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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 10 de abril de 2020

Se alguém entender, nos conte: os romances enigmáticos do bizarro chanceler acidental - Guilherme Amado

XARAB, MOGAR, QUATRO 3: OS LIVROS DE FICÇÃO DE ERNESTO ARAÚJO

A porta de Mogar, Xarab fica e Quatro 3, lançados entre 1998 e 2001, são incompreensíveis

"Desafio à realidade", "geografia imaginária", "história paralela", "país fictício", "situações irreais", "sistema anárquico de textos", "campo de confronto com a realidade objetiva": os apostos poderiam descrever a produção ensaística de Ernesto Araújo no blog Metapolítica 17 ou ainda no discurso de posse, aquele dos queixumes sobre a CNN e da ave-maria em tupi. Mas são termos usados nas apresentações de A porta de Mogar (1998), Xarab fica (1999) e Quatro 3 (2001), os três romances que o então jovem diplomata lançou pela pequena editora Alfa Ômega, de São Paulo. Embora curtos, os livros são exigentes, tamanha a dificuldade de entender os enredos.

A porta de Mogar, o primeiro, foi escrito quando Ernesto estava na Missão do Brasil junto às Comunidades Europeias, em Bruxelas. Com jogos de pensamento e divagações, é cheio de situações filosóficas vividas pelos personagens Keniv e Mogar, num país fictício. Na epígrafe, uma frase do pré-socrático Heráclito [no livro, grafado Herakleitos, em grego], é sincera ao anunciar as elucubrações que vêm nas páginas seguintes: "Quem não espera o inesperado, não o encontrará".

A apresentação compara o estilo de Ernesto com o do alemão Herman Hesse, embora não tenha nada a ver, até pela dificuldade de compreensão. Alguns trechos, entretanto, podem ser interpretados como indicações do que seria o Ernesto chanceler de 2019, a exemplo de um diálogo de Keniv e outra personagem, chamada Tsanash:

"— Keniv, estou cansado dessa guerra de mentira, precisando de uma guerra de verdade. Ajude-me a inventar uma guerra. Contra o que podemos lutar?

— Deixe-me ver. Contra o sistema.

— Que sistema?

— Nenhum sistema em especial. Contra o sistema em si mesmo."

O segundo romance, Xarab fica, aprofunda a fantasia, e a própria Alfa Omega admite, na apresentação: "Mais uma vez, Ernesto Araújo surpreende". Cria novamente uma terra fictícia, Xarab, cidade marítima com um passado de guerras e que, embora tenha chegado à paz, "permanece inquieta, insatisfeita, sentindo que lhe cabe a missão de preservar algum tipo de segredo ou de virtude que o resto do mundo ignora".

Os livros de ficção do chanceler Ernesto Araújo: fantasia que beira a incompreensão Foto: Guilherme Amado / Agência O Globo
Os livros de ficção do chanceler Ernesto Araújo: fantasia que beira a incompreensão Foto: Guilherme Amado / Agência O Globo

Ainda em Bruxelas na época, o então terceiro-secretário, primeiro degrau na carreira diplomática, tem em Xarab seu mais longo e difícil livro, em que Auápnei, Glaraps, Ahalac e outros nomes impronunciáveis travam longos diálogos, mas desta vez com menos divagações filosóficas.

Em Quatro 3, lançado quando Ernesto servia na embaixada em Berlim, as reflexões são retomadas, novamente acenando aqui e ali ao chanceler que ele seria 18 anos depois.

Alguns trechos caberiam em suas postagens no Twitter:

"O Estado entorpece o homem. [...] O Estado é uma parede de concreto que nos esconde a verdadeira realidade e o abismo do mundo. [...] O Estado deveria existir para buscar tesouros, e não para organizar a coleta de lixo."

Ou ainda:

"Só entendo o Estado e o admito como instrumento da pátria. Pode haver pátria sem Estado, mas ultimamente inventaram esse monstro que é o Estado sem pátria. O Estado inibidor de pujanças, o Estado inibidor de pátrias. O próximo passo, repulsivo e podre, é o Estado mundial. Os Estados, em vez de lutarem uns contra os outros, vão se unir contra a humanidade."

Quatro 3 se apresenta como uma experiência literária, que "desafia a realidade e as convenções", "em que a humanidade parece cansada de sua aventura milenar e anseia pela paz perpétua do não-ser". "A cada página, [percebe-se] o esforço de defender o indivíduo contra a sociedade e abrir espaço para a transcendência."

Mas os romances não foram as primeiras incursões de Ernesto na literatura.

Em 1985, quando ainda cursava Letras na UnB, lançou, pela editora Roswitha Kempf, o livro de poemas Ocidente (1985), escrito durante o ensino médio. Com uma apresentação de Carlos Nejar, traz 51 textos, assumidamente "devaneios".

Diz a orelha do livro: " [...] ouvimos as primeiras impressões, sentimos os devaneios pelos quais o poeta Ernesto Araújo se lançou e se lança, navegando solitário e solidário pelo Ocidente, sua primeira viagem como eterno marinheiro".

O mar e as naus são os temas predominantes, e, apesar do título, não há nada no livro que sugira a cruzada que ele, ministro, empreenderia contra o "globalismo", acreditando estar salvando o que para ele é a cultura ocidental.

Os livros de Ernesto ainda podem ser encontrados no site da Alfa Ômega e em sebos, com preços que não passam de R$ 25 por exemplar. Preço bem menor do que outras obras que a editora lançou anos atrás no Brasil e que a notabilizaram: os textos clássicos do marxismo.

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sexta-feira, 26 de maio de 2017

Epa! Estou sendo vigiado: por editoras e livrarias... Tudo bem? Ou tudo mal?

Sensação de que somos frágeis em face dos algoritmos implacáveis dos sistemas de busca a serviço de corporações. Como eu postei, abaixo, a resenha, que havia feito em 2006, do livro de Guilherme Fiuza, que deu origem ao filme "Real", e fui buscar, no site da Saraiva, uma imagem da capa do livro para ilustrar a minha postagem, acabo de receber estas "sugestões" da própria Editora, ou Livraria. E até me chamam pelo nome!!
Será que tenho motivos para virar, ou ficar, paranoico?
E a minha privacidade? Não vale nada?
Parece que não...
Paulo Roberto de Almeida

Olá, Paulo

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domingo, 28 de setembro de 2014

Amazon.br: contra o mercado sovietico do livro no Brasil

Editoras, como as poucas redes de livrarias existentes no Brasil (e disso não escapam nem mesmo os sebos, reais ou virtuais), adoram um mercado soviético, ou seja, sem concorrência (e, no caso de todos eles, com os preços mais altos possíveis, em detrimento de leitores, compradores obrigados - livros didáticos - e simples consumidores).
Sobre isso acrescem os petralhas malucos, que queriam ainda dar mais empregos garantidos a seus militantes de nenhuma especializaçao cruando mais um cargo pomposo na estrutura do Ogro Famélico, o de "estimulador de leitura", a ser financiado com mais um imposto sobre a cadeia do livro, precisamente, como se esse fosse barato no Brasil. Se vcs querem ideias estúpidas é só encomendar aos companheiros totalitários. 
Por isso apoio integralmente cada uma das palavras do meu amigo Orlando Tambosi, cujo post transcrevo abaixo. 
Paulo Roberto de Almeida 

Acho que todos os leitores já sabem, mas não custa repetir. A Amazon  conta com uma livraria física no Brasil, vendendo livros com grandes descontos. Em compras acima de 70 reais, a remessa é gratuita. Se for menor, você pagará apenas R$ 1,90. A Amazon está livre dos Correios Petralhas, que cobram os olhos da cara e atrasam as entregas.

