O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Globalismo e antiglobalismo: o que diz o sofista da Virginia?

Dou continuidade à postagem imediatamente anterior (ver aqui: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/nova-repercussao-da-exoneracao-depois.html), ainda relativamente à minha exoneração do cargo de Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty.
Afirmei que ela não se devia tanto ao motivo inicialmente alegado pelo Itamaraty, de que ela já estava prevista desde muito tempo antes.
Ora se já estava prevista desde 2018, digamos assim, por que fazê-lo logo numa manhã de Segunda-Feira de Carnaval, atrapalhando a folia de todo mundo, especialmente dos jornalistas?
Por que não esperar a Quarta-Feira de Cinzas?
Muito mais conveniente, normal, não é mesmo?
Não teria criado esse estardalhaço todo, em detrimento do próprio Itamaraty, que ficou nos holofotes pelo motivo errado no momento errado.
Depois, se alegou, extraoficialmente, através do Twitter do chamado Robespirralho, o rapazola que atende pela assessoria internacional da PR (estão mal de assessoria, pois o texto lido em Davos pelo presidente deixou tremendamente a desejar, como todos comentaram), que teriam sido minhas críticas reiteradas à atual política externa, sem dizer exatamente quais foram essas críticas.
Ainda na mesma fonte do também chamado de Sorocabannon – devido às suas vinculações com esse personagem do "lunatic fringe" do governo Tump – outra "explicação" surgiu, a de que eu teria feito "ofensas pessoais" ao chanceler, sem que, mais uma vez, se demonstrasse cabalmente quais foram essas "ofensas".
Talvez se refiram à transcrição de matérias da imprensa que eu fiz em meu blog.
Ora, o Itamaraty possui um dos melhores serviços de clipping da mídia brasileira, recolhendo absolutamente tudo o que se publica de importante nos grandes veículos nacionais e internacionais sobre diplomacia, política externa brasileira, política internacional e economia mundial.
Seria eu culpado por reproduzir matérias que já estão à disposição de todos na mídia?

O principal motivo teria sido, em minha interpretação, o fato de eu tratar jocosamente do guru "filosófico" do atual governo, e um dos alegados patronos da ministrança do chanceler, chamando-o ironicamente de "sofista da Virgínia". Na Grécia antiga, como quase todos sabem, os sofistas eram, assim, uma espécie de baixo clero dos filósofos, na verdade uma versão fake, pois que dizendo mentiras sob aparência de argumentos razoáveis.
Vejamos, o que postou agora esse personagem bizarro, que eu considero de particularmente inepto em temas de relações internacionais: 


... o escritor [OC] disse que Almeida não o teria o perdoado por expor em um debate a “ignorância e incompetência” do embaixador “em matéria de globalismo”.

O Paulo Roberto de Almeida jamais me perdoou por ter demonstrado, num debate, a sua total ignorância e incompetência em matéria de globalismo. Como vingancinha, apelou aos xingamentos da moda e à proteção do FHC. Só faltou rezar: São George Soros, socorrei-nos.
Como um bom sofista, o guru histriônico diz que "demonstrou" a minha ignorância, mas isso a partir de sua própria afirmação, não com base em evidências concretas.
Ele acaba de fazer uma demonstração prática do que significa ser sofista.

Preciso em primeiro lugar corrigir o sofista: não houve nenhum "debate". Eu tinha sido convidado, pelo pessoal do Brasil Paralelo, para uma entrevista, com o que concordei, como havia sido o caso em outubro de 2016. Pensei que seria uma entrevista, mas no momento de abrir o computador para me conectar, deparo-me, do outro lado da tela, com o tal sofista, o que para mim não representava nenhum problema.
Eu estava ali para emitir opiniões e argumentos sobre "Globalismo e globalização", que foram os dois temas sugeridos para a minha entrevista. Foi o que fiz, sem qualquer referência ao sofista em questão, pois desconhecia completamente que seria um "diálogo", aliás forçado pelos organizadores, o que me pareceu especialmente desonesto, sem qualquer aviso prévio.
Os interessados nesse episódio bizarro podem consultar os links abaixo indicados.
O fato é que eu dei o meu recado, com base em notas previamente preparadas, mas o sofista insistia em me atacar devido ao fato de que eu não aceitava, não aceitou, nunca aceitei, suas teorias conspiratórias em torno desse fantasma metafísico chamado globalismo, um conceito equivocado sobre uma coisa inexistente, mas que parece ter contaminado o atual chanceler. Ao contrário, o guru da Virgínia ficou o tempo todo tentando provar que se trata de algo real, citando conspirações de esquerdistas aliados a megabilionários, como o famoso George Soros, aliás invocado acima, como "São George Soros", o que simplesmente ridículo.

