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quarta-feira, 6 de março de 2019

Meu amigo Sergio Florencio me escreve lamentando a exoneracao

O embaixador Sergio Florêncio é uma das almas mais puras que já encontrei na carreira, não no sentido espiritual, ou religioso, mas num sentido simplesmente humano, demasiadamente humano, como diria Nietszche.
Tomando conhecimento de minha exoneração, ele imediatamente escreveu a mim e ao embaixador Ricupero, que também acompanhou a novela, e ainda remeteu ao texto que ele leu na homenagem que me prestou em agosto de 2018, quando de minha promoção tardia (por obras e artes do congelamento a que fui submetido durante o lulopetismo).
Sem que ele me tenha autorizado, mas sabedor de seu espírito aberto, tomo a liberdade de postar sua mensagem, com o meu agradecimento enfático a tão grande amigo.
Paulo Roberto de Almeida

Queridos Paulo e Ricupero,

Confesso meu sentimento de profunda revolta e frustração com o exoneração do Paulo do IPRI.
Fui testemunha e participante do que considero a mais inspirada e criativa gestão desse importante instituto de pesquisa do Itamaraty.
A revolta vem naturalmente da injustiça com um diplomata que soube,  com o sacrifício pessoal e familiar, transformar um instrumento de pesquisa de uma instituição oficial em um verdadeiro celeiro de ideias. Um Think Tank  com a participação de  renomados professores e pesquisadores do Brasil e de diversas partes do mundo. Esse enorme esforço pessoal traduzia  o compromisso mais profundo do Paulo com o debate democrático, aberto e plural.
Essa " chama da alma"  junguiana do Paulo jamais será apagada.  As tentativas foram muitas e com colorações ideológicas diversas. No passado recente, o respeito ao contraditório sempre exercido pelo  Paulo foi golpeado com o ostracismo praticado no período Lula/Dilma/ Celso Amorim.
O curto período da gestão Aloysio Nunes teve a grande virtude de resgatar a melhor tradição do Itamaraty - o respeito às diferenças e o convívio com o contraditório. Esse resgate teve o apoio decisivo de jovens diplomatas, como Eduardo Saboia - ele próprio vítima do furor repressivo do governo Dilma, após o ato corajoso de defender os direitos humanos do senador boliviano exilado em nossa Embaixada em La Paz pro mais de 400 dias - e Marcos Galvão - digno e virtuoso Secretário Geral do Itamaraty. O Chanceler resgatou a  tradição da Casa e promoveu Paulo Roberto a Embaixador, além de designá-lo Diretor do IPRI.
Esse gesto mereceu ampla aclamação. Promovi então um encontro dos muitos que apoiaram esse resgate da justiça na nossa instituição e daqueles que foram os artífices dessa importante mudança de rumos. Procurei traduzir esse sentimento em uma saudação ao amigo Paulo.
Ontem esse sentimento de júbilo que marcou o reconhecimento institucional do valor do Paulo foi novamente golpeado - foi afastado  de forma injustificável do cargo de Diretor do IPRI. O júbilo cedeu lugar à frustração. 
Uma vez mais a chama do Iluminismo cede lugar às trevas.
Minha frustração  é imensa e certamente traduzo - na qualidade de  Embaixador aposentado e atual Professor de História da Política Externa do Instituto Rio Branco -  a desolação dos muitos que não estão em condições de dar transparência a essa indignação.
Nesta madrugada me lembrei muito do momento em que Paulo teve o reconhecimento da instituição e foi galgado a seu mais alto posto. Esse resgate da memória provocou um sentimento de profunda frustração ao ver uma vez mais erguida a bandeira das trevas. Mas também fez ressurgir em mim  a consciência de que a alma genuína da instituição falará mais alto e a trajetória de virtudes do passado superarão os vícios obscurantistas do presente.
Com muito afeto para vocês do
Sergio

Histórias 2018   Paulo Roberto Embaixador.  
Encontro em nossa Casa.
 Brasília, 9 de agosto de 2018.

