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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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quarta-feira, 6 de março de 2019

Francisco Seixas da Costa: um embaixador da grande diplomacia lusitana

Francisco Seixas da Costa é um embaixador não burocrata. Desculpem-me os burocratas, pois também temos necessidades deles, mas não são exatamente do tipo que eu mais aprecio.
Rato de biblioteca por deformação da primeira infância, quando ainda não sabia ler, eu me afeiçoei tanto aos livros que chegada a etapa do letramento, na tardia idade dos sete anos, nunca mais larguei dos livros, um só instante na vida.
Quando me vi constrangido a um longo exílio voluntário na Europa, nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, arrastei comigo uma pequena biblioteca que deve ter intrigado vários guardas aduaneiros, cada vez que eu tinha de transpor as fronteiras da Guerra Fria. Mas sobrevivi, com os meus livros, ainda que os amaldiçoasse, cada vez que, tendo de mudar de casa para viver mais barato, o que fiz frequentemente, tinha de arrastar escada abaixo e escada acima, caixas e mais caixas de livros que foram se acumulando ao sabor das viagens e da vida nas livrarias e biblioteca.
Mas, eu me perco. O que eu quero dizer é que, aos diplomatas burocratas, eu prefiro os intelectuais não pretensiosos, aqueles sabedores da modéstia do seu saber, e que procuram aumentá-lo sempre, pelas leituras, pelas viagens, pelo contato com as pessoas, pela abertura de espírito. Pois é de uma pessoa assim que eu quero falar, e agradecer o seu gesto.
O embaixador mais intelectual (que eu conheço) da excelente diplomacia lusitana, que nos legou a nossa boa diplomacia nacional – por vezes maltratada por sectários e aloprados – faz neste artigo uma pequena digressão sobre as minhas desventuras diplomáticas (elas são frequentes) entre um regime e outro. Francisco Seixas da Costa repercute no mais importante jornal português a minha exoneração do IPRI, o que converte o fato em ato internacional, como convém a um diplomata. Muito obrigado embaixador Seixas da Costa, grande amigo de tertúlias brasilienses, quando eu já estava na geladeira sob o lulopetismo diplomático. Parece que volto a ela, mas requentado por suas palavras generosas. Recomendo, por sinal, seu excelente blog Duas ou Três Coisas, que combina tudo o que gosto: cultura refinada, bom humor, curiosidade pelo que é novo, ou diferente, tolerância na política e uma leve ponta de contestação, que é disso que eu também gosto: https://duas-ou-tres.blogspot.com/ 
Paulo Roberto de Almeida

Opinião

Paulo Roberto de Almeida

Jornal de Notícias (Portugal), 5/03/2019

Paulo Roberto de Almeida é um embaixador brasileiro. Conheci-o quando por lá chefiei a nossa missão diplomática e ganhou a minha admiração pelo seu empenhado estudo da política externa do seu país.
É autor de uma bibliografia impressionante e mantém o blogue "Diplomatizzando", para mim de consulta diária.
O PT nunca gostou de Paulo Roberto de Almeida. A corrente dominante no Itamaraty, durante os anos de Lula e de Dilma, não apreciava minimamente o seu espírito independente, a sua leitura do que entendia serem os interesses permanentes brasileiros na ordem externa e da postura diplomática que considerava que melhor os defenderia. E ele pagou, em termos de carreira profissional, onde já tinha tido postos muito importantes, um forte preço por isso. A defesa de uma diplomacia não ideológica não caía bem num Itamaraty que, manifestamente, não ia por esse caminho.
Em face da nova situação instalada no Brasil, após as últimas eleições, fiquei curioso sobre qual iria ser o futuro de Paulo Roberto de Almeida. Desde cedo, tive um pressentimento: se, com a Esquerda no poder, o Paulo fora adepto de uma diplomacia não sectária e sem viés ideológico, seguramente que o não via a favorecer o enviesamento extremo, mas de sinal contrário, que agora passou a dominar o discurso e a prática da política externa brasileira.
Não me enganei. Paulo Roberto de Almeida, um democrata corajoso e um cidadão que pensa pela sua cabeça, tem uma perspetiva elaborada sobre a postura brasileira na ordem externa, que não passa pela adesão a ondas cíclicas de fervor ideológico. A sua conhecida liberdade e independência de pensamento não parecem compatíveis com a orientação, extremada e radical, a que o Itamaraty está a ser sujeito nos últimos tempos.
O embaixador Paulo Roberto de Almeida acaba de ser demitido pelo Governo Bolsonaro do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, horas depois de ter reproduzido no seu blogue, sem comentários, três artigos sobre a atual política externa do Brasil face à Venezuela: um de Rubens Ricupero, uma imensa figura da diplomacia brasileira, outro do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso e, finalmente, um outro do atual ministro das Relações Exteriores.
Deixo ao Paulo Roberto de Almeida o meu abraço amigo e solidário, num tempo que imagino difícil. Ele sabe bem, contudo, que eu respeito sempre a velha quadra popular portuguesa: 
"Por me veres em baixo agora / 
Não me negues a tua estima. / 
Os alcatruzes da nora / 
nem sempre andam por cima".




quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Duas ou Tres Coisas: Francisco Seixas da Costa sobre a Regra e a Exceção...