Ou seja, a minha total ignorância e desconhecimento em matéria de globalismo se deve ao fato de eu não aceitar a teoria maluca desses neo-Iluminatti, esses novos templários, desgarrados de um outro século, ainda buscando explicações implausíveis para o que eles não conseguem entender do processo de globalização.

O fato de eu sistematicamente tratar de maneira depreciativa – ainda que reconheça que, no passado, ele teve um papel importante na denúncia do Foro de S. Paulo, e na luta contra o marxismo vulgar, o gramscismo de fancaria de nossas academias – o sofista da Virgínia, reconhecido e aclamado como eleitor de ministros do atual governo pode ter sido motivo suficiente, ou talvez acessório, na decisão de minha exoneração. 
De minha parte, creio fazer um serviço de "sanidade pública". Não é possível que a política externa, a diplomacia oficial, nossas relações internacionais, sejam influenciadas por essa personalidade bizarra, escatológica, manifestamente despreparada na matéria.
É preciso denunciar esse amadorismo, essa esquizofrenia, esse surrealismo em relações exteriores, que ameaçam a solidez de certos padrões diplomáticos mantidos ao longo de décadas, senão de séculos. 
A diplomacia brasileira NÃO MERECE a companhia desse lunático como fonte inspiradora de suas ações, sobretudo numa luta ridícula, e totalmente inconsequente, contra esse tal de globalismo, ao qual o Itamaraty ainda não foi apresentado concretamente, a não ser por declarações suficientemente vagas para suscitar dúvidas entre todos os profissionais da área.

Termino por aqui, pois não é o caso de perder mais tempo com nulidades conceituais.
Abaixo, uma informação sobre as postagens anteriores referidas aqui.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 6 de março de 2019

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3047. “A política externa paralela do lulopetismo diplomático”, Brasília, 14 outubro 2016, gravação de entrevista, em vídeo, para servir como depoimento ao Brasil Paralelo. Vídeo disponível no canal pessoal do YouTube (https://www.youtube.com/user/paulomre, neste link: https://youtu.be/fWZXaIz8MUc).

3215. “Um “debate” involuntário com Olavo de Carvalho: materiais disponíveis”, Brasília, 20 dezembro 2017, 3 p. (+3 OC). Questões sobre o globalismo e a globalização, como consequência do debate na gravação do Brasil Paralelo. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/um-debate-involuntario-com-olavo-de.html). Debate continuou, como resumi em dossiê compilado em 15/01/2018, sob n. 3228.

3228. “Dossiê Globalismo: Brasil Paralelo e seu seguimento”, Brasília, 16 janeiro, 23 p. Compilação de todos os materiais relativos a esse assunto controverso, já objeto dos trabalhos n. 3202 e 3217, de 2017, e novamente 3224, de 2018. Postado parcialmente no blog Diplomatizzando (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/dossie-globalismo-brasil-paralelo-e-seu.html) e disponibilizado na plataforma Academia.edu (http://www.academia.edu/35667769/Dossi%C3%AA_Globalismo_Brasil_Paralelo_e_seu_seguimento).