Esqueça as livrarias ditas brasileiras, que alimentam o patrimonialismo. Sabem o que querem seus proprietários, que vivem à sombra do Estado? Matar a concorrência que favorece o leitor. A reação deles diante da saudável concorrência introduzida pela empresa norte-americana é, pasmem, fixar preço único para os livros. Livreiros soviéticos é o que são. E os editores, na maioria esquerdistas, reforçam a pressão para que o mercado fechado sobreviva.

Nunca mais comprarei livros dessas livrarias. Vou de Amazon. Viva o capitalismo!

P.S.: embora o prazo de entrega formal seja de sete dias, no terceiro a encomenda já está no seu endereço. Repito: livre dos Correios Petralhas.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Os meus livros, e os do Embaixador Seixas da Costa: terriveis dilemas sobre o que fazer

Mutatis mutandis, minha situação é bastante parecida com a do meu amigo bibliófilo ( não para colecionar, simplesmente para ler, um dia), Embaixador Francisco Seixas da Costa, cujo blog é um dos mais saborosos que jamais encontrei na blogosfera, acreditem.
Paulo Roberto de Almeida 
Os meus livros
Há uns anos, dei por mim a olhar para umas estantes onde tinha grande parte dos meus livros e a interrogar-me sobre o que fazer-lhes. Nunca fui um bibliófilo no sentido clássico. Não tenho raridades bibliográficas, embora possa ser proprietário de alguns livros que, não sendo caros, é difícil encontrar, mesmo nos alfarrabistas. Não tenho uma "biblioteca" no sentido clássico, organizada por secções. Fui comprando livros ao sabor dos tempos, às vezes ao ritmo de algumas modas intelectuais, outras por via de escolhas políticas, muitas mais porque a atualização profissional ou os gostos do momento me levaram a aquiri-los. Comprei livros que não li de todo, alguns completamente desnecessários, outros que só folheei, outros ainda porque achava que um dia ia ter tempo para os ler e não tive, para além dos que eram tão baratos tão baratos, numa feira do livro ou num saldo, que achei pena não ficar com eles. Com escassas exceções, sei onde e por que razão comprei cada livro. Gosto muito de oferecer livros, mas nunca dei um único livro dos meus. A minha biblioteca é hoje, assim, uma mescla imensa, onde se pode encontrar um pouco de tudo, desde ficção avulsa a muitas biografias e memórias, bastante história contemporânea, uma imensidão de dicionários, enciclopédias e obras de referência, muita coisa sobre a Europa e relações internacionais, montanhas de "current issues" e o que restou de tempos "esquerdalhos" - Marx & companhia. Mas há também publicações periódicas encadernadas, folhetos vários, literatura clandestina, etc. O único setor com alguma coerência e bastante completo são centenas de volumes relativos às lutas contra o Estado Novo e à política portuguesa contemporânea (onde me deve faltar muito pouco do essencial).

Quando saí para o meu primeiro posto diplomático, no final dos anos 70, levei comigo quase todos os meus livros de então, umas largas centenas. (Curiosamente, eram, de forma esmagadora, em língua portuguesa e francesa; o inglês viria mais tarde). A partir daí, fui circulando pelo mundo levando só com alguns desses livros, mandando os restantes para Portugal, espalhados entre a casa em Lisboa e a dos meus pais, em Vila Real. E comprando outros, claro. Passei, a partir de então e para sempre, a ter livros espalhados por vários locais. Às vezes, chegou a acontecer-me comprar o mesmo livro duas vezes. Depois dos últimos doze anos passados ininterruptamente no estrangeiro, a situação tornou-se fisicamente insustentável. Assim, no início deste ano, cheguei a Portugal com mais alguns milhares de livros "às costas". Nas estantes que tinha por cá já não cabia mais nenhum! Havia deixado em Paris quase quatro centenas, mas alguns milhares que me acompanhavam (e que cresceram dia a dia, em Paris) tiveram de ir diretamente para Vila Real. Para estantes? Não, em muitas dezenas de caixotes que jazem na maior divisão de uma casa vazia. Se somar os que tenho por Lisboa, juntos com algumas centenas que o meu pai me deixou, estaremos a falar de cerca de dez mil livros.

Que fazer? Decidi começar a doar esse espólio bibliográfico à moderna Biblioteca Municipal de Vila Real. Não foi uma decisão fácil de tomar. Tive a sorte de encontrar na pessoa do diretor da biblioteca, Vitor Nogueira, uma figura pouco comum na cultura de Vila Real, o interlocutor que me sossegou. Com ele combinei o "modus faciendi" desta operação progressiva. A biblioteca apõe em cada livro o carimbo que a imagem mostra, é feita uma recensão de cada volume, que segue depois para a secção respetiva. Por via informática, posso ir seguindo (tal como qualquer outro utente) o curso deste trabalho de integração dos livros na Biblioteca, inseridos num "fundo" próprio. E vou ficando com a certeza de que há quem trata os meus livros com o cuidado que (eu acho que) eles merecem. Tenho vindo a enviar para a Biblioteca tudo aquilo que entendo já não me fazer falta, o que naturalmente significa que as coisas que considero mais interessantes vão manter-se, por ora, em minha posse. Estão já por lá cerca de oito centenas de livros. Outros se seguirão no início de janeiro. Esta é uma "operação" necessariamente lenta, porque acarreta o desligar psicológico de objetos com que fomos habituados a viver. E isso, como se sabe, está longe de ser uma coisa fácil. Só ficaria preocupado, e as pessoas próximas de mim o deveriam ficar também, se um dia eu decidisse, de repente, dar todos os meus livros. Isso significaria que havia desistido de uma parte da vida. Porque os livros foram e são uma das partes mais importantes dessa vida.

