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quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O ano de 2023 na politica externa e na diplomacia: discurso do chanceler na CREDN-CD

 Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social 

Nota nº 601

13 de dezembro de 2023 

Discurso do Ministro Mauro Vieira na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (CREDN) 

Excelentíssimo Senhor Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Deputado Paulo Alexandre Barbosa,

Excelentíssimas Senhoras Deputadas,

Excelentíssimos Senhores Deputados,

Senhoras e Senhores, 

É uma satisfação retornar a esta Comissão e a esta Casa.

Esta é a quarta vez neste ano que tenho o prazer de me dirigir diretamente aos membros do Legislativo nacional, contando minha última participação nesta Comissão, em maio passado, e as duas vezes em que estive na Comissão de Relações Exteriores do Senado, também em maio e depois em outubro.

Gostaria, inclusive, de ter estado nesta Comissão em outubro, o que não foi possível por dificuldades de agenda.

Por outro lado, essa minha vinda um pouco mais tardia me dá a oportunidade de apresentar um quadro mais amplo e consolidado do conflito israelo-palestino, das posições assumidas pelo Brasil, das ações empreendidas pelo Governo em diversos temas da nossa política externa, inclusive durante nossa presidência rotativa no Conselho de Segurança da ONU no último mês de outubro.

Estar aqui neste momento também me dá a oportunidade de fazer um balanço geral da política externa do Governo brasileiro encaminhada pelo Presidente Lula neste primeiro ano de governo.

 

Caros deputados,

É lamentável que o conflito entre Israel e Palestina, que se arrasta há mais de sete décadas, tenha voltado ao topo da agenda internacional da forma como ocorreu, com grau inédito de violência, destruição e mortes, colocando em risco a estabilidade regional e global.

Já na primeira hora, o Governo brasileiro, a começar pelo Presidente da República, manifestou o repúdio e a condenação aos atos terroristas realizados pelo Hamas em 7 de outubro contra a população civil em Israel, a partir da Faixa de Gaza, com grande número de mortos e feridos.

Na ocasião, transmitimos oficialmente, tanto por nota do Itamaraty, quanto por meio de telefonema do Presidente Lula ao Presidente de Israel, Isaac Herzog, bem como por telefonema meu ao chanceler de Israel, Eli Cohen, nossas condolências aos familiares das vítimas e nossa solidariedade ao povo de Israel.

Manifestamos, também, por nota do Itamaraty e por contatos pessoais diretos, nossas condolências e solidariedade aos familiares dos nacionais brasileiros Ranani Glazer, Bruna Valeanu e Karla Stelzer Mendes, que foram vítimas fatais desses atos terroristas quando participavam de festival de música eletrônica no território de Israel. Estendemos também condolências aos familiares de três filhos de brasileiros, igualmente vitimados: Gabriel Yishay Barel, Tchelet Zaarur e Noam Rotemberg. Quero aqui renovar nossas condolências e sublinhar que a Embaixada do Brasil em Tel Aviv segue à disposição para ajudar no que for necessário.

Nada, absolutamente nada justifica o recurso à violência, sobretudo contra civis. Foi por isso que, desde o primeiro momento, fizemos um chamamento a todas as partes para que exercessem a máxima contenção a fim de evitar uma escalada da situação. Defendemos que o Hamas libertasse os reféns, especialmente as crianças, que foram sequestradas de suas famílias. Pedimos a Israel cessar os bombardeios para que as crianças palestinas e suas mães tivessem condições de deixar a Faixa de Gaza através da fronteira com o Egito e de receber ajuda humanitária.

Destacamos, desde o princípio, a urgência de um cessar fogo humanitário e exortamos as partes a respeitarem o Direito Humanitário Internacional. É inadmissível que a população civil da Faixa de Gaza tenha sido submetida a tamanha destruição de sua infraestrutura mais básica, desde redes de eletricidade, saneamento e esgoto até o ataque ao Hospital Batista de Gaza, que resultou na morte de mais de 500 pessoas.

Podemos dizer que pelo menos uma parte das demandas que defendíamos pôde ser atendida durante a vigência da recente trégua humanitária, quando foi libertado número significativo de reféns de Gaza e de prisioneiros palestinos em Israel (quase todos mulheres e crianças).

Infelizmente, como as senhoras e os senhores sabem, o conflito entre Israel e Palestina não é algo novo, que começou agora, nem é fato isolado, existente em um vazio de contexto. É um conflito que remonta ao fim do Império Otomano, após a Primeira Guerra Mundial, e ao término do subsequente Mandato Britânico da Palestina, logo após a Segunda Guerra Mundial, sempre com muitas disputas sobre como aqueles territórios deveriam ser compartilhados.

A Resolução 181 da ONU, aprovada na Segunda Sessão Especial da Assembleia Geral, em 29 de novembro de 1947, que estabeleceu as regras para a Partilha da Palestina, jamais foi integralmente respeitada por nenhuma das partes. Isso resultou em graves consequências para a população civil local. Já em maio de 1948, após uma guerra civil entre israelenses e árabes, foi declarada a Independência de Israel, seguida da Primeira Guerra Árabe-Israelense. Os sentimentos mútuos de revanche vêm desde então, e desaguaram em guerras como a de 1956, em Suez, a dos Seis Dias, em 1967, e a do Yom Kippur, em 1973, além das seguidas invasões, retaliações e intifadas desde então. É sintomático que esta guerra de hoje tenha ocorrido no momento do 30º aniversário dos Acordos de Paz de Oslo, de 1993, quando surgiram expectativas de uma solução pacífica que jamais foi implementada pelas partes.

Mais recentemente, a violência envolvendo a Faixa de Gaza já havia eclodido em 2006, 2009, 2011, 2014, 2018 e 2021. O bloqueio a Gaza já dura 16 anos, com sérias consequências humanitárias para a vida de seus dois milhões e trezentos mil habitantes.

Nos anos mais recentes, a dinâmica entre Israel e Palestina se tornou cada vez mais insustentável, sem avanços concretos no front político-diplomático. A ONU aponta que assentamentos ilegais israelenses aumentaram na Cisjordânia. Persistem violações ao “status quo” dos sítios sagrados de Jerusalém, com destaque para a Esplanada das Mesquitas, também conhecida como Monte do Templo, terceiro lugar mais sagrado do Islamismo, que é custodiado pelo Reino Hachemita da Jordânia.

As duras condições econômicas a que os palestinos são submetidos, especialmente em Gaza, leva à absoluta falta de perspectivas para a população, composta majoritariamente de crianças e jovens, contribuindo para o desespero e para a espiral de violência.

