHAPE have often seen the open access movement as an outsider engaged in a pointless perambulation, insensitive to the landscape and ecology of local research, and keen to parade a scientific wardrobe that is ill-suited to the contours and climate of both.

For example, the research article as the write-up of an experiment seemed some way away from the long-form research process which resulted in a monograph, a complex and multivalent object serving a broader range of purposes. As Geoffrey Crossick argues:

“The monograph has a central place in the culture and ecology of research publication in the arts and humanities, and is important in most of the social sciences. These disciplinescontaining as they do about half of the UK’s research-active academicsshould therefore not be seen as some awkward outlier destined to converge over time on the science model of publication by journal article and refereed conference proceedings.”

Monographs and Open Access (UKSG Insights)

As noted with our colleagues at the University of Oxford, we strongly support the opening of long-form research, which is fundamental to SHAPE, provided we can continue to fulfil our mission and add value though high-quality monograph publishing.

SHAPE research has parallels with design thinking. It is synthetic and creative, and the monograph remains a highly flexible project envelope. Analogous to a cell membrane, it provides the means through which elements of research can be introduced, arranged, leveraged, adapted, or removed, according to the way that the particular research develops.

The gift of time

Successful change requires engagement and is best achieved through a combination of both delivering recognisable benefits and minimising the cost of making the change. Arguably, for today’s researcher the most valuable commodity is time. The developments we are seeing within the broader space of open research may provide a better solution to that equation for SHAPE researchers by aligning with initiatives which are already in train in the SHAPE disciplines and which do offer a cumulative benefit in time savings over the full life of a research project.

First, there is a coalescence of methods and tools within the Digital Humanities, which is both a movement at the higher order and a set of specific disciplinary specialisms—and both of which have implications, and opportunities, for the ongoing development of research skills and culture. One example is Humanities Commons. It’s a purpose built open-source platform which supports communication and collaboration for SHAPE researchers. Earlier this month it received a $971,000, five-year grant from the Andrew W. Mellon Foundation to support its ongoing development.

The challenge is also being taken up by the UK Software Sustainability Institute (SSI), which is currently investigating requirements around digital tools and methodologies in SHAPE on behalf of the Arts and Humanities Research Council. The SSI is looking at both existing digital practices but also the council’s ideas for how research practices could be better supported by technology in future. The SSI is also playing a leading role in developing definitions of discrete professional research roles and skill sets which exist, and need to be better recognised, within both SHAPE and STEM.

Framework for the future

A flexible approach to research, as is characteristic of SHAPE, can still involve recognised stages, workflows, and objects. A systems thinking approach, as evidenced by the SSI, will help reflect the changing research environment but also provide a platform for new standards and tools which are properly embedded in SHAPE research. Both Humanities Commons and the SSI represent avenues through which open research and open data can percolate through SHAPE.

Martin Eve, in his book Open Access and the Humanities, called for a “definitional framework for why the monograph should be thought of differently” in order to understand its role within an open-access world, and said that it was necessary “ to ask what the monograph is for; how it is produced; and why it should be seen as different from other forms.”

Open research may be the route to surfacing that definitional framework. By delivering the benefits of open research to researchers in SHAPE disciplines, research will become more visible at earlier stages in the research cycle, which will, in turn, provide a platform for earlier engagement by both researchers and policy and knowledge workers. In turn, the tools and techniques of open research will also deliver open access in a way that is understood and managed by the SHAPE community. They just won’t have started from here.


    quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

    Memórias Intelectuais: Uma biografia das ideias que permearam a minha vida - Paulo Roberto de Almeida

     Memórias Intelectuais

    Uma biografia das ideias que permearam a minha vida

     

    Paulo Roberto de Almeida

    Concepção e primeira redação em 18.10.2009

    (numa dessas noites de insônia)

    Revisão resumida: 22.12.2009

    Postado nesta versão no blog DiplomataZ (1/01/2010;

    link: http://diplomataz.blogspot.com/2010/01/29-memorias-intelectuais.html).

     

     

    Uma pequena introdução que se poderia chamar de metodológica 

    Comecei a conceber a redação destas “memórias intelectuais” numa dessas noites de insônia que me acontecem frequentemente. Não que eu seja um insone ou que tenha dificuldades para dormir, ao contrário: como estou sempre lendo, ou escrevendo, no limite de minhas possibilidades físicas, quando vou dormir já estou dormindo em pé, ou sentado em frente ao computador, não sendo raro que eu cochile quase em cima do teclado, abatido pelo cansaço do dia, das muitas leituras, da fadiga visual em face da tela, da falta de sono enfim. Quando vou para a cama, portanto, caio como uma pedra e durma apenas o suficiente, pois necessariamente tenho de acordar antes de ter feito o ciclo completo de sono, antes de gozar daquele sono reparador que todos os médicos recomendam, seja porque tenho de trabalhar, seja porque tenho de dar aulas, o que para mim não é exatamente o mesmo que um trabalho, e sim o equivalente de um hobby, uma atividade que assumo voluntariamente, mais por prazer do que por necessidade.