Bom, e agora só espero que ninguém me ofereça livros logo à noite... 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Meus votos de Feliz Natal, com livros, obviamente

A todos os leitores, seguidores, passantes, navegadores ao acaso, fieis correspondentes, amigos (são muitos, e não ouso relacionar nominalmente, para não esquecer ninguém) e inimigos (sim, também os tenho e de vez em quando eles se manifestam anonimamente por aqui), enfim todos aqueles que por aqui passam, regular ou ocasionalmente, e mesmo muito por acaso, e nunca mais voltam, meus votos de um Feliz Natal, ótimas festas (não comam muito, mas a bebida está liberada) e excelentes planos para um 2014 feliz, produtivo, com muitos livros, claro...
Paulo Roberto de Almeida 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O homem de um livro so - Francisco Seixas da Costa

Do blog "2 ou 3 Coisas...", do meu amigo embaixador português em Paris, antes em Brasília, Francisco Seixas da Costa, mas enviado pelo meu amigo André Eiras.
Paulo Roberto de Almeida  
O livro

Francisco Seixas da Costa

2 ou 3 Coisas, 12/10/12

Não recordo o seu nome e, mesmo se dele me lembrasse, não o diria aqui. Era um homem muito simples, na casa dos 50 anos, que me contava belas histórias da sua infância em João Pessoa, na Paraíba, terra de que sentia saudades que a melhor vida que tinha em São Paulo não conseguia atenuar. Era o meu motorista habitual quando tinha de me deslocar a São Paulo, ido de Brasília, o que ocorria com alguma frequência, nesses quatro anos em que vivi no Brasil.
Entre o aeroporto e os compromissos, ou nos intervalos entre eles, eu tinha por invariável hábito passar pela fabulosa Livraria Cultura, na avenida Paulista, de longe o mais completo e bem arrumado lugar de venda de livros em língua portuguesa, em todo o mundo. Por necessidade, por tentação ou por simples vício, nunca de lá saía sem um saco, mais ou menos recheado, de edições brasileiras.
Numa das muitas vezes em que eu acomodava no carro as novas aquisições, esse meu motorista inquiriu:

- O senhor consegue ler todos esses livros que compra?

Expliquei-lhe que não, longe disso!, mas que eu fazia parte de um grupo de pessoas, bastante vulgar, que compra sempre muitos mais livros do que aqueles que alguma vez conseguiria ler, mas que, nem pelo facto de disso ter plena consciência, era capaz de deixar de o fazer. Era uma espécie de "doença", algo dispendiosa mas incurável. Sem surpresa, fiquei com a impressão de não foi sensível a esta minha irónica explicação.

Segundos volvidos, disse-me: 

- Eu também já li um livro.

Aceitei com discreta delicadeza a sua singular revelação e inquiri que livro era.

- Era um livro sobre religião, escrito por um americano, um livro muito bom. Gostava de lê-lo outra vez. Mas emprestei-o a um conhecido que foi para João Pessoa e nunca mais consegui voltar a lê-lo. Já falei com gente de lá, para lho pedirem, mas não mo devolve. Para o ano, quando fôr à Paraíba, vou ter com ele e vai ter de mo devolver. A bem ou a mal.

- Mas há tantos livros! Porque é que não lê outro livro? Por exemplo, a pessoa que escreveu o livro que leu até pode ter escrito outros, tão bons ou melhores do que esse. Sabe o nome da pessoa que escreveu o livro?

- Não sei, não me lembro, mas também não me interessa. Eu só quero voltar a ler esse livro. Não quero ler outros livros.

E calou-se, numa tristeza evidente.

Nunca cheguei a saber como se chamava o livro que o meu simpático motorista tinha lido, nem quem era o americano que o tinha escrito. E para sempre senti imensa pena daquele homem, não pelo facto de não querer ler mais livros, mas porque percebo muito bem a angústia de alguém perder aquela que era toda a sua biblioteca.

 duas ou três coisas de Francisco Seixas da Costa




segunda-feira, 9 de abril de 2012

Os livros perdidos - Paulo Timm

Uma linda crônica de meu amigo Paulo Timm, sobre os livros perdidos na história da humanidade. Permito-me agregar que uma fonte interessante -- não de livros totalmente perdidos ou irrecuperáveis -- de livros recuperáveis, resgatáveis, seriam os manuscritos de escritores dissidentes arrestados por ditaduras, a começar pela soviética, mas estendendo-se também à chinesa, à cubana, norte-coreana e outras menos lembradas, como aliás a própria Stasi, da DDR, cujos arquivos foram, ao que parece, quase integralmente preservados.
Um historiador desses com acesso a determinados arquivos poderia fazer um livro sobre os livros nunca publicados em função de situações orwellianas.
Fica a sugestão.
Paulo Roberto de Almeida 


Os livros perdidos

Paulo Timm

A perda não é uma anomalia, um desvio ou uma exceção. É uma norma. É uma regra. É inescapável.
(Stuart Kelly)

Diz a letra de um velho samba que “Quem acha vive se perdendo…” (Feitio de Oração, Noel Rosa, numa evocação de profunda filosofia tupiniquim que, no Brasil, só a música popular parece alcançar. Há anos, procuro, sem êxito, uma crônica de Lara Rezende ou Paulo Mendes Campos, não lembro bem – (perdi…!), tratando exatamente desta relação – Música Popular / Filosofia-, que li, há décadas, e que guardei apenas como vaga lembrança. Pensei reencontrá-la no clássico de Roberto Gomes, intitulado “A Filosofia Tupiniquim”, mas ele foi pelo outro lado da cultura popular: o humor. Outro autor contemporâneo, Hugo Allan Matos, porém, acredita nisso. E o próprio Noel Rosa acabou escrevendo uma de suas músicas com teste título – “Filosofia”, – abrindo caminho para esta tese. Com efeito, a vida é um imenso labirinto cuja graça consiste, precisamente, em transitar , sem que saiba ao certo, sequer, se há saídas…
Mas se é verdade que os que acham acabam se perdendo, o quê dizer do que já está perdido…?? O que lhes acontece…? Haverá saídas para as perdas? Aparentemente, não. A perda é sempre algo irreversível, principalmente quando se perde o tempo, as idéias, ou o próprio juízo sobre elas. Mas a perda é sempre inevitável e, curiosamente humana. O homem vive e sobrevive através das perdas. Perde o útero materno, perde o seio da mãe, perde a própria memória que vai se transformando numa névoa do passado. Afinal, perde a juventude, perde a saúde, vai-se a própria vida. Perde-se o homem de si mesmo e gasta grande parte de sua vida tentando se reencontrar…A perda, enfim, é um tema tão comovente que já foi objeto de um interessante livro – “Perdas Necessárias”, de autoria deJudith Viorst, da Editora Melhoramentos. Ele pode ter influenciado o título de uma canção bem popular do Pe. Fábio de Melo: “Perdas Necessárias”.
Inúmeras fábulas já trataram, também, do dilema da perda. Mas não vou falar aqui, nem da perda como processo, nem de fábulas. Quero falar sobre fatos: A perda de livros, ao longo da História Humana, mais das vezes devorados pelas chamas do ódio e da intolerância, senão mera, crassa ignorância e até a inteligência em suas manifestações de vanguarda tecnológica. Um autor, por exemplo, Robert Darnton – “A questão dos livros”, Cia das Letras -, fez, recentemente, uma denúncia contra a destruição de coleções de jornais promovidos por bibliotecas dos Estados Unidos, em nome da preservação.