Por ocasião da primeira pausa humanitária, no fim de novembro último, após os 1.186 israelenses mortos no ataque de 7 de outubro e os 48 dias consecutivos de bombardeios incessantes que o seguiram, o número de vidas civis perdidas em Gaza ultrapassava naquele momento os 14 mil, sendo 70% mulheres e crianças. Agora, o número de mortos já passa de 18 mil.

Os números de deslocados internos são impressionantes, atingindo quase 1 milhão e oitocentas mil pessoas, equivalentes a 80% da população de Gaza, ou seja, 4 em cada 5 habitantes estão deslocados de suas cidades de origam. Estima-se que cerca de 41.000 casas foram destruídas totalmente ou gravemente danificadas. Dezoito hospitais foram fechados. O número de caminhões com assistência humanitária que puderam acessar a Faixa mostrou-se insuficiente para atender às necessidades básicas da população, como alimentos, água, medicamentos e combustível. A população de Gaza passou a sofrer com a fome crônica, a falta de água e com o aumento em 45 vezes da incidência de doenças sanitárias. O cenário é desolador.

 

Senhoras e senhores deputados,

Como país amigo de Israel e do Estado da Palestina, a posição e compromisso do Brasil é, como historicamente tem sido, em favor do diálogo e de negociações que conduzam a uma solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas.

O Brasil tem um compromisso histórico com o Estado de Israel. E temos também um compromisso histórico com a legítima aspiração nacional do povo palestino de estabelecer o seu próprio Estado.

Tivemos papel decisivo, como todos sabem, no processo que levou à criação do Estado de Israel quando, em 29 de novembro de 1947, como já mencionei, a Assembleia Geral das Nações Unidas, sob a presidência do brasileiro Oswaldo Aranha, aprovou o plano de partilha da Palestina, que previu a criação de um Estado judeu, mas também um Estado palestino, além de um regime especial para a cidade de Jerusalém.

No auge da Crise de Suez, em 1957, enviamos os primeiros capacetes azuis brasileiros em uma das primeiras missões de Força de Emergência da ONU. Eles ajudaram a garantir e supervisionar a cessação das hostilidades, incluindo a retirada de forças armadas de França, Israel e Reino Unido do território egípcio.

E quis o destino que coubesse ao Brasil a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas justamente no mês de outubro último, quando eclodiu o atual conflito.

Temos orgulho de nossa posição equilibrada sobre o conflito israelo-palestino, que respeita o direito internacional, as resoluções do Conselho de Segurança e da Assembleia Geral das Nações Unidas. Graças ao diálogo que retomamos desde o início do Governo com todas as partes, bem como às posições tradicionalmente equilibradas do Brasil, pudemos dar nossa contribuição como interlocutor confiável e qualificado a essa complexa questão.

E foi assim que buscamos proceder durante nossa presidência no Conselho de Segurança, visando ao exercício da contenção entre as partes e buscando ajudar a construir posições comuns no Conselho, que segue paralisado pelas disputas entre os membros permanentes há um bom tempo. O dossiê israelo-palestino é, por sinal, o tema com o maior número de vetos na história do Conselho de Segurança: mais de 40, desde 1945.

O Brasil foi instado, na qualidade de presidente do Conselho, a facilitar um texto de consenso com foco em assegurar uma pausa humanitária, que permitisse a entrada de insumos de primeira necessidade aos civis de Gaza, e a saída de estrangeiros e outros cidadãos para o Egito.

É preciso ficar claro, portanto, que o Brasil, na qualidade de presidente do Conselho de Segurança, foi instado a facilitar e articular um projeto de resolução, com base em uma série de contatos e consultas de alto nível em Nova York e nas principais capitais do mundo, em busca de um mínimo denominador comum entre interesses tão díspares.

Desde a eclosão da crise em Gaza, fui a Nova Iorque  quatro vezes, presidi sete sessões do Conselho de Segurança, e participei do Debate aberto sobre Oriente Médio no dia 29 de novembro último, sempre nesse espírito construtivo e de facilitação para a formação de consensos.

O projeto de resolução, que ajudamos a construir a partir dessa articulação com todos os demais membros do Conselho, foi posto em votação no dia 18 de outubro. Como os senhores sabem, recebeu 12 votos positivos dentre 15 possíveis – portanto foi formalmente aprovado –, apenas duas abstenções e um voto negativo de um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, que nessa circunstância se transforma em veto.

Foi uma oportunidade perdida que postergou a ação do Conselho de Segurança em quase um mês, até que foi finalmente aprovada proposta de Malta, em 15 de novembro, já na presidência chinesa do Conselho de Segurança. A resolução, que se assemelhava àquela articulada anteriormente pelo Brasil, instou a libertação de todos os reféns e o estabelecimento de pausas humanitárias para apoio à população civil, o que finalmente vimos acontecer em 24 de novembro. A pausa era prevista para durar inicialmente por quatro dias, mas seu prazo foi estendido por duas vezes. Infelizmente, os combates recomeçaram na manhã do dia 1º de dezembro.

 

Senhoras e senhores deputados,

O Brasil construiu, ao longo de décadas, uma capacidade de diálogo e interlocução com israelenses e com palestinos. Isso é um patrimônio diplomático que transcende governos. Essa nossa postura de equilíbrio é um patrimônio do povo brasileiro, que muitas vezes serve como uma espécie de escudo protetor dos cidadãos brasileiros no exterior que se vejam repentinamente afetados por uma situação de conflito.

Desde a eclosão do conflito, o Governo trabalhou incessantemente para garantir o retorno ao Brasil, em segurança, dos nossos cidadãos que assim desejassem e que estivessem em Israel e na Palestina. Segundo os números que tínhamos naquele momento, eram cerca de 14 mil brasileiros ou binacionais residentes em Israel e cerca de 6 mil na Palestina, a grande maioria na Cisjordânia, mas alguns na Faixa de Gaza, que enfrentavam uma situação maior de risco e vulnerabilidade.

Em 7 de outubro, eu estava ainda no início de uma viagem que fazia à Ásia, em Jacarta, na Indonésia, quando determinei a convocação urgente de uma reunião, já no domingo, dia 8, com a participação da Ministra, interina, das Relações Exteriores, Embaixadora Maria Laura da Rocha, convidando o Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Marcelo Damasceno, e o Assessor Especial da Presidência da República, Embaixador Celso Amorim.

Essa primeira reunião permitiu a tomada de importantes decisões e resultou na criação de um gabinete de crise no Itamaraty, reunindo o Ministério da Defesa, com o objetivo de acompanhar, em tempo real, os desdobramentos do conflito tanto na seara política quanto na assistência aos brasileiros.

Esse gabinete de crise ainda está em funcionamento, produzindo informações diárias sobre o andamento do conflito, que são transmitidas ao Senhor Presidente da República, e teve papel fundamental no apoio aos nossos cidadãos naquela região, trabalhando inicialmente em regime de plantão de 24 horas, 7 dias por semana, atendendo às famílias e coordenando o processo de repatriação.