Duas ou Três Coisas

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019


Diplomacia brasileira

A diplomacia brasileira, ao longo dos anos, sob lideranças políticas muito diversas, tem sabido garantir ao país um lugar importante no sistema internacional.
Encontrei frequentemente, nos colegas brasileiros com quem me cruzei, alguns excelentes profissionais, conhecedores profundos do seu “métier”, capazes de cruzar os interesses - permanentes ou conjunturais - do seu país, com a evolução da sociedade global, na tentativa de nela preservar ao Brasil um papel de prestígio.
Ontem, ao ouvir o discurso do novo chefe da diplomacia brasileira, ele próprio um diplomata, confirmei a consabida regra de que não há regra sem exceção.


terça-feira, 19 de maio de 2015

Acordo Ortografico do Bom Senso: bastam duas linhas - Francisco Seixas da Costa, Joao Costa

Absolutamente sensato o João Costa. Em lugar de procurar sarna para se coçar -- ou talvez procurando, e deixando os lucros da operação com as editoras, que teriam de reimprimir e publicar todos os livros adotados oficialmente nas escolas, com despesas incomensuráveis para os governos (talvez tenha sido intencional) -- os países da CPLP, essa construção genial da civilização lusitana, poderiam adotar a proposta de acordo sugerida pelo João Costa: basta que todos os países membros desse conclave intelectual, literário e cultural, aceitem reciprocamente as respectivas ortografias para que os livros circulem livremente entre eles. E que as pessoas sejam livres para aceitar a ortografia que desejarem, desde que não ofenda regras mínimas de gramática e de construção estilística, todo o resto seria aceitável.
Não seria mais prático assim?
Paulo Roberto de Almeida

O Acordo poderia ter duas linhas...
Francisco Seixas da Costa
Blog duas ou três coisas, 18/05/2015

Um amigo que muito prezo, escreveu um texto delicioso sobre o Acordo Ortográfico, sob o título em epígrafe, que lhe pedi que me deixasse publicar por aqui. Ele aí vai:

"Para que fique bem clara a minha posição sobre o Acordo Ortográfico: percebo que este dispositivo interesse aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros para dar uma imagem de cooperação entre os países de língua portuguesa. Se tivesse sido eu a escrevê-lo, teria a seguinte formulação:

Artigo único:

Reconheçam-se como válidas, em todos os países da CPLP, as normas ortográficas em vigor nos restantes países.


Esta formulação permitiria que o uso de qualquer variante ortográfica não pudesse ser penalizado ou considerado ilegítimo em qualquer país de língua oficial portuguesa ou em qualquer contexto de uso da língua.

Esta não foi a opção de quem negociou o Acordo Ortográfico, tendo sido preferida uma versão que tenta unificar a ortografia.

Quem me conhece sabe que não consegue arrancar de mim nenhuma posição inflamada a favor ou contra o Acordo Ortográfico. Sei que a ortografia é uma mera convenção, que nenhuma versão da nossa ortografia foi coerente entre transparência ou etimologia e que esta e outras versões de instrumentos de normalização ortográfica têm problemas técnicos já assinalados por vários. Não me parece que a versão 1990 seja pior ou melhor do que a versão 1945 – basta pensar no uso do hífen. É apenas uma convenção – o facto de “hospital” se escrever com h.

Muito do debate em torno do Acordo Ortográfico rasa o absurdo e descreve as consequências da sua aplicação como algo próximo do Armagedão. Há dados que me fazem manter-me longe deste debate.

Sempre que sai uma notícia num jornal sobre o Acordo Ortográfico, surgem centenas de comentários de leitores que, horrorizados, listam os horrores do Acordo Ortográfico em mensagens pejadas de erros ortográficos.

Ouvia, há tempos, alguém que tinha escrito “nada a opôr [sic]” vociferando que não retirava o acento circunflexo, porque se recusa a escrever com o Acordo Ortográfico, que sempre escreveu assim e não vai mudar!

O mesmo, tal e qual, ouvi de alguém que, num programa de rádio, dizia: “não é por causa dos brasileiros que vou tirar a cedilha de vocês”!

A obsessão com a ortografia e tudo o que se diz sobre o seu impacto no mundo é a consequência de uma escolarização em que as produções escritas são, tradicionalmente, corrigidas em função de desempenhos temáticos e ortográficos. Coesão e coerência, conformidade com sequências textuais ou explicitação de regras de pontuação são dimensões da escrita a que a escola nunca prestou a devida atenção, que justificam muitos problemas de escrita (e leitura) e que explicam que se dê tanta importância à ortografia.

Tratando-se apenas de uma convenção, a ortografia não gera penalizações. Se eu escrever a minha lista de compras para o supermercado com inúmeros erros, ninguém saberá e, mesmo que saiba, nada acontece. Só no sistema educativo é que há penalização do erro e é interessante verificar que a introdução do Acordo Ortográfico no sistema educativo se deu sem problemas.

Se é verdade que a ortografia é uma mera convenção e que quem redigiu o Acordo visou uma unificação da ortografia, também é verdade que qualquer pessoa minimamente informada sobre as variantes do português deveria saber que as diferenças fundamentais entre o português usado em Portugal, no Brasil, Angola, Moçambique não estão na ortografia. Tente-se escrever um texto em conjunto com um colega brasileiro e veja-se como se tropeça em cada linha. Há um evidente desconhecimento da língua portuguesa na génese de algumas decisões políticas, o que é confrangedor.

Passados vinte anos sobre a criação deste Acordo, não são ainda evidentes os passos claros que a CPLP está a dar para uma eficiente política de língua. Para dar apenas um exemplo, ainda não se vislumbra uma política comum sobre o ensino de português no estrangeiro.

Dito tudo isto, alguns amigos que conhecem esta minha posição (ou ausência de posição), perguntam-me se uso ou não o Acordo Ortográfico. Comecei a usar no dia em que li um arrazoado de argumentos nacionalistas e de comentários racistas sobre os restantes países da CPLP a propósito do Acordo Ortográfico. Pensei que não queria ser identificado com aquele tipo de argumentação e nesse mesmo dia passei a utilizar, sem grande dificuldade, a nova convenção ortográfica (nunca senti aquela insegurança de que alguns falam, dizendo “Agora não sei como se escreve”).

Passados alguns meses, participei numa reunião em que, em defesa do Acordo Ortográfico, ouvi um eminente académico tecer comentários absolutamente nacionalistas e a rasar o racismo... Fiquei sem saber o que fazer e, pela primeira vez, me deparei com a hesitação de não saber como escrever.