"Darnton reafirma a durabilidade dos códices, falando criticamente do livro de Baker e de como ele apresentou essa caça ao papel nas bibliotecas. Ocorrida com mais freqüência nos anos 80, bibliotecários americanos começaram a implantar a preservação de periódicos antigos em microfilmagem, danificando e, literalmente, jogando no lixo jornais e revistas antigas que são o material básico para um estudo histórico – mas não o mais importante, ressalta o autor.

Diante disso, fico me imaginando quantos livros, teses acadêmicas, bibliotecas inteiras não se perderão diante da febre digitalizadora que nos assola? Ontem, foram as micro-filmadoras as algozes destruidoras de toneladas de jornais; hoje, os scanners e e-books, apesar de que Darnton os tenha defendido arduamente em seu Projeto Gutenberg-e, desenvolvido entre 2000 e 2006.
“O projeto consistia na publicação de monografias no formato e-book como forma de facilitar a entrada de jovens pesquisadores de História na carreira acadêmica. Darnton faz todo um histórico sobre a crise da publicação de monografias, fruto de uma reação em cadeia que começou com o aumento do preço de periódicos que obrigou as bibliotecas a fazerem cortes em suas verbas. (…) Um outro objetivo do Gutenberg-e, segundo Darnton, era afirmar a seriedade dos e-books, tratá-los com o mesmo respeito de um livro publicado fisicamente.”

Poucos sabem, entretanto, que este meio eletrônico é extremamente frágil e suscetível de apagões sob certas descargas eletromagnética . Grandes acervos de imagens, por exemplo, têm sido melhor conservados em fitas de vídeo e não em CDs, como, por exemplo, o da Rede Globo. Uma tempestade solar mais forte, um raio inconveniente, uma cápsula perdida de Césio 137, tal como ocorreu em Goiânia, anos atrás, e puffff…Lá se vão nossos belos arquivos digitais…Acho, aliás, que foi Einstein quem disse certa vez:
“Não sei como será a III Grande Guerra, mas estou seguro de que a IV será com pedras…”
A verdade é que não há garantias contra as perdas…Pois assim foi com a própria Bíblia, a qual teria, ao longo dos séculos e milênios, perdido grande parte de suas narrativas e profecias. Segundo consta, há centenas de seus livros que se perderam e que dificilmente serão reencontrados. Alguns foram consumidos pelo tempo, outros foram suprimidos por conterem, à luz das autoridades da Igreja, em cada tempo, revelações que não se coadunavam com seus ensinamentos. Eis, segundo um estudioso – um roteiro dessas perdas, para os interessados:
Mas não foram só os livros sagrados, apenas, que desapareceram. Uma inusitada crônica de Sérgio Faraco – Livros Perdidos in Gregos e Gringos, Ed.Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998 – , notável contista gaúcho, nos dá conta de outras perdas irreparáveis. Dou-lhe a palavra, por sábia e insubstituível:
“Livros Perdidos (…)
A história da humanidade está repleta de notícias de aniquilações do conhecimento compendiado,, e os soldados, sobretudo os romanos, tiveram um papel de proa nessa cruzada bárbara. Na tomada de Cartago, incendiaram a cidade e se acharam no dever de fazer o mesmo , com sua biblioteca, que ardeu 17 dias para que se consumissem seus 500.000 volumes. Os mesmos romanos, na campanha de Julio Cesar no Egito, puseram fogo a Biblioteca de Alexandria, varrendo da história 700.000 textos e as velhas paredes que tinham visto Euclides escrever seus Elementos de Geometria, Erastótenes calcular a circunferência da Terra e o médico Herófilo produzir uma obra pioneira no campo de anatomia.
Bastam essas perdas para que exista em nossa trajetória cultural uma intermitência que mil anos não hão de recompor. E no entanto são apenas dois entre muitos outros casos de destruição selvagem, como o da coleção de Pisístrato em Atenas (da qual se salvaram as rapsódias de Homero), dos papiros do Templo de Ptah em Mênfis, dos milhares de pergaminhos do Colégio de Druídas em Bribactis (hoje Autun, França) , dos 300.000 livros queimados por Léo Isauro em Constantinopla e dos códices maias no México por Diego de Landa.
E não se diga que os tempos eram outros e eram ásperos. O homem que destrói livros pertence, geralmente, à mesma ordem de cultura daquele que os constrói.
Nada do que se perdeu será recobrado e para maior desgraça nossa, dos nossos filhos, dos homens do milênio vindouro, houve momentos em que, como no romance de Umberto Eco (O nome da Rosa) , como na luta de Guilherme e Jorge, por um triz deixamos de recuperar valiosas obras que já eram dadas por perdidas.
Conta o inglês Andrew Thomas – e isto não é ficção – que certa vez houve um grande indêndio no harém de um sultão do Império Otomano. Um jovem secretário da Missão Francesa viu saqueadores invadirem o palácio para roubar objetos de valor , e uma dramática coincidência o levou a esbarrar num homem que fugia sobraçando um monumental cartapácio. Era a História de Roma, de Tito Livio , até então desaparecida. O funcionário interceptou o ladrão e ofereceu-lhe considerável soma em troca da preciosidade. O turco aceitou, mas o francês – que fatalidade! – só dispunha de escassas moedas na algibeira. Aflito sugeriu que o pagamento fosse feito em sua residência e ainda discutiam quando vieram abaixo as traves do palácio em chamas. A multidão recuou em pânico e separou os dois homens, que não mais puderam reencontrar-se.
O volume abarcava sete séculos e meio da história romana, e de seus 142 livros chegaram até nós, por outros caminhos, apenas 35.”
Outro autor, cuja própria vida também parece envolta em perdas, Stuart Kelly Kelly dedicou-se, ao tema dos livros perdidos e escreveu um verdadeiro clássico: “O Livro dos livros perdidos” – Ed. Record. Nele descobrimos coisas incríveis: Como se perderam as obras completas de Ésquilo, na destruição da Biblioteca de Alexandria. Isso porque havia um único exemplar do livro, vendido por atenienses a Ptolomeu do Egito, como condição do estranho negócio. Ou sobre o descuidado amigo que extraviou um caderno de anotações de Rimbaud. Ou ainda o mistério envolvendo “Cardenio” , de Shakespeare. Um livro, enfim, divertido, escrito com bom humor, capaz de suscitar a curiosidade sobre o tempo, a literatura, as perdas irreversíveis, e as pessoas que estiveram por trás de tudo isto.
O livro mereceu várias e interessantes resenhas e comentários no Brasil. Eis uma delas:
“Em O livro dos livros perdidos, Stuart Kelly revela trabalhos desaparecidos de autores famosos e conta fascinantes histórias reais por trás de livros que não foram publicados por terem sido destruídos, extraviados, interrompidos pela morte do autor ou simplesmente nunca começados. O que realmente aconteceu com o segundo romance de Sylvia Plath? E qual seria o monstruoso segredo contido nas memórias de Lord Byron que levou seu editor a queimar o manuscrito? Essas são algumas das perguntas respondidas por Kelly nesta pesquisa fascinante.”
Fica aqui, pois, meu registro em homenagem a estas páginas perdidas de letras imemoriais e seus descobridores. Poetas, escritores, cronistas são bibliófilos incansáveis. Amam livros. Têm com eles uma relação muito especial, afetiva mesmo. Encontram um prazer indizível em contemplar suas prateleiras repletas de exemplares com formas, capas e cores tão diferentes. Exaltam-se ao escolher dentre elas um título cativante, dentro do qual assinalaram uma passagem cativante, que voltam a ler de tempos em tempos com o mesmo sentimento da primeira vez. Sublimam-se citações, versos, parágrafos de beleza ímpar de Shakespeare (“O resto é silêncio”) de Tolstoi (“Cada família infeliz tem seu jeito próprio de ser infeliz”), de Guimarães Rosa (“Viver é muito perigoso”), de Paulo Leminski (“Por um lindésimo de segundo”). Eternas fontes de inspiração vital . Porventura reencontrados por escavadores de livros perdidos como capítulos re-velados da geologia humana.