    Ocorre, porém, que, em algumas ocasiões, eu não consigo pregar o sono de imediato, seja porque minha cabeça fervilha com novas ideias adquiridas ao sabor das leituras cotidianas, seja porque algum outro problema perturbou o meu sono, apenas algumas horas depois de tê-lo iniciado.  

     

    Pois aqui estou eu, tentando dar início a uma nova obra que vai, provavelmente, ocupar outras noites de insônia ao longo dos próximos meses e anos à frente, na redação paulatina, gradual, lenta e necessariamente interrompida do que eu chamei de “memórias intelectuais”, que nada mais são, como indica o subtítulo, do que uma história das ideias que permearam a minha vida. Por que isso? Por que esse título e não uma simples biografia ou memórias de vida, como todo mundo faz? Já explico.

    Como qualquer leitor contumaz, também li muitas histórias de vida: grandes e pequenas biografias, autobiografias, relatos de vidas de homens (e mulheres) famosos, extratos de aventuras fabulosas (algumas verdadeiras, outras semi-inventadas), notas pessoais, currículos, enfim, uma variedade de escritos pessoais que sempre me interessaram mais pelo lado das ideias do que propriamente pelos feitos ou eventos. Sou assim, fascinado pelas ideias e pelos processos mentais, mais até do que pelos feitos e acontecidos. Interesso-me particularmente pelas reflexões e elaborações mentais dos homens (e mulheres, para não deixar de ser politicamente correto) que representaram alguma importância na história da humanidade. Lembro-me de ter lido, ainda em minha infância ou primeira adolescência, diversas biografias de grandes homens (e algumas mulheres) de autores como Hendryk Van Loon, Stefan Zweig, Monteiro Lobato (este mais um adaptador, do que um verdadeiro biógrafo) e vários outros autores. 

    Nunca imaginei, pelo menos até alguns anos atrás, escrever minha própria biografia, e continuo achando que não tenho nada de particularmente interessante a dizer em matéria de relato de vida: a minha não foi suficientemente relevante no plano nacional, ou interessante no plano individual, para merecer uma biografia no sentido clássico, inclusive porque não sou um homem de grandes realizações práticas ou de qualquer impacto na vida nacional. Tampouco prestei depoimentos, até o presente momento, nem jamais mantive diários ou anotações regulares quanto a minhas atividades e ocupações. Sou, sim, um homem de leituras e de anotações, mas isso de livros, basicamente, o que faço de forma totalmente desorganizada e anárquica – o que parece redundante, mas não é – sem qualquer preocupação com o ordenamento sistemático dessas notas ou seu alinhamento cronológico. Simplesmente, me interesso por tanta coisa, e leio tantos livros diferentes, que sempre me foi impossível manter uma linearidade nas anotações de maneira a sustentar qualquer relato ordenado sobre a minha vida, se ela fosse relevante, ou sobre as minhas ideias, se por acaso eu tivesse um punhado delas representativa de alguma grande “filosofia” particular, o que obviamente não é o caso. Meu anarquismo literário e redacional nunca me permitiu manter notas organizadas o suficiente para escrever o que se chama classicamente de biografia, ainda que de simples ideias. 

    Por que, então, me permito chamar estas minhas anotações de “Memórias Intelectuais”, um título aparentemente prometedor e, ao mesmo tempo, enganador? Não sou um intelectual, pelo menos não oficialmente: não me reconheço como tal, e não creio que eu seja conhecido como tal. Sou simplesmente um homem de leituras e de escritos, os mais diversos, tocando um pouco em todas as áreas das humanidades, o que faço mais de metido do que de sabido. O adjetivo “intelectuais” apegado ao substantivo memórias quer dizer simplesmente que este meu relato não é de vida, propriamente, nem de eventos ou de processos reais que aconteceram comigo, mas sim de elaborações mentais, de ideias, como aliás confirmado pelo subtítulo, como já escrevi acima. Ou seja, eu pretendo, sobretudo, tratar das ideias que eu defendi, que eu “frequentei”, que permearam a minha vida ao longo de cinco ou seis décadas (dependendo de quando se deve começar a contar minha vida “intelectual”). 