Nova repercussao da exoneracao, depois do Carnaval: Poder 360

Pois é, já que estava prevista desde muito tempo antes, como alegado pelo Itamaraty, essa substituição de chefias, podiam pelo menos ter esperado a Quarta-feira de Cinzas para fazê-lo, não é?
Precisava ser numa Segunda-Feira de Carnaval, logo pela manhã, com requintes de crueldade?
Atrapalhou a folia de muita gente, especialmente os jornalistas, que tiveram de trabalhar nessa coisa chata, em lugar de cair na folia, não é mesmo?
Em todo caso, jornalistas que, sim, brincaram o Carnaval, retomam agora as matérias sobre o caso, trazendo novas evidências sobre a minha exoneração.
Vou comentar, numa postagem seguinte, alguma das palavras do guru pretensamente "filosófico" do atual governo, aquele a quem eu chamo de "sofista da Virgínia", uma pessoa especialmente inepta em matéria de relações internacionais, mas que ainda assim pretende arvorar-se a especialista nisso também. Seria apenas patético se não fosse simplesmente ridículo.
Aqui o Poder 360, um dos melhores blogs de política nacional, junto com o Antagonista, sediado na capital federal. 
Uma reclamação contra seus editores: acho terrivelmente estúpido substituir, a cada vez, as palavras "um" e "uma" pelo número 1. Estão com falta de espaço nos servidores? Isso não faz nenhum sentido; fiz a substituição, pois a leitura se torna horrível com os dígitos em lugar das palavras corretas.
Ainda uma correção: eu não estava na "presidência" do IPRI, e sim era seu Diretor.
Paulo Roberto de Almeida
6 de março de 2019

Demissão de Paulo Roberto de Almeida expõe conflito no Itamaraty

Embaixador comentou caso nas redes
Fez críticas ao escritor Olavo de Carvalho
Governo diz que decisão estava tomada
Afastado, ele passará os dias na biblioteca
Paulo Roberto de Almeida foi afastado na presidência do IpriReprodução/Facebook
Poder 360
05.mar.2019 (terça-feira) - 21h01
atualizado: 06.mar.2019 (quarta-feira) - 1h42

A demissão do embaixador Paulo Roberto de Almeida da presidência do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), anunciada nesta 2ª feira (4.mar 2019) pelo Ministério das Relações Exteriores, expôs uma situação de conflito no Itamaraty. O caso ganhou tração nas redes sociais na 3ª feira (5.mar), após os comentários do próprio embaixador.
Em texto publicado no seu blog pessoal, Almeida sugere que seu afastamento foi motivado por uma postagem anterior no site, em que havia replicado textos críticos à condução da política externa pelo atual chanceler Ernesto Araújo, assinados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ex-ministro Rubens Ricupero.
Almeida reproduziu também uma reportagem da Folha de S.Paulo com a resposta de Araújo a Ricupero e FHC, a qual chamou de “mais um episódio de um ‘não-debate’ sobre a diplomacia brasileira e sua política externa”.

Em entrevista ao Estado de S.Paulo, Almeida conta ter recebido um telefonema do chefe de gabinete do ministro Ernesto Araújo, Pedro Wollny, em que as publicações foram mencionadas. “Ele ligou reclamando das postagens”, afirmou.
O embaixador também atribui a sua demissão a críticas fez ao escritor Olavo de Carvalho, tido como “guru” do governo Bolsonaro, influente nas nomeações de Ernesto Araújo e do ministro Ricardo Vélez Rodriguez (Educação). Para Paulo, Olavo é “uma personalidade bizarra do momento político brasileiro, totalmente inepta em matéria de relações internacionais, mas ao que parece grande eleitor nas circunstâncias atuais”.

O QUE DIZ O GOVERNO BOLSONARO

O governo tem outra versão para o afastamento de Almeida. Em nota, o Itamaraty afirmou que a mudança “já estava decidida e foi comunicada ao atual titular”. O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Filipe Martins, detalhou em sua conta no Twitter que a decisão teria sido antecipada “por uma série de ofensas pessoais”.
Também por meio de sua conta na rede social Twitter, Olavo de Carvalho afirmou que não influiu na exoneração do diplomata. “Não fui eu quem cortou a cabeça do Paulo Roberto de Almeida. Não posso cortar o que não existe”, disse na 2ª feira (4.mar), às 16h03.
Em outro post seguintes, o escritor disse que Almeida não o teria o perdoado por expor em um debate a “ignorância e incompetência” do embaixador “em matéria de globalismo”.