Como os senhores sabem, o Brasil foi o primeiro país a anunciar e organizar uma missão de repatriação de nacionais, sem custos para as pessoas atendidas, após a eclosão do conflito. A Operação Voltando em Paz foi executada com altíssima eficiência, graças ao trabalho conjunto do Ministério das Relações Exteriores, em especial de seus funcionários nas Embaixadas em Tel Aviv, Ramalá e Cairo, e graças ao apoio do Ministério da Defesa e ao profissionalismo da Força Aérea Brasileira, que atenderam imediatamente ao chamado do Presidente Lula de não deixar nenhum cidadão para trás. Quero agradecer, igualmente, o apoio de muitos parlamentares que entraram em contato conosco e nos ajudaram a identificar pessoas que precisavam de ajuda tanto em Israel quanto na Palestina.

Foram, ao todo, 11 voos da Força Aérea que ocorreram em ritmo quase diário, a partir de 10 de outubro, tendo oito deles partido de Israel, um da Jordânia, para retirar cidadãos que estavam na Cisjordânia e, também, um voo em novembro, partindo do Egito, para repatriar os 32 brasileiros registrados que estavam na Faixa de Gaza. Foi com grande alegria que recebemos em Brasília, na madrugada desta última segunda-feira, 11 de dezembro, o 11º voo de repatriação com mais 47 brasileiros e familiares que estavam em Gaza. No total, a Operação Voltando em Paz concluiu com êxito a repatriação de 1,524 brasileiros e familiares que estavam na região do conflito.

Como os senhores sabem, atenção especial precisou ser dedicada ao atendimento dos cidadãos brasileiros que estavam na Faixa de Gaza, em decorrência do bloqueio físico à passagem de pessoas para Israel ou para o Egito. O Escritório de Representação do Brasil em Ramalá manteve contato constante com as famílias e conseguiu, inicialmente, alojar o grupo em uma escola católica na Cidade de Gaza, até que fosse possível sua passagem para o Egito. Um ônibus foi fretado para essa missão, e ficou à disposição junto das famílias, na escola. Vale lembrar que Ramalá fica na Cisjordânia, afastada fisicamente da Faixa de Gaza, o que tornava a comunicação sempre mais difícil.

Com a determinação, por parte de Israel, de evacuação da população do norte de Gaza – onde fica a Cidade de Gaza – para o sul, esses cidadãos foram, inicialmente, transportados para a cidade de Khan Younis, e depois para Rafah, na fronteira com o Egito, até que foi possível, finalmente, inclui-los na lista de cidadãos estrangeiros autorizados a cruzar a fronteira, em 11 de novembro.

Ao longo do processo, foram encaminhadas às autoridades militares israelenses, por meio de nossa embaixada em Tel Aviv, endereços, telefones e “pins” de identificação geográfica dos locais em que se encontravam as famílias aguardando repatriação, na tentativa de evitar que fossem bombardeadas pela aviação de guerra.

Durante todo esse tempo, o Presidente Lula e eu próprio mantivemos uma série de contatos de alto nível para facilitar a repatriação dos nacionais brasileiros, criar um corredor para levar ajuda humanitária, libertar os reféns e criar espaços para a retomada do processo de solução política para o conflito.

O Presidente Lula conversou por telefone com o Presidente de Israel, com o Presidente do Egito, com o Presidente da Autoridade Palestina, com o Presidente da Turquia, com o Presidente do Irã, com o Emir do Catar e com o Primeiro Ministro da Jordânia, entre outros. Eu conversei com o Chanceler do Egito duas vezes por telefone e pessoalmente, no Cairo. Também falei com os chanceleres de Israel, Arábia Saudita, Rússia, França, Irã e Catar.

A partir desse trabalho intenso, criaram-se as condições necessárias para avançar o esforço de repatriação. Creio que, com isso, concluo aqui esse panorama sobre nossa atuação a respeito do conflito israelo-palestino. Gostaria agora de fazer um breve balanço do primeiro ano de governo no que tange à política externa.

 

Senhoras e Senhores deputados,

Como tem dito o Presidente Lula, o Brasil voltou. Isso não é mera figura de linguagem. Ao longo deste ano, tivemos mais de 200 interações mantidas pelo Presidente da República e por mim mesmo, na forma de participação em cúpulas, reuniões bilaterais, visitas realizadas e recebidas, telefonemas e videoconferências. O Brasil também se reencontrou consigo mesmo, em um movimento de resgate dos princípios fundamentais que sempre nortearam a política externa brasileira. Princípios, por sinal, consolidados na Constituição Federal.

Fundamentos como a independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, o respeito à autodeterminação dos povos, a não intervenção, o reconhecimento da igualdade entre os Estados e a defesa da paz e da solução pacífica das controvérsias estão na base da política externa brasileira em seus melhores momentos. A cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e a busca pela integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina são também princípios constitucionais que o Brasil buscou em seus momentos de maior projeção internacional. São esses fundamentos, aliados à vocação universalista brasileira de diálogo com todos os parceiros, sem noções pré-concebidas, e à busca incessante pelos melhores resultados possíveis para o interesse nacional, que buscamos aplicar ao longo deste primeiro ano de governo e que seguirão informando a política externa do governo Lula nos próximos anos.

O ponto de partida, como não poderia deixar de ser, foi a integração regional. Uma das primeiras medidas formais tomadas pelo governo, logo no início de janeiro, foi a reincorporação plena e imediata do Brasil à Comunidade de Países Latino-Americanos e Caribenhos, a CELAC, que é o único mecanismo de diálogo e cooperação que inclui todos os 33 países da América Latina e do Caribe. A CELAC é um espaço privilegiado para a construção de iniciativas concretas de cooperação em áreas nas quais temos desafios comuns, como saúde, segurança, cooperação científico-tecnológica, entre tantas outras.

Em julho, o Presidente Lula participou da Cúpula CELAC-União Europeia, em Bruxelas, que além de reforçar a cooperação entre os dois grupos e servir de ocasião para diversas reuniões bilaterais, resultou em um comunicado conjunto muito positivo, reafirmando princípios como a promoção do trabalho decente e da igualdade de gênero, bem como a condenação a medidas unilaterais com efeitos extraterritoriais, ao embargo a Cuba e ao tráfico negreiro transatlântico histórico, reconhecido como um crime contra a humanidade.

Com relação à América do Sul propriamente, o Brasil anunciou o seu regresso ao Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas, a UNASUL, como forma de sinalizar nossa determinação de trabalhar com nossos vizinhos pela revalorização da América do Sul como um espaço de diálogo, paz e cooperação. Sempre fomos conscientes de que há diferentes expectativas e visões na região com relação à integração, mas mantemos também a convicção de que há denominadores comuns entre nós, a começar pelo reconhecimento da necessidade de trabalhar conjuntamente com nossos vizinhos imediatos para fazer frente aos múltiplos desafios comuns que compartilhamos.