    Não são todas ideias minhas, está claro, e sim ideias que movem o mundo, como já disse, a propósito de um livro seu, o historiador Felipe Fernandez Armesto (ver o seu Ideas That Changed the World, publicado em 2003, um livro que já resenhei, em sua edição brasileira). São, especialmente, ideias que movimentaram o meu mundo, ou que pelo menos influenciaram a minha formação, o meu pensamento, e algumas das minhas ações (sim, também as houve, e as relato aqui, conforme apropriado, mas sem muita ênfase, preferindo ficar mesmo no terreno das ideias). Não sei se sou um homem de ideias, mas sou, sim, um homem que viveu com ideias, para ideias e em função de ideias, embora (pelo menos acredito) sempre com um sentido prático, isto é, sempre com a intenção de colocá-las em “funcionamento”, ainda que poucas tenham de verdade “funcionado”. Isso nunca me deixou frustrado, ao contrário, pois eu atribuo às ideias as mais importantes transformações do mundo, ainda que nem todas tenham tido esse poder. Vale uma pequena elaboração a esse respeito, o que faço agora, à maneira de parênteses. 

     

    O mundo, na concepção marxista e materialista – à qual eu aderi, voluntária e conscientemente, por boa parte de minha juventude e da vida adulta – é movido por forças materiais, por processos objetivos, que emergem do entrechoque de interesses sociais (de classe, obviamente) e do confronto entre relações sociais, algumas decadentes, outras, as vencedoras, avançadas, ou correspondendo a uma etapa superior das forças produtivas. No máximo os homens são prisioneiros de ideias do passado, segundo a fórmula de Marx no Dezoito Brumário. Keynes também disse algo semelhante, a respeito de ser a geração atual (qualquer uma) prisioneira de economistas mortos, o que se aplica perfeitamente ao seu próprio caso e à geração atual, ainda presa às suas ideias dos anos 1930, ou seja, de duas gerações passadas. 

    As ideias são algo importante, e coisas vivas, no entanto. São elas que dão sentido à nossa existência consciente, são elas que guiam as nossas ações, são elas que nos impelem a novas aventuras do espírito ou empreendimentos práticos, são elas, finalmente, que sustentam a defesa de alguns princípios e valores que julgamos relevantes, seja para a “economia política” de nosso comportamento, seja para a elaboração de algum julgamento moral sobre nossas próprias ações e as dos outros. Ideas do matter, dizem os ingleses, ou americanos, whoever... As ideias têm importância, e elas tiveram uma tremenda importância em minha vida, toda ela feita de leituras, reflexões, escritos e debates em torno de ideias, todas elas, as minhas, ou seja, as que eu adquiri com leituras ou pessoas mais espertas, as emprestadas ocasionalmente, as dos outros, com as quais eu poderia concordar, ou não, assim como ideias que eu já defendi e que depois vim a recusar, até mesmo rejeitar, e que passei a combater, como foi o caso com boa parte de minha formação intelectual marxista da primeira juventude (depois explico como foi isso). 

    Não tenho nenhum problema em aceitar, confessar, reconhecer essa mudança de ideias, de percepções, de atitudes em minha vida juvenil e adulta, posto que a vida é um processo continuo de incorporação de novas ideias, de sua submissão aos testes da lógica formal e da realidade, e da sua sustentação ou rejeição em função dos resultados desses “testes”, que nada mais são do que experiências de vida, novos aprendizados, incorporação de conhecimentos, aceitação de novos princípios e fundamentos para a ação social. Repito aqui o que Keynes parece ter dito, uma vez, a um interlocutor que o acusava de ter mudado frequentemente de ideias: “sim, eu mudo de ideias cada vez que muda a realidade; e você, o que faz?”

     

    Este livro, portanto, não se ocupa apenas de minhas ideias, ainda que seja difícil distinguir o que é meu e o que pertence aos seus autores originais, na minha incorporação particular, individual, das ideias que li ou ouvi ao longo de uma vida extremamente bem recheada de leituras e de palestras, a que assisti ou de que participei, interagindo com membros da mesa ou com o público inquisidor (sim, sempre acreditei que aprendemos muito com nossos interlocutores, mesmo os que nos contestam, como ocorre ocasionalmente com alguns alunos e mais frequentemente com outros debatedores). São ideias que “estavam no ar”, que eu peguei, usei, transformei, reelaborei, introduzi em novas ideias que eu mesmo possa ter elaborado e que sai por aí, distribuindo à vontade, em meus escritos, aulas e palestras. Fiz isso durante toda a minha vida adulta, seja na profissão diplomática, seja nas lides acadêmicas, assumidas em caráter voluntário e em tempo parcial durante quase todo o tempo em que fui diplomata de carreira. 