O Paulo Roberto de Almeida jamais me perdoou por ter demonstrado, num debate, a sua total ignorância e incompetência em matéria de globalismo. Como vingancinha, apelou aos xingamentos da moda e à proteção do FHC. Só faltou rezar: São George Soros, socorrei-nos.
Almeida diz que não fez sentido, ainda que a exoneração já estivesse prevista, a demissão ter sido em uma 2ª feira de Carnaval. “Não podiam esperar a 4ª feira de Cinzas?”, questionou nas redes sociais. Diz ainda estar “esperando a demonstração”das ofensas alegadas por Filipe Martins.

O DIA SEGUINTE

Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira. Ao deixar o cargo no Ipri, retorna ao Ministério das Relações Exteriores de Ernesto Araújo. A intenção declarada do embaixador é “fazer da Biblioteca do Itamaraty o [seu] escritório de trabalho”.
Almeida também é ligado ao Instituto Millenium, um think tank que estuda e defende ideias ligadas ao liberalismo econômico. O ministro Paulo Guedes (Economia) é um dos fundadores.

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Volto em postagem seguinte apenas para comentar o tweet acima do sofista da Virgínia. PRA

Agradecimentos sensibilizados por todo o apoio recebido

Escrevo já em meio à madrugada da Quarta-Feira de cinzas, depois de dois dias intensos de correspondência, postagens, entrevistas, redação de artigos e muitos, muitos contatos telefônicos, em dois aparelhos e no computador.
Nas últimas 48 hs minha vida, e atividades foram dominadas por um único assunto: minha exoneração do cargo de Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), vinculado ao Itamaraty, determinada pelo ministro de Estado das Relações Exteriores, segundo sua soberana vontade, aparentemente em resposta a postagens neste meu blog Diplomatizzando que não foram do seu agrado.
Toda a história já está contada e recontada nas várias entrevistas que concedi e textos que escrevi nestes últimos dois dias.
Aproveito para um momento de distensão.
As autoridades poderiam ao menos ter deixado a exoneração para ocorrer na tarde da Quarta-Feira de cinzas, poupando o Carnaval de tanta gente, especialmente os jornalistas.
Gente sem humor...

Mas, escrevo esta última postagem da noite por uma razão muito simples: não tive condições de responder, atender, agradecer a todos de maneira adequada, pois fiquei literalmente submergido por dezenas de mensagens, dezenas de telefonemas, postagens em três ou quatro apps de redes sociais e o que mais existe nessa matéria. Não só do Brasil, mas de outros países também.
Confesso que sinto até uma ponta de vergonha, ou remorso, por ter provocado tanto barulho e tanta preocupação em tanta gente, mas a culpa não foi minha, obviamente.
Foi involuntário ou provocado, digamos assim, por gestos atrabiliários de quem tem o poder de decidir do emprego ou desemprego de simples burocratas do serviço público, o que sou, nas últimas quatro décadas (além de professor quase esse tempo todo também). 
Meu "desemprego" é parcial: perco um cargo em comissão e a remuneração correspondente, e ganho a liberdade, com renda reduzida, mas um imenso alívio por não ter mais sobre mim os olhos (e outras coisas também) de espíritos tacanhos que não sabem admitir o dissenso.
Como já disse algumas vezes, assim como James Bond tinha uma permissão especial para matar, eu adquiri, à custa de várias punições numa carreira sempre movimentada, a permissão especial, auto-atribuída, para dissentir, ou divergir. Disso não abro mão.

Mas, como também já me manifestei a respeito, personalidades autoritárias não apreciam espíritos libertários como o meu…
Minha constatação elementar é a seguinte. A atual chefia do Itamaraty pretende denegar ao meu blog a mesma liberdade de que desfrutou, na campanha presidencial de 2018, um blog manifestamente improvisado com objetivos eleitoreiros, dedicado a fazer campanha para um dos candidatos, ao mesmo tempo em que se empenhava em atacar candidaturas adversas, usando para isso todo tipo de ofensas político-ideológicas. Como diria Marx, em relação esse tipo de espírito sectário, “houve História, mas já não há”.