Paulo Timm é economista formado pela UFRGS. Pós Graduado na ESCOLATINA, da Universidade do Chile e CEPAL/BNDES. Foi professor da Universidade de Brasilia- UnB – e Técnico do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento, em Brasília, onde residiu por 35 anos e onde fez sua vida profissional e pública.

sábado, 13 de agosto de 2011

Hooligans não gostam de ler... (claro, do contrario não seriam vandalos)

Ufa! Livros foram salvos. Ou melhor, não foram destruídos ou roubados, durante o mais recente festival de vandalismo em Londres (outros virão).
Parece que os baderneiros não gostam de ler.
Ainda bem: sobra mais para nós...
Paulo Roberto de Almeida

DISTÚRBIOS EM LONDRES
Quando os livros eram queimados
Opinião e Notícia, 13/08/2011

Apesar dos motins, livros tenderam a ficar seguros em suas estantes, com seu sutil poder alegremente negligenciado. Da ‘The Economist’*

Livros e motins compartilham uma história atribulada. Pense na Fogueira das Vaidades em 1497, quando Girolamo Savonarola e sua turma de seguidores religiosos rigorosamente coletaram e atearam fogo em pilhas de literatura “pagã”. Séculos depois, tochas de estudantes alemães de direita queimaram livros em protesto contra o que eles consideravam como a mácula rastejante do intelectualismo judeu sobre a cultura nacional.

Em 2011, em Londres, contudo, os bibliófilos podem respirar aliviados: apesar dos motins, os livros tenderam a ficar seguros em suas estantes, com seu sutil poder alegremente negligenciado. Em termos de alvos de saques, os livros estão perdendo espaço para calças jeans caras e engenhocas da Apple. Um funcionário bem-humorado da livraria Waterstones, em Manchester, falou que sua loja permaneceria aberta apesar do tumulto.

“Se eles roubarem alguns livros talvez aprendam alguma coisa”, disse. Mas ele parece estar fadado a se decepcionar: até agora apenas uma WH Smith foi saqueada, e nenhuma Waterstones. Como Patrick French tuitou, “A única loja que não foi saqueada na minha rua foi a Waterstones”.

A única infeliz exceção à anistia dos livros prevalecente é a Gay’s The Word, em Bloosbury, a primeira livraria exclusivamente gay e lésbica de Londres. Na manhã do dia 8 de agosto, os funcionários encontraram a vitrine da livraria estraçalhada por uma pedra e os livros à mostra cobertos por ovos. Nenhuma outra loja daquela rua fora depredada e nenhum livro subtraído. O subgerente, Uli Lenart, disse aos repórteres: “Estamos aliviados que um fósforo não tenha vindo depois da pedra”.

Simon Key, sócio da Big Green Bookshop em Wood Green London, foi rápido em se manifestar a respeito da violência e saques locais no blog da livraria, considerando-os “míopes, ignorantes e mesquinhos”. A sua livraria não sofreu danos, mas carros queimados e cacos de vidro espalhavam-se pela rua. A atmosfera de ameaça e incerteza claramente irritava-o: “é muito difícil continuar normalmente e, por precaução, nós cancelamos o nosso grupo de discussão de livros”. Ele estava decidido, porém, a “não deixar essa noite terrível de violência arruinar as coisas”. Arruaceiros, guardem essas palavras.

Autores de livros sobre motins em Londres como “Violent London: 2000 years of Riots, Rebels & Revolts” de Clive Bloom, devem estar ansiosos para o aumento de vendas (com pesar no coração, é claro). E muito tinta inevitavelmente será gasta sobre as raízes e causas destas últimas erupções. Eu já posso ver as capas, com jovens encapuzados e títulos com letras grandes e vermelhas. Mas a mensagem subjacente para livrarias dificilmente seria material de manchete: saqueadores, como consumidores mais convencionais, ignorarão os seus artigos sem pesar.

* Texto traduzido e adaptado pelo Opinião e Notícia

terça-feira, 12 de julho de 2011

Retomando leituras antigas, ainda validas...

Dez obras fundamentais para um diplomata
Por Paulo Roberto de Almeida

Fui consultado, no final de setembro de 2006, por um candidato à carreira diplomática, sobre as dez obras que eu julgava fundamentais para um diplomata. Interpreto esse tipo de consulta como uma demanda típica de quem pretende ler, ou pelo menos conhecer, as dez obras mais importantes que poderiam integrar a cultura geral de todo diplomata ou que permitiriam a um “paisano” preparar-se para a carreira.