Foi com esse espírito que o Presidente Lula convocou a Reunião de Presidentes dos Países da América do Sul, a Cúpula de Brasília, que ocorreu aqui na Capital Federal em 30 de maio. A cúpula foi muito bem-sucedida: conseguiu reunir todos os presidentes sul-americanos e o Primeiro-Ministro do Peru. A reunião serviu de plataforma para a discussão de assuntos e interesses muito concretos da região e resultou em um comunicado conjunto muito importante, denominado “Consenso de Brasília”, consolidando esse objetivo geral de revitalizar o processo de integração regional. Foi criado um grupo de contato, em nível ministerial, que eu mesmo já presidi por duas vezes, a primeira em julho, durante a Cúpula CELAC-União Europeia, realizada em Bruxelas, e a segunda vez em setembro, em Nova York, à margem da Assembleia Geral da ONU. Foi também definido um calendário de encontros regionais, como, por exemplo, a Reunião de Chanceleres e Ministros da Defesa – a chamada “reunião 12+12” –, que ocorreu aqui em Brasília, no dia 22 de novembro.

O esforço de retomada da integração regional se dá também na Amazônia. Em 8 e 9 de agosto, realizamos a Cúpula da Amazônia, em Belém do Pará, reunindo os presidentes de todos os oito países signatários do Tratado de Cooperação Amazônica. Tivemos por objetivo fortalecer institucionalmente a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, a OTCA, que tem sede aqui em Brasília, e estabelecer uma nova agenda comum de cooperação regional em favor do desenvolvimento sustentável e compartilhado da Amazônia, conciliando a proteção da floresta e da bacia hidrográfica, inclusão social, o fomento à ciência, à tecnologia e à inovação, o estímulo à economia local e a valorização dos povos indígenas e dos conhecimentos ancestrais das comunidades locais. A Declaração de Belém, resultante da Cúpula, consolida essas ideias em 113 objetivos e princípios transversais.

Ao longo do ano, o Presidente Lula manteve contatos com todos os mandatários da América do Sul. Visitou a Argentina, por duas vezes, em janeiro (para a Cúpula da CELAC) e em julho (para a Cúpula do Mercosul). Ainda em janeiro, o Presidente também visitou o Uruguai. Em julho, esteve na Colômbia para uma reunião preparatória da Cúpula da Amazônia. No caso do Paraguai, o Presidente Lula reuniu-se em março, em Foz do Iguaçu, com o então presidente Mario Abdo Benítez e, em agosto, em Assunção, com o atual Presidente Santiago Peña.

Com relação à Venezuela, reabrimos nossa embaixada em Caracas e designamos uma diplomata experiente, a embaixadora Glivânia Oliveira, para assumir a chefia da nossa representação. Isso contribui não apenas para que avancemos nossos interesses junto a um vizinho importante, como também para que possamos prestar a devida assistência consular aos cerca de 20 mil brasileiros que residem naquele país. Procederemos, por sinal, em futuro próximo, à reabertura das quatro representações consulares do Brasil que foram fechadas em 2020.

Relançamos, também, nossa relação com Cuba, país onde também temos interesses importantes, e que o Presidente Lula visitou em setembro, por ocasião da Cúpula dos Países do Grupo dos 77 e China, logo antes da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Para além dos parceiros regionais, esse ano também foi de retomada do trabalho junto a parceiros tradicionais do Norte desenvolvido, como Estados Unidos, Alemanha, França, Portugal, Espanha, União Europeia e Japão, com os quais mantemos agenda ampla de comércio, investimentos e cooperação, inclusive em setores estratégicos para o Brasil.

Ainda em janeiro, o Presidente Lula visitou os Estados Unidos. O encontro com o Presidente Joe Biden sinalizou o compromisso das duas maiores democracias do continente de voltar a trabalhar conjuntamente em uma gama de questões, como o combate ao extremismo político, o enfrentamento à mudança do clima, a luta contra a discriminação racial e a reforma da governança internacional. Em setembro, em um evento à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, Brasil e Estados Unidos, com a presença dos Presidentes Lula e Biden, lançaram a Parceria Global pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras e a Promoção do Trabalho Digno, que foi saudada pela OIT e deverá contar com a adesão de vários outros países.

O Presidente Lula visitou, ainda, Portugal e Espanha, em abril, acompanhado de importante delegação empresarial. Em maio, esteve no Reino Unido para a coroação do Rei Carlos III, quando manteve reunião com o Primeiro-Ministro Rishi Sunak. Ainda em maio, o Presidente Lula viajou ao Japão como convidado da Cúpula do G7, em Hiroshima, mantendo reuniões bilaterais com o Primeiro-Ministro do Japão e com os líderes dos demais países membros desse grupo. Recordo que, com o Japão, foi assinado um inédito acordo para isenção recíproca de vistos.

Em junho, o Presidente fez visita à Itália e à França, sendo um dos convidados de honra da Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em Paris. Além disso, em julho, esteve em Bruxelas, na sede da União Europeia, para a já mencionada Cúpula CELAC-União Europeia. Na semana passada, o Presidente Lula liderou numerosa comitiva em visita à Alemanha para participar da Reunião de Consultas Intergovernamentais de Alto Nível com aquele país.

Ao longo do ano, buscamos ainda valorizar a tradição universalista e ecumênica da nossa política externa, por meio do aprofundamento e da ampliação das nossas relações com parceiros do Sul Global, na Ásia, na África e no Oriente Médio.

Como as senhoras e os senhores sabem, o Presidente Lula realizou, em abril, a bem-sucedida Visita de Estado à China, nosso principal parceiro comercial, principal destino de nossas exportações agrícolas e uma das principais fontes de investimentos estrangeiros diretos no Brasil. A visita, que contou com a participação de ampla delegação empresarial (e também parlamentar) foi marcada pela obtenção de resultados concretos, tanto políticos – como o aprofundamento da cooperação bilateral em setores estratégicos – quanto econômico-comerciais: foram assinados acordos que, juntos, somam mais de R$ 50 bilhões em investimentos.

Na mesma ocasião, o Presidente visitou também os Emirados Árabes Unidos, gerando acordos que somam mais R$ 15 bilhões em investimentos potenciais no Brasil.

Em julho, o Presidente esteve no Cabo Verde. Em agosto, visitou a África do Sul, para participar da Cúpula do BRICS. Em seguida fez visita bilateral a Angola e esteve em São Tomé e Príncipe por ocasião da Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Agora em dezembro, o Presidente visitou a Arábia Saudita e o Catar, dirigindo-se em seguida, aos Emirados Árabes Unidos, para participar da COP28 de Mudança do Clima.      