Tudo isso passará, e a partir de agora meu "endereço oficial" passa a ser a Biblioteca do Itamaraty, onde vou retomar meus esportes favoritos: ler, anotar, refletir, escrever e publicar (eventualmente). 
Durante os meus quase 14 anos do "exílio" anterior a 2016, aproveitei para ler muito e refletir muito, e também para escrever bastante.
Aliás, tenho de agradecer a meus "algozes", que me possibilitaram o lazer forçado e o tempo disponível para escrever.
Desse ostracismo involuntário, retirei vários livros, entre os quais destaco os seguintes: 

O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado (2010)
Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (2014)

No exercício de uma intensa atividade no IPRI – cujo relatório pode ser consultado aqui: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/relatorio-de-atividades-do-diretor-do.html – ainda encontrei tempo de compor dois livros: 

O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (2017)
A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (2018) 

Nos dois meses de "férias" das atividades do IPRI, desde dezembro de 2018 e até aqui (quando estou ainda impedido de empreender qualquer atividade por determinação superior), aproveitei para coletar alguns de meus textos do período decorrido desde o último livro sobre a diplomacia brasileira (Nunca Antes...), e compus um novo livro, que deve estar sendo publicado proximamente: 

Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (2019)

Acredito que com a exoneração, vou ter ainda mais tempo para continuar escrevendo e publicando coisas que imagino possam ser úteis aos mais jovens, especialmente em temas de diplomacia brasileira e política externa. Acho até que vou acelerar a produção, se a tanto me for dada oportunidade nesta nova fase aparentemente sans Dieu, ni Maître...

Meu muito obrigado a todos os que me contataram, escreveram, telefonaram, twitaram, mandaram mensagens, ou me encontraram diretamente.
 Não pude agradecer ou cumprimentar a todos pessoalmente, diretamente, adequadamente, mas faço desta postagem minha expressão de reconhecimento sensibilizado.

O grande abraço a todos
Paulo Roberto de Almeida
Brasília 6 de março de 2019

Meu amigo Sergio Florencio me escreve lamentando a exoneracao

O embaixador Sergio Florêncio é uma das almas mais puras que já encontrei na carreira, não no sentido espiritual, ou religioso, mas num sentido simplesmente humano, demasiadamente humano, como diria Nietszche.
Tomando conhecimento de minha exoneração, ele imediatamente escreveu a mim e ao embaixador Ricupero, que também acompanhou a novela, e ainda remeteu ao texto que ele leu na homenagem que me prestou em agosto de 2018, quando de minha promoção tardia (por obras e artes do congelamento a que fui submetido durante o lulopetismo).
Sem que ele me tenha autorizado, mas sabedor de seu espírito aberto, tomo a liberdade de postar sua mensagem, com o meu agradecimento enfático a tão grande amigo.
Paulo Roberto de Almeida

Queridos Paulo e Ricupero,

Confesso meu sentimento de profunda revolta e frustração com o exoneração do Paulo do IPRI.
Fui testemunha e participante do que considero a mais inspirada e criativa gestão desse importante instituto de pesquisa do Itamaraty.
A revolta vem naturalmente da injustiça com um diplomata que soube,  com o sacrifício pessoal e familiar, transformar um instrumento de pesquisa de uma instituição oficial em um verdadeiro celeiro de ideias. Um Think Tank  com a participação de  renomados professores e pesquisadores do Brasil e de diversas partes do mundo. Esse enorme esforço pessoal traduzia  o compromisso mais profundo do Paulo com o debate democrático, aberto e plural.
Essa " chama da alma"  junguiana do Paulo jamais será apagada.  As tentativas foram muitas e com colorações ideológicas diversas. No passado recente, o respeito ao contraditório sempre exercido pelo  Paulo foi golpeado com o ostracismo praticado no período Lula/Dilma/ Celso Amorim.
O curto período da gestão Aloysio Nunes teve a grande virtude de resgatar a melhor tradição do Itamaraty - o respeito às diferenças e o convívio com o contraditório. Esse resgate teve o apoio decisivo de jovens diplomatas, como Eduardo Saboia - ele próprio vítima do furor repressivo do governo Dilma, após o ato corajoso de defender os direitos humanos do senador boliviano exilado em nossa Embaixada em La Paz pro mais de 400 dias - e Marcos Galvão - digno e virtuoso Secretário Geral do Itamaraty. O Chanceler resgatou a  tradição da Casa e promoveu Paulo Roberto a Embaixador, além de designá-lo Diretor do IPRI.
Esse gesto mereceu ampla aclamação. Promovi então um encontro dos muitos que apoiaram esse resgate da justiça na nossa instituição e daqueles que foram os artífices dessa importante mudança de rumos. Procurei traduzir esse sentimento em uma saudação ao amigo Paulo.
Ontem esse sentimento de júbilo que marcou o reconhecimento institucional do valor do Paulo foi novamente golpeado - foi afastado  de forma injustificável do cargo de Diretor do IPRI. O júbilo cedeu lugar à frustração. 
Uma vez mais a chama do Iluminismo cede lugar às trevas.
Minha frustração  é imensa e certamente traduzo - na qualidade de  Embaixador aposentado e atual Professor de História da Política Externa do Instituto Rio Branco -  a desolação dos muitos que não estão em condições de dar transparência a essa indignação.
Nesta madrugada me lembrei muito do momento em que Paulo teve o reconhecimento da instituição e foi galgado a seu mais alto posto. Esse resgate da memória provocou um sentimento de profunda frustração ao ver uma vez mais erguida a bandeira das trevas. Mas também fez ressurgir em mim  a consciência de que a alma genuína da instituição falará mais alto e a trajetória de virtudes do passado superarão os vícios obscurantistas do presente.
Com muito afeto para vocês do
Sergio