Não tenho certeza de conseguir satisfazer tal curiosidade, uma vez que toda lista restritiva é sempre um pouco subjetiva, denotando mais as preferências pessoais do seu autor do que, necessariamente, as obras “funcionalmente” mais importantes ou aquelas “culturalmente” relevantes, que deveriam integrar a bagagem cultural de todo ser humano medianamente bem informado ou razoavelmente bem formado. Como, entretanto, não se trata de “cultura de salão”, vou tentar traçar uma lista indicativa dos livros que considero importantes para uma boa cultura clássica ou para uma formação adequada no quadro da cultura brasileira.

Como, adicionalmente, se trata de selecionar obras “operacionalmente” relevantes do ponto de vista do diplomata, permito-me indicar aqui aquelas que apresentam uma inclinação especial para os temas de relações internacionais do Brasil. Esta lista, segundo minhas preferências pessoais, seria composta das seguintes obras:

1) Heródoto: História (440 a.C.)
Trata-se, obviamente, do nascimento da história, tal como vista por um grego refinado que interpreta os acontecimentos contemporâneos – as chamadas guerras pérsicas – do ponto de vista de uma pequena comunidade de homens livres que consegue derrotar as tropas de um poderoso império, aliás o mais poderoso então existente; Heródoto faz descrições dos povos habitantes do Mediterrâneo. Existem muitas traduções desta obra clássica, inclusive em português, mas uma boa tradução em inglês pode ser vista neste link: http://classics.mit.edu/Herodotus/history.html; para uma introdução rápida ao conjunto da obra e um útil sumário dos nove livros, consultar este outro link: http://mcgoodwin.net/pages/otherbooks/herodotus.html.

2) Maquiavel: O Príncipe (1513; divulgado pela primeira vez em 1532)
A mais famosa obra de “política prática” conhecida na tradição ocidental – existe um Maquiavel indiano, chamado Kautilya, que escreveu um guia de “administração” do Estado, conhecido como Arthashastra – e que tem servido de referência a incontáveis oportunistas da dominação política, interessados em justificar suas ações nem sempre fundamentadas na moralidade ou na ética. Existem inúmeras traduções em português, com prefácios de cientistas políticos ou de filósofos – uma das mais famosos é o de Isaiah Berlin – assim como arquivos eletrônicos livremente disponíveis, em diversas línguas. O mais famoso estudioso da vida e da obra de Maquiavel é o italiano Pasquale Villari, em seus três volumes de Niccolò Machiavelli e i suoi tempi (consultei a 3ª edição, “riveduta e corretta dall’autore”: Milano: Ulrico Hoepli, 1912; a primeira edição foi publicada em Florença, em 1877). Ver um arquivo eletrônico da obra, entre muitos outros, no original italiano (mas modernizado, obviamente) no seguinte link: http://metalibri.incubadora.fapesp.br/portal/authors/
m/machiavelli-niccolo-di-bernardo-dei/il-principe/.

3) Tocqueville: A Democracia na América (1835)
Uma “enquête” sobre o sistema carcerário americano, feito a pedido do governo francês, redundou no mais famoso livro sobre a formação política da maior nação do hemisfério ocidental. Depois de entregar seu relatório sobre o sistema prisional dos EUA, Tocqueville aprofundou a análise do sistema representativo republicano, até então inédito no plano mundial, bem como se estendeu sobre outros aspectos – políticos, sociais e econômicos – da ex-colônia inglesa, na qual ele viu a semente do gigante americano. Um site da universidade do Québec, no Canadá, é o mais acessível para a versão completa, em francês, desta obra legitimamente clássica: http://classiques.uqac.ca/classiques/De_tocqueville_alexis/
democratie_1/democratie_tome1.html.

4) Pierre Renouvin (org.): Histoire des relations internationales (1953-58)
O grande historiador francês dirigiu a edição original, em oito volumes, com quatro autores. Apesar de démodée, em vários aspectos, historicamente datada, ainda é uma obra de referência, sobretudo por conter uma história abrangente, inserida no contexto da civilização ocidental. Existe um nova edição, em três volumes encadernados, publicados em 1993 pela mesma editora da primeira edição: a Hachette, de Paris. Fiz uma resenha desta obra, destacando as (poucas) partes que se referem ao Brasil, neste trabalho: “Contribuições à História Diplomática: Pierre Renouvin, ou a aspiração do total”, Paris, 8 agosto 1994, 15 p. Resenha crítica de Pierre Renouvin (ed): Histoire des Relations Internationales (Paris: Hachette, 1994, 3 vols: I: Du Moyen Âge à 1789 (876 pp.); II: De 1789 à 1871 (706 pp.); III: De 1871 à 1945 (998 pp.); publicada na seção Livros da revista Política Externa (São Paulo: vol 3, nº 3, dezembro-janeiro-fevereiro 1994/1995, pp. 183-194); disponível em, sua versão integral, no site Parlata: http://www.parlata.com.br/parlata_indica_interna.asp?seq=21.

5) Henry Kissinger: Diplomacy (1994; várias edições posteriores)
Três séculos de história diplomática, desde Westfália até o final do século XX, por um dos mais conhecidos adeptos da teoria realista (mas com enorme conhecimento da história). Sua tese de doutoramento, sobre o Congresso de Viena, ainda hoje é uma referência em história diplomática. O autor é, evidentemente, kissingeriano, e não se cansa de dar seus conselhos sobre como os EUA devem tratar com os demais gigantes da política mundial, sendo meramente condescendente com “lesser actors”. Ainda assim, uma grande e indispensável leitura a todos aqueles que desejam conhecer o “inner functionning” da política externa da grandes potências. O autor se estende nos movimentos da própria diplomacia americana, dividida entre o idealismo wilsoniano e o pragmatismo realista que ele mesmo sempre buscou imprimir à condução dos assuntos externos quando foi conselheiro de segurança nacional do presidente Nixon e depois Secretário de Estado de Nixon e de Gerald Ford. Tem quem deteste Kissinger, por sua ação “imperial”, mas nem por isto este livro deixa de ser indispensável.

6) Manuel de Oliveira Lima: Formação histórica da nacionalidade brasileira (1912; nova edição: Rio de Janeiro: Topbooks, 1997)
Oriundo de conferências que o historiador-diplomata realizou na Sorbonne, em 1911, quando era ministro em Bruxelas, a obra foi concebida em francês, depois traduzida e publicada no Brasil. Trata-se de um vasto panorama da formação histórica, inclusive comparativa, do Brasil, por um dos nossos maiores historiadores sociológicos. Não conheço análises de uma das obras menos referidas de Oliveira Lima, a não ser os prefácios de José Veríssimo e de Gilberto Freyre para a edição brasileira de 1944. A nova edição deste clássico sobre a formação do Brasil foi enriquecida, na edição da Topbooks, pelo acréscimo de conferência do autor sobre o Brasil e os estrangeiros.