    Sim, sou daqueles que acreditam e defendem ideias próprias, mesmo trabalhando numa corporação de ofício, a casta dos diplomatas, que tem algo de Vaticano em sua maneira de ser e em sua forma de proceder. Na veneranda Casa que foi minha durante várias décadas, um funcionário subalterno é suposto acatar ideias dos superiores, quando não defendê-las, como se fossem suas. Consoante meu espírito anarquista e libertário, eu nunca fiz isso, jamais; sinceramente não me lembro de ter alguma vez acatado, em sã consciência ideias “superiores” apenas porque elas emanavam dos semideuses que nos governavam, quando eu era secretário: conselheiros, ministros, embaixadores. Sempre formulei alguma observação, seja para assinalar minha concordância (quando eu efetivamente concordava com o que estava sendo exposto), seja para argumentar em algum outro sentido (quando eu tinha alguma objeção de princípio ou alguma observação tópica a fazer a respeito do assunto em pauta). Nunca fui daqueles que quando parte para o trabalho deixa o cérebro em casa, ou deposita a sua capacidade de reflexão na portaria, ao adentrar no serviço: sempre levei comigo minha disposição a pensar com minha própria cabeça e a levantar elementos factuais ou argumentos opinativos, sempre quando o tema tratado me parecia padecer de alguma inconsistência formal ou de deficiência substantiva. Nunca tive qualquer hesitação em contestar chefes ou outros superiores em reuniões de trabalho, acumulando com isso (pelo menos suspeito) sólidas inimizades ao longo da carreira (não de minha iniciativa, mas provavelmente da parte dessas personalidades contestadas, que provavelmente nunca toleraram a arrogância desse mero secretario ou conselheiro que ousava discordar de suas brilhantes ideias e propostas). 

    Sou assim, e não me escuso de sê-lo, pois acredito que devemos ser, publicamente, como somos na intimidade, ou seja, nos comportar exatamente como comandam nossos instintos, modo de ser, vocação inata. Eu nasci para ser um leitor, um “absorvedor” e um processador de ideias, e tendo a expressar as minhas, conforme julgo apropriado ou oportuno. Se os demais, os superiores, não concordam com elas, não me importo minimamente, pois considero que num mundo de ideias, como o que vivemos, devemos sempre lutar para que as boas ideias prevaleçam sobre as más, ou inadequadas. Não sou, nem me considero, um “salvador” da humanidade, pelas ideias ou pelas ações, mas considero, sim, que a humanidade pode e deve avançar pela defesa das boas ideias, pela sua prevalência sobre as más, ou negativas, pela promoção das soluções “corretas” aos enormes problemas da humanidade, de pobreza, de desigualdade, de injustiça, de infelicidade. Sim, também tenho esse lado um pouco milenarista ou messiânico de pretender “melhorar” a humanidade pela ação consciente dos homens de bem, dos cientistas, dos engenheiros, dos humanistas, que buscam algo mais na vida do que o simples prazer pessoal ou a satisfação individual. Considero-me comprometido com uma causa superior, que é, em primeiro lugar, a elevação espiritual, ou “mental”, da humanidade, base indispensável para sua elevação material, ou para a busca incessante de melhores padrões de vida para o maior número. 

    Talvez seja esse o legado de meu passado socialista ou marxista: pretender “melhorar” a humanidade, ainda que eu tenha há muito desistido de qualquer projeto de “engenharia social”, ou seja, a pretensão de mudar os homens para mudar a sociedade, como ocorreu na triste história do socialismo real ao longo do século 20. O “homem novo” deve ser simplesmente construído em nível individual, pela educação de qualidade, livre, diversificada, totalmente liberta de qualquer crença fundamentalista – como o marxismo esclerosado, por exemplo – e não imposto por qualquer programa de “reeducação social” mediante projetos autoritários de transformação social, como os conhecidos nessa triste experiência político-messiânica. Dessas ideias eu creio que me libertei, a partir da juventude tardia e da entrada na etapa adulta de minha vida, ainda que eu não tenha conseguido me libertar dessa ideia básica de pretender promover o “bem comum” e a “felicidade dos povos” (mas, aqui e agora, sem qualquer sentido autoritário ou mandatório). De todas as minhas visitas e experiências no socialismo real – o que poucos intelectuais do mundo capitalista realmente fizeram – retirei a certeza de que o sistema criado pelo partido de vanguarda trouxe mais infelicidade do que bem-estar aos povos que pretendeu transformar, e nem sempre num sentido meramente material, de disposição de bens correntes; no mais das vezes, a miséria moral e a degradação dos indivíduos foram bem mais relevantes do que a penúria de bens e serviços. 