Em todos esses compromissos, eu normalmente acompanhei o Presidente, além de participar de outras reuniões, preparatórias ou de coordenação multilateral, em nível ministerial. O ano foi, portanto, bastante intenso para a Presidência da República e para o Ministério das Relações Exteriores.

 

Senhoras e senhores deputados,

Se, por um lado, como pude comentar, o Brasil voltou para si mesmo e para o mundo, por outro também o mundo voltou para o Brasil. E isso se dá não apenas pela retomada do volume de visitas bilaterais recebidas, como também pelo número de incumbências globais e multilaterais que o Brasil voltou a assumir, em papel de grande liderança. Nosso país será, nos próximos anos, a sede de foros internacionais de alta relevância, como o G20, a COP 30 do Clima e o BRICS.

A Cúpula da Amazônia, em agosto, contou com a presença, na qualidade de convidados especiais, de parceiros extrarregionais, como Noruega e Alemanha. Também foram convidados Indonésia, República do Congo, República Democrática do Congo e São Vicente e Granadinas, países com os quais firmamos, na ocasião, o comunicado “Unidos por Nossas Florestas”. Essa é uma iniciativa, liderada pelo Brasil, que visa à preservação das florestas tropicais no mundo, à qual foram convidados a aderir outros 80 países com importantes reservas florestais.

O Brasil também teve participação destacada na COP 28, em Dubai, encerrada ontem, 12 de dezembro, e na qual se discutiu a avaliação global (“global stocktake”) de execução dos objetivos nacionais que os países definiram na COP 21, em Paris. O Brasil, além de ter cumprido a maior parte de seus compromissos, foi confirmado como sede da COP 30, em 2025, cuja Cúpula pretendemos realizar também na cidade de Belém, no Pará.

A COP de Belém será uma grande oportunidade para revitalizarmos o regime multilateral do clima; para buscarmos limitar o aumento da temperatura global em 1,5 graus celsius; e para acelerarmos nossa própria transição ecológica e energética. Será na COP 30 que os países estabelecerão os seus próximos objetivos nacionais de redução de emissões, o que atesta a relevância dessa ocasião, no Brasil.

O Brasil já iniciou sua preparação para assumir, em 2025, a presidência do BRICS, que passará a contar, a partir do ano que vem, com novos membros. Essa é uma presidência que vai demandar significativo esforço diplomático, na medida em que envolve a realização de grande número de reuniões de comissões temáticas em diferentes níveis de representação. Acreditamos que esse esforço vai produzir resultados concretos para os países membros em termos de coordenação para a reforma da governança global e em outros temas. A ampliação do grupo deverá reforçar a relevância dos BRICS no mundo, e a presidência brasileira em 2025 valorizará a nossa relevância nesse contexto.

Neste ano de 2023, além de ter exercido a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em outubro, como já comentei, o Brasil também assumiu a liderança de diversos outros processos diplomáticos e agrupamentos de países. Acabamos de concluir, por exemplo, nossa presidência pro-tempore do Mercosul, com a Cúpula realizada no Rio de Janeiro na semana passada. Exercemos a presidência do BASIC, grupo que coordena posições em temas ambientais entre Brasil, África do Sul, Índia e China. Além disso, o Brasil assumiu, em meados do ano, a presidência do Grupo de Países Supridores Nucleares (NSG). Antes disso, já vínhamos exercendo a presidência do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, o MTCR.

Além disso, neste ano, o Brasil assumiu, até o final de 2024, a presidência do IBAS, grupo integrado por Índia, Brasil e África do Sul que promove ações de cooperação, sobretudo com países em desenvolvimento. Finalmente, mas não menos importante, assumimos, desde 1º de dezembro, a presidência do G20, que se estenderá até o final de 2024.

A presidência brasileira do G20 é um momento emblemático na retomada do protagonismo do país no cenário internacional. Pretendemos conduzir nossa presidência com foco em três temas prioritários, estabelecidos pelo Presidente Lula: o combate à fome, à pobreza e à desigualdade; a promoção do desenvolvimento sustentável em suas três dimensões: econômica, social e ambiental; e a reforma da governança global, em favor de maior representatividade dos países do Sul Global.

Ao longo do mandato brasileiro, estão previstas mais de 100 reuniões dos grupos de trabalho e forças-tarefa que compõem o G20, tanto presenciais quanto por teleconferência, em nível técnico e ministerial, em diferentes cidades nas cinco regiões do Brasil. Essas reuniões culminarão na 19ª Cúpula do G20, no Rio de Janeiro, dias 18 e 19 de novembro de 2024, reunindo os chefes de Estado e de Governo das maiores economias do planeta para discutir temas centrais para o mundo. A realização exitosa da presidência do G20 será, necessariamente, uma das prioridades da política externa brasileira ao longo dos próximos doze meses.

A preparação para essa presidência começou ainda em junho deste ano, a partir da publicação do decreto presidencial de governança do G20, atribuindo ao Ministério das Relações Exteriores a competência de coordenar a chamada “Trilha de Sherpas”. Essa é a instância do G20 responsável por organizar e facilitar as atividades de Quinze Grupos de Trabalho, envolvendo vários temas de relevância internacional, tais como meio ambiente, agricultura, tecnologia e inovação, energia, educação, saúde, empoderamento das mulheres, comércio e investimentos, entre outros.

A palavra “sherpa” inclusive, deriva da designação de uma etnia originária da região da Cordilheira dos Himalaias, notória por sua capacidade de guiar e conduzir nas trilhas locais todos aqueles que almejam alcançar o cume da mais alta das montanhas.

O decreto presidencial de governança do G20 também atribuiu ao Itamaraty a função de coordenador nacional do planejamento e da execução das medidas de organização e de logística das atividades a serem realizadas durante a presidência do G20.

Assim, desde março, o Itamaraty passou a conduzir um amplo processo de consultas interministeriais visando à preparação da presidência brasileira, que mobilizou mais de duas dezenas de ministérios e envolveu a definição das prioridades substantivas e dos resultados propostos de cada grupo de trabalho, bem como a definição dos recursos humanos e orçamentários que serão necessários à execução da missão que caberá ao país.

A presidência brasileira, que se iniciou agora em dezembro e se realizará ao longo do ano de 2024, já vem funcionando plenamente, na realidade, ao longo da maior parte deste ano de 2023. Queremos um G20 que se dedique menos a debates e discussões sobre temas variados e mais à obtenção de resultados que tenham impacto real na vida dos nossos cidadãos e de pessoas em todo o mundo.