Cresce em mim a vontade de reagir de forma adolescente e não usar o Acordo quando escrevo àqueles que o defendem ferozmente e usar quando escrevo aos que são violentamente contra. Mas, por vezes, tenho de escrever a ambos e, nessa altura, penso: isto é apenas uma convenção, para quê gastar tempo a pensar no assunto?

Se se tivessem ficado pelas minhas duas linhas, ter-se-ia poupado muito tempo...

João Costa

PS: Ao reler o texto, apercebo-me de que, por vezes, o Acordo Ortográfico não tem mesmo importância nenhuma na forma como se escreve. E garanto que não foi intencional.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Politica externa do Brasil, 2 (do Brasil?) - Francisco Seixas da Costa

O que antecipei em comentário ao post anterior, sobre a confusão entre Brasil e diplomacia partidária, vale também para este artigo do embaixador Seixas da Costa, meu amigo e colega blogueiro.
Mas, antecipo igualmente que tendo muito mais a concordar com o sentido geral dos seus argumentos, que partilho, em geral -- com exceção da distinção acima apontada -- do que com o artigo anterior, de uma acadêmica brasileira.
Este artigo de um autor experiente tem uma lógica intrínseca (ainda que ele seja comedido em suas observações) que falta ao artigo anterior, que "comprou" muita "fumaça" do governo brasileiro, sem verificar onde estava a separação entre a publicidade e a realidade...
Repito, para ficar claro: não se trata da diplomacia do Brasil, mas de um grupo político. No resto, pode-se concordar com o embaixador em muitas coisas.
Paulo Roberto de Almeida

Francisco Seixas da Costa
26/03/2014

O "Público" insere hoje um artigo de Adriana Erthal Abdenur sobre a política externa brasileira, que julgo deveria merecer alguma reflexão. Nesse texto, é sublinhado que o Brasil se afasta cada vez mais de uma agenda "ocidental", de que o caso mais recente é a sua rejeição das sanções à Rússia, por virtude da intervenção na Crimeia. Essa posição, na perspetiva da articulista, culminaria uma deriva "sulista" que, cada vez mais, marca a agenda do Itamaraty.

Há muitos anos que reflito sobre isto e digo aos meus amigos brasileiros que eles estão a cumular dois obstáculos à sua mais do que justa reivindicação para acederem a um lugar de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

O primeiro obstáculo vem dos países do Norte. O alargamento do CSNU a novos países do Sul (consideremos "do Sul" a China e a Rússia) só poderá ter lugar se e quando tal inclusão se fizer de molde a não desequilibrar o atual sentido tendencial de voto no seio do Conselho. Para ser mais claro: só entrará para o CSNU um país do Sul que, no limite, dê garantias sólidas de que manterá uma orientação pelo menos neutral face à conjugação "ocidental" de interesses representada pelos EUA, Reino Unido e França. É injusto? É, mas é assim. Ora, a "excessiva" coreografia da diplomacia brasileira, que já deu sinais "negativos" quanto à questão nuclear no Irão e agora se indicia crítica na sensível questão ucraniana, funciona em claro desfavor das ambições do Brasil.

Mas o Brasil tem também "amigos de Peniche" nos restantes membros do Conselho. Rússia e China estão muito pouco interessados em deixar de ser os únicos a "representar" o Sul neste âmbito, com tudo o que significa de influência junto do "grupo dos 77" - para simplificar, os antigos "países não alinhados". Moscovo pode ter ficado grata com o gesto de Brasília, mas isso nem sequer lhe garante a boa vontade de Pequim. Talvez antes pelo contrário.

Não obstante o esforço voluntarista feito na elevação da sua voz diplomática um pouco por todo o mundo, o trabalho notável na Organização Mundial de Comércio e outras agências multilaterais, a sua constante atenção às operações de paz da ONU, o seu cuidado com as diversas agendas regionais (América do Sul, mas também Médio Oriente e outras), creio que o Brasil tem hoje à sua frente alguns obstáculos sérios nesse seu objetivo de ganhar a consagração institucional suprema à escala global. 

Um amigo diplomata brasileiro, muito crítico da atual linha política, dizia-me, já há anos, que o Brasil mantinha uma "diplomacia adolescente" - pela sua excessiva ambição, pela sua frequente precipitação, pela ânsia de pretender "ir a todas". Ele era capaz de ter alguma razão, embora eu considere que a "juventude" não é nada que se não cure com o tempo.


E, já agora, uma nota de sentido egoísta: Portugal tem tudo a ganhar e nada a perder com uma "subida" do Brasil na escala global das nações. Um dia posso explicar isto com mais pormenor, mas parece-me uma evidência.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Os meus livros, e os do Embaixador Seixas da Costa: terriveis dilemas sobre o que fazer

Mutatis mutandis, minha situação é bastante parecida com a do meu amigo bibliófilo ( não para colecionar, simplesmente para ler, um dia), Embaixador Francisco Seixas da Costa, cujo blog é um dos mais saborosos que jamais encontrei na blogosfera, acreditem.
Paulo Roberto de Almeida 
Os meus livros
Há uns anos, dei por mim a olhar para umas estantes onde tinha grande parte dos meus livros e a interrogar-me sobre o que fazer-lhes. Nunca fui um bibliófilo no sentido clássico. Não tenho raridades bibliográficas, embora possa ser proprietário de alguns livros que, não sendo caros, é difícil encontrar, mesmo nos alfarrabistas. Não tenho uma "biblioteca" no sentido clássico, organizada por secções. Fui comprando livros ao sabor dos tempos, às vezes ao ritmo de algumas modas intelectuais, outras por via de escolhas políticas, muitas mais porque a atualização profissional ou os gostos do momento me levaram a aquiri-los. Comprei livros que não li de todo, alguns completamente desnecessários, outros que só folheei, outros ainda porque achava que um dia ia ter tempo para os ler e não tive, para além dos que eram tão baratos tão baratos, numa feira do livro ou num saldo, que achei pena não ficar com eles. Com escassas exceções, sei onde e por que razão comprei cada livro. Gosto muito de oferecer livros, mas nunca dei um único livro dos meus. A minha biblioteca é hoje, assim, uma mescla imensa, onde se pode encontrar um pouco de tudo, desde ficção avulsa a muitas biografias e memórias, bastante história contemporânea, uma imensidão de dicionários, enciclopédias e obras de referência, muita coisa sobre a Europa e relações internacionais, montanhas de "current issues" e o que restou de tempos "esquerdalhos" - Marx & companhia. Mas há também publicações periódicas encadernadas, folhetos vários, literatura clandestina, etc. O único setor com alguma coerência e bastante completo são centenas de volumes relativos às lutas contra o Estado Novo e à política portuguesa contemporânea (onde me deve faltar muito pouco do essencial).