Histórias 2018   Paulo Roberto Embaixador.  
Encontro em nossa Casa.
 Brasília, 9 de agosto de 2018.

Sônia, Carmen Lícia e eu somos muito gratos à presença de todos vocês aqui. Essa confraternização tem no seu íntimo o coração e a razão de cada um de vocês. Vocês produziram o significado desse encontro.
A promoção do Paulo para mim se situa entre as mais tardias e injustamente adiadas  que conheci em mais de 40 anos de Itamaraty.  Por isso mesmo, ao receber a bela notícia, me veio um sentimento muito profundo: não é a promoção do Paulo, é o Itamaraty que está sendo promovido.
Assim, o significado desse encontro é louvar essa conquista, que resgata para  a nossa instituição aquilo que ela tem de mais nobre e digno – a excelência, o convívio com as diferenças, a aceitação do pluralismo, do contraditório e do debate interno de onde nasce a luz.
Paulo representa para mim a  inteligência contestatária – essa vertente que a instituição teve a sabedoria de preservar ao longo de sua história. Mas que infelizmente esqueceu na última década  e meia.  E o Paulo simbolizou – mas não mais simboliza – esse esquecimento.
Hoje é, portanto, um dia de celebração, de júbilo, de encontro de uma instituição consigo mesma, com o melhor de sua trajetória.
Todos que aqui estamos temos uma enorme identidade com essa vocação tão genuína do Itamaraty.  Mais que isso, muitos que aqui estão são os atores que viraram a página da história e retomaram o capítulo que resgata o fio da meada e o sentido do enredo.
Conheci Paulo no início do Mercosul, ele  assessor do Rubens Barbosa, e eu Chefe da primeira Divisão do Mercosul, junto com dois que aqui estão – Eduardo e Ernesto – e outros,  com João Mendes, Haroldo e Mauro. Já ali era visível sua obstinação pelo conhecimento multidisciplinar, pela pesquisa, pela rebeldia esclarecida e pela irreverência intelectual que corre nas suas veias e estimula seus neurônios.