Sônia, Carmen Lícia e eu somos muito gratos à presença de todos vocês aqui. Essa confraternização tem no seu íntimo o coração e a razão de cada um de vocês. Vocês produziram o significado desse encontro.
A promoção do Paulo para mim se situa entre as mais tardias e injustamente adiadas  que conheci em mais de 40 anos de Itamaraty.  Por isso mesmo, ao receber a bela notícia, me veio um sentimento muito profundo: não é a promoção do Paulo, é o Itamaraty que está sendo promovido.
Assim, o significado desse encontro é louvar essa conquista, que resgata para  a nossa instituição aquilo que ela tem de mais nobre e digno – a excelência, o convívio com as diferenças, a aceitação do pluralismo, do contraditório e do debate interno de onde nasce a luz.
Paulo representa para mim a  inteligência contestatária – essa vertente que a instituição teve a sabedoria de preservar ao longo de sua história. Mas que infelizmente esqueceu na última década  e meia.  E o Paulo simbolizou – mas não mais simboliza – esse esquecimento.
Hoje é, portanto, um dia de celebração, de júbilo, de encontro de uma instituição consigo mesma, com o melhor de sua trajetória.
Todos que aqui estamos temos uma enorme identidade com essa vocação tão genuína do Itamaraty.  Mais que isso, muitos que aqui estão são os atores que viraram a página da história e retomaram o capítulo que resgata o fio da meada e o sentido do enredo.
Conheci Paulo no início do Mercosul, ele  assessor do Rubens Barbosa, e eu Chefe da primeira Divisão do Mercosul, junto com dois que aqui estão – Eduardo e Ernesto – e outros,  com João Mendes, Haroldo e Mauro. Já ali era visível sua obstinação pelo conhecimento multidisciplinar, pela pesquisa, pela rebeldia esclarecida e pela irreverência intelectual que corre nas suas veias e estimula seus neurônios.


Sempre admirei essa essência anímica do Paulo – essa junguiana “ chama da alma” -   apesar de algumas  visões discordantes  e de o ter aconselhado muitas vezes a arrefecer a chama, mas jamais extingui-la.  Na verdade meu receio maior não derivava daquela essência anímica  do Paulo, mas dos  Bombeiros de Farenheit 451, que  poderiam inverter a direção das labaredas.
Num sentido mais remoto, a admiração por essa essência do Paulo tem suas origens na minha infância. Meu pai era nordestino do Sertão do Seridó e veio para a Capital Federal de pau de arara.  Minha mãe estudou no Sacré Coeur, tocava piano e falava francês.  Ela gostava de valsa, ele amava o baião. Sou produto dessa miscigenação cultural. 
Miscigenação que talvez tenha gerado em mim  -  depois de tantos anos de análise – uma individuação de tom conciliatório. Mas também gerou uma afinidade eletiva bem maior com a vertente nordestina, irreverente. Essa afinidade que toda a vida me identificou muito mais com a simplicidade da terra do nordeste do que com a estética educada e refinada do sul.
Na casa de vila da nossa infância, todas as semanas tínhamos o convívio com cantadores, violeiros, repentistas, trovadores , poetas do nordeste. A miscigenação entre o rapaz nordestino e a moça do Sacré Coeur produziu em mim um gosto pelas diferenças, pelos contrastes.  Mas, talvez pela força do apelo telúrico, a irreverência  do baião sempre pulsava mais alto que a delicadeza da valsa.  Por isso, nunca alcancei o teclado do piano, não cheguei aos pés – nem às mãos – de um violino.  Mas gosto muito de tocar um pandeiro. Irreverência freudianamente sublimada? Talvez.
Por isso,  creio que no meu sangue pulsa também esse inconformismo que o Paulo simboliza.  Mas no meu caso prevaleceu muito mais  o traço de uma irreverência emocional.  Não tanto a  obstinação intelectual, que é  a marca da vida e da alma do Paulo. Obstinação que alimenta uma irreverência iluminista, a destruição criadora do admirado Schumpeter, um Grande Sertão que precisa conviver com as Veredas do nosso Itamaraty.
Bom. Vou ficando por aqui. Uma vez mais, minha gratidão – e a de Sônia e de Carmen Lícia – pela presença de vocês.  Vocês que resgataram a alma da instituição, construíram o encontro com seu self mais verdadeiro, ao  virar a página da sombra e saudar o sol da convivência com os contrários, ao abraçar o pluralismo – a marca maior das grandes instituições.
Minhas desculpas por esse monólogo absurdamente longo.  E que me fez desrespeitar o conselho de nosso terceiro filho Thiago, quando comemorava nove anos de idade.  Nessa época eu chefiava a Divisão de Estudos e Pesquisas Econômicas do Itamaraty. Mas tinha também um encargo adicional e absorvente de preparar conferências e discursos para o então Secretário Geral, nosso brilhante e sempre inspirado Marcos Azambuja.  Isso me impedia, em muitos fins de semana, de jogar o futebol que tanto amo com os filhos.  O Thiago se ressentia muito.
Assim, quando perguntaram, naquele aniversário, o que ele queria ser quando crescer, ele simplesmente ficou calado.  Depois de tanta insistência, ele finalmente respondeu. Uma resposta  à la Paulo Roberto de Almeida. Ele simplesmente disse: “ Eu não sei o que vou ser quando crescer. Mas eu sei o que não quero fazer quando crescer. Não quero fazer conferência e discurso.” 
Nossa gratidão – minha, da Sônia e da Carmen Lícia - a todos vocês por estarem na intimidade conosco num momento tão rico de significados para o Paulo, para todos nós e para a nossa instituição.

Sergio Abreu e Lima Florêncio

Brasília, 9 de agosto de 2018.

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