Quando saí para o meu primeiro posto diplomático, no final dos anos 70, levei comigo quase todos os meus livros de então, umas largas centenas. (Curiosamente, eram, de forma esmagadora, em língua portuguesa e francesa; o inglês viria mais tarde). A partir daí, fui circulando pelo mundo levando só com alguns desses livros, mandando os restantes para Portugal, espalhados entre a casa em Lisboa e a dos meus pais, em Vila Real. E comprando outros, claro. Passei, a partir de então e para sempre, a ter livros espalhados por vários locais. Às vezes, chegou a acontecer-me comprar o mesmo livro duas vezes. Depois dos últimos doze anos passados ininterruptamente no estrangeiro, a situação tornou-se fisicamente insustentável. Assim, no início deste ano, cheguei a Portugal com mais alguns milhares de livros "às costas". Nas estantes que tinha por cá já não cabia mais nenhum! Havia deixado em Paris quase quatro centenas, mas alguns milhares que me acompanhavam (e que cresceram dia a dia, em Paris) tiveram de ir diretamente para Vila Real. Para estantes? Não, em muitas dezenas de caixotes que jazem na maior divisão de uma casa vazia. Se somar os que tenho por Lisboa, juntos com algumas centenas que o meu pai me deixou, estaremos a falar de cerca de dez mil livros.

Que fazer? Decidi começar a doar esse espólio bibliográfico à moderna Biblioteca Municipal de Vila Real. Não foi uma decisão fácil de tomar. Tive a sorte de encontrar na pessoa do diretor da biblioteca, Vitor Nogueira, uma figura pouco comum na cultura de Vila Real, o interlocutor que me sossegou. Com ele combinei o "modus faciendi" desta operação progressiva. A biblioteca apõe em cada livro o carimbo que a imagem mostra, é feita uma recensão de cada volume, que segue depois para a secção respetiva. Por via informática, posso ir seguindo (tal como qualquer outro utente) o curso deste trabalho de integração dos livros na Biblioteca, inseridos num "fundo" próprio. E vou ficando com a certeza de que há quem trata os meus livros com o cuidado que (eu acho que) eles merecem. Tenho vindo a enviar para a Biblioteca tudo aquilo que entendo já não me fazer falta, o que naturalmente significa que as coisas que considero mais interessantes vão manter-se, por ora, em minha posse. Estão já por lá cerca de oito centenas de livros. Outros se seguirão no início de janeiro. Esta é uma "operação" necessariamente lenta, porque acarreta o desligar psicológico de objetos com que fomos habituados a viver. E isso, como se sabe, está longe de ser uma coisa fácil. Só ficaria preocupado, e as pessoas próximas de mim o deveriam ficar também, se um dia eu decidisse, de repente, dar todos os meus livros. Isso significaria que havia desistido de uma parte da vida. Porque os livros foram e são uma das partes mais importantes dessa vida.

Bom, e agora só espero que ninguém me ofereça livros logo à noite... 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Um observador estrangeiro observa o Mensalao: uma observacao generosa...

Acredito que o embaixador Seixas da Costa foi generoso com o povo brasileiro e comedido em seus comentarios sobre o Mensalão, o maior crime político, a maior fraude partidária de que se tem notícia na História do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida

Mensalão
Um dia de junho de 2005, no "salão de autoridades" do aeroporto de Manaus, a minha atenção foi despertada para as inesperadas revelações que estavam a ser feitas, na televisão, por um deputado brasileiro, de seu nome Roberto Jefferson, sobre a existência de um suposto esquema de compra de votos no Congresso brasileiro. Não o sabia então, mas esse iria ser o "dia 1" daquilo a que se chamaria o "mensalão".
Seguiram-se meses de debates, inquéritos, denúncias, em torno de uma singular operação que envolvia pagamentos e desvio de verbas de natureza pública. O Brasil colou-se às televisões e passou a conhecer a figura de Marcos Valério, o "arquiteto" dessa habilidosa montagem. Com a passagem dos meses, o processo foi-se aproximando do número dois do governo Lula, o poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Quase quatro dezenas de outros réus se lhes juntaram. Dirceu acabaria por ser afastado. A sua substituta chamava-se Dilma Roussef.
O Brasil nunca mais foi o mesmo depois do surgimento do "mensalão". E a imagem do PT, Partido dos Trabalhadores, que havia sido criado em torno de Lula da Silva, foi afetada de uma forma que mudou para sempre a perceção dessa força política aos olhos dos brasileiros.
O processo do "mensalão" poderá estar a chegar ao seu termo. Anteontem, o Supremo Tribunal Federal (que, no Brasil, conjuga as funções de corte suprema e de corte constitucional) decidiu mandar proceder à imediata prisão efetiva dos réus já condenados, não esperando por alguns recursos pendentes. Não tenho dúvidas que este radical ato de "coragem" só ocorreu porque os juízes do STF, um tribunal que tem muito de político, perceberam que a "rua" exigia isso mesmo, depois das recorrentes manifestações dos últimos meses.
A luta contra a corrupção está muito longe de estar ganha no Brasil, por um conjunto de vícios instalados para cuja desaparição as condições ainda não estão criadas. Mas o caso do "mensalão" foi uma experiência que ensinou muito aos brasileiros e os tornou incomparavelmente mais exigentes com as suas instituições.     