Sempre admirei essa essência anímica do Paulo – essa junguiana “ chama da alma” -   apesar de algumas  visões discordantes  e de o ter aconselhado muitas vezes a arrefecer a chama, mas jamais extingui-la.  Na verdade meu receio maior não derivava daquela essência anímica  do Paulo, mas dos  Bombeiros de Farenheit 451, que  poderiam inverter a direção das labaredas.
Num sentido mais remoto, a admiração por essa essência do Paulo tem suas origens na minha infância. Meu pai era nordestino do Sertão do Seridó e veio para a Capital Federal de pau de arara.  Minha mãe estudou no Sacré Coeur, tocava piano e falava francês.  Ela gostava de valsa, ele amava o baião. Sou produto dessa miscigenação cultural. 
Miscigenação que talvez tenha gerado em mim  -  depois de tantos anos de análise – uma individuação de tom conciliatório. Mas também gerou uma afinidade eletiva bem maior com a vertente nordestina, irreverente. Essa afinidade que toda a vida me identificou muito mais com a simplicidade da terra do nordeste do que com a estética educada e refinada do sul.
Na casa de vila da nossa infância, todas as semanas tínhamos o convívio com cantadores, violeiros, repentistas, trovadores , poetas do nordeste. A miscigenação entre o rapaz nordestino e a moça do Sacré Coeur produziu em mim um gosto pelas diferenças, pelos contrastes.  Mas, talvez pela força do apelo telúrico, a irreverência  do baião sempre pulsava mais alto que a delicadeza da valsa.  Por isso, nunca alcancei o teclado do piano, não cheguei aos pés – nem às mãos – de um violino.  Mas gosto muito de tocar um pandeiro. Irreverência freudianamente sublimada? Talvez.
Por isso,  creio que no meu sangue pulsa também esse inconformismo que o Paulo simboliza.  Mas no meu caso prevaleceu muito mais  o traço de uma irreverência emocional.  Não tanto a  obstinação intelectual, que é  a marca da vida e da alma do Paulo. Obstinação que alimenta uma irreverência iluminista, a destruição criadora do admirado Schumpeter, um Grande Sertão que precisa conviver com as Veredas do nosso Itamaraty.
Bom. Vou ficando por aqui. Uma vez mais, minha gratidão – e a de Sônia e de Carmen Lícia – pela presença de vocês.  Vocês que resgataram a alma da instituição, construíram o encontro com seu self mais verdadeiro, ao  virar a página da sombra e saudar o sol da convivência com os contrários, ao abraçar o pluralismo – a marca maior das grandes instituições.
Minhas desculpas por esse monólogo absurdamente longo.  E que me fez desrespeitar o conselho de nosso terceiro filho Thiago, quando comemorava nove anos de idade.  Nessa época eu chefiava a Divisão de Estudos e Pesquisas Econômicas do Itamaraty. Mas tinha também um encargo adicional e absorvente de preparar conferências e discursos para o então Secretário Geral, nosso brilhante e sempre inspirado Marcos Azambuja.  Isso me impedia, em muitos fins de semana, de jogar o futebol que tanto amo com os filhos.  O Thiago se ressentia muito.
Assim, quando perguntaram, naquele aniversário, o que ele queria ser quando crescer, ele simplesmente ficou calado.  Depois de tanta insistência, ele finalmente respondeu. Uma resposta  à la Paulo Roberto de Almeida. Ele simplesmente disse: “ Eu não sei o que vou ser quando crescer. Mas eu sei o que não quero fazer quando crescer. Não quero fazer conferência e discurso.” 
Nossa gratidão – minha, da Sônia e da Carmen Lícia - a todos vocês por estarem na intimidade conosco num momento tão rico de significados para o Paulo, para todos nós e para a nossa instituição.

Sergio Abreu e Lima Florêncio

Brasília, 9 de agosto de 2018.