 

Senhores deputados,

Como podem ver, a agenda da política externa para 2024, exigirá bastante do nosso contingente diplomático, em Brasília e nos postos no exterior. Ademais do intenso trabalho habitual em suas áreas, os servidores farão o seguimento das iniciativas lançadas ao longo deste ano, que incluem as atividades ligadas à presidência do G20, à preparação das cúpulas que serão sediadas no Brasil em 2025, e os mais de cem processos negociadores da COP 30, do BRICS e do Mercosul.

Quero deixar aqui registro do meu agradecimento ao corpo de funcionários do Ministério das Relações Exteriores.

Nesse quadro, as questões relativas à gestão de pessoas no Itamaraty – incluindo o ingresso, a lotação e a progressão de carreira dos servidores – revestem-se de fundamental importância para o êxito para política externa brasileira.

Além de medidas internas para buscar mitigar o déficit crônico de funcionários, aprimorar a alocação da força de trabalho do Ministério de forma mais eficiente, e promover a ampliação da diversidade no quadro de servidores, será eventualmente necessária a aprovação de uma nova Lei do Serviço Exterior, de modo a garantir o reenquadramento salarial e funcional dos diplomatas e demais servidores do Ministério, bem como o adequado fluxo de progressão da carreira.

Além disso, esse amplo conjunto de iniciativas internacionais em que o Brasil está engajado exigirá, naturalmente, recursos orçamentários adequados para financiar as presidências de turno lideradas pelo Brasil em 2024, as contribuições regulares do país aos órgãos internacionais de que participa, bem como o adequado funcionamento de nossa rede de postos no exterior.

Conto com o olhar dedicado e com o apoio desta Comissão às necessidades do Itamaraty, e agradeço pela atenção já dedicada ao longo deste ano, que nos permitiu saldar grande parte da dívida que o país mantinha junto a organismos internacionais.

 

Senhoras e senhores deputados,

Agradeço novamente pela oportunidade de apresentar a Vossas Excelências uma visão de conjunto das iniciativas brasileiras em política externa neste primeiro ano de Governo do Presidente Lula e, ao mesmo tempo, ressaltar algumas das nossas prioridades para 2024.

Fico, evidentemente, à disposição de todos para esclarecer dúvidas e, sobretudo, trocar ideias.

Muito obrigado.

 

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/discurso-do-ministro-mauro-vieira-na-comissao-de-relacoes-exteriores-e-de-defesa-nacional-da-camara-dos-deputados-credn

The Limits of American Power - Leonidas Zelmanovitz (Law and Liberty)


The Limits of American Power

by leonidas zelmanovitz


Law and Liberty, December 14, 2023

If an American-backed world order is to continue to do good in the world, it will require the recognition of other powers' legitimate spheres of influence.


It is well accepted among foreign relations specialists that at the time of the Cold War (1945–89) we lived in a “bipolar” world, with the United States and the Soviet Union competing for global hegemony. After the fall of the Berlin Wall, we lived in a “unipolar” world, with the United States as the sole superpower from 1989 to 2008 and the beginning of the Great Recession. Finally, we entered the “multipolar” world that we live in today, with three global superpowers: the United States, China, and Russia, and a number of regional powers, such as India and Iran.

To understand how global order might be maintained and a war of annihilation averted, we might recur to a neglected concept that emerged as the last multipolar era was ending: respect for great power spheres of influence.

Cold War Spheres of Influence

Many of the arrangements that brought us through the bipolar era unscathed were shaped— if not implemented—during the Second World War, out of a process of negotiation between great powers.

The composition of the Security Council of the United Nations, for instance, reflected the leading allies in WWII: the US, UK, France, the USSR, and China. The monetary arrangements agreed to at the Bretton Woods Treaty of 1944, though centered on the US dollar, were made with due consideration of the concerns of the other powers. (So much so that years later, the system crumbled because it became too onerous for the US to honor its commitments to redeem its currency in gold when asked by the central banks of other members.)

One important aspect of the international order that was shaped during WWII and helped prevent another war in Europe was the delineation of spheres of influence between the leading powers. Exhibit A is the “percentage agreement” reached between Churchill and Stalin in Moscow concerning their two countries’ respective influence in the Balkans. The partition of Germany and the acknowledgment of the Baltic States and Poland as part of the Soviet sphere of influence were also part of that, of course.

So it wasn’t simply a balance of power between the Soviet Union and the United States that prevented a nuclear war: it was also an acknowledgment that each one of them was more or less free to act in its own sphere of influence without the interference of the others. The free hand the Soviets had in Eastern Europe and the many American interventions in Latin America during the Cold War attest to this reality.

The stationing of nuclear missiles in Turkey and the consequent Cuban crisis in 1962 was solved under the spheres-of-influence paradigm, even if the great powers were testing the limits of how much they could encroach upon the other’s sphere.

One of the failures of the current international arrangements is that they were designed to operate by consensus, with respect on the part of the superpowers for their respective spheres of influence. But that was not to be. The consensual approach followed during WWII was not followed by the superpowers in the following years. Nor were their respective spheres of influence as well defined around the globe as they were in Europe.

For instance, the British and French could not solve the Suez Canal crisis of 1956 on their own terms—the US would not let them do that.

The Chinese found it intolerable that after repelling the North Korean invasion, South Korea and its allies invaded the north, and came closer to the Chinese border. It was fine for North Korea to erase South Korea, but the risk of having American troops so close to Beijing was unacceptable.

Many other regional conflicts took place on the borders of ill-defined spheres of influence—the Vietnam War and the Israeli-Arab wars being two examples.

The Soviets used all the tricks in the book to check American hegemony around the world: Marxist, socialist, anti-colonial, and anti-Zionist ideologies, support for terrorism, narcotics, industrial espionage, you name it. Sure, the global communism of the Third International and its affiliates and offshoots like Forum de São Paulo are expansionist ideologies, and so it is possible that they would not succumb to realpolitik considerations and limit themselves, even if better-delineated spheres of influence were designed and the consensual arrangements among the permanent members of the UN Security Council were taken to the letter.

Alas, we will never know, since the superpowers and their clients early in the game decided simply to “contain” each other instead of finding ways to better define their respective spheres of influence.

Like all other counterfactuals, this one would be impossible to prove, but it is interesting and illuminating to speculate about what the Soviets would have bargained for in exchange for ending their support of leftist and narco guerrillas in Latin America, Palestinian terrorists, revisionist powers in the Middle East, and the enemies of the open society inside the Western intelligentsia. Would that not have been worth, say, the Dardanelles or shared control of the Persian Gulf?

Despite many setbacks, the United States “won” the Cold War, and by 1989, achieved global hegemony. Only to squander it in little more than a decade. There are many dimensions to the relative decline of American power after the Cold War, a decline which has gone hand-in-hand with the decline of American exceptionalism.