     

    Creio que os parágrafos acima já oferecem um resumo do que são as ideias que pretendo discutir neste ensaio de biografia intelectual, basicamente uma história das ideias para consumo próprio, uma espécie de balanço de uma vida de leituras, de reflexões e de escritos, que foi tudo o que me foi dado fazer ao longo de uma carreira diplomática e acadêmica sem muitas emoções ou grandes acontecimentos. Talvez as poucas ideias aqui contidas possam servir de motivo de reflexão aos mais jovens, aqueles que como eu começam ou começaram a sua vida cheios de entusiasmo juvenil por grandes projetos de transformação do Brasil e do mundo. Eu fiz a minha parte, tentei, sim, transformar o Brasil – nem sempre no bom sentido, confesso, como quando pretendia fazer do país uma economia socialista, seguindo o exemplo cubano – e tentei, depois, ajudar na transformação do mundo, seja como diplomata, seja como professor, seja ainda como autor de alguns escritos que podem ter influenciado a formação de alguns poucos jovens que tiveram contato com esses escritos.

    Uma coisa é certa: ainda que eu possa ter errado algumas (ou muitas) vezes, eu sempre tentei ser honesto comigo mesmo e com as ideias que estavam à minha disposição, ou seja, ao usá-las de modo racional e sempre visando ao bem comum. A honestidade intelectual não é apenas uma virtude, para mim, mas uma necessidade imperiosa, uma condição inseparável de minha personalidade e disposição de vida. Nunca consegui defender ideias nas quais não acreditava, nunca fui hipócrita no trabalho diplomático ou acadêmico, sempre defendi (e expressei) o que pensava, mesmo ao risco de prejuízos materiais ou morais. Nunca me escondi atrás de “falsas ideias”, apenas para contentar um superior ou sugerir uma ilusória concordância intelectual com quem quer que seja na academia, e por isso mesmo devo ter granjeado inimizades e criado alguns problemas para mim mesmo, aqui e acolá. Isso nunca me importou: sempre preferi estar em paz com minha consciência, do que ganhar algum favor de um superior por submissão a ideias que não defendo ou que rejeito. Nunca fui carreirista, numa ou noutra “profissão”, aliás, nunca me classifiquei apenas como diplomata ou como acadêmico; sempre disse que eu era diplomata, ou professor, mas em meus escritos e palestras eu me apresentei sempre como sociólogo ou “doutor em ciências sociais”, conforme o caso, o que são títulos, não condições profissionais. Acho que nunca escrevi como diplomata – ou seja, a langue de bois, ou o bullshit, típicos da profissão e da linguagem diplomática – e tampouco me comportei como acadêmico, ou seja, apenas um pesquisador ou professor de uma instituição de ensino e pesquisa.

    Sempre fui um ser livre, tanto quanto me permitiram minha condição de servidor público e de contratado de uma instituição de ensino, ou seja, cumprindo minhas obrigações mínimas, mas me reservando o direito de pensar com minha própria cabeça e de expressar o que me ia na cabeça, por vezes de forma algo agressiva, reconheço. Mas é porque o meu entusiasmo pelas ideias, meu cuidado em recolhê-las dos livros e colocá-las à disposição dos demais, meu empenho em “ensinar” aos outros as “boas ideias” são tais que em algumas (ou várias) ocasiões eu acabei me chocando com ideias antigas, conservadoras, inadequadas, incorretas, francamente equivocadas. Isso seria porque minhas ideias eram melhores do que as dos outros? Talvez, e aqui confesso algum orgulho de estar um pouco à frente de meus contemporâneos, exclusivamente em função de minha obsessão pela informação, pelo conhecimento, pela argumentação lógica e bem fundamentada. Sim, eu me impaciento com a lentidão de algumas pessoas (talvez a maioria) em perceber a realidade, que está ali, à disposição de quem quer ver, bastando se informar corretamente – mas a maioria das pessoas lê pouco e se informa de maneira deficiente – e refletir com base em preceitos mínimos da lógica formal e da argumentação bem sustentada. Não tenho culpa se sempre tive mais informações do que a média de meus colegas de trabalho e de academia: isso foi alcançado ao custo de muito sacrifício, de muitas noites de leitura, de muito esforço em buscar e apreender os dados da realidade. Como estou fazendo agora mesmo, neste momento de reflexão e de registro de minhas memórias intelectuais. Mas, encerro no momento, pois já são 9h25 de uma manhã de domingo, e eu vou dormir um pouco antes de retomar minhas leituras e lides acadêmicas um pouco mais tarde. Boa noite (ou bom dia).

     

    Brasília, residência da SQS 213, 18/10/2009

    Início: 6h37 da manhã; interrupção: 9h25.

    Revisão: 22/12/2009

    Perguntas feitas a um Espectador Engajado em 2007 e AINDA não respondidas - Paulo Roberto de Almeida

    Em meados de 2007, como se depreende do texto (inédito) transcrito abaixo, eu formulava uma série de questões a mim mesmo, supostamente com a intenção de responder em algum momento, o que parece que nunca foi feito (pelo menos ainda não encontrei algum outro trabalho com tal intenção ou  conteúdo). Ficam as questões sem resposta, no momento, pois que eu estava, justamente, procurando um outro textos conceitualmente conexo às questões abordadas nesse pequeno questionário. Vamos ver se algum dia eu respondo.