Francisco Seixas da Costa: um embaixador da grande diplomacia lusitana

Francisco Seixas da Costa é um embaixador não burocrata. Desculpem-me os burocratas, pois também temos necessidades deles, mas não são exatamente do tipo que eu mais aprecio.
Rato de biblioteca por deformação da primeira infância, quando ainda não sabia ler, eu me afeiçoei tanto aos livros que chegada a etapa do letramento, na tardia idade dos sete anos, nunca mais larguei dos livros, um só instante na vida.
Quando me vi constrangido a um longo exílio voluntário na Europa, nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, arrastei comigo uma pequena biblioteca que deve ter intrigado vários guardas aduaneiros, cada vez que eu tinha de transpor as fronteiras da Guerra Fria. Mas sobrevivi, com os meus livros, ainda que os amaldiçoasse, cada vez que, tendo de mudar de casa para viver mais barato, o que fiz frequentemente, tinha de arrastar escada abaixo e escada acima, caixas e mais caixas de livros que foram se acumulando ao sabor das viagens e da vida nas livrarias e biblioteca.
Mas, eu me perco. O que eu quero dizer é que, aos diplomatas burocratas, eu prefiro os intelectuais não pretensiosos, aqueles sabedores da modéstia do seu saber, e que procuram aumentá-lo sempre, pelas leituras, pelas viagens, pelo contato com as pessoas, pela abertura de espírito. Pois é de uma pessoa assim que eu quero falar, e agradecer o seu gesto.
O embaixador mais intelectual (que eu conheço) da excelente diplomacia lusitana, que nos legou a nossa boa diplomacia nacional – por vezes maltratada por sectários e aloprados – faz neste artigo uma pequena digressão sobre as minhas desventuras diplomáticas (elas são frequentes) entre um regime e outro. Francisco Seixas da Costa repercute no mais importante jornal português a minha exoneração do IPRI, o que converte o fato em ato internacional, como convém a um diplomata. Muito obrigado embaixador Seixas da Costa, grande amigo de tertúlias brasilienses, quando eu já estava na geladeira sob o lulopetismo diplomático. Parece que volto a ela, mas requentado por suas palavras generosas. Recomendo, por sinal, seu excelente blog Duas ou Três Coisas, que combina tudo o que gosto: cultura refinada, bom humor, curiosidade pelo que é novo, ou diferente, tolerância na política e uma leve ponta de contestação, que é disso que eu também gosto: https://duas-ou-tres.blogspot.com/ 
Paulo Roberto de Almeida

Opinião

Paulo Roberto de Almeida

Jornal de Notícias (Portugal), 5/03/2019

Paulo Roberto de Almeida é um embaixador brasileiro. Conheci-o quando por lá chefiei a nossa missão diplomática e ganhou a minha admiração pelo seu empenhado estudo da política externa do seu país.
É autor de uma bibliografia impressionante e mantém o blogue "Diplomatizzando", para mim de consulta diária.
O PT nunca gostou de Paulo Roberto de Almeida. A corrente dominante no Itamaraty, durante os anos de Lula e de Dilma, não apreciava minimamente o seu espírito independente, a sua leitura do que entendia serem os interesses permanentes brasileiros na ordem externa e da postura diplomática que considerava que melhor os defenderia. E ele pagou, em termos de carreira profissional, onde já tinha tido postos muito importantes, um forte preço por isso. A defesa de uma diplomacia não ideológica não caía bem num Itamaraty que, manifestamente, não ia por esse caminho.
Em face da nova situação instalada no Brasil, após as últimas eleições, fiquei curioso sobre qual iria ser o futuro de Paulo Roberto de Almeida. Desde cedo, tive um pressentimento: se, com a Esquerda no poder, o Paulo fora adepto de uma diplomacia não sectária e sem viés ideológico, seguramente que o não via a favorecer o enviesamento extremo, mas de sinal contrário, que agora passou a dominar o discurso e a prática da política externa brasileira.
Não me enganei. Paulo Roberto de Almeida, um democrata corajoso e um cidadão que pensa pela sua cabeça, tem uma perspetiva elaborada sobre a postura brasileira na ordem externa, que não passa pela adesão a ondas cíclicas de fervor ideológico. A sua conhecida liberdade e independência de pensamento não parecem compatíveis com a orientação, extremada e radical, a que o Itamaraty está a ser sujeito nos últimos tempos.
O embaixador Paulo Roberto de Almeida acaba de ser demitido pelo Governo Bolsonaro do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, horas depois de ter reproduzido no seu blogue, sem comentários, três artigos sobre a atual política externa do Brasil face à Venezuela: um de Rubens Ricupero, uma imensa figura da diplomacia brasileira, outro do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso e, finalmente, um outro do atual ministro das Relações Exteriores.
Deixo ao Paulo Roberto de Almeida o meu abraço amigo e solidário, num tempo que imagino difícil. Ele sabe bem, contudo, que eu respeito sempre a velha quadra popular portuguesa: 
"Por me veres em baixo agora / 
Não me negues a tua estima. / 
Os alcatruzes da nora / 
nem sempre andam por cima".