7) Pandiá Calógeras: A política exterior do Império (três volumes, 1927-1933; reedição fac-similar, 1989; Brasília: Câmara dos Deputados)
Alguns dizem que esta obra é excessiva e, de fato, para tratar da diplomacia brasileira da época imperial, ela recua um pouco demais: começa na formação da nacionalidade portuguesa e se estende até a queda de Rosas (1852), apenas. Efetuei uma análise dessa obra no seguinte trabalho: “Contribuições à História Diplomática do Brasil: Pandiá Calógeras, ou o Clausewitz da política externa”, Brasília: 21 março 1993, 13 pp., revisto em 22 maio 1993. Artigo-resenha dos livros de João Pandiá Calógeras, A Política Exterior do Império (volume I: As Origens; volume II: O Primeiro Reinado; volume III: Da Regência à Queda de Rosas; edição fac-similar: Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, Câmara dos Deputados, Companhia Editora Nacional, coleção “Brasiliana, 1989, xl + 490, 568 e 620 pp). Publicado na revista Estudos Ibero-Americanos (Porto Alegre, PUCRS, v. XVIII, n. 2, dezembro 1992, pp. 93-103). Relação de Publicados n° 117. Disponível neste link do site Parlata: http://www.parlata.com.br/parlata_indica_interna.asp?seq=22.

8) Carlos Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil (1959; reedição fac-similar, 1998; Brasília: Senado Federal)
Apesar de antiquada em sua metodologia e historicamente defasada, tendo deixado de servir de livro-texto depois da publicação da obra conjunta de Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno – História da Política Exterior do Brasil (3ª ed.; Brasília: UnB, 2006) – essa obra permanece ainda uma referência parcialmente válida para o estudo dos períodos colonial, imperial e republicano, até o final dos anos 1950. Efetuei uma análise neste trabalho (que serviu, ao mesmo tempo, de introdução à sua reedição facsimilar): “Em busca da simplicidade e da clareza perdidas: Delgado de Carvalho e a historiografia diplomática brasileira”, Brasília, 12 dezembro 1997, 25 pp.; revisão em 05.01.98. Texto introdutório à reedição de Carlos Delgado de Carvalho (1884-1980), História Diplomática do Brasil (1ª ed.: São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959; edição facsimilar: Brasília: Senado Federal, 1998; Coleção Memória brasileira n. 13, lxx, 420 p.), pp. xv-l, incorporando ainda apresentação do Emb. Rubens Ricupero (pp. iii-xiv), elaborada originalmente em 1989, em Genebra). Elaborei uma versão revista dessa introdução, com prefácio, para uma segunda edição, em 2004, mas ela foi publicada sem minhas correções e acréscimos; para a edição de 1998, ver: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/
24DelgadoHistoDiplom.html; meu texto: http://www.pralmeida.org/01Livros/
1NewBoooks/PrepNewEdDelg2004.pdf.

9) Marcelo de Paiva Abreu (org.). A Ordem do Progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989 (Rio de Janeiro: Campus, 1989; várias reedições)
Uma coletânea indispensável de estudos especializados, por onze diferentes autores, para conhecer a trajetória econômica e política do século republicano. O organizador assina o capítulo relativo à modernização autoritária, entre 1930 e 1945. O volume se abre por um estudo de Gustavo Franco sobre a primeira década republicana, seguido de Winston Fritsh, que se ocupa do apogeu e crise da primeira República, de 1900 a 1930. Sérgio Besserman Vianna assina dois excelentes ensaios sobre o imediato pós-guerra, de 1945 a 1954. Marcelo de Paiva Abreu volta para tratar dos conturbados anos 1961-1964, sobre a inflação, estagnação e ruptura. A estabilização e a reforma, entre 1964 e 1867, são tratadas por André Lara Rezende e as distorções do “milagre” econômico , de 1967 a 1973, por Luiz Aranha Corrêa do Lago. Dionísio Dias Carneiro vem na seqüência (1974-1980) e divide com Eduardo Modiano um capítulo sobre a primeira metade dos anos 1980. Esse último autor encerra a obra com a “ópera dos três cruzados”, uma análise das tentativas de estabilização no final da década. Um anexo estatístico cobre o longo século republicano, contendo os principais indicadores da atividade econômica e das relações externas. Este livro pode ser completado pela leitura desta outra coletânea: Fabio Giambiagi, André Villela, Lavínia Barros de Castro e Jennifer Hermann (orgs.), Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004) (Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, 432 p.), do qual efetuei uma resenha, neste link de Parlata: http://www.parlata.com.br/
parlata_indica_interna.asp?seq=39.

10) Paulo Roberto de Almeida: Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (publicado em primeira edição em 2001; reedição em 2005 pela Senac-SP; ver em www.pralmeida.org).
Com a permissão dos leitores para esta demonstração de auto-indulgência, termino esta lista, narcisisticamente, por um dos meus livros. Eu poderia indicar outros livros de história diplomática do Brasil, mas disponho, aparentemente, de crédito suficiente – em matéria de pesquisa e de estudos acumulados na área da história e das relações econômicas internacionais do Brasil – para destacar minha própria investigação histórica sobre os fundamentos da nossa moderna diplomacia econômica, com a promessa de que vou continuar esse trabalho de pesquisa em dois volumes subseqüentes cobrindo o longo século republicano. Uma apresentação geral da obra foi feita neste artigo: “A formação da diplomacia econômica do Brasil”, Lua Nova, revista de cultura e política, São Paulo: CEDEC, n. 46, 1999, p. 169-195; link: www.pralmeida.org/04Temas/11academia/
05materiais/673FDERevLuaNova2.pdf.

Voilà: creio que os candidatos à carreira diplomática já dispõem de leituras para os próximos meses...

Brasília, 29 de setembro de 2006.
Revisão: 14 de outubro 2006.

711. “Dez obras fundamentais para um diplomata”, Via Política (15 out. 2006; http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=13). Relação de Trabalhos n. 1671.

terça-feira, 8 de março de 2011

Reflexões ao Léu, 5: Livros e leituras... - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao Léu, 5: Livros e leituras...
Paulo Roberto de Almeida

Quantos livros já fui, estou sendo, serei capaz de ler nesta minha curta vida de leitor desorganizado? Devo confessar que comecei tarde, apenas aos sete anos, e perdi algum tempo de minhas ecléticas leituras da atualidade concentrado demais no marxismo-leninismo. Que fazer? Já fui guevarista, marxista-leninista, social-democrata radical, antes de virar este anarquista literário que me parece bem...
Mas, voltemos: quantos livros eu poderei computar em minha contabilidade de leituras responsáveis? Sinceramente não sei, e sempre me indago sobre se é possível um balanço desse tipo, tantos são os livros que lemos de relance, que começamos e deixamos, que largamos no meio do caminho por desinteresse, que perdemos, que nos roubam (ah, esses amigos infiéis!), que tropeçamos neles numa biblioteca ou livraria...