    Paulo Roberto de Almeida

    Brasília, 17 de fevereiro de 2022 (15 anos depois)


    Perguntas a um Espectador Engajado

      

    Paulo Roberto de Almeida

    Formulação de Questões em 12 de agosto de 2007 

     

    Por que você, além e acima dos afazeres profissionais “normais”, se dedica voluntariamente às lides acadêmicas?

    Existe alguma motivação outra, digamos financeira, a esse exercício de “sobre-trabalho”, ou essa atividade paralela responde a alguma necessidade interna?

    Por que, além da preparação de artigos e ensaios voltados para suas pesquisas habituais – habitualmente em história diplomática, em relações internacionais e em política externa do Brasil – você mantém, igualmente, um site e vários blogs, além de colaborar, de maneira incessante, com vários outros veículos eletrônicos sobre os mais diversos assuntos?

    Você se considera um militante de alguma causa definida?

    O que você pretende com isso? Ou quem pretende alcançar, ou “atingir”, com isso?

    Você acha que conseguirá transformar o mundo com esse ativismo intelectual?

    Acredita que palavras jogadas ao “vento” – nesses canais eletrônicos livremente disponíveis hoje em dia – têm o poder de mudar algo de substantivo nas misérias do mundo? Ou, que seja, do Brasil tão somente?

    Qual é, você acredita, o impacto real de suas palavras lançadas ao mundo?

     

    Qual o seu grau de otimismo, ou de ceticismo, em relação a todas essas iniciativas que você impulsionou desde muitos anos, e que de certa forma interferem na sua vida profissional, familiar, pessoal?

     

    Qual o balanço que você faz desse tipo de atividade?

    Que balanço você faz de sua vida nessas dimensões abordadas aqui?

     

    Brasília, 12 agosto 2007, 1 p.


     

    Rewiring Globalization: Sinan Ülgen (ed.), book (Carnegie)

     Rewiring Globalization

    Sinan Ülgen (ed.)

    Washington, DC: Carnegie Endownment, 2022



    Unfettered globalization has heightened inequality and undermined the social contract, imperiling democratic traditions around the world.
    Moving forward, globalization must mitigate these negative effects—without compromising its growth-enhancing dynamics—and pay particular attention to policies impacting trade, data and technology, finance, tax, and climate change.
    Most importantly, rewiring globalization will require more open, inclusive governance that enables different regional perspectives on key policy areas to anchor the reform agenda.

    TABLE OF CONTENTS
    Introduction
    Sinan Ülgen
    From the Local to the Global: The Politics of Globalization
    Sinan Ülgen and Ceylan Inan
    The United States: A Cautious Return to Internationalism
    Rozlyn C. Engel and Tobin Hansen
    The European Union’s Competitive Globalism
    Richard Youngs and Sinan Ülgen
    Latin America and the Caribbean: Continued Engagement Despite a Deglobalizing Turn
    Francisco Urdinez
    India: Testing Out New Policies on Globalization
    Suyash Rai and Anirudh Burman
    Russia: Looking for Prominence in the Global System
    Dmitri Trenin
    Africa: Aspiring to Greater Global Agency
    Elizabeth Sidiropoulos
    China: Between Domestic Priorities and Global Rulemaking
    Minghao Zhao, Zhao Wenxiang, Ding Yifan, Lyu Jinghua, Wei He, and Jodi-Ann Wang
    The Limits of Convergence and the Road Ahead
    Sinan Ülgen
    ABOUT THE EDITOR
    Sinan Ülgen is a visiting scholar at Carnegie Europe in Brussels, where his research focuses on Turkish foreign policy, nuclear policy, cyberpolicy, and transatlantic relations.

    Avaliable:

    https://carnegieendowment.org/files/RewiringGlobalization_final_Revised1.pdf


    La littérature chinoise, littérature hors norme: Léon Vandermeersch (Gallimard)

     

    « Ciselures »

    La littérature chinoise, littérature hors norme 

    Léon Vandermeersch, Gallimard, 2022, 124 p., 12 €.

    Comptes-Rendus de L'Histoire, Février 2022

    https://www.lhistoire.fr/livres/%C2%AB-ciselures-%C2%BB?utm_source=sendinblue&utm_campaign=220217_ELH_Livres_9&utm_medium=email

    Un dernier livre, comme un testament. Disparu en octobre 2021, Léon Vandermeersch a été l’un des grands sinologues français du XXe siècle, spécialiste de la Chine ancienne, du confucianisme et de l’histoire de la langue chinoise. Héritier d’une tradition sinologique soucieuse de ne pas rabattre sur les catégories occidentales l’originalité du monde chinois, il a consacré sa carrière à l’exploration de l’écart qui sépare les pensées chinoise et occidentale. Jusqu’à la littérature, dont il montre ici combien elle s’est développée en Chine sur des bases radicalement différentes des littératures indienne, hébraïque, grecque ou latine.