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Ninguem me escuta, ninguem me quer... Portugal, orfao da espionagem eletronica - Francisco Seixas da Costa

Hoje em dia, um país que NÃO é escutado, espionado, vigiado pelo NSA, não parece contar na política internacional.
Por favor, me espionem, me escutem clandestinamente, roubem os meus segredos, parecem suplicar os amigos portugueses.
Pelo menos, é o que entendo desta complainte do meu amigo Francisco Seixas da Costa. Em seu blog Duas ou Três Coisas...
Paulo Roberto de Almeida 

QUARTA-FEIRA, 23 DE OUTUBRO DE 2013

Discriminação


Aqui entre nós, não deixa de ser uma suprema humilhação para Portugal o facto de, nas revelações que vão surgindo sobre as espionagem pelos serviços secretos americanos a políticos de vários países, não ter aparecido a mais leve referência a Portugal. 


Então ninguém escuta os nossos governantes? Ninguém quer saber o que eles dizem? Ou será que os americanos já conhecem o "guião para a reforma do Estado" e nós não? Estarão a copiá-lo?

Faça-se devida justiça à oposição, que bem tentou remar contra a maré, denunciando escutas à sua sede. Mas também ninguém os ouve...

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

A frase do mes: embaixadores politicos - Francisco Seixas da Costa

Percorrendo o blog do meu amigo e colega, duplamente (de blog e de carreira), Francisco Seixas da Costa, Duas ou Três Coisas..., caí num post sobre o fato de não haver, atualmente, na diplomacia portuguesa, nenhum embaixador político, ou seja, de fora da carreira, o que por acaso também era a situação do Brasil, até o início do atual governo, quando assumiu um técnico reconhecido na nossa representação junto à AIEA, em Viena.
Mas, de sua postagem retiro a seguinte frase, que creio se aplicar também ao caso do Brasil:

...se era para selecionar incompetentes, tínhamos já por lá alguns, não era necessário ir procurá-los fora...

Na mosca...
Paulo Roberto de Almeida

terça-feira, 28 de maio de 2013

Precisa xingar alguem? Nao se apoquente, consulte o Capitao Haddock...

Esta eu devo ao meu bom amigo embaixador Francisco Seixas da Costa, apreciadores que somos das mesmas coisas de uma mesma geração...
Paulo Roberto de Almeida


Francisco Seixas da Costa

Nos tempos que correm, a vontade de chamar nomes a algumas pessoas é um sentimento quase intravável. A língua portuguesa é muito rica nesse tipo de qualificativos mas, por vezes, eles soam demasiado pesado e vulgar.

O capitão Haddock (no meu tempo do "Cavaleiro Andante", chamava-se capitão Rosa), figura maior da constelação Tim-Tim, é um conhecido criador de qualificativos depreciativos, somados a expressões que marcaram o imaginário de muitos (fui pela primeira vez a Brest motivado pela sua famosa exclamação "tonnerres de Brest!").

Uma opção possível a chamar a alguém "paralelepípedo batizado" ou "pedaço de asno", como alguém dizia, será usar nomes saídos do léxico colérico de Haddock. Isso torna-se agora mais fácil com este "gerador de insultos do capitão Haddock" (abra o link e carregue na imagem que aparece), que alguém me mandou. As vantagens são óbvias: só percebe quem fala francês e dá um ar muito mais culto...

E não é bem óbvio quem, por cá, merece ser chamado de "ostrogoth" ou "bachi-bouzouk"?

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Alguns: 
Mérinos!... Iconoclaste!... Chrysanthème!... Hurluberlu!...
Canaque!... Moule à gaufres!... Phylloxéra!... Rhizopode!... Satrape!... Logarithme!... Mérinos!...
Zoulou!... Ectoplasme!... Vermicelle!... Froussard!... Canaille!... Lépidoptère!...
Emplâtre!... Jocrisse!... Anthropophage!... Gros plein de soupe!...


Crétin des Alpes!... Froussard!... Marin d'eau douce!... Heu... Autocrate!... Scélérat!...



sexta-feira, 22 de março de 2013

A cultura dos candidatos 'a carreira diplomatica, em Portugal - Francisco Seixas da Costa

Esta retiro do excelente blog de meu colega de carreira e amigo, ex-embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa. Acredito que, mutatis mutandis, deveriam se aplicar os mesmos critérios no Brasil. Infelizmente não é o caso, e não o é, cada vez mais, de certos tempos para cá...
Estamos avançando na incultura, se me permitem a expressão de progresso para alguma coisa...
Paulo Roberto de Almeida

Cultura geral
Francisco Seixas da Costa
Blog Duas ou Três Coisas..., 19/03/2013

Anda por aí forte polémica sobre a prova de "cultura geral" com que se iniciou o novo concurso para a admissão de diplomatas no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não conheço o regulamento do concurso e, confesso, não tenho uma opinião formada sobre se o modelo de prova para aferir tais conhecimentos gerais é adequado ou não.

Uma coisa quero dizer, desde já: entendo que qualquer diplomata português deve ter conhecimentos de natureza cultural que excedam a história diplomática e relações internacionais, o direito internacional ou a economia política. E que o essencial desses conhecimentos tem de ser demonstrado nas provas de entrada. E que deve ser excluído, liminarmente, quem não seja suficientemente culto. Se a prova adequada é a que foi apresentada ou se há outros melhores melhores para fazer essa avaliação, isso é já uma outra questão.