Segundo cálculos que nos oferece meu amigo o embaixador Francisco Seixas da Costa, atualmente em Paris depois de ter passado por Brasília, a conta é limitada: talvez pouco mais de seis mil livros. Sacrebleu! Só isso?
Escreve ele num dos posts de seu saborosíssimo blog Duas ou três coisas...:

“... se alguém, entre os 15 e os 75 anos (as idades são flexíveis, mas trata-se de uma média de 60 anos de leitura), tiver lido, com regularidade, dois livros por semana, sabem quantos livros leria no final? 6.240 livros!”
Um outro especialista consultado por ele, calculava que “o número máximo real não pode mesmo passar dos cinco mil livros lidos, em toda uma vida. E, para isso, teria de ser um excelente e regular leitor.”
(“Os Livros e as Vidas”, 4/03/2011)

Extremamente preocupantes esses cálculos, pois isto significa que eu estarei deixando de fora pelo menos outros cinco ou seis mil livros, que estão esperando seja em minha biblioteca particular, seja naquelas que frequento mais assiduamente, ou nas livrarias e casas de amigos (sim, de vez em quando aproveito uma visita para remexer em bibliotecas alheias).
Que tragédia! Quantos livros eu deixarei de ler, quanta coisa perdida para sempre?! (Nessas horas eu tendo a me aproximar da teoria da reencarnação, desde que algum ente supremo da mesma “seita” me garantisse que eu voltaria como bibliotecário, do contrário estaria sumariamente demitido.)
Calculo, por cima, que para terminar os livros da minha biblioteca e os que passeiam por aí, interessantes, eu necessitarei ainda de uns 15 ou 20 anos, isso se ler dois ou três por semana, como recomendaria o embaixador e seu amigo leitor.

Bem, talvez não fosse exagerado, mas isso me lembra uma historieta com Winston Churchill, quando lhe perguntaram sobre as razões de seu sucesso.
“Conservação de energia”, disse ele. “Nunca fique de pé, quando puder ficar sentado. E nunca fique sentado quando puder ficar deitado”.

Acho que Churchill tinha razão: vou logo deitar na rede e retomar os quatro ou cinco livros que tenho espalhados pela casa...

Brasília, 8 de Março de 2011

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Bibliocidio burocratico: Vigilancia Sanitaria faz holocausto de livros...

Estou exagerando, claro, mas é o que penso: genocídio cultural é o mínimo que se pode dizer quanto a esse gesto burocrático da Vigilância Sanitária contra uma farmácia de Brasília que também oferecia, no meio dos seus remédios e outros instrumentos salvadores do corpo, duas estantes de salvadores da alma, ou seja, LIVROS.
E digo genocídio burocrático pois se assemelha muito ao espírito nazista que fez com que vários cidadãos comuns, perfeitos burocratas, se aliassem objetivamente e participassem ativamente do genocídio humano perpetrado contra judeus e outros indesejáveis no quadro daquele vasto empreendimento criminoso que passou à História sob o nome de Holocausto.
Hannah Arendt, escrevendo sobre o julgamento do nazista de Auschwitz Eichmann, falou sobre a "banalidade do mal", ou seja, crimes cometidos banalmente, sem qualquer ânimo prévio de causar mal, apenas cumprindo ordens, neste caso uma determinação da Vigilância Sanitária que impede as pessoas de curar, ao lado das aflições mais corpóreas, angústias da alma, ou simplesmente impede que as pessoas tenham seus momentos de felicidade, tomando livros como empréstimo gratuito numa farmácia.
Leiam parte da matéria, eu volto em seguida, furibundo...
Paulo Roberto de Almeida

Sem livros na prateleira
Leilane Menezes
Correio Braziliense, 24/02/2011

Era pouco antes do meio-dia, na terça-feira da semana passada, quando uma fiscal da Vigilância Sanitária do Distrito Federal entrou em uma das farmácias da 302 Sul. Entre duas prateleiras de remédios, ela avistou quatro estantes cheias de livros. Depois de investigar o motivo de os exemplares estarem ali, a mulher descobriu que se tratava de uma biblioteca comunitária.
A fiscal então preencheu uma notificação, destinada ao dono da drogaria, estabelecendo o prazo de cinco dias para a retirada dos livros daquele ambiente. Explicou que a presença de publicações vai contra a lei federal que regulamenta a atividade das drogarias. E não abriu possibilidade de negociação (veja Nota da Vigilância Sanitária).
(...)
A farmácia da 302 Sul, portanto, continua com sua destinação original, a de oferecer produtos que ajudem na cura de diferentes tipos de enfermidades. Palavras e pensamentos impressos -- que muitas vezes podem trazer conforto espiritual -- não estão mais disponíveis ali.
(...)
Nota da Vigilância Sanitária
"Realmente, a fiscalização da Vigilância Sanitária esteve no local, solicitando a retirada dos livros. Isso ocorreu pelo fato de o funcionamento de uma exposição de livros dentro de uma farmácia ser proibido por lei. De acordo com a norma RDC 44/2009 da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Lei Federal n. 5991, de 1973, drogarias só podem expor e comercializar remédios. Qualquer outra mercadoria vai contra a lei e deve ser retirada."

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Comento (PRA):

Desculpem, mas vou escrever em caixa alta tamanha a minha indignação.

A LEI NÃO DEVE FALAR EM LIVROS, ELA APENAS PROÍBE QUE FARMÁCIAS COMERCIALIZEM QUALQUER OUTRO PRODUTO. A LEI E A ANVISA SÃO FASCISTAS, ELAS INTERFEREM NA NOSSA VIDA, PROIBINDO QUALQUER COISA QUE, MESMO NÃO PREVISTO NA LEI, O FISCAL BUROCRATA, OUTRO FASCISTA, ENTENDA QUE SEJA CONTRÁRIO AO NOSSO BEM ESTAR. A LEI PRETENDE NOS DEFENDER DE NÓS MESMOS.

Trata-se, obviamente, de um bibliocídio, dos mais nefastos. A Nota da Anvisa prova o caráter fascista dessa burocracia estúpida que pretende nos proteger contra nós mesmos. Ou seja, não podemos ter acesso a livros numa farmácia. E reparem que a nota sequer menciona "perigos" potenciais que poderiam representar livros usados (ácaros, traças, etc) para os remédios (aliás hermeticamente fechados). Não. Se trata de uma regulamentação fascista que impede que uma farmácia tenha qualquer outra coisa que não remédios. Uma norma burocrática perfeitamente imbecil e restritiva da liberdade dos cidadãos.
Paulo Roberto de Almeida