America’s Changing Position

At the end of WWII, the US was responsible for 25% of the world’s GDP and was the sole nuclear power. Its political institutions had survived the carnage and economic destruction of the last 30 years (1914–45), and there were no profound ideological differences among the people. Americans’ worldview was predominantly centrist and homogeneous.

True, the national debt held by the public had grown to more than 100% of GDP, but it gradually receded in the coming decades. It is excusable that at the peak of its power, the United States did not have much incentive to accommodate the aspirations of rising powers like China and Russia, much less anyone else.

Similarly, when the Berlin Wall fell, the US saw an opportunity to expand NATO and to integrate former satellites of the Soviet Union as part of the Western sphere of influence. The Russians did not like that, but there was little they could do since they were dealing with the fragmentation of their empire.

Nevertheless, it seems a reasonable supposition that the 1993 Budapest Memorandum, through which Ukraine gave its nuclear weapons and the Black Sea fleet up to Russia in exchange for toothless security assurances from Western allies, was an acknowledgment that Ukraine was part of the now-significantly diminished Russian sphere of influence, and that in case of war between Russia and Ukraine, the Western powers would support Ukraine with blankets and medical supplies, but nothing else. And that was what happened when Russia invaded Crimea and the Donbas in 2014.

By that time, however, the world was already the multipolar one we live in today. Also, in the early 2010s, fiscal considerations forced the United States to abandon the “Two war construct,” the doctrine by which the United States would define the size of its military as sufficient to wage two major wars simultaneously. It was already difficult for the United States to pursue its strategic interests in a world in which it was by far the strongest superpower, but it has become much harder now that there is at least one other superpower. If that was not bad enough, it seems that the framework of respecting the spheres of influence of the other superpowers had been thrown out of the window. This was a mistake.

As we can see from the examples mentioned above, it is much easier for the United States to pursue its national interests within its own sphere of influence when its foreign policy recognizes the spheres of the other powers. That was true when the United States was much more powerful than what it is now, and it is even more true today.

For much of the post-war period, it was convenient for the United States to maintain a military strong enough to engage in any corner of the globe unimpeded. It was much easier to protect something like freedom of navigation, for instance, by unilaterally enforcing it than by relying on the mutual interests of other powers in keeping the sea lanes open in their backyards.

The need to establish a new modus vivendi with the other powers, especially the revisionists ones of Russia and China, will only become more pressing in the future.

Still, the other superpowers (Russia, China, India, and the Europeans) do have a shared interest in the global order. That is not to say, of course, that the superpowers, including the United States, never have interests in conflict with the global order. It may well be the case that under certain circumstances, the downsides of the global order may outweigh the benefits for a given country. In those circumstances, we may expect that it will become a revisionist power, acting against the global order and not as a supporter of that order.

On the whole, however, it has been a great diplomatic blunder over the last several decades that the United States has actively pushed world powers into a revisionist position, rather than trying to reassure them that their interests can best be attained within the American-led global order.

It is possible, of course, that there is nothing the US can do to accommodate China and Russia, and the alternatives are between containment or surrender. Possible, but not likely.

It is difficult for me to believe that the Chinese government would consider it to be in their interest to confront the West if the West allowed China to control the South China Sea and to incorporate Taiwan. It is similarly difficult for me to believe that the Russian government would prefer to continue as a pariah if the West negotiated with them a new sphere of influence which included Moldova and Ukraine.

It is also difficult for me to believe that a reformed UN Security Council—in which the permanent members (perhaps expanded to include India) decide their differences by consensus—would not be preferable to bringing the world to the brink of nuclear war as more and more regional conflicts may grow out of control.

What the Future Holds

The American naval build-up in the Mediterranean immediately following the October 7 attack on Israel, has been sufficient to prevent the conflict from broadening, as much as unsavory characters from Tehran to Ankara would be tempted to do otherwise. But can we say that this deterrence power would be respected if China and Russia had decided to challenge it?

The fact that they are supporting their clients in the region, such as Iran and Syria, and trying to create as many problems as they can for the United States and its allies should not distract from the fact that they are not risking direct confrontation to keep the terrorists of Hamas in the field. Their restraint may be, in part, that Israel likely has its own nuclear weapons, and it is unclear what they would contemplate doing if their existence were to be put at risk.

What China and Russia would do if the United States decided to wage war on Iran is a different matter.

The need to establish a new modus vivendi with the other powers, especially the revisionist ones of Russia and China, will only become more pressing in the future. Despite widespread rhetorical bluster to the contrary, Russia and China are rational actors. Iran, however, may not be. If the United States must one day contain Iran militarily, which is not unlikely, an agreement with Russia, China, and India, would be required.

I don’t know what the price of that would be—it may well be too expensive. But if it is not realistically tried, we will never know.

I recently attended a lecture by Prof. John Mearsheimer. It is difficult not to appreciate his realism. Yet, cynical as I am, I am not prepared to be as cynical as he is in some of his assessments. They remind me of people who say that “judges are just politicians in robes” or that “taxes are theft.” I disagree with that. I believe that there is something we call justice and that it is something more than the residue of politics. I believe that there is a distinction between a legitimate state and a gang of stationary robbers, although both live off others. A set of moral values is what gives legitimacy to the state in its use of force, its imposition of taxes, and so forth. It is precisely that moral foundation that a group of terrorists like Hamas or a gang of common criminals like the drug dealers controlling large swaths of territory in Latin America lack.

In the same way, I understand the American-led global order as a force for good in this world. It is not perfect—nothing is perfect—but it is better than all the alternatives. Think about someone living in the Byzantine Empire in the seventh century. Would you side with Byzantium or with the invading Arabs?

However, for Byzantium to survive (another eight centuries, in fact) it was forced to regroup in Asia Minor, and retreat from Syria and the rest of the Levant, leaving behind Egypt, the most important of all Roman provinces.

The US can still do good in this world, but if it is to do so, it needs to recognize its limits, bring together its allies like Europe and India, and by maintaining imperfect but manageable spheres of influence, reach a détente with Russia and China.

Leonidas Zelmanovitz, a fellow with the Liberty Fund, holds a law degree from the Universidade Federal do Rio Grande do Sul in Brazil and an economics doctorate from the Universidad Rey Juan Carlos in Spain.

Livre: Histoire juive de la France de Sylvie Anne Goldberg, Annette Wieviorka (L'Histoire)

 Falta um livro assim para o Brasil: 

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La France, passion juive

L'HistoireAnnette Wieviorka dans mensuel 515
daté janvier 2024 - 996 mots Gratuit

Près de 150 auteurs, de six pays différents, font le point sur deux millénaires de présence juive sur le territoire français. Une odyssée interculturelle et entrecroisée depuis l'époque des guerres romaines, où les Juifs sont des acteurs parmi d'autres de l'histoire de France. Un livre-événement.