Quando, em tempos idos, fiz parte do júri destes concursos, havia lugar a uma prova, de cerca de 20 minutos, durante a qual três membros desse júri tinham uma conversa com cada candidato, com um período de conversa em francês ou inglês. Posso estar enganado, mas tive sempre a ideia de que era relativamente fácil, através desse diálogo, constatar se o candidato era razoavelmente culto e se sabia expressar e articular ideias em moldes adequados. Não tenho a menor dúvida de que, no final dessa conversa, nós percebíamos se o candidato não tinha condições para fazer parte da carreira. Por vezes, alguns que deixámos ir em frente vieram a revelar-se maus funcionários, porque a prova que haviam feito nos iludiu ou porque não tinham outras qualificações, algumas das quais só o tempo permite ajuizar. Tenho a consciência muito tranquila: sem exceção, todos os que ajudei a "chumbar" não tinham qualidades mínimas para entrarem no número de vagas que nos competia preencher. Alguns foram admitidos noutros concursos posteriores, ou porque melhoraram, ou porque o nível médio dos candidatos baixou ou porque os critérios do novo júri variaram.

Não posso admitir que entre para os quadros do MNE alguém que, num diálogo com um interlocutor estrangeiro, não consiga manter uma conversa com substância cultural, que, por exemplo, não conheça um mínimo de literatura portuguesa, que não tenha referências sobre pintores, arquitetos, cineastas, etc, que não tenha uma ideia dos grandes tempos da nossa História, que não conheça aqueles que ajudaram a construir a nossa identidade nacional, por esse mundo fora. Quando fiz parte dos examinadores desses concursos (e também já examinei colegas noutros momentos avançados da carreira, sob critérios diversos), não foi uma nem duas vezes em que, ao citarem autores contemporâneos, os candidatos, perguntados sobre o que tinham efetivamente lido desses autores, esclareciam: "ler, ler, não li!". E alguns deles acabaram por "passar", porque, não obstante não terem lido esses autores, mostraram ter suficiente informação sobre eles.

É para mim indiscutível que quem tem a pretensão de vir a representar Portugal pelo mundo deve possuir uma razoável cultura geral, bem para além das temáticas técnicas da profissão. Resta saber se é através de testes "americanos", e especificamente dos que foram aplicados, que isso se avalia. 

Deixo aqui uma nota que, no passado, escrevi sobre este assunto.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Duvida cruel: onde comeca a Europa? - Francisco Seixas da Costa

Acho até que não é difícil, com uma pesquisa em bibliotecas, arquivos e no Google, saber onde, ou por onde, começou a Europa, pelo menos aquela que conhecemos, espalhada por aqui e por ali, com suas dezenas de milhares de eurocratas, e algumas centenas de milhares de funcionários nacionais a vagar de um canto a outro, em aviões, trens, carros, bicicletas, sempre saindo de uma reunião e entrando em outra, seguidos, por sua vez, por um batalhão de intérpretes simultâneos, para pelo menos fazer uma das 75 traduções cruzadas entre o fino-ungárico e o basco (e o galego?).
Mas, aposto como ninguém sabe dizer onde acaba a Europa: alguns dizem que é na Turqui, outros em Gibraltar, quem sabe no polo norte, ou talvez no comitê do orçamento?
Em todo caso, toda essa perplexidade, está refletida nesta pequena crônica de um européen convaincu (hoje talvez um pouco desconfiado)...
Paulo Roberto de Almeida

Europas
Francisco Seixas da Costa
Blog Duas ou três coisas, 15/02/2013

Hoje, ao estacionar o meu carro na área da rua de S. Caetano reservada a algumas viaturas de quem trabalha no Centro-Norte Sul do Conselho da Europa, que atualmente dirijo, uma senhora parou em frente a mim e disse: "Eu conheço-o de qualquer sítio! É isso, vi-o na televisão! Trabalha 'na Europa', não é?".

Desvanecido com o reconhecimento, porque o nosso ego é afagado com maior facilidade à medida que avançamos (ou recuamos) na vida, disse que sim, e que agora trabalhava ali, numa estrutura do Conselho da Europa, como se podia ler na placa de estacionamento colocada na rua.

Sempre amável, a senhora inquiriu: "Essa coisa do Conselho da Europa é onde trabalha o dr. Durão Barroso, não é?".

Desta vez com uma paciência cuja dimensão a senhora não era obrigada a adivinhar, expliquei-lhe que não, que o dr. Barroso não mandava nada por ali. E, para sua aparente surpresa, disse-lhe que o Conselho da Europa é a mais antiga instituição europeia, criada em 1949, muito antes daquilo a que hoje se chama União Europeia, que é "onde trabalha o dr. Durão Barroso".

A senhora agradeceu e disse que se lembrava de ouvir dizer, há dias, que o primeiro-ministro português estivera no Conselho da Europa.

Aí voltei a esclarecer: o dr. Passos Coelho nunca esteve no Conselho da Europa, que tem sede em Estrasburgo, ao lado do Parlamento Europeu, mas sim no Conselho Europeu, que é a instituição onde se reúnem os chefes de governo da União Europeia, geralmente em Bruxelas.

"Mas o Parlamento Europeu não é em Bruxelas? Tenho uma amiga que trabalha lá".

Aí, críptico, expliquei: "Tem razão, o Parlamento é em Bruxelas mas também é em Estrasburgo. Reune lá uma semana por mês..."

"Há-de concordar que isto é tudo uma grande confusão!", disse-me a senhora, sorridente.

Aí retorqui: "Ó minha senhora! Concordo em absoluto! Nem a senhora sabe da missa a metade..." 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Voyeurs, metidos a besta? os vaticanistas, os vaticanologos, os vaticanochatos...