    A rebours de tant de littératures nées d’abord de l’oralité, c’est de l’écriture même qu’est née la littérature chinoise, d’une écriture idéographique, d’abord divinatoire et administrative, conçue non pas comme création démiurgique mais comme reflet de l’ordre du monde (le dao), marque naturelle de l’homme comme la forêt a pour marque le bruit du vent dans les feuilles, ou le tigre les motifs qui zèbrent son pelage. La recherche esthétique y est avant tout celle de ses ciselures – comme on cisèle le jade pour mettre au jour la forme qui y nichait –, pour reprendre le titre du traité de littérature chinoise dont part l’ouvrage, et que Léon Vandermeersch n’hésite pas à ériger en pendant chinois de la Poétique d’Aristote : Les Ciselures de dragon du génie littéraire, rédigées par Liu Xie au tournant du VIe siècle de notre ère.

    A partir de la littérature, c’est toutefois une histoire beaucoup plus large que déploie l’historien, ouverte sur la peinture chinoise, sur l’influence –notamment littéraire – du bouddhisme en Chine, et de la Chine dans le reste de l’Asie orientale, ou encore sur les transformations qu’a connues le pays au XXe siècle, à partir du mouvement du 4 mai 1919 dont l’une des cibles premières était, justement, la littérature. Une histoire totale de la Chine à partir de sa littérature, en quelque sorte, par l'un des historiens qui a su, le mieux, montrer ce qu’il se joue d'histoire dans la langue.


    Oyapock, par Patrick Straumann (L'Histoire)

     


    Tracer la frontière

    Oyapock, Patrick Straumann, Chandeigne, 2021, 183 p., 21 €.

    Compte-rendu dans L'Histoire, Février 2022

    https://www.lhistoire.fr/livres/tracer-la-fronti%C3%A8re?utm_source=sendinblue&utm_campaign=220217_ELH_Livres_9&utm_medium=email

    Est-ce l’ennui des landes charentaises ? Henri Coudreau (1859-1899), comme ses aînés du même terroir Samuel de Champlain, René Caillié et Pierre Loti, rêve très jeune de partir loin, en Afrique peut-être. « En cette seconde moitié du XIXe siècle, les zones hachurées des cartes fondent à vue d’œil. » Mais en 1883, alors qu’il travaille au sous-secrétariat d’État aux Colonies, on lui confie la mission d’aller dans « le Contesté franco-brésilien », un no man’s land revendiqué par les deux États, aux confins de la Guyane. C’est là que, d’abord seul puis accompagné de sa femme Octavie, il souscrit au projet colonial de la Troisième République naissante. Jules Ferry le soutiendra toujours, même lorsque l’administration centrale trouve que ce passionné outrepasse les consignes.

    Henri a laissé une dizaine d’ouvrages sur ses expériences au cœur de la forêt amazonienne, et la vie à Cayenne, devenue sa base. Il y séjourne lors du grand incendie qui ravage la ville en août 1888. Il effectue aussi des relevés des endroits où il passe et envoie des cartes soignées à son ami Élisée Reclus, qui l’aide à établir une frontière acceptable pour les deux parties. Octavie, quant à elle, écrit cinq livres, tous après la mort de son mari dont elle poursuit la mission durant cinq ans malgré les périls : elle raconte ainsi avoir tiré un coup de fusil « pour mettre du plomb dans la tête d’un alligator » ! Lorsqu’elle rentre en France, elle reste un temps en contact avec la Société de géographie puis se retire en Charente-Maritime, jusqu’à sa mort en 1938.

    Patrick Straumann s’est appuyé sur les carnets de ce couple hors du commun pour suivre leurs traces en Amazonie dans ce bel ouvrage illustré de cartes en couleur et de photographies noir et blanc. Il raconte aussi, à travers les portraits d’Indiens, d’orpailleurs, d’esclaves marrons (la « loi d’or » qui abolit l’esclavage au Brésil n’est votée qu’en 1888), d’anarchistes, d’industriels du caoutchouc, quelques moments forts de l’histoire amazonienne à la fin du XIXe siècle. Henri Coudreau ne verra pas la fin diplomatique de sa mission puisque c’est seulement en 1900 que le différend à l’origine de son départ est réglé. L’Oyapock devient dès lors la frontière entre le Brésil et la Guyane.