C'est une histoire de la France. Mais une histoire juive. Un fort volume de 1 088 pages. Un savoir encyclopédique réuni dans un ouvrage qui, pourtant, n'est pas une encyclopédie. Car l'ambition de Sylvie Anne Goldberg, directrice d'études émérite à l'École des hautes études en sciences sociales, est de faire une histoire non des seuls Juifs en France, mais des relations mutuelles entre la France et les Juifs. Cette liaison commence avec l'arrivée de ces derniers en Gaule, ce qui coïncide avec les débuts de la lente dispersion des Juifs hors de la Palestine romaine, dès avant la victoire de Titus au Ier siècle de notre ère - ce qu'attestent des traces archéologiques -, et se clôt avec la fin du XXe siècle.

Entre expulsion et émancipation

Pour écrire cette somme, très neuve, et d'une richesse foisonnante de textes, illustrés par une iconographie somptueuse, Sylvie Anne Goldberg a réuni quelque 150 contributeurs venus d'une trentaine de grandes universités, américaines, israéliennes, canadiennes, belges, italiennes, suisses et françaises. L'ouvrage montre comment, jusqu'au XIe siècle, les Juifs connurent une sorte d'âge d'or. Le judaïsme est la seule religion non chrétienne admise en terre du Christ. Dès cette période, cette histoire est paradigmatique de la double histoire, celle des Juifs, mais aussi celle de l'Occident chrétien dans sa relation à son Autre. Dès cette période, aussi, les Juifs sont utilisés comme repoussoir. Leur image est celle, inversée, de tout ce que peuvent représenter les valeurs positives de l'éthique et de la morale chrétiennes. La vindicte contre les Juifs s'accompagne de leur protection, ce qui peut paraître paradoxal. Toutefois, de paradoxes, cette histoire n'en manque pas. Les croisades, par exemple, moment intense de massacres, sont aussi le temps d'une extraordinaire productivité dans divers domaines, le champ juridique, celui de la mystique et celui de l'élaboration de la Tradition, ce qu'éclaire notamment l'article « Comment les croisades ont inspiré le messianisme juif », et ceux consacrés à Rachi de Troyes, le rabbin champenois du XIe siècle, dont les commentaires du Talmud sont d'une grande valeur pour l'exégèse biblique et talmudique, mais aussi pour l'étude de l'ancien français qu'il appelle « notre langue ». Cette tension perdure jusqu'à leur expulsion par Philippe le Bel en 1306, qui fait de la France, à la veille de la Révolution, un pays en principe sans Juifs, même si la réalité est plus complexe, et jusqu'à ce que l'idée de leur émancipation fasse son chemin.

En 1789, la décision de la Constituante d'inclure les Juifs parmi les citoyens, même s'il faudra quelques dizaines d'années pour qu'elle soit effective, résonne bien au-delà de la France, comme le soulignent notamment deux éclairages. « L'émancipation vue d'Allemagne » expose bien l'attention avec laquelle les pouvoirs allemands ont suivi les événements révolutionnaires français et le rapprochement des philosophes juifs avec leurs homologues. « L'ouverture des ghettos d'Europe » évoque l'émancipation, souvent éphémère, des Juifs d'Italie, des Pays-Bas, d'Allemagne, dans le sillage des guerres révolutionnaires et napoléoniennes de 1792 à 1815. Le « Juif » peut alors devenir un « israélite français », bénéficiant d'un culte réorganisé, alors que se développe une bourgeoisie et une aristocratie juives, qu'émerge une élite engagée dans la cité et que s'épanouit tout un univers culturel. Celui-ci est illustré notamment par une galerie de portraits, ceux des grandes familles comme les Rothschild et les Pereire, de savants comme Salomon Munk, de comédiennes comme Rachel et Sarah Bernhardt, de musiciens comme Jacques Offenbach.

Terre du réveil juif

Si la République fut une passion juive, elle n'en connut pas moins ses épreuves : l'affaire Dreyfus, qui dressa deux France l'une contre l'autre, et puis, bien sûr, le naufrage de Vichy, un sujet déjà amplement traité. Il n'empêche que la France fut, entre ces deux crises, une terre d'asile et d'assimilation. Une terre aussi où fleurit une riche vie culturelle et où la littérature connut un « réveil juif » qu'illustrent deux très grands écrivains, Marcel Proust et Joseph Kessel. La dernière partie de l'ouvrage, celle consacrée à la réinvention de la vie juive après la Shoah, si elle aborde des thématiques jalonnées, comme l'émergence de l'extermination des Juifs d'Europe dans la mémoire nationale, offre des textes d'une grande originalité, des portraits d'hommes et de femmes qui ont compté, mal connus d'un large public. Car il y eut une « école de pensée juive de Paris », avec Léon Ashkenazi, dit « Manitou », Alexandre Derczansky, André Neher, de grands penseurs de « l'être juif », comme Jacques Derrida ou Emmanuel Levinas, des écrivains majeurs, comme Jean-Claude Grumberg, Patrick Modiano, Arthur Koestler ou encore Romain Gary, et, aussi, des figures politiques, comme Pierre Mendès France ou Simone Veil.

Le livre s'intéresse également aux « passeurs d'imaginaires », ce que rend si bien le texte intitulé « De quelques chanteuses et chanteurs français ». Comme le note Sylvie Anne Goldberg dans sa conclusion, en une cinquantaine d'années, « un travail naguère exclusivement savant et érudit est finalement parvenu à s'assurer une place reconnue, tant dans l'espace public qu'à l'université »« Quant à [l'histoire] des Juifs, poursuit-elle, ordinaire, diffusée sur les ondes, passant par la chanson, le cinéma et la littérature, ancrée dans les diverses cultures juives réunies en France, elle a peu à peu permis à des bribes de judéité de percer cette sorte de plafond de verre, posé par l'indifférence qui a succédé à des siècles d'ostracisme et de stigmatisation. »

L'Histoire juive de la France est parue le 11 octobre 2023, quatre jours après le massacre de civils israéliens perpétré par le Hamas. Nul doute que ce drame ouvre une nouvelle époque incertaine dans l'histoire mondiale des Juifs en France. Les conclusions de la directrice d'ouvrage sont donc provisoirement optimistes. « Entre désir d'oubli et devoir (ou fardeau) de mémoire, les Juifs, enfin délestés de tout cadre juridique particulier, pourront - ou non - se revendiquer comme tels, tout en restant dans ceux de la nation. Et, après qu'on en aura tant et tant dit à leur propos, on les citera désormais en exemple d'une parfaite intégration. »

L'auteure est directrice de recherche émérite au CNRS.

Histoire juive de la France, Sylvie Anne Goldberg (dir.), Albin Michel, 2023, 1 088 p., 49,90 €.