Esta simples nota do Embaixador Francisco Seixas da Costa, em seu blog Duas ou Três Coisas, expressa bem o meu sentimento, ao ler tanta bobagem sobre o papa, a sua renúncia, a sucessão, e outros temas de suma gravidade, nos jornais brasileiros. Se aplica inteiramente. Todo mundo agora virou especialista nessa coisa que se chama Santa Sé.
Antigamente, como dizia Nelson Rodrigues, os idiotas se calavam...
Paulo Roberto de Almeida

Olheiros
Francisco Seixas da Costa
Nas últimas horas, apareceu na nossa imprensa [portuguesa] uma nova categoria de observadores da atualidade: os vaticanistas. Uma designação que já é assumida sem sorrisos.
Os tempos mudaram: antes havia os kremlinólogos. Nunca dei conta que houvesse "White house watchers" ou os "number 10 decrypters". Talvez em Moscovo.
Por cá, seriam os belenólogos, já que S. Bento é um nome que se torna demasiado complicado para se poder identificar, de uma penada conceptual, quem olha o que se passa naquela casa.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Juizes malucos podem ser as pessoas mais perigosas que existem, porqueinimputaveis...

Pois bem, com base neste post abaixo transcrito de meu duplo colega (diplomata e blogueiro) e amigo, o embaixador portugues (ex no Brasil) Francisco Seixas da Costa, posso finalmente discordar daquele historiador italiano, Carlo Maria Cipolla (procurem no meu blog), que dizia que os idiotas sao os individuos mais perigosos que existem, ja' que existem, soltinhos por ai, juizes perfeitamente malucos, que causam prejuizos enormes 'a sociedade sem nunca serem cobrados por isso. Penso, por exemplo, naquele juiz maluco do Mato Grosso que, em 2003, decretou fichamento discriminatorio dos cidadaos americanos nos aeroportos brasileiros apenas por discordar de uma medida perfeitamente legal tomada pelo Congresso dos EUA.
Existem varios outros malucos soltos por ai, um deles em Brasilia, ou varios deles em Brasilia, que incita esse tipo de prepotencia.
Volto a dizer: deveria haver uma camara para controlar preventivamente juizes malucos, e depois puni-los pelos prejuizos que causaram ilegalmente...
Paulo Roberto de Almeida

Juizo
Francisco Seixas da Costa
Blog Duas ou Tres Coisas..., 4/01/2013

A decisão de um juíz brasileiro de arrestar um avião da TAP, como forma de obter os recursos necessários à satisfação de uma demanda de funcionários administrativos da estruturas diplomáticas portuguesas no Brasil, pode parecer uma espécie de anedota de Ano Novo. Não é. Trata-se da junção de várias realidades, onde se misturam a má-fé profissional de uns com o ridículo uso de poder de outros, somado ao isco mediático garantido. Nada que uma "liminar" de sentido contrário, recomendada pelo bom-senso, não acabe por resolver, mas com custos acrescidos e efeitos inapagáveis na opinião coletiva.

Não cabe aqui entrar nos detalhes de uma questão que, pelas funções que exerci no Brasil, julgo conhecer, embora a ela tenha sido completamente alheio. Apenas direi que entendo que o Estado português tem toda a razão. Mas porque não tenho paciência para comentar espertezas de alguns advogados, fico-me por aqui.

Choca-me, com frequência, a ligeireza das decisões de certos juízes, muitos deles seduzidos pelas luzes da ribalta mediática, com contornos a roçar a irresponsabilidade. E mais me choca que, revertida essa decisão por uma outra instância, nenhuma responsabilidade possa ser pedida a quem tomou a primeira - pelos vistos errada, caso contrário não prevaleceria a segunda. Alcandorados na sua "independência", os tais juízes a quem a instância superior tirou o tapete profissional, aí estão prontos para outras, ficando imunes à responsabilização, civil ou outra, pelos efeitos, patrimoniais ou humanos, que a sua decisão acarretou. Não quero particularizar, mas apenas direi que foi graças a uma atitude dessa natureza que o túnel do Marão acabou por não estar concluído, já há vários anos, com muitos milhões de euros de prejuízos e incontáveis custos para toda uma região.

A absurda sacralização que paira sobre estes operadores judiciais, armados em impolutos "orgãos de soberania", impede, por exemplo, que um qualquer cidadão possa chamar incompetente a um juíz incompetente, sem o risco de cair na imediata alçada ... de outro juíz! Às vezes, trata-se de uns miudecos acabados de sair das escolas de magistratura, sem experiência da vida e do foro, produtores de decisões absurdas e irresponsáveis, que ganham logo à sua volta uma espécie de temor reverencial, que os protege da denúncia de que "o rei vai nu".

A "importância" que certos juízes se atribuem a si próprios, foi sempre ridicularizada pelos seus pares mais responsáveis, pouco satisfeitos com o impacto negativo que esse abuso do conceito de "independência do poder judicial", pode provocar sobre a classe.

Um dia dos anos 90, essa grande figura que é o magistrado José Matos Fernandes, ao tempo secretário de Estado adjunto e da Justiça, olhou do gabinete do ministro para a rua e, de repente, chamou quem estava na sala: "Olhem! Olhem! Vai ali um órgão de soberania!" Toda a gente arrancou para as vidraças que davam sobre a varanda. Lá em baixo, no terreiro do Paço, havia gente a cruzar a praça. Que queria ele dizer com o "órgão de soberania"?, perguntou alguém? Com aquele sorriso magnífico com que lhe ouvi algumas das mais deliciosas histórias da vida judicial, ele esclareceu: "Então não viram? Ia ali um juiz..." E lá apontou uma dessas figuras para quem a sala de audiências era um mero cenário que intervalava as suas aparições perante as câmaras televisivas.


http://duas-ou-tres.blogspot.com/2013/01/juizo.html

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Fortes e fracos: Portugal e Brasil - uma reflexao a partir de um blog irmao

Retiro, do blog "Duas ou três coisas...", do meu amigo e colega Francisco Seixas da Costa, ex-embaixador no Brasil e já se aposentando de Paris, o post abaixo, sobre os fortes portugueses ao redor do mundo.
E penso cá comigo: Portugal foi uma nação fraca que construiu dezenas, provavelmente centenas de fortes ao redor do mundo. O Brasil é uma nação forte que vem sendo sistematicamente enfraquecida por um governo sem rumo. Assim pelo menos é o que parece...
Paulo Roberto de Almeida
Fortes
- Os portugueses chegaram aqui e construíram este forte, depois de terem circundado toda a África. Não é fantástico?!