    Sobre a quase inutilidade das próximas eleições - Paulo Roberto de Almeida

    Sobre a quase inutilidade das próximas eleições

     

     

    Paulo Roberto de Almeida

    Diplomata, professor

    (www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

     

     

    Que Lula ganhe ou não, no 1ro ou no 2do turno das eleições de outubro, isso não tem a menor importância para a governança ou para reformas no país, que nem se sabe se serão ou não feitas, algumas sim, outras não, ao sabor das coalizões sempre cambiantes e oportunistas no Parlamento. 

    Quem continuará mandando, de fato, serão os políticos predadores e predatórios do largo estamento de hienas do orçamento, pois essa é a última instância de poder.

    O Centrão nem precisa existir: o que existe é uma ameba sequiosa de verbas públicas em favor do seu enriquecimento pessoal.

    O velho patrimonialismo continua e continuará forte, feliz e seguro de si no Brasil do Bicentenário; senão vejamos.

     

    Menos de três semanas depois das “festividades” pelos 200 anos de independência e de construção tentativa de uma nação controlada e extorquida pelo Estado, o eleitorado brasileiro, independentemente de quem tenha sido o mais votado para a presidência, elegerá, de forma quase inconsequente e inconsciente, os mesmos sanguessugas — velhos ou novos, não importa— que continuarão a se locupletar com e a partir da riqueza duramente criada pelo povo trabalhador. 

    Difícil acreditar, a essa altura das miseráveis negociações pouco republicanas que ocorrem à margem das candidaturas presidenciais, que algo de fundamentalmente diferente ocorra a partir dessas eleições, que tenhamos homens probos no Congresso, engajados por um momento, não em suas prebendas orçamentárias, mas em reformas estruturais no tocante à educação, infraestrutura, segurança, luta contra a corrupção e a insegurança jurídica.

    O eleitorado continuará fixado no próximo salvador da pátria e, ao lado disso, os verdadeiros donos do poder — que nem é só o estamento burocrático de que falava Raymundo Faoro — continuarão suas soturnas maquinações em busca da preservação, da manutenção ou da conquista de mandatos parlamentares, que são os que determinam, em última instância, o destino das verbas públicas.

    Tenham certeza de que o estupro orçamentário continuará, com todos os tipos de emendas que a imaginação fertil dos sanguessugas congressuais conceberem, que isenções, subsídios e outros favores (sempre setoriais), que perdão de dívidas por impostos não pagos, que concursos públicos para lotar a máquina do Estado de centenas de funcionários muito bem remunerados, que milhares de cargos em comissão continuarão a existir, que carros, imóveis e penduricalhos diversos a título de “auxílios” não tributáveis continuarão a existir e que novos serão criados, enfim que o Brasil continuará sendo muito parecido com o Brasil que já conhecemos.

     

    Estou sendo pessimista?

    Absolutamente não: apenas sou um observador do declínio de outras nações, da decadência democrática e da semiestagnação econômica, processos muito mais frequentes do que progressos fulgurantes em direção à prosperidade. 

    O Brasil não é muito melhor do que a Argentina aqui ao lado, que já nos provou que a pobreza pode, sim, voltar e se espalhar, pelas mãos e pés dos mesmos políticos que infelicitam a nação há décadas. O Brasil não é muito melhor, em sua democracia de baixa qualidade, do que os EUA, um exemplo lamentável de retrocessos inacreditáveis num processo de reforço de particularismos anacrônicos trazidos por carolice religiosa, ignorância cidadã e introversão nacionalisteira.

     

    As eleições, finalmente, não são a grande festa da democracia, como nos quer fazer crer a propaganda ingênua do TSE. Elas são apenas a continuidade de um ritual compulsório, a que nos conduziram as hordas de políticos hábeis na manipulação de cidadãos — na verdade súditos de um Estado expropriador — com o único objetivo de se constituírem em governantes — federais, estaduais ou municipais — legitimamente mandatados para continuar o processo de extorsão.

    O eleitorado se arrastará sem qualquer entusiasmo para as urnas de outubro, sem qualquer esperança de que 2023 será muito diferente do que já vimos nos anos precedentes. 

    Não escrevo tudo isto para acentuar o pessimismo quanto às possibilidades de o Brasil dar um grande salto para a frente na correção das suas piores iniquidades, a desigualdade social em primeiro lugar. 

    Apenas tento me resguardar daquele otimismo reincidente a cada nova eleição: desta vez será diferente…

    Será? Acredito que não.

    Mas continuarei exercendo meu olhar crítico sobre nossas mazelas, provocadas não apenas pelos políticos, mas por capitalistas predatórios e acadêmicos inconscientes também. 

    Desculpem a nova ducha fria…

     

    Paulo Roberto de Almeida

    Brasília, 4084: 17 fevereiro 2022, 3 p.