A expressão, de um responsável governamental do Oman, frente à fortaleza de Al-Jalali, o antigo forte de S. João, em Mascate, foi dita perante umas dezenas de pessoas, que logo me olharam, como se acaso os meus antepassados, de lá de Trás-os-Montes ou do Minho, pudessem reivindicar parte dessa glória. E eu, por tabela, como herdeiro natural das viagens que outros fizeram por nós.

- Pois na minha terra, no Benin, também construíram uma bela fortaleza, em Ouidah, disse uma voz, atrás de mim, que sorri silencioso, a lembrar-me do gesto estúpido do funcionário português que, em 1961, na iminência da sua expulsão de S. João Batista de Ajudá, deitou fogo a tudo, inclusivamente ao carro oficial, cuja carcaça hoje faz parte do museu no local.

A tanzaniana logo comentou: "Também construíram bastantes meu país", para logo o iraniano lançar: "há belos vestígios de Portugal na nossa costa", lembrando Ormuz.

Olhei em volta. O meu amigo do Qatar, que me fala sempre de ter nascido junto a um forte português, estava longe, ninguém do Bahrein andava por ali para lembrar o que também ficou por lá, a minha colega queniana não veio na viagem para lembrar Mombaça. Também não havia nenhum marroquino para citar a imponente Mazagão ou Safi, nem ninguém da Malásia para recordar Malaca, ou do Gana para recordar São Jorge da Mina. E, muito menos, algum indiano para citar o belo forte de Diu e o muito que aí ficou. Dos "Palop" não estava ninguém no grupo para inventariar a arquitetura militar portuguesa remanescente (do Cachéu a Luanda, da ilha de Moçambique ao forte de São Sebastião, em S. Tomé).

Naquele instante, tive pena de não ter, à minha volta, mais vozes internacionais para ajudar ao coro de glória histórica. Até que uma brasileira, casada com um europeu, adiantou: "E então no Brasil!? Conhecem as fortalezas portuguesas no Brasil? São fabulosas!". Mas nem ela se podia gabar de, como eu, de ter visitado a grande maioria delas - a começar por essa maravilha de dificílimo acesso que é o forte Principe da Beira, bem junto à fronteira com a Bolívia.

Isto passou-se ontem, numa viagem da UNESCO ao Golfo, a que me associei, no gozo das minhas últimas férias como embaixador.

O tempo das fortalezas militares já lá vai. Mas Portugal deixou, por aí, um prestigiante mar desses monumentos, marcos de um tempo histórico em que dava algumas cartas. E alguns tiros, porque o poder também se faz disso. E hoje, graças a essa herança, se há ainda coisa em que, pelo mundo, somos fortes é em fortes...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O homem de um livro so - Francisco Seixas da Costa

Do blog "2 ou 3 Coisas...", do meu amigo embaixador português em Paris, antes em Brasília, Francisco Seixas da Costa, mas enviado pelo meu amigo André Eiras.
Paulo Roberto de Almeida  
O livro

Francisco Seixas da Costa

2 ou 3 Coisas, 12/10/12

Não recordo o seu nome e, mesmo se dele me lembrasse, não o diria aqui. Era um homem muito simples, na casa dos 50 anos, que me contava belas histórias da sua infância em João Pessoa, na Paraíba, terra de que sentia saudades que a melhor vida que tinha em São Paulo não conseguia atenuar. Era o meu motorista habitual quando tinha de me deslocar a São Paulo, ido de Brasília, o que ocorria com alguma frequência, nesses quatro anos em que vivi no Brasil.
Entre o aeroporto e os compromissos, ou nos intervalos entre eles, eu tinha por invariável hábito passar pela fabulosa Livraria Cultura, na avenida Paulista, de longe o mais completo e bem arrumado lugar de venda de livros em língua portuguesa, em todo o mundo. Por necessidade, por tentação ou por simples vício, nunca de lá saía sem um saco, mais ou menos recheado, de edições brasileiras.
Numa das muitas vezes em que eu acomodava no carro as novas aquisições, esse meu motorista inquiriu:

- O senhor consegue ler todos esses livros que compra?

Expliquei-lhe que não, longe disso!, mas que eu fazia parte de um grupo de pessoas, bastante vulgar, que compra sempre muitos mais livros do que aqueles que alguma vez conseguiria ler, mas que, nem pelo facto de disso ter plena consciência, era capaz de deixar de o fazer. Era uma espécie de "doença", algo dispendiosa mas incurável. Sem surpresa, fiquei com a impressão de não foi sensível a esta minha irónica explicação.

Segundos volvidos, disse-me: 

- Eu também já li um livro.

Aceitei com discreta delicadeza a sua singular revelação e inquiri que livro era.

- Era um livro sobre religião, escrito por um americano, um livro muito bom. Gostava de lê-lo outra vez. Mas emprestei-o a um conhecido que foi para João Pessoa e nunca mais consegui voltar a lê-lo. Já falei com gente de lá, para lho pedirem, mas não mo devolve. Para o ano, quando fôr à Paraíba, vou ter com ele e vai ter de mo devolver. A bem ou a mal.

- Mas há tantos livros! Porque é que não lê outro livro? Por exemplo, a pessoa que escreveu o livro que leu até pode ter escrito outros, tão bons ou melhores do que esse. Sabe o nome da pessoa que escreveu o livro?

- Não sei, não me lembro, mas também não me interessa. Eu só quero voltar a ler esse livro. Não quero ler outros livros.

E calou-se, numa tristeza evidente.

Nunca cheguei a saber como se chamava o livro que o meu simpático motorista tinha lido, nem quem era o americano que o tinha escrito. E para sempre senti imensa pena daquele homem, não pelo facto de não querer ler mais livros, mas porque percebo muito bem a angústia de alguém perder aquela que era toda a sua biblioteca.

 duas ou três coisas de Francisco Seixas da Costa